MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Impossibilidade do Ministro da Justiça rever o ato da naturalização no Brasil: não recepção do art. 112, §§ 2.º e 3.º, da Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) pela Constituição Federal de 1988. In: Revista dos Tribunais, vol. 938 (2013), p. 393-396.

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Jurisprudência Selecionada STF – RO em MS 27.840/DF – Plenário – j. 07.02.2013 – m.v. – rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio – DJe 26.08.2013 – Área do Direito: Constitucional; Administrativo.

ESTRANGEIRO – Naturalização – Revisão do ato concessivo pelo Ministro de Estado da Justiça – Inadmissibilidade – Cancelamento do deferimento formalizado que deve decorrer de sentença judicial – Inteligência do art. 12, § 4.º, I, da CF/1988.

Veja também Doutrina • A eficácia ex nunc da naturalização e a extradição de brasileiro, de Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva – RT 745/463.

RO em MS 27.840 – Distrito Federal. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Redator do acórdão: Min. Marco Aurélio. Recorrente: Werner Rydl – advogada: Dagmar Zeferino. Recorrido: União – advogado: Advogado-Geral da União.

Ementa Oficial: Naturalização – Revisão de ato – Competência. Conforme revela o inc. I do § 4.º do art. 12 da CF/1988, o Ministro de Estado da Justiça não tem competência para rever ato de naturalização.NE1

NE. Nota do Editorial: Íntegra do acórdão em comento (RO em MS 27.840/DF). Disponível em: [www.revistadostribunais.com.br].

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Comentário Impossibilidade do Ministro da Justiça rever o ato da naturalização no Brasil: não recepção do art. 112, §§ 2.º e 3.º, da Lei 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro) pela Constituição Federal de 1988 No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – RO em MS 27.840/DF, julgado pelo Plenário do STF em 07.02.2013, discutiu-se a possibilidade de o Ministro da Justiça rever o ato de naturalização de sua lavra, para o fim de cancelá-la, caso fique demonstrado que o requerente agiu com fraude à lei. No referido julgamento, entendeu o STF (vencido o rel. Min. Ricardo Lewandowski) que conforme revela o inc. I do § 4.º do art. 12 da CF/1988, o Ministro da Legislação citada Justiça não tem competência para rever o ato de • arts. 5.º, VII, LI, § 3.º, 12, II, naturalização, cabendo exclusivamente ao Poder a e b, §§ 2.º, 3.º e 4.º, I, 15, I, Judiciário fazê-lo.1 37, caput, 102, II, a, e 109, X, Inicialmente, destaque-se que em nosso Curso de da CF/1988; EC 01/1969; EC direito internacional público sempre entendemos 7/1977; EC 45/2004; art. 15 dessa maneira, quando assim lecionamos: “A comda Declaração Universal dos petência para conhecer e decidir em processo de Direitos do Homem; art. 229 perda da nacionalidade, neste caso, é da Justiça do CP; art. 36 da Lei 818/1949; Federal (art. 109, X, da CF/1988), cabendo ao Miarts. 35, 111, 112, §§ 2.º e 3.º, nistro da Justiça (por representação) ou a qualquer 118, parágrafo único, 119, § 3.º, cidadão (por solicitação) deflagrar a respectiva 125, XIII, da Lei 6.815/1980; ação. Em ambos os casos também é correta a proLei 6.964/1981; art. 54 da Lei vocação pelo Ministério Público Federal. O trânsito 9.784/1999; arts. 129 e 133 em julgado da sentença faz com que o estrangeiro do Dec. 86.715/1981; Dec. que foi naturalizado brasileiro perca a sua condi3.453/2000; e arts. 19, 25, § ção de brasileiro”.2 2.º, do Dec.-lei 389/1938. No citado RO em MS, o relator (Min. Ricardo Lewandowski) não entendeu dessa maneira, tendo votado no sentido de poder o Ministro da Justiça rever o seu ato concessivo, para o fim de cancelá-lo quando presente a situação de fraude à lei. Em suas palavras: “(…) se os requisitos previstos na lei não foram preenchidos não há que se falar em naturalização válida. E somente esta é que está sob o manto da garantia consti-

1. STF, RO em MS 27.840/DF, Pleno, j. 07.02.2013, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 27.08.2013. 2. Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 738.

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tucional, qual seja, a de só ser perdida em virtude de atividade nociva aos interesses nacionais e mediante sentença judicial (…). Nesse diapasão, entendo possível o cancelamento da naturalização pela via administrativa, quando se descubram vícios no seu processo, considerando recepcionados pela Constituição de 1988 os parágrafos 2.º e 3.º da Lei 6.815/1980”.3 Porém, naquele julgamento restou o relator vencido por todos os demais Ministros, que entenderam (a nosso ver, corretamente) não poder o Ministro da Justiça rever o ato anterior concessivo da naturalização, cabendo tão somente ao Poder Judiciário fazê-lo (nos termos do art. 12, § 4.º, I, da CF/1988). Assim, tal como decidiu o STF, não há falar-se em perda da nacionalidade do brasileiro naturalizado por ato próprio do Ministro da Justiça, sob o argumento de que sendo ele a autoridade competente para conceder naturalização, também dele seria a competência para rever Súmula citada o seu ato de concessão, cancelando-o. De fato, não obstante • 473 do STF. dizer o Estatuto do Estrangeiro, no art. 112, §§ 2.º e 3.º, respectivamente, que “verificada, a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts. 113 e 114 desta Lei, será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal cabível pela infração cometida”, e que a “declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior processar-se-á administrativamente, no Ministério da Justiça, de ofício ou mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado, para defesa, o prazo de quinze dias, contados da notificação”, parece certo que tais disposições não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Segundo a decisão do STF de 07.02.2013, tendo o estrangeiro adquirido a nacionalidade brasileira por meio de portaria do Ministro da Justiça, e tendo posteriormente se apurado a existência de erro de fato consubstanciado na omissão pelo estrangeiro (em verdadeira situação de fraude à lei) de sua condição de condenado em momento anterior à naturalização, não cabe ao Ministro da Justiça rever administrativamente o seu ato concessivo, para o fim de anulá-lo, cabendo apenas ao Poder Judiciário anular a naturalização nessa hipótese. Aplicou-se, aqui, o princípio da reserva de jurisdição, rechaçando-se para a hipótese a Súmula 473 do STF, segundo a qual: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. A questão é complexa porque a fraude à lei não aparece nitidamente no Texto Constitucional de 1988, que se refere tão somente à atividade nociva ao interesse nacional. Contudo, como destacou o Min. Marco Aurélio, “se até mesmo, considerados os atos atentatórios ao interesse nacional, exige-se sentença judicial, o que se dirá quanto a uma possível fraude perpetrada pelo naturalizado?”.4 Correto o Ministro, eis que o Texto Constitucional de 1988 pretendeu estabelecer verdadeira reserva de jurisdição para os casos de cancelamento de naturalização,

3. STF, RO em MS 27.840/DF, p. 5. 4. Idem, p. 22.

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não se podendo deixar ao arbítrio do Poder Executivo uma faculdade capaz de gerar consequências tão gravosas aos cidadãos, como o desligamento da pessoa à ordem protetiva que um determinado Estado oferece. Em outros termos, a possibilidade que tem um cidadão de se tornar apátrida é extremamente danosa, tanto à sua pessoa como à própria ordem internacional, que não envida esforços para sempre reduzir os casos de apatridia existentes. Daí a necessidade de um exame judiciário da questão, sem o qual as garantias da pessoa podem ver-se gravemente Jurisprudência citada prejudicadas. • STF: Extradição 975, HC Destaque-se, nesse julgamento, o voto da Min. Cár83.113/DF, Extradição 1.121, men Lúcia, que – apesar de considerar recepcionados RE 764.487/SP, HC 62.795/SP, pela Ordem Constitucional de 1988 os §§ 2.º e 3. do Extradição 1.074, HC 62.795/ art. 112 do Estatuto do Estrangeiro – trouxe à colação SP, HC 22.889, RE 5.396, EDcl o fato de ter o Brasil aderido (em 2007) à Convenno AgIn 547.827, QO no HC ção para a Redução dos Casos de Apatridia, celebra83.113 e RE 349.703; e da pelas Nações Unidas em 30.08.1961, cujo art. 8.º, • STJ: MS 5.283/DF. § 4.º, dispõe: “Os Estados Contratantes só exercerão o direito de privar uma pessoa de sua nacionalidade, nas condições definidas nos parágrafos 2.º ou 3.º do presente artigo, de acordo com a lei, que assegurará ao interessado o direito à ampla defesa perante um tribunal ou outro órgão independente”. Nesse sentido, entendeu a Min. Cármen Lúcia que a inaplicabilidade do § 3.º do art. 112 do Estatuto do Estrangeiro não resulta “de sua não recepção em face da ordem constitucional vigente, mas da derrogação efetivada pela convenção internacional referida”.5 A decisão do STF no Acórdão do RO em MS 27.840/DF não impede, contudo, que o brasileiro naturalizado em causa (que teve mantida a sua nacionalidade derivada) venha a perder sua nacionalidade judicialmente, tal como dispõe o art. 12, § 4.º, I, da CF/1988. Também, nada há de impedir eventual extradição desse brasileiro naturalizado para um determinado Estado que o requeira em vista de crime lá cometido, eis que a Constituição de 1988 (art. 5.º, LI) autoriza a extradição do naturalizado “em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Portanto, caso o naturalizado se enquadre em alguma dessas situações, as portas à sua extradição estarão sempre abertas perante o STF.

Valerio de Oliveira Mazzuoli Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa. Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito pela Unesp, campus de Franca. Professor Adjunto de Direito Internacional Público na UFMT. Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Direito Internacional – SBDI e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas – ABCD.

5. Idem, p. 20.

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