Materiais didáticos digitais e as remidiações do livro didático impresso: uma análise dos objetos educacionais digitais / Digital teaching materials and the remediation of printed textbooks: an analysis of digital educational objects

June 26, 2017 | Autor: J. Vegas Chinaglia | Categoria: New Media, New Literacies, Learning Objects (Education), Remediation
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Materiais didáticos digitais e as remidiações do livro didático impresso: uma análise dos objetos educacionais digitais Digital teaching materials and the remediation of printed textbooks: an analysis of digital educational objects Juliana Vegas Chinaglia Mestranda em Linguística Aplicada Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) [email protected]

RESUMO O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), em sua última edição de 2014, apresentou uma novidade ao possibilitar que as coleções didáticas impressas viessem acompanhadas de conteúdos multimídia, chamados Objetos Educacionais Digitais (OEDs). Sob a perspectiva dos novos letramentos, da cultura digital e dos conceitos de objetos digitais de aprendizagem, novas mídias, remidiação e design (de interface e instrucional), analisamos um desses objetos. Analisando como cada plano de design interfere no outro, podemos concluir que a remidiação ocorre tanto no nível gráfico quanto pedagógico, não desafiando os materiais impressos e se distanciando das práticas da cultura digital e dos novos letramentos. Palavras-chave: Novos letramentos. Novas mídias. Remidiação. Objetos digitais de aprendizagem.

Abstract The Plano Nacional do Livro Didático, National Plan for Textbooks, (PNLD), in this last edition of 2014, introduced a novelty by allowing the printed textbook collections to be accompanied by multimedia content, called Objetos Educacionais Digitais, Digital Educational Objects (OEDs). Under the perspective of the new literacies, digital culture and concepts of digital learning objects, new media, remediation and design (interface and instructional), we analyzed one of these objects. By analyzing how each design plan interfere with each other, we can conclude that remediation occurs both on the graphic and educational level, not challenging the printed materials and moving away from practices of digital culture and new literacies. Keywords: New literacies. New media. Remediation. Digital learning objects.

INTRODUÇÃO O Plano Nacional do Livro Didático – PNLD – que já é conhecido como uma das maiores políticas públicas educacionais brasileiras na edição de 2014, voltada para o ensino fundamental II, anunciou uma primeira novidade: a possibilidade da inscrição de obras com conteúdos multimídia (obras que foram categorizadas como “tipo 2”), disponibilizados em DVD (e eventualmente disponíveis em portais), junto às coleções impressas. Esse direcionamento da última edição relaciona-se a diversas outras políticas educacionais que pretendem inserir as chamadas “novas tecnologias” na escola (como o uso de computadores e tablets), assim como a criação de materiais didáticos digitais, para uma possível substituição do livro didático impresso. | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 27-39 | maio/ago. 2014 |

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Segundo o edital do PNLD 2014, entende-se por conteúdo multimídia os chamados Objetos Educacionais Digitais (OEDs), que podem ser “apresentados nas categorias: audiovisual, jogo eletrônico educativo, simulador e infográfico animado” (BRASIL, 2011, p. 2). Os OEDs também podem ser chamados de objetos digitais de aprendizagem. Segundo Leffa (2006), de acordo com o Programa de Extensão da Universidade de Wisconsin, as seguintes características definem esses objetos: serem pequenas unidades eletrônica flexíveis, reusáveis, customizáveis, interoperáveis e recuperáveis. Características essas que se refletem nos princípios de granularidade, reusabilidade, interoperabilidade e recuperabilidade. Ou seja, devem ser pequenos módulos, que possam ser agrupados e ajustados a outros módulos; devem poder ser reusados em diferentes contextos e, por essa razão, totalmente independentes de quaisquer outras atividades; assim como devem ser passíveis de serem abertos em diferentes plataformas, navegadores e sistemas operacionais, além de poderem ser encontrados facilmente através de sistemas de metadados, como tags, por exemplo. Em outras palavras, devem contemplar pequenas atividades ou conteúdos rápidos e independentes, para serem usados por qualquer aluno ou professor. Nessa lógica, deveriam ser conteúdos abertos e facilmente encontráveis na Web, a qualquer momento. Tendo como foco de interesse a reflexão sobre o que são e como funcionam esses objetos no ensino da língua portuguesa, o presente artigo pretende discutir, a partir da análise do design da interface e instrucional de um OED, como esses se aproximam ou não da cultura digital e dos novos letramentos, pensando se são materiais didáticos realmente congruentes com essa perspectiva. Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado em Linguística Aplicada, em andamento, financiada pela CAPES, e também das reflexões acerca de uma disciplina sobre letramento digital, ministrada pelo prof. Dr. Marcelo El Khouri Buzato (UNICAMP), ao qual agradeço pelas contribuições neste estudo. A pesquisa tem caráter de análise documental, de abordagem qualitativa e o OED escolhido para análise foi encontrado a partir de levantamento prévio dos objetos em planilhas descritivas1, feitas após a observação de cadaOED em meio digital. Foram contabilizados 40 OEDs da coleção Para Viver Juntos (Edições SM), 40 da Universos Língua Portuguesa (Edições SM) e 60 da Português Linguagens (Editora Saraiva), totalizando as três coleções que apresentaram esse tipo de conteúdo. Dentre as categorias possíveis de OEDs, verificamos que os jogos tornaram-se intrigantes objetos de pesquisa, pois embora fossem apenas 6 na coleção escolhida (Universos Língua Portuguesa), apresentaram características muito peculiares para o PNLD, em contraposição às características dos jogos da indústria de entretenimento. O OED escolhido retrata bem uma dessas características, presentes também em outros objetos dessa e das outras coleções: a remidiação das atividades do livro impresso. Para entendermos melhor como tais objetos funcionam, trago os conceitos de novos letramentos e cultura digital, como forma de entendermos o contexto em que vivemos atualmente; novas mídias e remidiação, conceitos centrais para este artigo e, por fim, os conceitos de design da interface e instrucional, para entendermos as duas faces do mesmo objeto e seu funcionamento, mostrando como a remidiação se dá nesses dois níveis.

1 As planilhas feitas no Programa Excel categorizam os OEDs da seguinte forma: Nome, Série, Eixo de Ensino, Objeto de Ensino, Novidade no Objeto de Ensino (tradicional ou novo), Tipo de OED (nas categorias do PNLD), Objetivo do OED (expositivo ou atividade), seguido de observações gerais, se necessário.

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DOS NOVOS LETRAMENTOS À CULTURA DIGITAL Já é consolidado na área de estudos do letramento que não há apenas um tipo de letramento, mas, sim, letramentos. Quando afirmamos a existência de novos letramentos, uma das primeiras questões a surgir é: por que novos? Em relação ao que são novidade? A primeira resposta senso-comum é pensar que novos letramentos estão atrelados ao uso de novas tecnologias. No entanto, mais complexo do que parece, esses letramentos não estão relacionados apenas à utilização de aparatos técnicos ou tecnológicos ditos novos, mas ao surgimento de novas práticas, novas mentalidades, nova cultura, nova sociedade e assim por diante. Defendem muito bem esse ponto vista Lankshear e Knobel (2007), ao argumentarem que os novos letramentos estão atrelados ao surgimento de novas técnicas (“new techinical stuff”), mas, principalmente, pela existência de um novo ethos (“newethos stuff”). Isso é, para os autores, o uso de novas técnicas não garante o uso de um novo ethos, sendo esse último o responsável por definir o que é, de fato, um novo letramento. Enquanto as novas técnicas consistem em novas formas de manipulação das linguagens como, por exemplo, edição e montagem de fotos, vídeos e músicas, remixes, mashups e a criação de enunciados multimodais, no geral, permitidos pela linguagem binária própria do digital, de formas antes não permitidas ao usuário comum, o novo ethos significa muito mais que isso. Como afirmam os autores, trata-se de uma mudança (gradual, é claro) de uma mentalidade físico-industrial para uma mentalidade cyberespacial e pós-industrial. Essa nova mentalidade, segundo Lankshear e Knobel (2007), caracteriza-se por uma lógica pós-industrial de produção, em que os produtos são muito mais customizados e personalizados de acordo com o interesse do consumidor, diferentemente de uma lógica industrial, marcada por modelos de produção em massa. Nessa lógica, o foco da inteligência e da autoridade (não só na produção, mas como na sociedade em geral) é muito mais distribuído, coletivo e horizontal, quebrando hierarquias tradicionais da mentalidade anterior. Exemplo disso é a Wikipédia, construída pela participação e colaboração de diferentes pessoas comuns, não especializadas, em prol da construção de uma enciclopédia gratuita e aberta. Também nesta mentalidade há a mudança do paradigma do livro para o ambiente digital e novas experiências de espacialização, como o cyber espaço. Os objetos digitais de aprendizagem, devido a suas características de serem flexíveis, reusáveis, customizáveis, interoperáveis e recuperáveis, parecem se encaixar perfeitamente na nova mentalidade descrita por Lankshear e Knobel (2007), pois deveriam romper o paradigma do livro para o do ambiente digital.Também por serem objetos customizáveis para seu uso, encaixam-se nessa lógica da produção pós-industrial em que os produtos, cada vez mais, adaptam-se às necessidades do consumidor (no caso, as necessidades educacionais momentâneas de alunos e professores). Porém, como podemos observar, mais do que o uso de um computador ou de qualquer aparato tecnológico, novas práticas surgem devido a uma mudança social e de paradigmas. Dentro de toda essa nova lógica de um novo ethos, surge também uma nova cultura, que podemos chamar de cultura digital. As práticas letradas da cultura digital envolvem, por exemplo, remixes e mashups (BUZATO et al., 2013), como fanfictions, photoshopping de imagens, remixes de músicas, filmes, séries, desenhos, animes, entre outros; mashups de dados ou de contéudo; práticas colaborativas, como em plataformas wikis (Wikipédia, Wikspaces, Wikia) e de produção textual e multimodal colaborativa (Google Drive, Prezi) | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 27-39 | maio/ago. 2014 |

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e redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram), conforme também apontam Lankshear e Knobel (2011). Práticas estas que valorizam princípios como compartilhamento, colaboração, participação (JENKINS, 2009) e produsagem. (BRUNS, 2006). Na mesma linha de argumentação de Lankshear e Knobel (2007; 2011), devemos entender que o que se torna urgente e necessário não é apenas a implementação de novas tecnologias na escola, mas, sim, se adequar a esse novo contexto, a essa nova cultura que influencia nosso viver e nossas práticas a todo instante. Sendo assim, um material didático digital não deve se constituir apenas pela digitalização de conteúdos (como, por exemplo, digitalizações do impresso em formato .pdf), mas é preciso pensarmos em atividades, conteúdos e plataformas voltadas para o ensino da cultura digital e suas práticas.Nesse sentido, é fundamental entendermos o conceito de remidiação, que apresento na seção a seguir, para demonstrar como um objeto pode se aproximar do livro impresso e se distanciar da cultura digital.

NOVAS MÍDIAS E A REMIDIAÇÃO Embora novos letramentos sejam definidos como práticas da cultura digital, é preciso entendermos, também, o que são essas novas tecnologias e novas mídias que invadem a sala de aula. Portanto, o que nos interessa aqui, em relação aos OEDs, não é o uso de novas tecnologias (como o tablet, por exemplo), mas sim, de novas mídias em sala de aula, que poderiam ser integradoras de materiais didáticos digitais. Sua própria definição como “conteúdo multimidiático”, como afirma o edital do PNLD 2014 já nos encaminha para sua aproximação com o conceito de “mídia”. No entanto, argumento que mais do que conteúdos multimidiáticos2, objetos digitais de aprendizagem são novas mídias. Com relação ao que considero como novas mídias, filio-me ao que argumenta Manovich (2011). Para o autor, muitos acreditam que qualquer texto no computador (como websites e livros eletrônicos) seja uma nova mídia. No entanto, essa definição é insuficiente e equivocada. Portanto, o autor argumenta acerca de cinco princípios que as definem: a)  representação numérica; b)  modularidade; c)  automação; d)  variabilidade; e)  transcodificação cultural. A representação numérica refere-se à linguagem binária das novas mídias, em que toda e qualquer linguagem pode ser representada numericamente e manipulada através de algoritmos. A modularidade refere-se ao fato de as novas mídias possuírem uma estrutura fractal, isso é, composta de muitas partes menores, que se combinam. Essas pequenas partes podem ser pixels, polygons, voxels, characteres, scripts, entre outros. Isso também se aplica na programação de computadores. Como é divida em módulos, pode-se manipular e alterar pequenas partes, ao invés do todo. Por exemplo, através de um algoritmo presente em programas de edição de fotos, é possível mudarmos apenas uma das cores da foto, pois apenas um dos módulos que a compõe é modificado, sem alterar outros componentes.

Não nos cabe aqui espaço para discutir a validade ou não do termo “multimidiático”, bem como a relevância e adequação terminológica da utilização do prefixo –multi, em contraposição a nenhum prefixo ou a –uni, –hiper ou –trans (BUZATO, 2007).

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A automação, por sua vez, está diretamente relacionada aos dois princípios anteriores, pois por suas características, é possível automatizar processos, com cada vez menos a necessidade da interferência humana. Um dos avanços citados por Manovich nesta área é a criação e pesquisa de mecanismos de Inteligência Artificial. A variabilidade também é consequência dos dois primeiros princípios e se refere ao fato de que uma nova mídia pode ser aberta em diferentes lugares, tempos e sistemas, fazendo com que cada usuário tenha uma cópia dela. Toda vez que uma nova mídia é aberta ou salva em um computador, um novo arquivo dela é criado. Por fim, a transcodificação cultural refere-se à maneira como a cultura (e suas práticas) e a computação influenciam-se mutuamente. Por exemplo, os programadores criam uma interface, como os editores de texto, em que é necessário clicar com o cursor antes de escrever. Isso altera a maneira como escrevemos, pois passamos a ter que fazer esse procedimento todas as vezes que iremos digitar, criando uma nova prática. No entanto, a todo tempo, os programadores também estão pensando em como as pessoas utilizam as novas mídias, para que possam fazer novas melhorias através de versões e alterações, baseadas nesses usos. Relaciona-se, portanto, a uma interdependência entre usos e inovações, como em um ciclo. Como podemos observar, os princípios das novas mídias propostos por Manovich (2011) assemelhamse aos princípios que definem um objeto digital de aprendizagem, como em Leffa (2006). Isso faz com que tais objetos possam ser considerados uma nova mídia. O fato de serem unidades eletrônicas faz com que respeitem o princípio da representação numérica: assim como todas as novas mídias, são feitos a partir da linguagem binária. A granularidade dos objetos está diretamente associada à modularidade das novas mídias, pois seguem a mesma lógica de serem um pequeno módulo que pode ser ajustado a outros. Por sua vez, a reusabilidade, a interoperabilidade e a recuperabilidade aproximam-se da variabilidade descrita por Manovich (2011), pois somente através dela é que um objeto digital pode ser aberto por diferentes pessoas, em diferentes lugares e contextos, ao mesmo tempo, podendo ser reusados. Isso devido ao fato de toda mídia digital criar uma nova cópia ao ser aberta que isso se torna possível. No entanto, a existência de novas mídias não significa que elas rompam de maneira significativa com as mídias anteriores, com relação ao seu conteúdo e representação. A respeito dessa relação, Bolter (2000) argumenta que uma mídia está sempre representada na outra, o que chama de remidiação, que, ainda segundo o autor, é uma das características das novas mídias digitais. Exemplo disso, conforme cita Bolter (2000), é uma enciclopédia digital contida em CD-ROM. Além de textos e gráficos, ela pode trazer sons e vídeos, algo não permitido pela impressa. No entanto, apesar de poder beneficiar-se de recursos como encontrar artigos através de buscas, ela ainda mantém a catalogação por ordem alfabética, assim como a tradição das antigas enciclopédias. Isso é, dentro de uma nova mídia, podemos encontrar a representação da mídia anterior, a qual foi inspirada. Assim como grande parte dos sites da internet, afinal, [...] grande parte da atual World Wide Web também remidia formas antigas sem desafiálas. A interface point-and-click permite que o programador reorganize textos e imagens tiradas de livros, revistas, filmes ou televisão, mas a reorganização não coloca em questão o caráter de um texto ou o status de uma imagem. (BOLTER, 2000, p. 66, tradução nossa).

Ou seja, embora desde 2000 até os dias atuais muito possa ter mudado a respeito do que o autor afirma sobre os sites, o que Bolter argumenta é que o fato de uma nova mídia existir nem sempre significa que ela irá fazer com que a mídia anterior desapareça. Muito pelo contrário, muitas vezes, ela continua mantendo parte de seu caráter, através de uma nova interface. | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 27-39 | maio/ago. 2014 |

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Dessa maneira, através de Manovich (2011) podemos entender que características mais técnicas definem uma nova mídia, enquanto através de Bolter (2000) podemos pensar também como sua representação de conteúdo é alterada ou não, em relação às mídias anteriores. Elementos fundamentais para refletirmos sobre como os OEDs se caracterizam e de que maneira são influenciados pela mídia impressa dos livros didáticos, se aproximando mais em relação a estes ou criando objetos mais próximos da cultura digital. Porém, para olharmos para a remidiação nesses objetos, precisamos primeiramente entender duas facetas que o compõe: o design da interface e o design instrucional, das quais defino melhor a seguir.

Design: da Interface ao Instrucional Os objetos digitais de aprendizagem são objetos nova mídia que se inserem em uma mentalidade cyber espacial e pós-industrial, sendo, portanto, parte de uma cultura digital. Porém, não podemos esquecer que, em especial no caso dos OEDs, são objetos feitos para uso educacional e escolar, com propósitos de ensino, aprendizagem e avaliação, isso é, eles também são objetos da cultura escolar. Portanto, objetos digitais de aprendizagem são híbridos da cultura digital e escolar. Sendo dessa natureza, os OEDs apresentam dois planos de design: a) o design da interface, que vai se referir à usabilidade (maneira como o programa pode ser usado) e se há ou não interatividade; b) e o design instrucional, que se refere à maneira como o objetivo pedagógico foi delineado e apresentado no material. Primeiramente sobre o design da interface, Nielsen (1993) defende o uso da palavra “usabilidade” para compreender as maneiras de uso de um programa. A usabilidade refere-se, segundo o autor, à combinação da aceitação social com a aceitação prática de um programa, o que não se refere a ser de “fácil” uso ou possuir alguma utilidade, pois o que pode ser muito amigável e útil para um usuário, pode não ser para outro. Ela está muito mais atrelada a como os usuários utilizam um programa e não para quê. Para entender como funciona essa relação, Nielsen (1993) descreve cinco atributos da usabilidade: a) facilidade de aprendizagem: o sistema deve ser fácil de aprender a ser utilizado por usuários iniciantes; eficiência: deve ser eficiente no uso, isso é, apresentar alto nível de produtividade para o objetivo que foi destinado; b) facilidade de relembrar: deve ser fácil de relembrar como utilizá-lo, assim quando usá-lo novamente, mesmo depois de um período de tempo não será necessário aprendê-lo novamente; c) erros: deve possuir um pequeno número de possibilidade de erros, sendo que se um erro ocorrer,deve ser facilmente revertido pelo usuário, bem como este deve ser avisado em linguagem simples (e não técnica) sobre o ocorrido; d)  satisfação: deve ser agradável, os usuários devem subjetivamente gostar de usar o programa. Um dos pontos que devem ser destacados acerca dos atributos de Nielsen é sobre a “satisfação”. Testada normalmente com pequenas perguntas após o uso dos programas, por exemplo, através de questionários enviados ao usuário ou atribuição de uma a cinco estrelas (“não gostei” até “gostei muito”), nota-se que a satisfação é um atributo considerado muito importante pelos desenvolvedores em sistemas voltados para o entretenimento, enquanto os voltados para o trabalho e a educação, não. É muito comum ver 32

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esse tipo de pesquisa de satisfação em aplicativos de jogos ou filmes e seriados em streaming. Atribuise satisfação ao lazer, o que torna um pouco deficiente um dos atributos que faz o usuário ter vontade de utilizar novamente um software educacional, por exemplo, já que a cultura escolar tradicionalmente separou aprendizagem de “diversão”. Com relação à interatividade, como muitos teóricos do assunto afirmam e é fácil de ser notado, o termo “interatividade” tem sido amplamente utilizado no contexto das novas mídias digitais, sendo alvo de publicidade: quanto mais “interativo” mais interessante parece ser o produto. Para Lemos (1997, p. 3), essa interatividadeé uma nova forma de interação, de cunho “eletrônico-digital”, em contraposição às interações “analógico-mecânicas”, das mídias tradicionais, sendo que esta é uma das evoluções que separam as velhas das novas mídias. Para o autor, portanto, “[...] a interatividade se situa em três níveis não excludentes: técnico “analógico-mecânico”, técnico “eletrônico-digital” e “social” (ou simplesmente “interação”).”. A interatividade digital, segundo Lemos, seria esse diálogo entre homens e máquinas, possibilitada pelas interfaces gráficas, que, diferentemente das interações analógico-mecânicas, permitem mais do que a interação com os objetos (outrora somente físicas), mas também a interação com conteúdos e, acrescentaria ao autor, com pessoas, virtualmente através dos chats, fóruns, comentários, e-mails e similares. O conceito de interface, como por exemplo a metáfora do desktop (área de trabalho, no sistema operacional Windows), é fundamental para o autor. É através dela que a interatividade se realiza, e quanto mais esta evolui, maiores são as possibilidades de interatividade. Ela é um mediador cognitivo de uma manipulação direta da informação. Ao invés de manipular diretamente informações binárias, o usuário interage com simulações. No entanto, Silva (1998) afirma que muitos estudiosos tem considerado a interatividade como essa relação homem-máquina, no entanto, a interatividade está muito mais relacionada à bidirecionalidade da interação, que possibilita não só a participação, mas a intervenção do usuário. Essa bidirecionalidade é caracterizada, segundo o autor, ao modo como a comunicação entre homem-máquina está arquitetada, permitindo ou não a interferência do usuário no processo, em um fluxo em duas direções. Conforme argumenta Silva, muitos meios de comunicação tradicionais possuem um emissor e um receptor, por exemplo, a televisão, o cinema e o rádio. Em relação à televisão, mesmo através do zapping de canais permitido pelos controles remotos, o que ocorre entre a TV e o espectador ainda é apenas um tipo de interação e não interatividade. A interatividade só ocorre “[...] a partir do momento em que não há mais nem emissor nem receptor e, a partir do momento que todo emissor é potencialmente um receptor e todo receptor é potencialmente um emissor.”. (SILVA, 1998). Nesse sentido, hipertextos (digitais) são interativos porque não há um emissor e um receptor, há um “[...] ambiente de interpenetração, de atuação, intervenção nos acontecimentos [...].”, isso é, há intervenção do usuário no processo, podendo modificar e criar diferentes caminhos. Portanto, iremos considerar como interativo aqueles objetos digitais de aprendizagem que, através de sua interface gráfica, permitam, por exemplo, não somente cliques que direcionam a etapas próximas ou anteriores, mas, sim, aqueles que permitam liberdade ao usuário de tomar diferentes decisões, criando percursos diferentes. Ou seja, através das decisões tomadas, o usuário poderá chegar a produtos e resoluções finais diferentes. | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 27-39 | maio/ago. 2014 |

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Por fim, o design instrucional, segundo Filatro e Piconez (2004), [...] é compreendido como o planejamento do ensino-aprendizagem, incluindo atividades, estratégias, sistemas de avaliação, métodos e materiais instrucionais. Tradicionalmente, tem sido vinculado à produção de materiais didáticos, mais especificamente à produção de materiais analógicos.

Porém, ainda segundo a mesma autora, com o advento da internet e das tecnologias da informação, esse processo de planejamento implica pensar em “[...] novas estratégias didáticas e metodologias de ensino-aprendizagem [...]” (FILATRO; PICONEZ, 2004), o que em uma educação online, como a feita através de objetos digitais de aprendizagem e Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA’s), significa o planejamento e a preparação de “[...] textos, imagens, gráficos, sons emovimentos, simulações, atividades e tarefas ancorados em suportesvirtuais” (FILATRO; PICONEZ, 2004). Isso é, está relacionado a como o conteúdo a ser ensinado está organizado através de uma metodologia apresentada através dos diferentes recursos – no caso, digitais – para atingir um determinado objetivo educacional, com uma possível avaliação, se necessário. Portanto, a partir desses dois conceitos de design apresentados e do conceito de remidiação e novos letramentos, analiso um OED, na próxima seção.

Entre o impresso e o digital: uma análise de um OED Em uma primeira aproximação de alguns dos OEDs do PNLD 2014, presentes na Galeria de Recursos do portal da Edições SM3 , por exemplo, podemos observar que, em língua portuguesa, há a predominância de conteúdos audiovisuais e alguns poucos jogos eletrônicos educativos. Além desses, há uma quantidade considerável de atividades e imagens, mas não serão consideradas, por não estarem como OEDs do PNLD, apenas como conteúdos a mais do portal. Para analisá-los mais de perto, escolhemos um exemplo que parece ilustrar bem a argumentação acerca dos novos letramentos, novas mídias e remidiação. O OED escolhido chama-se “Adaptando Machado de Assis” e pertence ao 7º ano, da coleção Universos Língua Portuguesa, Edições SM, disponível em . A princípio, podemos ver que o OED aproxima-se da definição de um objeto digital de aprendizagem e, consequentemente, como uma nova mídia, pois ele é digital, independente de quaisquer outras atividades (e, portanto, pode ser recombinado e reutilizado para outros propósitos). Ele pode ser aberto em qualquer navegador e pode ser encontrado através do sistema de buscas e refinamento por categorias da Galeria de Recursos; porém, isso significa que ele é acessível, mas não necessariamente recuperável, de fato, pois não traz automaticamente metadados que permitam que seja encontrado e combinado a outros objetos. Um detalhe que o distancia da proposta de um objeto digital de aprendizagem e dos novos letramentos é que ele não é um conteúdo aberto a todos; ao se acessar a Galeria de Recursos, é necessário que se faça um login como professor ou aluno. Isso é, opera-se ainda na mentalidade físicoindustrial das editoras, com conteúdos fechados, restritos. Também não é possível comentar sobre o objeto ou compartilhá-lo, como fazem alguns portais de recursos educacionais abertos.

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Esta editora possui duas coleções de língua portuguesa aprovadas: Para Viver Juntos e Universos Língua Portuguesa.

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Também é importante notar que o OED está na categoria “jogo”; no entanto, veremos que em nenhum momento apresentam-se desafios ou contagem de pontos que poderiam aproximá-los de um game, por exemplo. Apenas por apresentar atividades através de animações parece ter sido considerado como tal, o que é um equívoco. Para uma análise mais aprofundada, dividimo-la em duas partes: design da interface e design instrucional. A divisão nessas categorias nos permite ver como a remidiação do livro didático impresso está presente tanto no nível da interface quanto no da parte instrucional e pedagógica.

Design da interface O objeto começa com uma tela de título, em que a animação seguinte só é iniciada a partir do momento em que se clica em um botão conhecido como “play”, remidiando (BOLTER, 2000)outras mídias como os reprodutores de áudio e vídeo, em geral. Em seguida, apresenta-se o conto “Curta História”, de Machado de Assis, apresentado em diversos fragmentos, contidos em uma ilustração que representa um livro em papel, como se pode observar na FIG. 1, novamente remidiando uma mídia já conhecida. Para avançar na leitura, é necessário que o usuário clique em “Próxima página”, sendo que não é possível retroceder na leitura. Não é possível interagir de maneira livre e dinâmica com o texto, ficando o usuário refém de seguir a ordem apresentada pelo OED e não sendo possível voltar para reler trechos, limitando as possibilidades de leitura, bem como se distanciando das práticas de leitura pertencentes às características do ambiente digital. Figura 1 - Leitura do conto Curta História, no jogo “Adaptando Machado de Assis”

Fonte: Universos Língua Portuguesa, Edições SM. Disponível em: . Acesso em 21 jun. 2014.

Isso afeta diretamente a categoria “eficiência” proposta por Nielsen (1993) para a usabilidade do programa. Ao limitar a interação com o texto, faz com que o objetivo de leitura de textos, essencial para esse objeto de língua portuguesa, seja prejudicado. Seria então melhor ler o texto na íntegra em um livro ou em uma tela complementar ao OED (passível de ser clicada, através de um ícone na lateral ou parte inferior do jogo) que o abrisse por inteiro, para ser consultada a qualquer momento. Quando se deseja voltar ao texto, é preciso recomeçar o jogo, o que não faz sentido. Em um processo de adaptação textual, | Educ.&Tecnol. | Belo Horizonte | v. 19 | n. 2 | p. 27-39 | maio/ago. 2014 |

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é necessário e muito útil rever o texto original quantas vezes se fizerem necessário, o que deveria ser pensado ao desenvolver-se a interface do OED. Em seguida, o jogo consiste em cumprir objetivos por partes do conto, anunciados em cima através de atividades. Embaixo desse objetivo apresenta-se, à esquerda, uma ilustração de uma caixa aberta nomeada de “Trechos não essenciais” e, à direita, o trecho do conto apresentado, como se estivesse escrito em um pedaço de papel, que deve ser arrastado ou não para a caixa, conforme pode ser visto na FIG. 2. Se arrastado, é considerado não essencial, se apenas se clicar em “Próximo trecho”, é considerado essencial. Ao acertar, aparece em uma nova tela sobreposta à anterior, em formato de lousa, a mensagem “Boa escolha!”; ao errar, “Tente Novamente”, eventualmente seguida de alguma explicação sobre o erro. Novamente, é possível perceber hábitos das mídias impressas remidiados, como ter pequenas frases em papel e separá-las por categoria, “jogando fora”, em uma caixa, aqueles que não queremos mais. Além disso, a lousa vem para representar um objeto típico da cultura escolar. Figura 2 - Escolha de trechos no jogo “Adaptando Machado de Assis”

Fonte: Universos Língua Portuguesa, Edições SM. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 2014.

A partir disso, é possível analisarmos a interatividade do material. Em um olhar inocente, poderia se pensar que o fato de poder arrastar trechos o tornaria interativo. De fato, o objeto permite ao usuário fazer escolhas diferentes, mas isso não o conduz a caminhos diferentes. Com a barreira “Tente Novamente”, retorna-se á tela anterior e deve-se fazer a escolha certa para prosseguir. Dessa maneira, o material segue sempre uma estrutura pré-estabelecida pela lógica de quem o projetou e não hipertextual, sempre avançando na mesma direção. Ele utiliza de diferentes cliques do jogador para, na realidade, chegar ao mesmo lugar. Portanto, não podemos dizer que esse objeto é interativo. O que há é apenas interação máquina-homem através da interface gráfica, mas não uma bidirecionalidade do fluxo de informações, como afirma Silva (1998), em que o usuário pode interferir no processo. 36

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Design Instrucional Para a análise do design instrucional, podemos dividi-lo nas categorias: atividades, estratégias e sistema de avaliação e métodos. Atividades O OED tem por objetivo a leitura do conto e, após a leitura, um jogo em que se deve escolher, entre trechos do conto apresentado, quais seriam essenciais ou não para o entendimento da narrativa, em contraposição a outros que seriam apenas complementares ou para o enriquecimento de detalhes da mesma. No final, essa escolha de trechos levará ao objetivo final que o OED chama de “miniconto”, derivado da adaptação do conto de Machado, a partir de suas partes mais importantes, o que também se aparenta como um “remix seletivo” ou uma espécie de síntese, atividade já conhecida da cultura escolar. As atividades são dispostas por partes, com algumas instruções, como esta, por exemplo: “Agora releia a primeira parte do conto para dar início a sua adaptação. Decida quais trechos podem ser retirados sem que se percam as principais informações da narrativa. Arraste esses trechos para a caixa abaix.”. Estratégias A estratégia utilizada para que o objetivo da seleção de trechos para o miniconto seja cumprido é a de seleção/exclusão (isso é, binário sim/não) para cada trecho. O que determina o que parece ser mais adequado ou não é a proposta da atividade descrita acima da área da escolha de trechos.

Sistema de avaliação e Métodos O sistema de avaliação do objeto está diretamente relacionado ao método escolhido. A avaliação se dá de forma contínua ao longo da navegação do objeto e não somente ao final, quando depois de guiar o usuário para as respostas corretas, já se tem o produto final e, portanto, “correto”, pensado previamente pelo desenvolvedor do material. Ela ocorre quando há o feedback positivo “Boa escolha!” ou negativo “Tente novamente”, que faz o usuário ter que fazer a ação novamente para então acertar. Já que limita a uma escolha binária sim/não, caso erre, a resposta certa torna-se óbvia. Não é possível afirmar com certeza todos os embasamentos pedagógicos que estão por trás do objeto, mas aspectos de um método behaviorista evidenciam-se ao serem privilegiadas escolhas de certo/errado, seguidas de reforço positivo ou negativo. O behaviorismo, termo cunhado por John B. Watson, em 1913, trata-se de um conjunto de teorias psicológicas baseadas no estudo do comportamento (behaviour, em inglês), que acreditam que o comportamento é determinado por um estímulo-resposta. Isso é, pode-se condicionar um comportamento através de um reforço positivo ou negativo a ele, o que acontece nas atividades do OED analisado. Dessa maneira, é possível perceber que a escolha das atividades, estratégias e métodos avaliativos não se aproxima de práticas da cultura digital, como a colaboração, por exemplo. Tampouco pretende se que o objetivo final seja uma produção multimodal, hipermidiática e digital, mas somente uma produção textual tradicional. Isso nos mostra que o OED apenas transpôs uma atividade que seria facilmente encontrada em livros didáticos impressos (como a de seleção de trechos) para uma interface digital, concluindo que, assim como a remidiação ocorre através do nível gráfico, ocorre também no nível pedagógico, ao não desafiar e trazer inovações para um design instrucional mais adequado a uma plataforma digital.

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CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme pudemos ver, a relação entre os planos do design da interface com o design instrucional é fundamental em um objeto com fins educacionais. O método avaliativo por feedback positivo ou negativo é apoiado pela interface, que permite apenas duas ações do usuário, de selecionar o trecho para esquerda, jogando-o na caixa de trechos não essenciais, ou apenas prosseguindo ao clicar em “Próximo trecho”, considerando-o essencial. Isso nos faz refletir o porquê de tantos materiais digitais como esse reproduzirem essa mesma prática, mostrando como o design instrucional pode ser afetado pela interface. Ao se programar um objeto como esse, deve-se prever o máximo possível dos caminhos que poderão ser feitos pelo jogador, isso é, toda a estrutura hipertextual e hipermidiática. Quanto mais complexa, mais complexo é o objeto, mais demanda-se de sua produção, tanto dos profissionais técnicos quanto educacionais. Já um objeto que permite duas escolhas que levam sempre a um caminho único e linear é mais simples, o que pode ser confundido com a natureza pequena e breve dos objetos digitais de aprendizagem. É possível considerar que os OEDs possuem uma limitação, ou melhor, diferenciação, em relação a outros materiais didáticos. Devido a essas qualidades técnicas apresentadas acima é muito mais adequado, do ponto de vista técnico, criar-se atividades que não demandem de respostas dissertativas ou até mesmo produções textuais individuais livres, pois isso não fará com que o sistema os reconheça para avaliar e dar prosseguimento a outra atividade. Somente uma intervenção humana pode avaliar algo dessa natureza, sendo ainda mais adequada a utilização de cadernos ou processadores de texto, por exemplo. No entanto, isso não significa que um objeto deva ser limitado a sistemas avaliativos binários certo/errado ou simplesmente através da aplicação de tarefas (por exemplo, arrastar ou não arrastar um trecho). É possível fazer encaminhamentos pedagógicos que permitam construções mais livres, ao permitir que o usuário chegue a caminhos diferentes e, portanto, sejam interativos. No caso do objeto analisado, criar um miniconto único a partir dos trechos que o usuário considerou essencial e não apenas os trechos já previamente considerados essenciais. Porém, a avaliação pelo computador parece tomar lugar fundamental e é preciso dizer se a ação tomada pelo usuário é correta ou não. Defendo que nem todos os materiais desse tipo precisam necessariamente ser avaliativos, mas apenas servirem para determinado propósito. Consequência desses problemas em seu design mostram falhas em suas propostas e também que alguns OEDs como esse ainda estão distantes da proposta de um ensino voltado para os novos letramentos e a cultura digital. Como vimos no OED analisado, a remidiação do impresso aparece tanto no nível da interface quando no instrucional. Apesar de serem novas mídias, por suas características técnicas, seus conteúdos ainda remidiam práticas do impresso, sem oferecer atividades totalmente inovadoras. Pelo contrário, ao oferecer uma atividade digital de maneira equivocada, acaba por limitá-la em alguns aspectos. Isso não significa que remidiar o impresso o torna fora da cultura digital, mas demonstra que não se pensou em uma atividade dentro de um novo ethos dessa cultura, apenas privilegiou-se a uma transposição para o universo digital de uma atividade escolar que poderia muito bem ser feita sem qualquer dispositivo dessa natureza. Dessa maneira não são trabalhados novos letramentos, apenas letramentos já tradicionais, a partir de outra representação – a digital. No entanto, isso não significa que iniciativas como os OEDs devem ser descartadas, pois os objetos digitais de aprendizagem se coadunam perfeitamente com os novos letramentos, se pensados e apresentados de maneira adequada. Atividades em OEDs que proponham, por exemplo, produção e/ ou análise de remixes, mashups, fanfics, enunciados multimodais e hipermidiáticos e que incentivem 38

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colaboração e participação são muito mais adequadas para o novo ethos. Assim como os chamados jogos educativos precisam perder seu caráter simplista, binário (certo/errado), avaliativo e com poucos atrativos, ao oferecer mais desafios aos estudantes, como fazem os games reais, aproximando-se de materiais didáticos preparados para uma nova cultura e uma nova mentalidade.

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