Marina programática pragmática: dilemas de uma candidata presidencial

June 16, 2017 | Autor: M. Amazonas Monteiro | Categoria: Sociedade do Espetaculo, Marina Silva, Campos Sociais, Eleição presidencial 2014
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II Seminário Mídia, Política e Eleições

Marina programática pragmática: dilemas de uma candidata presidencial Marcia Amazonas Monteiro*

Resumo

O presente artigo trata dos dilemas da sociambientalista Marina Silva como candidata presidencial em 2014, transitando entre o programático e o pragmático. Para tanto, iremos analisar a cobertura jornalística realizada pela revista Veja desde a aliança de Marina Silva com o pessebista Eduardo Campos até a derrota da candidata ainda no primeiro turno, utilizando como aporte teórico a noção de “campo” de Pierre Bourdieu, Guy Debord e a A Sociedade do Espetáculo, Patrick Charaudeau e seu Discurso Político e Roger-Gerard Schwartzenberg, autor de Estado Espetáculo. Marina Silva, que tentava viabilizar o seu partido Rede Sustentabilidade para disputar o pleito de 2014, viu sua intenção frustrada com a negativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em registrar o novo partido, sob o argumento de que não se atingira o mínimo de 492 mil assinaturas válidas. Na data limite para inscrição dos partidos interessados em concorrer ao pleito, Marina Silva surpreendeu o mundo político ao firmar aliança com o pré-candidato pessebista Eduardo Campos. Após meses de pré-campanha, a chamada “aliança programática” é interrompida abruptamente com a morte do candidato e seus assessores em acidente aéreo. Após obter o apoio da família de Eduardo Campos, Marina assume a candidatura e passa a disputar o pleito contra a presidente petista Dilma Rousseff e o candidato Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Depois de uma ascensão meteórica na preferência do eleitorado e de sofrer duros ataques da campanha petista, Marina chega às vésperas do primeiro turno empatada com o candidato “tucano”. E em mais uma reviravolta, Aécio ultrapassa Marina e segue para o segundo turno. Terceira colocada na disputa, Marina decide adotar uma postura oposta àquela de 2010, quando concorrera pelo Partido Verde (PV) e optara pela neutralidade. Mais pragmática, negocia com Aécio Neves a inclusão de algumas bandeiras de seu programa e manifesta seu apoio ao candidato, recomendando o voto. A eleição, uma das mais acirradas das últimas décadas, termina com a presidente Dilma reeleita para mais um mandato presidencial.

Palavras chaves (5): Eleição Presidencial. Eduardo Campos. Marina Silva. Teoria dos Campos. Sociedade do Espetáculo. * Mestranda em Comunicação pela Faculdade Casper Líbero – [email protected]

Introdução

A eleição presidencial de 2014 entrou para a história como uma das mais acirradas e imprevisíveis desde a redemocratização do Brasil, cuja decisão final se deu entre a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e o candidato “tucano” Aécio Neves, representante do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A reeleição da presidente, por pouco mais de 3 milhões de votos, foi a clara representação de um País dividido entre dois projetos de poder. Um dos novos personagens da campanha era Eduardo Campos, líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB). O candidato, um antigo aliado do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, fora Ministro da Ciência e Tecnologia entre 2004 e 2005. Seu partido, o PSB, integrara a base aliada de sustentação dos governos petistas desde a ascensão de Lula ao poder, em 2003. Assim se deu até setembro de 2013, quando a aliança dos pessebistas com os petistas foi rompida. Eduardo preparava ali seu vôo solo, na tentativa de se cacifar para a eleição de 2018 ou até mesmo chegar à Presidência da República já em 2014. Paralelamente, outra antiga aliada do ex-presidente Lula, a socioambientalista Marina Silva, também movimentava-se para disputar o pleito. Para tanto, precisava obter o registro do seu partido Rede Sustentabilidade junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2010, Marina fora candidata presidencial pelo Partido Verde (PV) e conquistara com sua “onda verde” o terceiro lugar no primeiro turno, com mais de 19 milhões de votos. Em 2014, o campo político esperava que ela disputasse o pleito com seu próprio partido. Entretanto, a socioambientalista viu seus planos frustrados pelos ministros do TSE, que negaram em 3 de outubro de 2013 o pedido de registro do estatuto do Rede Sustentabilidade, por número insuficiente de assinaturas válidas. Em uma manobra política surpreendente até para seus próprios apoiadores, Marina procurou o pessebista Eduardo e propôs uma aliança às vésperas do prazo limite para concorrer ao pleito. No dia seguinte, 5 de outubro, Marina filiava-se ao PSB. A união, vista como “pragmática” ou mesmo oportunista, foi anunciada por ambos como uma “aliança programática” em prol de uma “nova política”, já que a intenção era oferecer ao eleitor uma alternativa à polarização entre PT e PSDB, que acontecia há décadas. A aliança Unidos pelo Brasil (PSB, Rede Sustentabilidade, PPS, PPL, PRP e PHS) tinha Eduardo Campos como cabeça de chapa e Marina Silva como vice. A expectativa no PSB era que ocorresse no médio prazo a transferência do capital político de Marina para Eduardo. No entanto, mesmo após meses de pré-campanha, Eduardo mantinha-se no patamar de 9% da

preferência do eleitorado. Tal fato gerava forte especulação na imprensa e no meio político de que viesse a acontecer uma inversão na chapa Eduardo/Marina, o que poderia ser feito até 20 dias antes da votação do primeiro turno da eleição presidencial, que aconteceria em 5 de outubro de 2014. Porém, em 13 de agosto de 2014, o imponderável aconteceu: Eduardo e seus assessores morreram em acidente aéreo a caminho de um compromisso de campanha na Baixada Santista. O fato provocou comoção nacional e uma reviravolta na eleição presidencial. Cinco dias após a morte de Eduardo Campos, em 18 de agosto, uma pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha revelava que caso Marina viesse a assumir a vaga de Campos entraria na disputa já empatada com o “tucano” Aécio Neves, ambos com 21%, enquanto a candidata à reeleição Dilma Rousseff obteria 36% da preferência do eleitorado. Sem Marina, Dilma chegaria a 41% e Aécio a 25%. De qualquer forma, o segundo turno era dado como certo. Após obter o apoio da família de Campos, Marina assumiu a vaga faltando menos de dois meses para o primeiro turno. Depois de uma ascensão meteórica nas pesquisas, que alarmou os concorrentes, chegou às vésperas do primeiro turno em empate técnico com o candidato “tucano” Aécio Neves. Abertas as urnas, Marina Silva conquistara o terceiro lugar com 21,32% dos votos válidos, sendo superada de forma expressiva por Aécio Neves, com 33,55% e Dilma Rousseff, com 41,59%. Vale destacar que o desempenho de Marina foi superior ao obtido quatro anos antes com o Partido Verde, quando chegara a 19,33% da preferência do eleitorado. Restava saber qual seria o posicionamento de Marina no segundo turno. Apoiaria um dos candidatos ou faria como em 2010, quando optou pela neutralidade? Mais uma vez a Marina Silva de 2014 surpreendeu o mundo político ao apoiar na reta final o candidato “tucano” Aécio Neves contra Dilma Rousseff. Uma atitude que soou contraditória, já que ao longo da campanha Marina recusara-se a subir em palanques regionais onde houvesse aliança entre o PSB de Campos e o PSDB de Aécio, como em São Paulo, maior colégio eleitoral do País. Mesmo contando com o apoio formal de Marina Silva e da família do candidato Eduardo Campos, Aécio Neves perdeu a eleição para a presidente Dilma Rousseff, que reelegeu-se com 51,64% dos votos válidos contra 48,36% do candidato “tucano”, na eleição presidencial mais disputada da história do Brasil.

A trajetória política de Marina Silva parece ser emblemática no que se refere às contradições e dilemas vivenciados por boa parte dos atores políticos na atualidade.

Em sua obra O Estado Espetáculo, Roger-Gérard Schwartzenberg chama a atenção para a transformação da política em espetáculo, referendando a abordagem adotada por Guy Debord em Sociedade do Espetáculo, obra lançada em 1967. Para Schwartzenberg, se antes o poder era uma abstração, hoje pode-se afirmar que a política está centrada nas pessoas, nos personagens. Há uma inegável personalização do poder, com o consequente esvaziamento das ideologias partidárias. O homem político vem procurando cada vez mais impor uma imagem de si mesmo que capte e fixe a atenção do público. Essa imagem é uma reprodução mais ou menos fiel dele mesmo. É o conjunto de traços que ele preferiu apresentar à observação pública. É uma seleção, uma recomposição. (SCHWARTZENBERG, 1977, pg. 11)

A intenção de Marina Silva, na juventude, não era a de ingressar na vida política, mas sim tornar-se freira, devido a sua inclinação religiosa. Entretanto, após conhecer na capital acreana dom Moacyr Grecchi, alinhado à Teologia da Libertação, movimento de inspiração cristã que defende a aproximação com os pobres e a mudança social, Marina passou a frequentar as atividades das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Posteriormente, fez um curso de liderança sindical rural ministrado pelo teólogo Clodovis Boff e pelo líder seringueiro Chico Mendes, do qual tornou-se companheira inseparável. O sonho de ser freira ficou no passado. Marina engajou-se na luta social e passou a integrar os quadros do Partido Revolucionário Comunista (PRC), organização política de orientação marxista, e em 1984 ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Acre. Posteriormente, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), onde militou por mais de duas décadas até 2009, quando então seguiu para o Partido Verde (PV), concorrendo como candidata à Presidência da República em 2010. Desligou-se do PV em julho de 2011 e, a partir de então, passou a mobilizar seu grupo de apoiadores para fundar um novo partido, o Rede Sustentabilidade, com o qual pretendia concorrer como candidata presidencial em 2014. Frente à negativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em registrar o estatuto do partido, por número insuficiente de assinaturas, Marina Silva procurou o pré-candidato Eduardo Campos, líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB), para propor uma aliança. Foi dessa forma que Marina Silva conseguiu viabilizar sua participação na campanha eleitoral de 2014, inicialmente como vice de Campos e posteriormente, em razão da morte do candidato, como cabeça de chapa na coligação Unidos pelo Brasil. Em sua trajetória política pelos vários partidos é possível perceber a significativa transformação vivenciada por Marina Silva, de comunista revolucionária a sociambientalista defensora de “alianças programáticas”, que para ela funcionariam como um antídoto ao

fisiologismo e pragmatismo existentes no campo político. Ocorre que, do discurso à prática, nem sempre é possível manter-se purista.

Patrick Charaudeau, em sua obra Discurso Político, nos ajuda a melhor compreender os dilemas enfrentados pelos atores políticos na atualidade quando define o discurso político como o lugar de um “jogo de máscaras”. Para ele, toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Não deve ser tomada “ao pé da letra”, mas sim como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano. As estratégias discursivas empregadas pelo político para atrair a simpatia do público dependem de vários fatores: de sua própria identidade social, da maneira como ele percebe a opinião pública e do caminho que ele faz para chegar até ela, da posição de outros atores políticos, quer sejam parceiros ou adversários, enfim, do que ele julgar necessário defender ou atacar: as pessoas, as idéias ou as ações. (CHARAUDEAU, 2011, pg. 82)

Ainda de acordo com o autor, no campo político a construção das imagens só é válida se for voltada para o público, pois funciona como suporte de identificação, via valores comuns desejados. O ethos político mergulha nos imaginários populares mais amplamente partilhados, em nome de uma espécie de contrato de reconhecimento implícito. O político coloca sua própria pessoa para alimentar o desejo de identificação do cidadão, que assim participa por procuração da realização de um projeto político. (CHARAUDEAU, 2011, pg.94)

Sobretudo em tempos de campanhas eleitorais, essa identificação entre o eleitor e o candidato torna-se de capital importância para o sucesso e crescimento de uma candidatura.

Pierre Bourdieu abordou em suas obras as características dos diversos campos sociais (político, midiático, econômico etc.), a influência e o embate permanente entre os mesmos. O sociólogo francês definiu campo como um espaço social estruturado, um campo de forças. Há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdades, que se exercem no interior desse espaço, que é também um campo de lutas para transformar ou conservar esse campo de forças (BOURDIEU, 1997, pg. 57).

A atuação desses campos de forças parece ficar ainda mais evidente nos períodos eleitorais, quando as forças dominantes, sejam elas políticas, econômicas etc., disputam terreno no campo midiático em busca de visibilidade para exercer seu poder. A própria mídia é um campo com suas particularidades e interesses, manifestos na maneira como atua em prol desse ou daquele candidato, sob a capa da imparcialidade jornalística.

A mídia como ator político Três dias antes de Marina buscar o entendimento com Campos, a revista Veja já alertava em sua edição de número 2341 (02/10/2013) que a eleição presidencial de 2014 não iria resumirse a uma previsível disputa entre petistas e tucanos. Na chamada de capa A briga vai ser a melhor em mais de 20 anos era possível ver as fotos dos quatro pré-candidatos – Dilma Rousseff, Marina Silva, Aécio Neves e Eduardo Campos. A matéria intitulada Um cenário diferente lembrava que José Serra também poderia entrar na disputa e que aquela seria uma semana decisiva para Marina e Serra (do Partido da Social Democracia Brasileira), que deveriam sinalizar quais seriam seus planos em razão do fim do prazo para a filiação dos que pretendiam candidatar-se, que se encerrava em 5 de outubro de 2013. Serra perdera espaço como pré-candidato do PSDB para Aécio Neves e cogitava-se a hipótese de que Serra poderia até mesmo deixar o partido – o que acabou não acontecendo, já que o político candidatou-se ao Senado por São Paulo e conquistou a vaga. A publicação também mencionou que Marina não conseguira entregar ao TSE as 492 mil assinaturas de apoio à Rede Sustentabilidade, exigidas pela legislação. O grupo político de Marina divergia sobre o caminho a ser trilhado, caso a Rede não saísse do papel. Uma ala defendia a idéia de que ela não se filiasse a outra sigla, outros que Marina deveria entrar em um partido qualquer e, portanto, no páreo da sucessão. A revista destacou uma frase dita por ela: “Será um escândalo se a Rede não for avalizada, depois da criação do PROS e do Solidariedade.”

Já na edição de número 2342 (09/10/2013) a revista Veja repercutiu a negativa do TSE de validar o Rede Sustentabilidade. A chamada de capa A Escolha de Marina remetia à matéria que destacava o dilema da socioambientalista: manter intocáveis os seus princípios ou ceder ao pragmatismo? Em destaque, uma frase de Marina: “Nem direita nem esquerda, estamos à frente”. A publicação nominava seus aliados: entre os “sonháticos” estavam André Lima e Maria Alice Setubal, esta última uma das herdeiras do Banco Itáu. Os “sonháticos” argumentavam que Marina iria perder toda a credibilidade se trocasse seu sonho pelo pragmatismo político. Do outro lado, defendendo sua filiação e candidatura por outro partido, estavam os políticos Walter Feldman e Alfredo Sirkis. “Não dá para esperar 2018, sua chance é agora. É loucura jogar 20 milhões de votos no lixo”, argumentara Sirkis. Ainda de acordo com o texto, somente em fevereiro de 2013 o grupo de Marina começara a coletar as assinaturas para criar a Rede, depois de passar dois anos e meio desde a eleição de

2010 “brigando” com o Partido Verde e debatendo se deveria construir um novo partido ou se incorporar a algum já existente. O texto destacava outra declaração de Marina: “Política não é só eleição. Quem diz isso pode ser chamado de ingênuo ou mal intencionado... Não podemos aceitar a redução do debate aos termos da disputa de votos, assim como não podemos medir o desempenho de um governo apenas pelos seus índices de popularidade.” De acordo com Veja qualquer decisão que Marina tomasse na ocasião teria impacto decisivo na eleição presidencial. No contexto da matéria, a frase “se mantiver a candidatura dará a largada como a grande rival da presidente Dilma Rousseff” não deixou margem à dúvidas: a revista Veja estava engajada no processo eleitoral e esperava que Marina fizesse o mesmo.

A edição de número 2343 (16/10/2013) de Veja não trazia qualquer chamada de capa referente à eleição de 2014. Os assuntos em destaque eram o “mensalão” e a tentativa da Polícia Federal de rastrear as contas no Exterior que teriam irrigado a campanha do PT. Porém, havia um texto sobre a aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva. A matéria Unidos contra o PT mostrava imagens de ambos sorrindo e lembrava que eles tinham a intenção de superar divergências. Eduardo foi definido como um “liberal nos costumes”, em razão da postura adotada quando era ministro da Ciência e Tecnologia no governo Lula, comandando a aprovação de pesquisas com célula-tronco e defendendo a liberação do aborto nos casos já previstos em lei. Campos também mostrava-se um defensor do agronegócio, porém fora criticado por ambientalistas em virtude da construção do porto de Suape (PE), que rendera R$ 2,5 milhões em multas ao seu governo, por danos aos manguezais. Já Marina era retratada como “conservadora nos costumes”, fiel da Assembléia de Deus, contrária às pesquisas com célula tronco e ao aborto. Na breve entrevista com Campos, sob o título Chega de PT x PSDB, o político revelou que a união com Marina não era uma aliança entre iguais, mas de dois projetos distintos que por contingência haviam se unido. Lembrou que sua candidatura já estava posta quando Marina veio “adensar o projeto”. Em outra entrevista na mesma edição Veja deu ênfase à frase de Marina Não Ajo por Vingança, destacando que para a socioambientalista a aliança não era contra ninguém, mas a favor da política. Marina afirmara ainda que a defesa dos direitos dos índios, da reforma agrária e do meio ambiente eram valores essenciais para ela, complementando: “Só uma terceira força poderá mudar o País”.

Foi possível observar nas três edições consecutivas da revista Veja um papel de destaque atribuído à figura de Marina Silva. O teor jornalístico das matérias sublinhava os percalços da

socioambientalista desde a demora na coleta das assinaturas pela Rede Sustentabilidade ao suposto boicote dos cartórios eleitorais da região do ABC, reduto petista, destacando ainda a divisão que existia no grupo de apoiadores. Para Veja, Marina era uma figura importante para o pleito, apesar de seus dilemas. Percebe-se da parte de Marina Silva a intenção de retratar a aliança como “programática”, de forma a traduzir o seu gesto de aproximação com Eduardo Campos como um parceria voltada aos interesses do País e não como um “casamento de conveniência”, com fins eleitoreiros. Desde os tempos de PV, Marina tem buscado posicionar-se como uma representante da “nova política”, menos fisiológica e pragmática. O campo jornalístico, entretanto, nem sempre adota a versão mais conveniente à candidata. Após a aliança entre Marina e Eduardo se concretizar, a publicação passou a comparar os dois políticos no que tinham em comum ou divergiam. Eduardo seria um “liberal” e Marina uma “conservadora” nos costumes, que uniram-se contra o PT “não por vingança”, mas em prol de uma “terceira força para mudar o Brasil”. Pode-se perceber nesses enunciados que Veja buscava valorizar a aliança política que se apresentava como alternativa ao PT e ao PSDB. É interessante observar que Eduardo

Campos não

falava inicialmente em “aliança

programática”, mas sim em dois projetos distintos que se uniram em razão de contingências. Afirmou inclusive que sua candidatura já estava posta e que Marina viera “adensar o projeto”. Somente depois o candidato alinhou seu discurso ao de Marina, definindo a parceria como “programática”.

Feita a aliança, Veja passou a focar-se no pré-candidato Eduardo Campos, que embora fosse uma liderança regional emergente, ainda era desconhecido em nível nacional. A tendência era a de que ele viesse a se confirmar como cabeça de chapa, tendo Marina Silva como vice. Ao longo das demais edições da fase de pré-campanha, a revista pautou temas como velhas práticas políticas, a antiga parceria de Eduardo Campos com os petistas, as retaliações e manobras do PT em relação ao ex-aliado Campos, bem como a possibilidade de Aécio Neves, candidato do PSDB, de “virar o jogo”. O noticiário seguiu sem grandes alterações até meados de agosto, quando se deu a inesperada morte de Eduardo Campos em acidente aéreo junto com a sua equipe, em 13 de agosto.

A súbita morte de um candidato presidencial em plena campanha traz elementos dramáticos com potencial para serem utilizados de forma espetacularizada pelos campos midiático e jornalístico. Essa tendência pôde ser observada nos dias seguintes à morte de Eduardo

Campos, quando o candidato passou a ser o principal assunto nos principais órgãos de comunicação. Guy Debord, filósofo, crítico cultural e cineasta francês, foi o primeiro a discorrer sobre um mundo cada vez mais submetido à espetacularização. Autor das obras A Sociedade do Espetáculo e Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo, afirmou que nas sociedades modernas tudo o que antes era diretamente vivido passara a se dissolver na fumaça da representação. Conforme Debord, espetáculo não é um conjunto de imagens, mas sim uma relação social entre as pessoas, mediatizada por imagens. O filósofo também chamava a atenção para o discurso espetacular, que tenderia a calar tudo o que lhe convém e não deixaria espaço para a resposta. Esse discurso se apresentaria isolado do ambiente, do passado, das intenções, das consequências, “totalmente ilógico”.

Eduardo Campos, cuja candidatura ainda não decolara até sua morte, apesar de ter como vice Marina Silva, transformou-se da noite para o dia em uma espécie de “herói nacional”, que não tivera tempo de colocar em prática seus ideais. Na esteira da comoção nacional e da espetacularização midiática, Eduardo Campos foi matéria de capa em praticamente todas as principais revistas de informação do País. A edição de número 2387 de Veja destacou a frase que o candidato dissera na véspera de sua morte, durante entrevista ao telejornal Jornal Nacional: “Não vamos desistir do Brasil”. Na capa, o político trazia o semblante coberto por sombras sobre um fundo preto. A matéria principal, intitulada “Vôo para a Morte”, destacou a maneira como o candidato encerrou sua entrevista ao telejornal, “com o vigor dos resolutos” e a costumeira confiança, sua marca. Foi dito também que o político tinha um caráter centralizador, cercava-se de familiares no governo, deixava-se influenciar por poucos e não hesitava em selar acordos com adversários. O texto lembrava ainda a frase da esposa Renata Campos sobre a tragédia, a de que “a morte bateu na porta errada.”

Revista Veja – edição 2387 (20/08/2014)

Em outra matéria na mesma edição, intitulada “A Sucessora”, Veja define Marina como uma coadjuvante discreta, leal e disciplinada, destacando que a entrada da candidata na corrida eleitoral não era boa notícia para Dilma e Aécio, pois forçaria um segundo turno e Aécio poderia ficar fora da disputa. A publicação lembrou também que Marina era a segunda na preferência dos manifestantes que foram às ruas em junho de 2013, atrás apenas de Joaquim Barbosa, que fora presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto destacou o fato da hashtag RIP Eduardo Campos ter alcançado o primeiro lugar no ranking mundial da rede social Twitter e que a aposta dos petistas, a partir de então, era a de que Dilma iria crescer no Nordeste, sem a presença de Campos na corrida presidencial.

Uma semana depois, em 27 de agosto, Veja trouxe na edição de número 2388 matéria de capa com Marina sorrindo e a indagação: “Marina presidente?”. Em três matérias, destacou sua fulminante ascensão, sua reputação internacional, o baixíssimo índice de rejeição, a aprovação do mercado ao seu nome e o empate técnico com Aécio Neves. Entretanto, a publicação não hesitou em chamá-la de “esfinge”, deixando clara sua desconfiança em relação à candidata.

Revista Veja - edição 2388 (27/08/2014)

A edição de número 2389 (03/09/2014), com a capa Como Dilma e Aécio pretendem parar Marina, trouxe matéria sobre as estratégias de ambos os políticos para “segurar o fenômeno eleitoral”. Com o título Quem Segura esta Mulher? a revista Veja é um tanto irônica ao afirmar que a candidata é “firme na retórica mas opaca no conteúdo”, possuindo um discurso inatacável a favor de tudo o que é bom e contra tudo o que é ruim. Vai ainda além, ao afirmar que o maior espanto está no fato de que “dezenas de milhões de eleitores querem lhe dar uma chance”. Percebe-se que a publicação passou a adotar um tom crítico e até alarmista em relação a candidata, que representaria uma “aventura de futuro incerto”. Veja lembrou também que até aquele momento o Partido Socialista Brasileiro (PSB) não havia esclarecido a quem pertencia o jatinho utilizado por Eduardo Campos desde maio para percorrer o Brasil. “Jatinhos emprestados e corrupção são um clássico da velha política”, alertava a publicação.

Revista Veja – edição 2389 (03/09/2014)

Já na edição de número 2390 (10/09/2014), Veja mencionou que Marina estava sob fogo cerrado de seus adversários. Enquanto Dilma a comparava a Collor, “do partido do eu sozinho”, Aécio a criticava pelo “conjunto de contradições”. Embora Marina figurasse nas pesquisas empatada com Dilma no primeiro turno e à frente da presidente no segundo turno, previa-se uma ligeira queda na intenção de votos em Marina em razão da candidata ter retirado seu apoio à criminalização da homofobia e ao casamento gay, diante das críticas proferidas pelo pastor evangélico Silas Malafaia. Paralelamente, “cardeais marineiros” como Walter Feldmann e Álvaro de Souza estariam procurando representantes do mercado financeiro para convencê-los de que Marina teria mais facilidade para governar o País do que

Aécio, visto que o mesmo teria de enfrentar uma ferrenha oposição petista caso ganhasse a eleição. “O Brasil tem quatro semanas para decifrá-la”, dizia a publicação.

A revista Veja de número 2391 (17/09/2014) trouxe na capa A fúria contra Marina, enfocando os fortes ataques sofridos pela candidata por parte da campanha petista. A matéria intitulada O PT passa o trator e Marina resiste descreveu uma reunião da alta cúpula do PT, inclusive com a participação do ex-presidente Lula, na qual fora decidido após o debate entre os candidatos no SBT que se deveria atacar Marina a qualquer custo. “Marina tinha virado uma

entidade

sagrada,

metade

Chico

Mendes,

metade

Steve

Jobs.

Era

preciso

dessacralizar...”. A publicação observara que a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff havia deixado de lado “todos os escrúpulos” ao divulgar peça de campanha na qual afirmava que a política econômica de Marina levaria os pobres a passar fome. “Pratos de comida desapareciam da mesa diante de olhos esfomeados...”. A publicação também chamou o sociólogo Diego Brandy, o especialista em análise de pesquisa que trabalhava com Eduardo Campos e agora estava com Marina, de marqueteiro “amador”. Veja chamou os ataques do PT de “ponto fora da curva”, enquanto a candidata reclamava que os dois partidos haviam se unido contra ela como “Golias contra Davi”.

Revista Veja – edição 2391 (17/09/2014)

Na edição seguinte, de número 2392, Veja trouxe na capa os três concorrentes, cada qual representando um atributo: Aécio (racionalidade), Marina (emoção), Dilma (poder). A matéria intitulada A emoção vai ao Palanque falou sobre um vídeo feito durante um discurso de Marina em Pernambuco, no qual a candidata, visivelmente emocionada, relatou um episódio marcante de sua infância, quando seus pais tinham apenas um ovo, farinha e sal para dar de comer aos filhos. “Quem viveu essa experiência jamais acabaria com o Bolsa Família”, dizia Marina. Para a revista, Marina passara a usar o apelo emocional, velha arma do PT, para disputar o pleito. Poderia ser um estratégia tardia, já que Dilma abrira vantagem sobre a concorrente, fato comemorado pelo marqueteiro João Santana. “A Marina está derretendo”. Já o “tucano” Aécio Neves estaria apostando na “onda da razão”.

A edição de número 2393 (01/10/2014) de Veja falou sobre o poder dos indecisos, sobretudo no Sudeste. A matéria, intitulada Eles vão decidir a eleição observava que a estratégia de Aécio Neves era insistir no voto útil para tirar o PT do governo, enquanto os marineiros pareciam “orgulhosos de sua pureza e amadorismo”. Marina fora enfática: “”Quero ganhar ganhando. Não vou ganhar perdendo, fazendo o mau combate”.

A capa da edição de número 2394 (08/10/2014), A Cartada Final, trazia as imagens de Marina e Aécio no último debate televisivo na TV Globo. Segundo a publicação, Aécio participara “com a faca entre os dentes”, enquanto Dilma permanecera na defensiva e Marina dizia estar sendo atacada por todos, adotando uma estratégia de vitimização. Marina e Aécio estavam empatados tecnicamente, segundo as pesquisas. Enquanto Aécio atacava Dilma, Marina mostrava-se rouca, cansada, com semblante tenso, mas ainda com disposição para atacar Dilma. A matéria mencionava também a opinião de aliados, que diziam que Marina havia errado ao colocar seu “purismo” acima das articulações partidárias por acreditar que a imagem da “nova política” seria suficiente para conduzi-la à vitória.

Revista Veja – edição 2394 (08/10/2014)

Realizado no dia 5 de outubro, o primeiro turno teve como vencedora a presidente Dilma Rousseff, com 41,59% dos votos válidos, seguida do candidato Aécio Neves com 33,55%. Já Marina Silva ficou em terceiro lugar, com 21,32%.

Na edição de número 2395 (15/10/2014), a revista Veja destacou em sua capa O fator surpresa, a inusitada “virada” de Aécio Neves, que teria conquistado 30 milhões de votos de um dia para o outro, às vésperas do pleito. Na matéria mencionava-se que o “tucano” era visto como derrotado até meados de setembro, mas que o candidato não desistira e inclusive abandonara as orientações dos marqueteiros e assessores, passando a olhar “olho no olho das pessoas”. O texto dizia ainda que o PSB e parte da Rede já tinham “embarcado” na campanha tucana, mas Marina Silva não. A socioambientalista ainda aguardava a resposta do PSDB para suas demandas, para fechar apoio.

Revista Veja – edição 2395 (15/10/2014)

Já na edição de número 2396 (22/10/2014), Veja trouxe a matéria Viagem à Mente dos Indecisos, alertando que seriam eles quem definiriam o próximo presidente da República. Ilustrando a matéria havia uma emblemática foto de Aécio Neves beijando as mãos de Marina, em agradecimento ao seu apoio, ao lado de Renata Campos, viúva de Eduardo Campos, de quem também obtivera apoio. No texto, chamava-se a atenção para o fato de que 15% do eleitorado decidira em quem votar apenas na véspera do primeiro turno – 6% no sábado e 9% no dia da eleição.

Revista Veja – edição 2396 (22/10/2014)

Conclusão

Os dilemas da candidata Marina Silva, entre o programático e o pragmático, evidenciaram-se na eleição presidencial de 2014. Desde os tempos de PV, a socioambientalista vinha fortalecendo sua imagem como defensora do desenvolvimento sustentável e representante de uma “nova política”, menos fisiológica. Durante cinco anos Marina fora Ministra do Meio Ambiente no governo Lula e após deixar o PT mantinha-se comprometida com a causa socioambiental, inclusive em âmbito internacional. Ao migrar para o PV, em 2009, Marina parecia ter encontrado o partido ideal para propagar seus ideais. Saiu como candidata presidencial e surpreendeu com a “onda verde”, acumulando expressivo capital político. Entretanto, em 2011, Marina decidiu deixar o PV por divergências internas. Desde então, Marina e seu grupo de apoiadores mobilizavam-se para lançar seu próprio partido, o Rede Sustentabilidade. Entretanto, até 2014, ano da eleição presidencial, o partido não conseguira obter seu registro junto ao TSE. Seu grupo estava dividido entre os “sonháticos” e os “pragmáticos”. Ao decidir abrigar-se no Partido Socialista Brasileiro (PSB), Marina adotou uma postura pragmática para participar do jogo político, embora insistisse em definir a aliança como “programática”, o que não deixou de ser verdade também, já que Eduardo Campos encampou

o ideal e o discurso “programático” trazido por Marina, agregando-o ao seu ethos discursivo. Vale destacar que Eduardo Campos buscava projetar uma imagem de político inovador junto ao eleitorado, em contraposição à imagem tradicional que se fazia dele como herdeiro político do lendário Miguel Arraes, seu avô. Principal revista semanal de informações do País, a revista Veja buscou influenciar os rumos da eleição ao apontar as contradições, fragilidades e o potencial dos candidatos. No caso específico de Marina Silva, era possível perceber um posicionamento ambíguo. Ora a publicação posicionava-se favoravelmente, quando a definiu como uma “coadjuvante discreta, leal e disciplinada” de Eduardo Campos, ora a definia como “enigma”, “esfinge” e “aventura”, reverberando as críticas de seus opositores. Em outro momento, Veja passou a defendê-la dos ataques do PT, ao mesmo tempo em que chamava o “marqueteiro” de Marina de “amador”, lembrando ainda que os “marineiros” pareciam orgulhosos de sua “pureza”.

Em 2014, Marina Silva tomou partido. Abandonou a postura de neutralidade que havia adotado no segundo turno das eleições presidenciais de 2010 e a substituiu por um posicionamento mais pragmático na composição das alianças políticas com Eduardo Campos e Aécio Neves, embora não tenha encampado um discurso de oposição clássico, mas sim um tom conciliador, de “terceira via”. Afinal, na “nova política” apregoada por Marina Silva, seria possível governar com os melhores quadros dos partidos. O tempo dirá se a utopia poderá transformar-se em realidade, tão logo Marina Silva tenha um partido “para chamar de seu”.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997 CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político – São Paulo: Contexto, 2011 DEBORD, Guy, A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Ebooksbrasil.com, 2003 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo – São Paulo: Círculo do Livro, 1977

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