Masculinidades corrompidas em dois romances de Adolfo Caminha. Presented at the 18th Annual Hispanic & Lusophone Studies Symposium, The Ohio State University, Columbus, OH (2015).

July 24, 2017 | Autor: Gabriel Mordoch | Categoria: Brazilian Literature
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The XVIII Annual Hispanic and Lusophone Studies Symposium at the Ohio State University Columbus, OH, April 10-11 2015 Império sem homens: masculinidades corrompidas em dois romances de Adolfo Caminha Gabriel Mordoch The Ohio State University

Introdução O que vou fazer nos próximos vinte minutos é discutir brevemente as principais personagens masculinas de A Normalista e de Bom-Crioulo, romances do escritor naturalista cearense Adolfo Caminha. Meu objetivo principal é mostrar que essas personagens se caracterizam de maneira negativa e moralmente decadente. A hipótese do trabalho é que tal decadência não resulta somente dos padrões estéticos característicos da

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literatura realista-naturalista, mas também reflete a oposição ideológica de Adolfo Caminha ao regime imperial brasileiro. Como sabemos, o governo imperial brasileiro foi substituido pelo regime republicano em 15 de novembro de 1889. Aqui por exemplo vocês podem ver uma representação do evento da proclamação da república pintado por Benedito Calixto. Esse quadro foi pintado 4 anos depois do evento. Para os que não estão familiarizados com a obra de Adolfo Caminha, vou introduzir brevemente um pouco de informação biobibliográfica.  Biografia

 Bibliografia

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Vamos começar falando de A Normalista [imagem, aqui vocês podem ver a capa e folha de rosto de uma cópia da primeira edição que se encontra na biblioteca de Harvard].

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O romance se passa em Fortaleza entre 1886-1889, ou seja, exatamente nos três anos que precedem o advento da república, e gira em torno da protagonista Maria do Carmo, uma jovem muito bonita, forte, um "esplendido typo de cearese morena" (14) conforme o narrador. Ela é filha de imigrantes pobres do interior do estado do Ceará, se torna orfã muito cedo, por isso tem que ir morar na casa do padrinho João da Matta e sua mulher, Dona Terezinha. Maria do Carmo frequenta a Escola Normal – instituição de ensino surgida no Brasil no século XIX destinada a capacitação de professores – por isso ela é uma normalista. Ela tem um eventual namorado, chamado Zuza, estudante de direito em Recife que a corteja desde o princípio do romance. Contudo, a normalista também será cortejada pelo próprio padrinho, João da Matta. Forma-se um triangulo amoroso. João da Matta engravida a Maria do Carmo contra a vontade dela. Nasce um bebê que, ao não sobreviver, simboliza a incompatibilidade de uma união: por um lado João da Matta, alegoria do império antiquado, por outro Maria do Carmo, metáfora da nova república. No fim da história Maria do Carmo se torna noiva do Alferes Coutinho, personagem que só aparece nas últimas páginas do romance. Coutinho é um personagem supostamente virtuoso, por isso está quase totalmente ausente do romance. Contudo, os personagens masculinos que protagonizam o romance são seres desprovidos de virtudes.

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A descrição de João da Mata, um burocrata magro e nervoso, não representa um modelo masculino exemplar, capaz de integrar uma nação moderna e promissora:

João da Matta era um sujeito esgrouvinhado, esguio e alto, carão magro de tysico, com uma côr hepathica denunciando os vicios de sangue, pouco cabello, oculos escuros atravéz dos quaes boliam dois olhos miudos e vesgos. Usava pêra e bigode ralo cahindo sobre os beiços tezos como fios de arame: a testa ampla confundia-se com a meia calva reluzente. Falava depressa, com sotaque abemolado, gesticulando bruscamente e, quando ria, punha em evidencia a medonha dentuça postiça (11)

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Tal descrição reflete uma correspondência entre aspecto físico e atributos morais, já que João da Matta também se caracteriza por uma personalidade desprovida de virtudes e repleta de hipocrisia e cinismo. João da Matta é alcoólatra e adúltero, e não gera filhos até o momento que engravida a própria afilhada de maneira intencional e premeditada, muito embora, como dissemos, o bebê recem-nascido não sobreviva por muitas horas. Outro personagem masculino de A Normalista é Zuza, filho do Coronel Souza Nunes e namorado de Maria do Carmo. Zuza não possui uma aparência espantosa, porém é um personagem cujo carater não gera nenhuma admiração. Estudante de Direito em Recife e portanto futuro bacharel, ele representa, conforme sugerido por Eliane Botelho Junqueira, as elites provinciais e os filhos dos coroneis que não iam estudar impulsionados por vocação ou curiosidade intelectual, mas devido à atração pelos títulos honoríficos que os estudos conferiam. Zuza reflete o mundo aristocrático do Brasil imperial, que “valorizava a aparência, a ostentação e a ornamentação” (79):

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O futuro bacharel em leis, ou simplesmente o Zuza, como era conhecido em Fortaleza o filho do Coronel Souza Nunes, passava uma vida regalada, usufruindo largamente a fortuna do pai avaliada em cerca de cem contos de réis. O coronel franqueava a burra ao filho com uma generosidade verdadeiramente paternal. Queria-o assim, com todas as manias aristocráticas e afidalgadas, com os seus jeitos elegantes, arrotando grandeza e bom-gosto, tal qual o presidente da provícia de que se dezia amigo (A Normalista, 61 [49]). (idem) A “generosidade verdadeiramente paternal” do Coronel Souza Nunes para com seu querido filho é tão somente material, uma vez que Zuza não leva a cabo sua relação com Maria do Carmo precisamente devido à

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oposição do Coronel seu pai. A relação não avança porque Zuza se submete ao imperativo do pai, que lhe proíbe relacionar-se com uma mulher de um extrato social mais baixo. Para cortar definitivamente a relação entre Zuza e Maria do Carmo, o coronel Souza Nunes envia o filho à Europa. Zuza não é capaz de desafiar a proibição imposta pelo paicoronel e levar adiante seu relacionamento com a normalista, saindo definitivamente de cena, e também do Brasil, perto do fim do romance. Há outras personagens masculinas degradantes no romance, mas por uma questão de limitação de tempo vamos fazer uma breve conclusão sobre a Normalista. A protagonista se redime no final do romance ao tornar-se noiva do alferes Coutinho, um militar arrojado que redime Maria do Carmo de uma situação social desesperante. Coutinho é um personagem invisível ao longo do romance. Ele não faz parte do universo masculino decadente e abjeto retratado por Caminha porque está associado ao futuro e à república nascente. O crítico Juarez Filho nos lembra que “o Exército foi o grande pilar da proclamação da república e com isso nada há de estranhar, na visão alegórica, a união de Coutinho e Maria do Carmo” (idem). Maria do Carmo e Coutinho embarcam numa relação tranquila, conforme o último parágrafo do romance, ou seja, uma relação diferente daquelas regidas pelos nervos, ímpetos e instintos descontrolados – atributos incompátiveis como uma nação idealizadamente “civilizada” e racional.

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Nos poucos minutos que restam vou falar brevemente do BomCrioulo, o romance mais famoso de Adolfo Caminha. [imagem]

Bom-Crioulo gerou (e ainda gera) repercussão e escândalo devido à natureza da trama, que narra de maneira explicita e detalhada um relacionamento amoroso entre dois marinheiros: um escravo negro fugido, forte e viril, que veio “ninguem sabe de onde” (38), chamado Amaro, e um jovem loiro, branco, de olhos claros, inocente e delicado, oriundo do sul do Brasil, chamado Aleixo. A trama se inicia em alto-mar mas prontamente ganha a terra firme, para então oscilar entre terra e mar até terminar de forma trágica com um crime passional, na rua, em plena luz do dia: numa crise de ciumes, Amaro assassina Aleixo. Além do aspecto homo-erótico, os vários críticos que estudaram o Bom-Crioulo também se ocuparam de situar o romance no contexto da

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abolição da escravidão e das relações raciais no Brasil, das questões de gênero, da decadência da Marinha Brasileira e do advento da República. Para os propósitos desta apresentação, o mais importante é destacar que os dois protagonistas do romance são personagens que não correspodem a um modelo de masculinidade exemplar. Apesar de forte, corajoso e viril, o “bom-crioulo” é um africano negro, o que significava inferioridade no contexto positivista do século XIX. No mesmo contexto, a homossexualidade representava não somente um pecado contra a natureza, mas também a falta de alto controle. A relação homossexual entre Amaro e Aleixo é simbolicamente abençoada (ou pelo menos tolerada) pelo Imperador, cujo retratado aparece dependurado na parede do pequeno quarto alugado pelo casal na rua da Misericórdia, no Rio de Janeiro. [imagem].

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O retrato de Dom Pedro II no quartinho de Bom-Crioulo e Aleixo é uma das metáforas da correspondência entre o regime imperial e a ausência de modelos de masculinidade exemplares no Brasil Império. Aleixo por sua vez, cuja homossexualidade se reverte em heterossexualidade no decorrer da trama, tampouco serve como modelo de masculinidade exemplar porque sua relação heterossexual se dá com Dona Carolina, proprietária da pousada onde ele e Amaro alugaram um quarto. Trata-se de uma relação problemática porque Dona Carolina é uma mulher muito mais velha que Aleixo, já não mais capaz de gerar filhos, "estéril pela idade" (Miskolci, 119), e que trabalha esporadicamente como prostituta. Em segundo lugar, Dona Carolina é uma mulher portuguesa. Sua nacionalidade simboliza o ultrapassado, o antiquado, a relação indesejada de dependência do Brasil com o império e o patriarcalismo lusitano. Em terceiro lugar, é ela quem seduz e assume o papel ativo na relação com o jovem e ingênuo Aleixo. Considerações finais Uma breve análise das principais personagens masculinas dos romances A Normalista e Bom-Crioulo de Adolfo Caminha nos mostra que se tratam de personagens nada exemplares. No âmbito do advento da República brasileira e de uma nova mentalidade e discurso progressistas, os personagens que investigamos simbolizam masculinidades decadentes associadas à natureza emocional, corrupta e claudicante do regime

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imperial que habitam. Apesar de que a república já havia sido declarada quando A Normalista e o Bom-Crioulo foram publicados, os tempos históricos dessas narrativas se encaixam todavia no período imperial. Mas mais importante que isso, não foi em 15 de novembro de 1889 que as idiossincrasias, atavismos, pesos e mazelas atribuidos ao regime imperial desapareceram ou se extirparam por completo. Nesse sentido, as personagens masculinas analisadas ajudariam a consolidar ideais republicanos pautados no discurso progressista e civilizatório importados da Europa através das influências literárias dominantes de Balzac, Flaubert, Zola, Eça de Queiroz e outros. Portanto, os personagens masculinos de Adolfo Caminha figuravam como exemplos masculinos negativos. Nesse sentido, eles serviram para apoiar, conforme observado por João Silvério Trevisan, a luta assumida por certos escritores brasileiros a partir da década de 1870 “pela renovação das estruturas sociais e pelo reforço da identidade nacional” (253).

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