MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; RAMOS, Nydia Maria Barjas. Ilegalidade da prisão civil do devedor-fiduciante face a derrogação do art. 1.287 do Código Civil pelo Pacto de San José da Costa Rica. In: Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, vol. 26 (1999), p. 287-346.

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ILEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDDCIANTE FACE A DERROGAÇÃO DO ART. 1.287 DO CÓDIGO CIVIL PELO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA * VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI

o autor é acadêmico do 4. o Ano "A" da Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino-ITE de Presidente Prudente-SP e estagiário do Ministério Público Federal (Procuradoria da República em Presidente Prudente-SP). NYDIA MARIA BARJAS RAMOS A autora é acadêmica do 4. o Ano "A" da Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino­

ITE de Presidente Prudente-SP e estagiária do Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos mantido pela ITE.

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A alienação fiduciária em garantia, como define o art. 66 da Lei. n. o 4.728/65, "transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal" [grifo nosso]. Em sentido lato, como define ORLANDO GOMES, I "a I

Alienação fiduciúria em garantia, 4" ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, J975, pág. 18.

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alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire, em confiança, a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado tal obrigação, ou lhe seja pedida a restituição". É, como ensina ARNaLDo W ALD,2 "o negócio jurídico em que uma das partes (fiduciante) aliena a propriedade de uma coisa móvel ao financiador (fiduciário), até que se extinga o contrato pelo pagamento ou pela inexecução". "Com o negócio" - diz SÍLVIO DE SALVO VENOSA -, "o credor fiduciário passa à condição de proprietário dos bens alienados pelo devedor fiduciante. O credor fiduciário não é proprietário pleno, mas detém propriedade resolúvel nos termos do art. 647 [do Código Civil]".3 A propriedade resolúvel, por sua vez, confere a seu titular todos os direitos de dono, conforme dispõe os arts. 647 e 648 do Código Civil, ainda que temporariamente. 4 No sentido empregado pela letra da lei, o instituto, ao que nos parece, tem dupla finalidade: (I) propiciar maior garantia às instituições financeiras, dando-lhes instrumentos processuais eficientes para a satisfação de seu crédito, e; (2) facilitar ao consumidor (devedor-fiduciante) a aquisição de bens móveis. 5 Consiste num engenhoso mecanismo através do qual o consumidor adquire um determinado bem, utilizando-se, para isso, de dinheiro tomado de uma instituição financeira. Em garantia ao adimplemento da obrigação, o devedor-fiduciante "aliena" a propriedade resolúvel da coisa adquirida ao credor, permanecendo com a sua posse direta, sendo-lhe permitido o desfrute econômico do bem alienado. Não paga a dívida, faculta-se à instituição financeira credora o ajuizamento de ação de busca e apreensão para que retome a posse direta do bem dado em garantia. Não sendo encontrado o bem nas mãos do devedor-fiduciante, o processo é convertido em ação de depósito, já que o Decreto-lei

~ Curso de direito civil brasileiro: obrigaçiies e contratos,

6.' ed., revista, ampliada e atualizada com a colaboração de SEMY GLANZ. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983, pág. 214. 1 Direitos reais. São Paulo: Atlas. 1995. págs. 370/371. 4 Cf. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO. Prisão civil por dívida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, pág. 87. 5 É de se acentuar que a Lei n.o 9.514, de 20.11.97 (DOU 21.11.97, retif. DOU 24.11.97) criou o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel.

VALtRIO DE OLIVEIRA MAZZUO

n.O 911/69, em quest~ ao infiel depositário, civil, caso não devo I' em dinheiro. O referido institute

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Seguindo à risca a I devedor-fiduciante a depositário, posições

6

Contratos mercantis, 9.' ed. São

7

Idem Ibidem. pág. 308.

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elo qual uma das partes m bem, obrigando-se a imento a que se tenha ~dida a restituição". É, D jurídico em que uma de uma coisa móvel ao inga o contrato pelo ~gócio" - diz SÍLVIO DE passa à condição de Jr fiduciante. a credor lS detém propriedade ,Código Civil]".3 A : a seu titular todos os 647 e 648 do Código

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revisIa, ampliada e atualizada dos Tribunais. 1983, pág. 214.

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n.O 911169, em questão, por ficção equipara o devedor-fiduciante ao infiel depositário, possibilitando lhe seja decretada a prisão civil, caso não devolva o bem, ou não restitua o seu equivalente em dinheiro. a referido instituto, bem se percebe, constitui-se numa fórmula engendrada para reforçar as garantias dos financiamentos realizados através de sociedades financeiras, para as quais não eram bastante as tradicionais garantias asseguradas pelo penhor ou pela venda com reserva de domínio. A respeito do tema, o insigne W ALDIRIO BULGARELLI,6 comentando o instituto, chegou mesmo a afirmar a absurdidade da lei no trato com o devedor. Eis sua lição: "Na verdade - não obstante podendo até admitir-se como válidas (o que não são) as razões invocadas para justificar a conformação desse instituto entre nós - o que ocorreu foi um acentuado reforço da garantia nas operações com as financeiras, chegando-se ao extremo de considerar o simples comprador de uma mercadoria a crédito como DEPaSITÁRIa (sic) e, como tal, se inadimplente, levá-lo à prisão, e ainda (o que só excepcionalmente se admite no penhor) de poder a soi disant credora (financeira) vender o bem, particularmente, pagando-se da dívida e devolvendo o restante (o que é bem raro ocorrer, por óbvio)". Estando as instituições financeiras amparadas por tal mecanismo jurídico, acionam-no em toda sua intensidade, tendo em vista que o mesmo as confere vários tipos de ações com as quais poderão satisfazer seus créditos. Tais instituições, desta forma, "a seu alvedrio e a seu talante escolhem o que melhor couber na oportunidade para sempre se ressarcir, jamais perdendo, do que resulta que, neste país, a atividade do crédito - ao contrário do que ocorre no resto do mundo - passa a ser uma atividade em que não há risco para o banqueiro". 7 Seguindo à risca a letra da lei, que, por equiparação, atribui ao devedor-fiduciante a mesma responsabilidade de um genuíno depositário, posições doutrinárias e jurisprudenciais di versas

) Paulo: Editora Revista dos

, retif. DOU 24,11. 97) criou o io fiduciária de coisa imóvel,

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6 7

Contratos mercantis, 9.' ed. São Paulo: Atlas, 1997, pág. 308. Idem Ibidem, pág. 308.

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surgiram, pregando que, pela remissão feita pela própria lei, às responsabilidades e encargos que ao depositário incumbem de acordo com a lei civil (Código Civil), o devedor-fiduciante também estaria sujeito ao rigorismo da prisão civil em caso de não cumprimento de suas obrigações com o bem, objeto do contrato. A grande discussão que se trava, então, é a de se saber se o devedor-fiduciante, está ou não incumbido das mesmas obrigações de um (verdadeiro!) depositário, condição esta, que, se aceita, dará margem a prisão civil deste devedor. E nesse sentir, incisiva é a incomparável lição de BULGARELLI,8 quando diz: "Ao infeliz fiduciante (devedor) resta bem pouco, posto que nunca se viu tão grande aparato legal concech, ';,.1 favor de alguém contra o devedor. Assim, não pode discutir os termos do contrato, posto que, embora 'disfarçado' em contrato-tipo, o contrato de financiamento com garantia fiduciária é efetivamente contrato de adesão, com as cláusulas redigidas pela financeira, impressas, e por ela impostas ao financiado; não é sequer, o devedor, um comprador que está em atraso, posto que, por 'um passe de mágica' do legislador, foi convertido em DEPaSITÁRIa (naturalmente, foi mais fácil enquadrá-lo, por um Decreto-lei, entre os depositários, do que reformar a Constituição, admitindo mais um caso de prisão por dívidas)". a que se demonstrará com o presente trabalho será, em primeiro lugar, a impossibilidade de se concretizar a prisão civil do devedor-fiduciante, pelos vários argumentos que veremos a seguir. Além disso, ver-se-á em segundo plano, porque o art. 1.287 do Código Civil reputa-se derrogado pelo Pacto de San José da Costa Rica, ou seja, porque este artigo não mais subsiste no nosso ordenamento jurídico. Por via reflexa, mostrar-se-á o esvaziamento de conteúdo da Lei n.o 4.728/65 (modificada pelo Decreto-lei n.o 911169), que equipara a responsabilidade do devedor-fiduciante à do depositário infiel do Código Civil. A par dessas breves noções acerca do instituto, passemos à argumentação.

8

Idem Ibidem, pág. 311.

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2. APLICAÇÃO DAS

a primeiro passo, diz respeito à identif interpreta. Podemos, devedor-fiduciante ae prejudicados os inten legais reguladoras de tratam da prisão civi restringindo os direi estender-se uma restl aplicação dos princípi,

A Constituição da] civil por dívida, admi se interpretam restrit infiel", termo cujo sig estatuído no art. 1.287 hipótese que o texte nenhuma outra,9 Deve da norma constitucio outras situações cria( adotam o instituto do (CPC, arts. 902 e 90L prisão civil ao devedo infiel exceção no text< ser interpretada restri estar-se-ia permitin indiscutivelmente odie não é permitido. Tud( tudo o quanto lhe pn restringido, sendo o insuscetível de amp amplianda. Ademais, é inconc< quando esta é restriti\ 9

É também a opinião do Prof. B~

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eita pela própria lei, às positário incumbem de l, o devedor-fiduci ante são civil em caso de não )em, objeto do contrato. , é a de se saber se o umbido das mesmas J, condição esta, que, se jevedor. E nesse sentir, :mLLI,8 quando diz: "Ao ICO, posto que nunca se favor de alguém contra rmos do contrato, posto )-tipo, o contrato de fetivamente contrato de financeira, impressas, e sequer, o devedor, um ue, por 'um passe de em DEPaSITÁRIa ), por um Decreto-lei, :::onstituição, admitindo

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I

instituto, passemos à

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2. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE HERMENÊUTICA a primeiro passo a ser dado para a prova do que se pretende, diz respeito à identificação do exato alcance da norma que se interpreta. Podemos, de início, afirmar que equiparando a lei o devedor-fiduciante ao depositário, estão sendo, nesse contexto, prejudicados os interesses do devedor. E isto porque, as normas legais reguladoras do depósito (CC, arts. 1.26511.287), quando tratam da prisão civil do depositário infiel, estão por sua vez, restringindo os direitos deste, de modo que, não seria lícito estender-se uma restrição de direitos, por equiparação. É pura aplicação dos princípios de hermenêutica. A Constituição da República, no art. 5.° LXVII, proíbe a prisão civil por dívida, admitindo duas únicas exceções que, como tais, se interpretam restritivamente. Uma delas é a do "depositário infiel", termo cujo significado não pode ser outro senão o que está estatuído no art. 1.287 do Código Civil. É indubitavelmente a essa hipótese que o texto constitucional faz referência, e a mais nenhuma outra. 9 Deve-se, por isso, restringir o alcance e aplicação da norma constitucional em tela, não se podendo estendê-la a outras situações criadas por leis especiais, que por remissão, adotam o instituto do depósito e se utilizam da ação de depósito (CPC, arts. 902 e 904) como meio suasório para a aplicação da prisão civil ao devedor-fiduciante. Por ser a prisão do depositário infiel exceção no texto constitucional, só por isso, tal norma deve ser interpretada restritivamente. A não se entender dessa forma, uma norma estar-se-ia permitindo a ampliação de indiscutivelmente odiosa à liberdade do cidadão, o que, por certo, não é permitido. Tudo o que for odioso à liberdade do cidadão, tudo o quanto lhe prejudique, deve ter seu alcance e aplicação restringido, sendo o texto constitucional, por esse motivo, insuscetível de ampliação. Odiosa restringenda, favorabilia amplianda. Ademais, é inconcebível a equiparação de uma norma à outra, quando esta é restritiva de direitos. É o que ocorre com o citado 9

É também a opinião do Prof. BARBOSA MOREIRA (Cf. Ap. Cív. 3.568/87 do TJRJ).

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artigo 66 da Lei. n. o 4.728/65, que equipara o devedor a um depositário, atribuindo-lhe inclusive, todas as obrigações que a este competem. Ora, se a própria lei diz que o devedor terá "todas as responsabilidades e encargos" que incumbem a um depositário, está dando margem ao entendimento de que, em cometendo o devedor atos de depositário infiel, não restituindo o objeto do depósito, poderá ter sua prisão decretada, assim como pode tê-la o depositário infiel propriamente dito. Não se pode admitir, dessa forma, uma interpretação analógica extensiva em casos como este em que há notório prejuízo ao devedor, privando-o em sua io liberdade em decorrência de uma dívida civil. Os casos que a Constituição excepciona ao permitir a prisão civil, devem, como tais, ser interpretados restritivamente, como já foi dito. A hermenêutica, como se vê, não permite esse tipo de equiparação (in pejus), de forma a ampliar-se um preceito restritivo da liberdade individual, violador do princípio da reserva constitucional.

3. APLICABILIDADE DO ART. 5.°, LXVII DA CF DE 1988 A regra geral acerca da impossibilidade de prisão por dívida civil teve origem na Constituição de 1934, a qual não fazia nenhuma ressalva, fato este que só veio ocorrer a partir da Carta de 1937, o que se repetiu até os dias atuais. Interessa-nos mais, agora, apenas as duas últimas Cartas da República, e a comparação de seus textos. Dispunha o art. 153, § 17 da Constituição Federal de 1969, revogada: "não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei" [grifo nosso]. Essa expressão "na forma da lei", inserta no texto constitucional de 1969, tinha duplo significado: (l) o de delegar o regulamento à lei ordinária, e; (2) o de restringir o processo, não o admitindo por outra forma (entenda-se: forma procedimental).

10

Cf. Agravo de lnstrume1lfo n.o 96.001070-0, de i3.05.97, do Tribunal de Justiça de Rondônia. ReI. Desembargador ELlSEU FERNANDES.

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Em relação a esse ~ STF editou a Súmula prisão do depositário processo em que se c propositura da ação dt 17 da Carta de 1969, I ação de depósito, a pr se constituiu o encarg lei, que exigia a refel necessário (extracontr Capitais. Com o adve essa expressão do textl ganhou foros de cons fazendo, passou a não depositário infiel se consubstanciada na aç daquela ressalva, pass< fizesse independentern depósito. i I Essa forte c que o juiz, in casu, dis da pena de prisão civ necessidade, portanto, (

Entretanto, o constit se em ser expresso n processo legal (art. 5 process of law, à ser americano, essa regra d sobremaneira ("no pel without due process processo legal, verdad da prisão civil feita fore se deve ficar com aquel

11 Assim decidiu o TRF - i' R - 4' (DJ 04.11.96, p. 8i889), in ver nos autos do processo em q~ propositura da ação de depósit( 12 Cf. RENÉ DAVID & JOHN BRIERL V AIR GONZAGA. Alienação jid

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âpara O devedor a um as as obrigações que a ue o devedor terá "todas mbem a um depositário, que, em cometendo o restituindo o objeto do assim como pode tê-la o se pode admitir, dessa ;iva em casos como este )r, privando-o em sua . '1 . 10 OS casos que a CIVI são civil, devem, como como já foi dito. A sse tipo de equiparação preceito restritivo da )rincípio da reserva

11 DA CF DE 1988

e de prisão por dívida >34, a qual não fazia ;orrer a partir da Carta liso Interessa-nos mais, da República, e a ição Federal de 1969, vida, multa ou custas, le inadimplemento de [grifo nosso]. Essa ~xto constitucional de ~ar o regulamento à lei , não o admitindo por ai).

rribunal de Justiça de Rondônia,

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Em relação a esse segundo significado, em outubro de 1984, o STF editou a Súmula 619, que traz a seguinte disposição: "A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura da ação de depósito". A Súmula violava o art. 153, § 17 da Carta de 1969, posto que, sem a propositura da competente ação de depósito, a prisão decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, não estava na forma (procedimental) da lei, que exigia a referida ação, neste tipo de depósito legal ou necessário (extracontratual), instituído pela Lei de Mercado de Capitais. Com o advento da Constituição de 1988 que suprimiu essa expressão do texto do art. 5.°, LXVII, a Súmula 619 do STF ganhou foros de constitucionalidade, pois a Constituição assim fazendo, passou a não mais exigir que a decretação da prisão do depositário infiel se fizesse na forma (procedimental) da lei, consubstanciada na ação de depósito. Ou seja, com a supressão daquela ressalva, passou-se a permitir que a prisão por dívida se fizesse independentemente da forma procedimental da ação de depósito. 11 Essa forte corrente jurisprudencial se apóia na idéia de que o juiz, in casu, dispõe de poderes suficientes para a aplicação da pena de prisão civil ao seu subordinado hierárquico, sem a necessidade, portanto, da ação de depósito. Entretanto, o constituinte de 1988 (graças a Deus!) preocupou­ se em ser expresso no asseguramento do princípio do devido processo legal (art. 5.°, LIV). Assim, com a garantia do due process of law, à semelhança do direito constitucional norte­ americano, essa regra da Súmula 619 ficou supérflua, por violá-lo sobremaneira ("no person may be deprived of his... liberty... without due process of law,,).12 Entre a garantia do devido processo legal, verdadeiro dogma constitucional, e a decretação da prisão civil feita fora da forma estabelecida pela lei, é claro que se deve ficar com aquela garantia constitucional. É também a lição II Assim decidiu o TRF - I' R - 4' TC - AgI n." 940115052-41MG, ReI. Juiz EUSTÁQUIO SILVEIRA (DJ 04.11.96, p. 81889), in verbis: "Em se tratando de depositário judicial, a prisão pode dar-se nos autos do processo em que se constituiu o encargo, sendo desnecessária, para tanto, a propositura da ação de depósito". 12 Cf. RENÉ DAVID & JOHN BRIERLEY. Major syslems in lhe world !Oday. London, 1968/348. Apud. VAIR GONZAGA. Alienação/iduciúria. Campinas: Péritas, 1997.

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de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,13 in verbis: "Por isso, com o devido respeito à orientação consagrada por certos arestos, não vejo como se possa impor tão grave sanção sem observância de um procedimento regular traçado em lei, isto é, fora da ação de depósito, que, in casu, se apresenta como o devido processo legal (uma das garantias fundamentais dos direitos humanos)". Ademais, "inexiste na lei permissivo para decretar sumariamente a prisão do depositário, sem que se lhe enseje contraditória a defesa ampla, segundo os ditames do devido processo legal. Afinal, a liberdade é um valor transcendental, que não pode ficar na dependência do arbítrio de soluções tomadas sem amparo em lei e sem a observância de um procedimento adequado adredemente traçado pelo legislador". 14 E nesse diapasão já afirmava WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que a prisão, in casu, só pode ser decretada no curso da ação de depósito, em que se assegure plena defesa ao devedor, e, além disso, desde que existam seguros elementos comprobatórios da infidelidade. 15 Não cabe aqui maiores considerações sobre este ponto. Importa-nos sim, o seu primeiro significado: o de delegar a regulamentação à lei ordinária. É o que veremos agora. O art. 153, § 17 da Carta de 1969, era, como se vê, norma constitucional de eficácia contida, entendendo-se como tal, aquelas normas "em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados". 16 Desta forma, dispondo a CF de 1969 no fim do referido artigo, que a prisão civil do depositário infiel se daria na forma da lei, tal fato possibilitava à Lei. n.o 4.728/65, equiparar, em seu art. 66, o devedor fiduciante ao depositário infiel, pois tudo o que esta lei

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dispusesse sobre o as: perfeita vigência e va Não se poderia, então com relação ao referi c forma da lei. Assim, ", infiel, passou o STF a I a Constituição Federa alienante fiduciário, p (art. 66 da Lei. 4.728/( certo que tal decisãe estaduais". 17

O legislador const LXVII, retirou de seu lei, e assim o fazendo, figura do depositário não mais se justificam contrato de depósito, ! preceito constituciona: ser norma de eficáci consagrada classificaç norma constitucional I imediata e integral). N que, desde a entrada e: seus efeitos essenciai~ todos os objetivos \ porque este criou, d suficiente, incidindo ( lhes constitui objeto' seguindo a lição do cit não necessitam . f .. 1 21 10 raconstltuclOna.

Cf. Agravo de Instrumento 4: NETTO. RT-665/107. IK Idem. Ibidem. '" Op. cit., págs. 88/102. 20 JOSIÔ AFONSO DA SILVA, op. cil 21 Cf. MICHEL TEMER. Elemento. 1992, pág. 25. 17

Curso de direito processual civil. vaI. lIl, 15.' ed. Rio: Forense, 1997, pág. 73.

14 Idem Ibidem, pág. 74.

15 Cf. Curso de direito civil: direito das obrigaçeies - 2.· parte. 5.° vaI.. 28.' ed. São Paulo: Saraiva,

1995, pág. 242. 16 JOSIÔ AFONSO DA SILVA. Aplicabilidade das no/71U1S constitucionais, 3' ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pág. 116. 13

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~rbis:

"Por isso, com o por certos arestos, não ão sem observância de isto é, fora da ação de ) devido processo legal direitos humanos)". ecretar sumariamente a ~ contraditória a defesa }cesso legal. Afinal, a te não pode ficar na lS sem amparo em lei e ldequado adredemente .iapasão já afirmava a prisão, in casu, só depósito, em que se ém disso, desde que da infidelidade. 15 Não Jonto.

cado: o de delegar a mos agora.

, como se vê, norma ldendo-se como tal , constituinte regulou rrninada matéria, mas larte da competência que a lei estabelecer ciados".16

im do referido artigo, a na forma da lei, tal rar, em seu art. 66, o s tudo o que esta lei

)97, pág. 73.

01..28.' ed. São Paulo: Saraiva.

lis. 3' ed. São Paulo: Malheiros

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dispusesse sobre o assunto, estaria, segundo a Constituição, em perfeita vigência e validade, posto que com esta não conflitava. Não se poderia, então, cogitar de qualquer inconstitucionalidade com relação ao referido artigo, pois tudo estava - repete-se - na forma da lei. Assim, "cabendo à lei definir a figura do depositário infiel, passou o STF a entender de forma reiterada que não ofendia a Constituição Federal a decretação da prisão civil do devedor alienante fiduciário, porque a própria lei o constitui depositário (art. 66 da Lei. 4.728/65, com redação do Dec.-Iei 911/69), sendo certo que tal decisão serviu de orientação para os tribunais estaduai s". 17

O legislador constituinte de 1988, no entanto, no art. 5.°, LXVII, retirou de seu texto a partícula de restrição na forma da lei, e assim o fazendo, deixou claro "a absoluta impossibilidade da figura do depositário infiel ser prevista na legislação ordinária, não mais se justificando admitir um conceito mais abrangente do contrato de depósito, para permitir a aplicação, por extensão, do preceito constitucional".18 O dispositivo, como se vê, deixou de ser norma de eficácia contida. Trata-se agora, segundo a já consagrada classificação do Pro f. JosÉ AFONSO DA SILVA, 19 de norma constitucional de eficácia plena (de aplicabilidade direta, imediata e integral). Nesta categoria, "incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte (sic), porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e indiretamente sobre a matéria que lhes constitui objeto".20 São - no dizer de MICHEL TEMER, seguindo a lição do citado professor - normas bastantes em si, que não necessitam da intermediação do legislador 21 infraconstitucional. Cf. Agravo de Instrumento 438.938-8/SP - 2.' C. /.0 TACiv. - j. 27.06.90, reI. Juiz BRUNO NETTO. RT-6651l 07. 18 Idem. Ibidem. [9 Op. cit., págs. 88/1 02. 20 JOSÉ AFONSO DA SILVA, op. cit., pág. 82. 21 Cf. MICHEL TEMER. Elementos de direito constitucional, 9.' ed. São Paulo: Malheiros Editores. 1992. pág. 25. 17

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Assim sendo, quando a Constituição atual dispõe que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel", está a Carta da República, aqui, se referindo àquele depositário genuíno conceituado pelo Código Civil, único diploma a dispor sobre o contrato de depósito (arts. 1.265 a 1.287). Não se refere ela, portanto, ao devedor-fiduciante (art. 66 da Lei do Mercado de Capitais), simplesmente pela lei equiparado ao depositário infiel do diploma civilístico. Hoje, a Constituição não mais se utiliza da expressão na forma da lei no final do citado artigo. A Lei n.o 4.728/65, que dispõe sobre o Mercado de Capitais, se estava de acordo com a Constituição revogada, agora não mais está com a Constituição de 1988. A prisão civil por dívida não mais se prende à forma de nenhuma lei, como se prendia ao tempo da ordem constitucional caduca. Quando a Constituição fala, hoje, em depositário infiel, está ela a se referir somente àquele depositário do Código Civil, e a mais nenhum outro que a ele seja, por disposição de lei, equiparado. O raciocínio é simples: a Constituição diz, a contrariu sensu, que é possível a prisão civil do depositário infiel. A atual Carta não mais exige que essa prisão se dê, ou esteja na forma de alguma lei, como exigia a anterior, e assim sendo, só se pode concluir que, quando a Constituição fala em depositário infiel, está se referindo àquele do Código Civil (depósito clássico), pois é o único diploma legal que disciplina o contrato de depósito, vedando assim, a ampliação dos casos em que cabe o constrangimento através de lei ordinária. Como veremos no item 6, hoje, face à adesão pelo Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica, não há mais de se falar em prisão do depositário infiel, pela derrogação do art. 1.287 do Código Civil.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOL

Constituição Federal ( dívida, nos casos de in ou seja, nos casos e~ conceituação clássica, alguém, por força de ir móvel alheio para gm não nos casos de dep visando apenas reforç. isso, não cabe a prisã com base na circunsU verdade, depósito, m ordinária equipara a d do texto constitucional subsistência da riisão Carta de 1988. Par;: constrangimento ilegal custódia, após decisão devolução do bem, ne pelo paciente, configu prevista no art. 5.°, LX 70.625-8/SP, 2. a Turr 22.10.1993, in DJU, 20 está nada próximo de rn

Entretanto, entende equiparação ao deposW deste, pudesse elastec constitucional estaria Sê lei ordinária, o que é inciso LXVII, do art. : nenhum tipo de elastéric norma excepcional, e dI 4. CONSTRUÇÕES DOUTRINÁRIAS E JURISPRU­ sua interpretação exten problemas dessa ordem. DENCIAIS ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE 22

Outros argumentos merecem ainda ser elencados. É necessário, de início, deixar bem fixado, que, em se tratando de depósito, a

23

Assim também. o Prof. MANDEI 705139. manifestou tese favorá' do CC em consonância ao art. 9 Cf. Habeas Corpus 0007166.96,. 31.10.96, p. 19.645), ReI. Desel

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

atual dispõe que "não a do responsável pelo de obrigação alimentícia da República, aqui, se mceituado pelo Código 'Otrato de depósito (arts. o, ao devedor-fiduciante I, simplesmente pela lei la civilístico.

a da expressão na forma l.O 4.728/65, que dispõe lva de acordo com a á com a Constituição de s se prende à forma de ia ordem constitucional :, em depositário infiel, tário do Código Civil, e por disposição de lei, ;tituição diz, a contrariu positário infiel. A atual ~, ou esteja na forma de sim sendo, só se pode " em depositário infiel, epósito clássico), pois é contrato de depósito, lOS em que cabe o 20mo veremos no item ) de San José da Costa . depositário infiel, pela

E

JURISPRU­ 'SSIBILIDADE DA CIANTE lS

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDIA MARIA SARJAS RAMOS

Constituição Federal de 1988 somente permite a prisão civil por dívida, nos casos de infidelidade do depositário propriamente dito, ou seja, nos casos estritos de depósito, entendido este na sua conceituação clássica, genuína, isto é, naquelas hipóteses em que alguém, por força de imposição legal ou de contrato, recebe objeto móvel alheio para guardá-lo, até que o depositante o reclame, e não nos casos de depósitos atípicos instituídos por equiparação visando apenas reforçar as garantias em favor dos credores. Por isso, não cabe a prisão do alienante fiduciário por equiparação, com base na circunstância de que, no caso, não ocorreria, em verdade, depósito, mas situação bastante diversa que a lei ordinária equipara a deposito, o que não poderia fazê-lo em face do texto constitucional. O STF, entretanto, tem sido favorável à subsistência da ~risão civil do devedor-fiduciante, mesmo após a Carta de 1988. 2 Para a Excelsa Corte, em verdade, "não há constrangimento ilegal ou ofensa à Constituição no decreto de custódia, após decisão definitiva da ação de depósito, com a não devolução do bem, nem o pagamento do valor correspondente, pelo paciente, configurando-se a situação de depositário infiel, prevista no art. 5.°, LXVII, da Constituição de 1988" (STF - HC 70.625-8/SP, 2. a Turma, ReI. Min. NERI DA SILVEIRA, ac. 22.10.1993, in DJU, 20.05.1994, p. 12.248). E, ao que parece, não está nada próximo de mudar esta posição. Entretanto, entendemos que se o legislador, através da equiparação ao depositário, de quem, não tivesse as características deste, pudesse elastecer os casos de prisão civil, a norma constitucional estaria sendo abruptamente violada pelo arbítrio da lei ordinária, o que é absolutamente inadmissível. O referido inciso LXVII, do art. 5.° da Constituição Federal, não comporta nenhum tipo de elastério, pois, sendo o art. 66 da Lei n.o 4.728/65, norma excepcional, e de inquestionável caráter punitivo, é vedada sua interpretação extensiva. 23 Por isso, e para que não ocorram problemas dessa ordem, deve-se entender, nesse mesmo diapasão, 22

lencados. É necessário, :ratando de depósito, a

297

2J

Assim também, o Prof. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, em parecer publicado na RT­ 705/39. manifestou tese favorável à prisão civil do dcvedor-fiduciante. invocando o art 1.287 do CC em consonância ao art 904. parágrafo único do CPC. Cf. Habeas Corpus 0007166.96, Acórdão n.o 88.766, de 28.03.96, 2.' Turma Criminal- DF (Dl 31.10.96, p. 19.645), ReI. Desembargador COSTA CARVALHO.

298

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que só estão sujeitos à prisão civil, o devedor por alimentos e o depositário infiel,24 este último no caso típico de depósito cuja interpretação deve ser restritiva, não alcançando, evidentemente, o devedor-fiduciante. Este, aliás, não é e nunca foi depositário, posto que "em nenhum instante a ele se atribui o bem para exercício do dever de custódia estruturado na sua guarda e conservação, muito menos para o exercício de um dever de restituição quando exigido pelo credor fiduciante".25 Também ORLANDO GOMES propugna da mesma opinião. Eis sua lição: "O devedor-fiduciante não é, a rigor, depositário, pois não recebe a coisa para guardar, nem o credor-fiduciário a entrega para esse fim, reclamando-a quando não mais lhe interesse a custódia alheia".26 No mesmo sentido GERALDO DE JACOBINA RABELLO (Alienação fiduciária em garantia e prisão civil do devedor, 2. a ed., São Paulo: Saraiva, 1987, pág. 109). Depositário, assim, é aquele que guarda bem alheio (não próprio!), não se podendo, por isso, dizer que o devedor­ fiduciante é, em verdade, depositário, se é ele quem corre todo o risco da perda da coisa desde o início do negócio. 27 Ninguém pode ser condenado como depositário infiel, "se correr o risco da perda da coisa; isto porque, reafirme-se, o depositário deve guardar bem alheio e não bem próprio". 28 Não resta dúvida que o devedor-fiduciante não é depositário. A ele não se atribui o dever de custódia do bem, muito menos o dever de restituí-lo quando exigido. O que existe na alienação fiduciária, é um desnaturamento da finalidade essencial desse tipo de contrato. Não é, pois, depósito. O que o Decreto-lei n.o 911/69 fez, foi reputar como sendo depósito, um fato outro que não o estatuído na noção de depósito como originalmente foi construída. Frise-se que, segundo a construção que faremos no item 6, hoje, não é mais possível a subsistência da prisão civil por infidelidade do depositário. entre nós. O aparente entendimento contrário que ora se mantém no texto é inevitável para aquela construção futura. Mesmo para fins didáticos, deve-se manter, por ora, o entendimento contrário do texto. 25 VILSON RODRIGUES ALVES. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, 1.' edição, 2.' tiragem. Campinas: Bookseller, 1997, pág. 256. 26 Alienaçtio fiduciária em garantia, cit., pág. 130. 27 Cf. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO. Pristio civil por dívida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, pág. 109. 28 Idem Ibidem.

24

VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOL

E aí é que surge o prol art. 1.282, I, reputa cc em desempenho de oh outras leis criem situa< do depósito genuíno, , este artigo (depósito le 1.283, reger-se-á pela nosso caso, a Lei n.o 911169. Talvez por issl MONTEIRO, que po administrativa a outra 1.287, embora sem exi~

Entretanto, sem em que, quando leis infra situações diversas dac conceitual, precisamenl de prisão por dívida ch constitucional que, tra, ser interpretada restrith de prisão na aliena~ equiparáveis pelo legisl

Já se expressava ne sob a égide da C Desembargador Prof. E de seu tempo, propugr civil do devedor-fidu< professor, na seguinte República, no art. 153, abrindo duas únicas e estritamente. Uma dela~ significado não pode s, Código Civil, e implica que o não restituir, q hipótese, e só a ela, qu~

29

Cf. Curso de direito civil: direito 1995, pág. 243.

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

vedor por alimentos e o típico de depósito cuja Içando, evidentemente, o nunca foi depositário, se atribui o bem para Irado na sua guarda e :cício de um dever de fiduciante".25 Também )inião. Eis sua lição: "O tário, pois não recebe a írio a entrega para esse le interesse a custódia DE JACOBINA RABELLO ão civil do devedor, 2. a Jarda bem alheio (não dizer que o devedor­ S ele quem corre todo o egócio. 27 Ninguém pode ~ correr o risco da perda itário deve guardar bem nte não é depositário. A o bem, muito menos o lue existe na alienação ade essencial desse tipo ) Decreto-lei n.o 911/69 1 fato outro que não o lalmente foi construída. 6. hoje. não é mais possível a entre nós. O aparente entendimento ela construção futura. Mesmo para rário do texto. 7elecimentos bancários. I.' edição.

I

Paulo: Revista dos Tribunais.

VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDlA MARIA SARJAS RAMOS

299

E aí é que surge o problema, pois, quando o Código Civil, em seu art. 1.282, I, reputa como sendo necessário o depósito que se faz em desempenho de obrigação legal, está dando margem para que outras leis criem situações que, embora substancialmente diversas do depósito genuíno, a ele se equiparam. O depósito de que trata este artigo (depósito legal), consoante a expressa permissão do art. 1.283, reger-se-á pela disposição da respectiva lei, ou seja, no nosso caso, a Lei n.o 4.728/65, modificada pelo Decreto-lei n.o 911/69. Talvez por isso tenha afirmado WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, que pode o legislador "estender a prisão administrativa a outras hipóteses, cabíveis na fórmula do art. 1.287, embora sem existir contrato típico de depósito".29 Entretanto, sem embargo dessa afirmação, é de se entender que, quando leis infraconstitucionais qualificam como depósito situações diversas daquela contida no seu verdadeiro núcleo conceitual, precisamente com o escopo de permitir mais um caso de prisão por dívida civil, o fazem em detrimento do mandamento constitucional que, trazendo norma de exceção, deve, como tal, ser interpretada restritivamente. Daí a inadmissibilidade desse tipo de prisão na alienação fiduciária, e em outras hipóteses equiparáveis pelo legislador. Já se expressava nesses termos, em acórdão prolatado ainda sob a égide da Carta Constitucional anterior, o então Desembargador Prof. BARBOSA MOREIRA, que, já muito à frente de seu tempo, propugnava pela inconstitucionalidade da prisão civil do devedor-fiduciante. Eis o que disse esse eminente professor, na seguinte passagem de voto: "A Constituição da República, no art. 153, par. 17, proíbe a prisão civil por dívida, abrindo duas únicas exceções que, como tais, se interpretam estritamente. Uma delas é a do 'depositário infiel', expressão cujo significado não pode ser senão o que ressalta do art. 1.287 do Código Civil, e implica a não restituição da coisa ('o depositário, que o não restituir, quando exigido'). É obviamente a essa hipótese, e só a ela, que alude o texto constitucional, insuscetível

1993. 29

Cf. Curso de direito civil: direito das obrigações - 2. parte. 5.° vol., 28.' ed. São Paulo: Saraiva. U

1995, pág. 243.

300

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

de ampliação. Na alienação fiduciária em garantia não se cogita de 'não restituição', pela singela e bastante razão de que o devedor não recebeu a coisa das mãos do credor, e só se restitui ou não a alguém o que desse alguém se houver recebido. Reconhecer à lei ordinária a possibilidade de equiparar outras situações, substancialmente diversas, à do depositário infiel, para o fim de tornar aplicável a prisão civil, eqüivale a esvaziar a garantia constitucional. Mediante a 'equiparação', qualquer devedor - um simples mutuário, por exemplo - acabará podendo ver-se sujeito a medida cujo emprego a Constituição quis limitar a casos bem definidos" (Ap. Cív. 3.568/87 do TJRJ, citado no acórdão do REsp. 7.943-RS, do STJ, 4. a T., v.u., reI. Min. ATHOS CARNEIRO, julgo 30.04.91, DJU 10.06.91, p. 7.854, pub. RSTJ 23/387-388) [grifo nosso]. Como bem diz EDUARDO TALAMINI,30 "se a Constituição estipulou duas hipóteses taxativas e exaustivas em que cabe a prisão civil, não é possível que a legislação infraconstitucional ­ manipulando os conceitos tradicionais para além daquele núcleo mínimo - altere o alcance dessas exceções, ampliando-o". O Ilustre Ministro MARCO AURÉLIO do STF, em substancioso voto proferido no Habeas Corpus 72.183-4/SP, no qual se quedou vencido, também deu à matéria essa interpretação, quando disse: "( ... ) a exceção contemplada constitucionalmente é imune a enfoques que acabem por nela agasalhar contratos voltados à garantia da dívida, como é o caso da alienação fiduciária, e que distante, muito distante ficam do contrato de depósito, a qualificar, no campo da exclusividade, as figuras do depositante e do depositário. A não ser assim, desprezando-se o fundo, o real, a verdadeira intenção das partes, em benefício do formal, da rotulação, da simples fachada, aberto estará o caminho ao elastecimento das hipóteses em que viável a prisão por dívida civil". Por essa razão é que não se permite à legislação infraconstitucional ampliar o alcance e aplicabilidade dessas exceções que, como tais - repete-se , se interpretam

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOI

restritivamente, Se , depositário tradicional legislação infraconstit o alcance da norma, situações substancial diploma civilístico (O

Em não sendo o de' há falar-se em equipar pela falta de sentido respeito, de verificar­ Colendo Superior Tril relatado pelo Min. VJi jurídica estabelecida admissível prisão inadimplemento volun e de depositário infiel que descumpre a obri credor-fiduciário não s prisão civil, pois o c( 1.265 a 1.287, do Cód contrato de alienação fi n. 911169, que equipa contrato de depósito, I nova ordem constitucic 3.206-SP, 6. a Turma, 1 21.03.95).

Quer nos parecer ql orientação (entendime aplauso). Veja-se, bem por votação unânime, I 6. a Turma do STJ, (DJ ANSELMO SANTIAGO:

31

30 Pri"üo civil e penal e "execlIçüo indireta" (a garantia do art. 5.". LXV//, da COflstitlliçüo Federa/). In TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER. coord .• Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pág. 144.

É o caso também da Lei n.O 8.! pessoa a que a legislação tribu impostos, taxas ou contribui~ prevendo que a falta de tal re~ depositário infiel (§ \.0) passívc

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uantia não se cogita de lzão de que o devedor só se restitui ou não a bido. Reconhecer à lei ar outras situações, J infiel, para o fim de a esvaziar a garantia [ualquer devedor - um Jdendo ver-se sujeito a i limitar a casos bem citado no acórdão do fino ATHOS CARNEIRO, llb. RSTJ 23/387-388) 'o "se a Constituição stivas em que cabe a J infraconstitucional ­ l além daquele núcleo Jes, ampliando-o". O em substancioso voto I, no qual se quedou retação, quando disse: nalmente é imune a contratos voltados à ação fiduciária, e que rato de depósito, a ~uras do depositante e o-se o fundo, o real, a :fício do formal, da stará o caminho ao I a prisão por dívida Jermite à legislação aplicabilidade dessas -, se interpretam

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLl - NYDIA MARIA BARJAS RAMOS

restritivamente. Se a Constituição se refere somente àquele depositário tradicional conceituado pelo Código Civil, não pode a legislação infraconstitucional, manipulando seu conceito, ampliar o alcance da norma, a fim de permitir a prisão civil a outras situações substancialmente diferentes daquela elencada pelo diploma civilístico (CC, arts. 1.26511.287).3 1 Em não sendo o devedor-fiduciante verdadeiro depositário, não há falar-se em equiparação de um ao outro, fato este que somente pela falta de sentido lógico, deve desde já ser rechaçado. A respeito, de verificar-se o que foi decidido nesse sentido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (Dl 05.06.95, p. 16.686), relatado pelo Min. VICENTE LEAL, in verbis: "Segundo a ordem jurídica estabelecida pela Carta Magna de 1988, somente é admissível prisão civil por dívida nas hipóteses de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e de depositário infiel (CF. art. 5, LXVII). O devedor-fiduciante que descumpre a obrigação pactuada e não entrega a coisa ao credor-fiduciário não se equipara ao depositário infiel, passível de prisão civil, pois o contrato de depósito, disciplinado nos arts. 1.265 a 1.287, do Código Civil, não se equipara, em absoluto, ao contrato de alienação fiduciária. A regra do art. 1.0 do Decreto Lei n. 911169, que equipara a alienação fiduciária em garantia ao contrato de depósito, perdeu a sua validade jurídica em face da nova ordem constitucional. Habeas-corpus concedido" (STJ - HC 3.206-SP, 6. a Turma, por maioria, ReI. Min. Vicente Leal, julg. 21.03.95). Quer nos parecer que o STJ tem mesmo se firmado por essa orientação (entendimento que, aliás, é merecedor do nosso aplauso). Veja-se, bem a propósito, o que se decidiu em 08.05.95, por votação unânime, no Recurso de Habeas-Corpus 4.319-GO, 6. a Turma do STJ, (Dl 21.08.95, p. 25.408), relatado pelo Min. ANSELMO SANTIAGO: "A jurisprudência da 6. a Turma do STJ

31

5.", LXVII, da Consritllição ocesso de execução e assuntos

Irt.

301

É o caso também da Lei n.O 8.866/94, que qualificou como deposirário da Fazenda Pública a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber impostos, taxas ou contribuições de terceiros para depois repassá-Ias ao Fisco (art. 1.°), prevendo que a falta de tal repasse caracterizaria o responsável ou substituto tributário como deposirário infiel (§ 1.°) passível de prisão civil (art. 4.°, §§ 1.° e 2.°).

302

VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

orienta-se no sentido de que, na alienação fiduciária, toma-se incabível a prisão civil do devedor-fiduciante, por não estar o mesmo equiparado a depositário. Recurso provido". Ademais, nos termos do art. 1.275 do Código Civil brasileiro, "sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o

. depositário, sem licença expressa do depositante, servir-se da

coisa depositada". Ora, tendo o devedor fiduciante a posse

imediata desse bem, exatamente para seu uso e gozo,

circunstância inexistente no real contrato de depósito (como se

deflui da leitura do artigo), claro está, que nesse tipo de contrato, o

depositante não se faz depositário, descabendo, assim, a prisão por

dívida civil. Na alienação fiduciária o depósito é para garantia do

crédito e não para a guarda do bem. Ao depositário infiel, como visto, a coisa é dada com a obrigação formal de devolvê-la, obrigação esta, que inexiste no caso da alienação fiduciária que se constitui mera garantia de mútuo. Assim, o devedor-fiduciante não pode ser preso por descumprimento desse tipo de contrato, pois este não se equipara ao contrato de depósito disciplinado nos artigos 1.265 a 1.287 do Código Civil. A prisão, no caso, fere o disciplinamento constitucional do art. 5.°, LXVII da Constituição de 1988. Toda e qualquer norma jurídica que disponha a respeito da liberdade de um cidadão deverá ser interpretada de maneira a não restringir o exercício desse direito, alcance este, que deverá ser dado ao artigo e inciso da Constituição acima enunciado que proíbe a prisão civil por dívida, excetuando-se as hipóteses já citadas de inadimplemento de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (clássico). A respeito da interpretação do art. 66 da Lei n° 4.728/65, em face do art. 5.°, LXVII, da Constituição, supra citado, de ver-se o que se decidiu em 13.03.95, por maioria, no RHC 4.288-RJ, também da 6. a Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça (Dl, 19.06.95, p. 18.750), relatado o eminente Min. ADHEMAR MACIEL, in verbis: "O instituto da alienação fiduciária em garantia se traduz em uma verdadeira aberratio legis: o credor-fiduciário não é proprietário; o devedor-fiduciante não é depositário; o desaparecimento involuntário do bem fiduciado não segue a

milenar regra da res pl em "penhor sine tn legislador ordinário ti jurídica estabelecida. : 911169, ao alterar o ar contratual mediante p tradição jurídica, que ocidental. A "prisão ci, 5.°, inciso LXVII, da C (CC, art. 1.265). Recurs

"Cuidando-se de re: interpretação que ampl cânone constitucional descabida a equiparaç[ fiduciante, ao deposi recuperação da propr expectativo da mesma n tratando de ação penal com maior razão aind~ privação da liberdad excepcionalíssima, e m extrema cautela. 33 A lit resguardado da atualidai pecuniário de qualquer c engendradamente pela IE In dubio pro libertate. J "Na dúvida, pela lil circunstâncias, é a liberd; "O valor liberdade", ( ir e vir, situa-se em plano do desenvolvimento econ fiduciária em garantia, '

33

1.0 Cf. Agravo de Instrumento n.o 96.(

34

ReI. Desembargador ELISEU FER~ CARLOS MAXIMILIANO. Op. cit., pál

12

Acórdão da 3.' Câmara Cível do

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;ão fiduciária, torna-se :iante, por não estar o )rovido".

:ódigo Civil brasileiro, danos, não poderá o positante, servir-se da ar fiduciante a posse 1 seu uso e gozo, de depósito (como se lesse tipo de contrato, o 'ldo, assim, a prisão por Ssito é para garantia do coisa é dada com a ) esta, que inexiste no titui mera garantia de pode ser preso por is este não se equipara tigos 1.265 a 1.287 do e o disciplinamento llição de 1988. Toda e ;peito da liberdade de eira a não restringir o 'erá ser dado ao artigo e proíbe a prisão civil es já citadas de l do depositário infiel Lei n° 4.728/65, em "a citado, de ver-se o no RHC 4.288-RJ, Tribunal de Justiça :ote Min. ADHEMAR iduciária em garantia : o credor-fiduciário ão é depositário; o ciado não segue a

VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLl - NYDlA MARIA BARJAS RAMOS

303

milenar regra da res perit domino suo. Talvez pudesse configurar em "penhor sine traditione rei", nunca em "depósito". O legislador ordinário tem sempre compromisso com a ordem jurídica estabelecida. Na verdade, o que a lei (Decreto-lei n.o 911169, ao alterar o art. 66 da LMC) fez foi reforçar a garantia contratual mediante prisão civil, o que contraria toda nossa tradição jurídica, que tem raízes profundas no sistema jurídico ocidental. A "prisão civil" por dívida do depositário infiel, do art. 5.°, inciso LXVII, da Constituição, só pode ser aquela tradicional (CC, art. 1.265). Recurso ordinário conhecido e provido". "Cuidando-se de restrição à liberdade do cidadão, qualquer interpretação que amplie a abrangência da exceção contida no cânone constitucional citado, viola-o sobremaneira. De todo descabida a equiparação do alienante, ou seja, o proprietário­ fiduciante, ao depositário pois seu direito expectativo à recuperação da propriedade é direito real, sendo direito expectativo da mesma natureza do direito expectado".32 Se em se tratando de ação penal a liberdade já é por demais resguardada, com maior razão ainda de resguardá-la na ação civil, onde a privação da liberdade só se apresenta como medida excepcionalíssima, e mesmo assim, devendo ser utilizada com extrema cautela. 33 A liberdade, em sendo o maior bem da vida resguardado da atualidade, deve sempre sobrepairar ao interesse pecuniário de qualquer credor, quanto mais aqueles já fortalecidos engendradamente pela lei, como o são as instituições financeiras. In dubio pro libertate. Libertas omnibus rebus favorabilior est: "Na dúvida, pela liberdade! Em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que merece maior favor".34

"O valor liberdade", diz JACOBINA RABELLO, "como direito de ir e vir, situa-se em plano de importância infinitamente superior ao do desenvolvimento econômico, com que se justifica, na alienação fiduciária em garantia, a equiparação do devedor fiduciante ao

:~ Acórdão da 3.' Câmara Cível do 1.0 TACívSP. publi. em JTACivSP 145/87, no AI 536.643-8. Cf. Agravo de InslrumenlO n.o 96.001070-0. de 13.05.97, do Tribunal de Justiça de Rondônia, ReI. Desembargador ELlSEU FERNANDES. 34 CARLOS MAXIMILIANO. Op. ci!., pág. 261.

304

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depositário para fins de prisão civil,,?5 Ademais, como se admitir, sendo rígida a Constituição brasileira, possa a lei ordinária restringir o direito fundamental de ir e vir? Isto não apenas não é aceitável, como também não é compreensível, sob a ótica da rigidez constitucional. 36 Ademais, este contrato não tem por finalidade a guarda, mas a garantia. Aqui, ao contrário do contrato de depósito, onde o depositário é mero guardião do bem, o devedor-fiduciante exerce, também, a condição de proprietário do bem alienado, ainda que essa propriedade esteja pendente de cláusula resolutiva?7 Não há portanto depósito, nem depositário infiel que justifique a prisão civil pois o fiduciante não está guardando a coisa alheia, tendo em vista que o bens são do próprio devedor, dados em garantia. "Nem se diga que a prisão do depositário infiel de bem alienado fiduciariamente não é prisão por dívida. Tanto o é que o depositário, normalmente o próprio devedor-fiduciante, pode ser executado por quantia certa como prevê o artigo 906 do Código de Processo Civil".38 Assim, "neste ponto, entende-se que, mesmo persistindo a obrigação do depositário de entregar o bem ou seu equivalente em dinheiro, o único caminho a ser tomado contra ele, - as cumpra, e, o d a execuçao - ,,39 caso nao .' Assim, dessume-se que a prisão civil é restrita aos casos indicados pela Constituição (art. 5.°, LXVII), que são o inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a infidelidade do depositário. A alienação fiduciária, além de não ser modalidade de depósito, tem também finalidade diversa. "Aqui, há obrigação de restituir, desde que não efetuado o pagamento. Nota-se que a ameaça de prisão, no caso, é meio, isto é, modo de constranger o devedor a honrar o débito. Ao contrário do depósito, na alienação fiduciária, pode haver pagamento, pelo

Alienação fiduciária em garantia e prisão civil do devedor. 2.' ed. São Paulo: Saraiva. 1987, págs. 105-106. 30 Cf. JOSÉ GERALDO DE JACOBINA RABELLO, op. cit., pág. 107. .17 Cf. AI n.o 96.001070-0,13.05.97, TJRO, cit. 3H Acórdão do 2.° TACivSP. HC n." 493.158-0/5, ReI. DYRCEU ClNTRA. Boletim do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, São Paulo 22(2):101-130, mar.labr. 1998, pág. 111. 39 Idem, Ibidem, págs. 109/110.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUC

menos parcial do pl hipótese da ConstituÍ<

A par de todas es Procurador do ESté CASTELLANOS PFEIFF seja, a de que entre a inegavelmente estabe de rigor a aplicação, ; de Defesa e Proteçii especial a regra esta cobrança de débitos, l a ridículo, nem será S\ ou ameaça". Ora, po ameaçadoras do qUI devedor-fiduciante.

Pode-se, do que inadimplemento de 01 da letra da lei, fato est vitória da impunidad< que seja dado a uma I Constituição. Como j: equiparação ao deposi deste, pudesse elast< constitucional estaria: lei ordinária, o que c sistema como o nosso.

35

40

41

Acórdão da 6.' Turma do S CERNICCHIARO. Cf. Embargos Infringentes inte apelação n.o 479910-00/5.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

~demais,

como se admitir , possa a lei ordinária 'ir? Isto não apenas não é eensível, sob a ótica da

1,

malidade a guarda, mas a ltO de depósito, onde o evedor-fiduciante exerce bem alienado, ainda qu~ sula resolutiva. 37 Não há I que justifique a prisão I a coisa alheia, tendo em Jados em garantia. positário infiel de bem

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2.' ed. São Paulo: Saraiva,

VALIORIO DE OLIVEIRA MAZZUOLl - NYDIA MARIA SARJAS RAMOS

305

menos parcial do preço. Não se identificam, materialmente, a hipótese da Constituição e prisão civil por dívida".40 A par de todas essas alegações, como bem lembrou o ilustre Procurador do Estado de São Paulo ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER,41 é ainda de se ressaltar uma última, qual seja, a de que entre a instituição financeira e o devedor-fiduciante, inegavelmente estabelece-se uma relação de consumo, o que toma de rigor a aplicação, ao caso sub exame, dos preceitos do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei n.o 8.078/90), em especial a regra estatuída no seu art. 42, que estabelece: "Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça". Ora, poucas situações poderiam configura-se mais ameaçadoras do que a possibilidade de encarceramento do devedor-fiduciante . Pode-se, do que foi dito, ter-se a impressão de que o inadimplemento de obrigações assumidas, não ficaria ao alcance da letra da lei, fato este que poderia gerar na mente dos homens, a vitória da impunidade. De fato. Porém, o que não se concebe é que seja dado a uma lei ordinária um alcance tal que não lhe dá a Constituição. Como já foi dito acima, se o legislador, através da equiparação ao depositário, de quem, não tivesse as características deste, pudesse elastecer os casos de prisão civil, a norma constitucional estaria sendo violada sobremaneira pelo arbítrio da lei ordinária, o que de forma alguma pode ser concebido num sistema como o nosso.

1987, 4()

U CINTRA. Boletim do Centro de 10 1-130, mar.labr. 1998, pág. 111.

41

Acórdão da 6.' Turma do STJ, no RHC n." 5.732-RJ, aos 04.11.96, ReI. Min. VICENTE CERNICCHIARO. Cf. Embargos Infringentes interpostos na 12.' Câmara do E. 2.' TACiv do Estado de São Paulo, apelação n.· 479910-00/5.

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V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUO

5. A INFLUÊNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO SEGUNDO O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

"Ninguén cumprir com un

Depois da Carta de 1988, como se viu, não mais é possível coagir mediante prisão, o devedor-fiduciante a cumprir, por ato próprio, a prestação devida. Diante de todos os argumentos acima expostos, é fácil chegar-se a essa conclusão. Porém, a despeito de todos eles, hoje (depois de 1992), como veremos pouco mais adiante, não resta dúvida sobre a total impossibilidade de, no Brasil, prender-se por dívida, seja o devedor-fiduciante, objeto desse trabalho, seja inclusive o depositário infiel genuíno tratado pelo Código Civil. Isso mesmo. Hoje, nem sequer o depositário infiel propriamente dito, pode ser ameaçado com medidas constritivas de sua liberdade a, por ato próprio, cumprir a prestação devida. Passamos a analisar, agora, como a Constituição Federal de 1988 se relaciona com os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, por ela ratificados, e qual o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, nesse tema. Na verdade, a situação que temos hoje, em nosso país, é a seguinte: o Brasil é signatário de dois importantíssimos tratados internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Um, é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, havendo seu texto sido aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n.o 226/91) e adotado na legislação interna por força do Decreto Presidencial n.O 592, de 06 de julho de 1992. Outro, é a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), ratificado (sem qualquer reserva!) pelo Brasil, aprovado pelo Decreto Legislativo n.O 27/92, de 25 de setembro de 1992, e incorporado pelo ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Presidencial n.o 678, de 06 de novembro de 1992. O primeiro (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos), em seu art. 11, dispõe que:

O segundo (Pacto 7, por sua vez, estabel "Ninguén não limita o competente exp obrigação alimé A primeira questãt tratados no nosso dire:

O problema da con internas de estatura I âmbito do direito da Numa, dando prevaH infraconstitucional, a I peruana, garantindo ac sem embargo de leis I problemas são resol tratamento paritário, outros diplomas de Supremo Tribunal Fe (dualista). Assim, dei tratados e convençõ( normativa com as : normatividade dos ti concerne à hierarquia mesmo plano e no me! as nossas leis internas. pelo Supremo Tribun embargo de vozes atl

42 43

Cf. JOSÉ FRANCISCO REZEK. D.

Saraiva, 1996, pág. 104.

Cf. Acórdão n.O 662-2. do prc

decisão majoritária, aos 28.11

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VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLl - NYDIA MARIA SARJAS RAMOS

VTERNACIONAIS NO 'RO SEGUNDO O

lU, não mais é possível

ante a cumprir, por ato os os argumentos acima la. Porém, a despeito de ) veremos pouco mais impossibilidade de, no redor-fiduciante, objeto ) infiel genuíno tratado m sequer o depositário eaçado com medidas o próprio, cumprir a onstituição Federal de :ionais de proteção aos 11 o posicionamento do em nosso país, é a Jortantíssimos tratados manos. Um, é o Pacto (1966), ratificado pelo ~u texto sido aprovado .Iativo n.O 226/91) e ecreto Presidencial n.O ~venção Americana de José da Costa Rica), lrasil, aprovado pelo ;;etembro de 1992, e pátrio pelo Decreto

~,

307

"Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual". O segundo (Pacto de San José da Costa Rica), em seu art. 7.°, 7, por sua vez, estabelece:

"Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar". A primeira questão a analisar diz respeito à validade desses tratados no nosso direito interno. O problema da concorrência entre tratados internacionais e leis

internas de estatura infraconstitucional, pode ser resolvido, no âmbito do direito das gentes, em princípio, de duas maneiras. Numa, dando prevalência aos tratados sobre o direito interno infraconstitucional, a exemplo das constituições francesa, grega e peruana, garantindo ao compromisso internacional plena vigência, sem embargo de leis posteriores que o contradigam. Noutra, tais problemas são resolvidos garantindo-se aos tratados apenas tratamento paritário, tomando como paradigma leis nacionais e outros diplomas de grau equivalente. 42 O Brasil, segundo o Supremo Tribunal Federal, enquadra-se nesse segundo sistema (dualista). Assim, dentro do sistema jurídico brasileiro, onde tratados e convenções guardam estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado, a normatividade dos tratados internacionais, permite, no que concerne à hierarquia das fontes, situá-los, como quer o STF, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em que se posicionam as nossas leis internas. 43 Esta é posição já firmada e sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal, há mais de vinte anos, sem embargo de vozes atualíssimas a proclamar a supremacia dos

992.

os Civis e Políticos),

42

43

Cf. JosÉ FRANCISCO REZEK. Direito internacional público: curso elementar, 6.' ed. São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 104. Cf. Acórdão n.O 662-2, do processo de Extradição julgado pelo Tribunal Pleno do STF, em decisão majoritária, aos 28.11.96 (Dl, 30.05.97, p. 23.176), ReI. Min. CELSO DE MELLO.

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INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

tratados de direitos humanos, frente a Constituição Federal,44 como veremos logo mais. Surge assim um impasse: os dispositivos de ordem interna concernentes à alienação fiduciária em garantia (art. 66 da Lei. n.o 4.728/65) dispondo de um modo, e aquelas normas de direito internacional dispondo de outro.

V ALIORIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - r

a prática de um ilícito I responder".46 Cumpre dizer, desde declarado constitucional, em 23.11.1995, in verbis

"Esta Corte, 23.11.1995), firme Carta Magna de prisão civil do alienação fiduciári Costa Rica, I infraconstitucional especiais, sobre pr T., HC 75.306-0/R DJU de 12.09.199 Corpus 74.381-1, I

A Constituição Federal de 1988 (art. 5.°, LXVII), de um lado,

apregoa que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel"; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de outro, dispõe que "ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual [grifos nossos], tratado esse que vem, por sua vez, corroborar o entendimento do art. 7.°, 7, do Pacto de San José da Costa Rica (o qual o Brasil aderiu sem reservas), que exclui de seu texto a figura do depositário infiel, não nos dando outro entendimento senão o de que somente as dívidas alimentícias podem, ainda, ensejar a prisão civil. Seguindo esse raciocínio, surge uma indagação curiosa: com a ratificação, pelo Brasil, desses dois tratados internacionais, o disposto na Constituição Federal acerca da prisão civil do depositário infiel, não estaria revogado? Segundo a orientação do STF, não. À exceção da Constituição holandesa que, após a revisão de 1956, permite em certas circunstâncias, que tratados internacionais derroguem seu próprio texto, é muito difícil que uma dessas leis fundamentais despreze, neste momento histórico, "o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado".45 De forma que, "posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda" ­ explica o Ministro REZEK -, "é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique

44

41

I

11;

74.739-6;

Extraordinários 20

Seguindo esse enten qualquer tratado internac Brasil, passa a fazer parl legislação ordinária. Est para mudar o texto con: como expressão máxim Supremo Tribunal Fede convenção internacion posicionamento pode se: recente despacho mono MELLO, como presidente no DJU 158-E, de 19.0l prescrição do § 2.° do aJ referência expressa ao P, que disse o ilustre Minist

Vide a propósito. excepcional trabalho de FLÁVIA PIOVESAN, in Direitos hUtrUlnos e o direito constitucional internacional. 3.' ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. Cf. JOSIO FRANCISCO REZEK. Op. cit., pág. 103. 46

Idem, págs. 103/104.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDlA MARIA SARJAS RAMOS

:::onstituição Federal,44

vos de ordem interna lntia (art. 66 da Lei. n.o :las normas de direito

a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele responder".46 Cumpre dizer, desde logo, que o Decreto-lei n.O 911169 foi declarado constitucional, pelo Plenário do STF, no HC 72.131-RJ, em 23.11.1995, in verbis:

"Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.J31-RJ, de 23.11.1995), firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de São José da Costa Rica, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais, sobre prisão civil do depositário infiel" (STF, 1. a T., HC 75.306-0/RJ, 19.08.1997, rei. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 12.09.1997, pág. 43.715; e muitos mais: Habeas Corpus 74.381-1, DJU de 26.09.1997, pág. 47.476; 70.718­ 11 ; 74.739-6; 74.473-7; 70.718-1.. Recursos Extraordinários 201.820-1; 199.782-6) [gnfos nossos].

" LXVII), de um lado, )r dívida, salvo a do rrio e inescusável de rio infiel"; o Pacto , de outro, dispõe que .o poder cumprir com tratado esse que vem, art. 7.°, 7, do Pacto de riu sem reservas), que infiel, não nos dando somente as dívidas ivil. 19ação curiosa: com a

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Seguindo esse entendimento firmado pela Suprema Corte, qualquer tratado internacional que seja, desde que ratificado pelo Brasil, passa a fazer parte do nosso direito interno, no âmbito da legislação ordinária. Esta, como é sabido, não tem força nenhuma para mudar o texto constitucional. Isto porque, a Carta Magna, como expressão máxima da soberania nacional, como diz o Supremo Tribunal Federal, está acima de qualquer tratado ou convenção internacional que com ela conflite. Este posicionamento pode ser percebido, com clareza meridiana, em recente despacho monocrático proferido pelo Min. CELSO DE MELLO, como presidente do STF, no HC 77.631-5/SC, publicado no DJU ISS-E, de 19.0S.1998, Seção I, pág. 35, onde aborda a prescrição do § 2.° do art. 5.° da Constituição, fazendo inclusive referência expressa ao Pacto de San José da Costa Rica. Veja-se o que disse o ilustre Ministro no referido despacho:

Direitos humanos e o direito '97. 46

Idem. págs. 103/I04.

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liA circunstância de o Brasil haver aderido ao Pacto

de São José da Costa Rica - cuja posição, no plano da hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas - não impede que o Congresso Nacional em tema de prisão civil por dívida, aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção processual destinado a compelir o devedor a executar obrigação que lhe foi imposta pelo ordenamento positivo, nos casos expressamente autorizados pela própria Constituição da República. Os tratados internacionais não podem transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental.

Não me parece que o Estado brasileiro deva ter inibida a prerrogativa institucional de legislar sobre prisão (civil) por dívida, sob o fundamento de que o Pacto de São José da Costa Rica teria pré-excluído, em sede convencional, ao menos no que se refere à hipótese de infidelidade depositária, a possibilidade de disciplinação desse mesmo tema pelo Congresso Nacional. É que não se pode perder de perspectiva a relevantíssima circunstância de que existe expressa autorização inscrita no texto da Constituição brasileira, permitindo ao legislador comum a instituição da prisão civil por dívida, ainda que em hipóteses revestidas de absoluta excepcionalidade. (. .. )

Parece-me irrecusável, no exame da questão concernente à primazia das normas de direito internacional público sobre a legislação interna ou doméstica do Estado brasileiro, que não cabe atribuir, por efeito do que prescreve

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUO

o art. 5.°, § 2. hierárquico daj positivo interno prescrições [une essa interpreta~ supremacia da ( instituição da I extraordinárias pelo Congresso jurídica consiste

É preciso J prisão civil por ( extração constitl as bases do ré consagra, em tel republicana, qUI 113, n. 30), tem, de 1937, pelm brasileiros (CF;' CF/69, art. 153, essa mesma orie 'Não haverá pris pelo inadimplem alimentícia e a de ( ... )

A indiscut, brasileira sobre ( um imperativo q (art. 102, IlI, b), exceções, tem pr que considera it oponha, ou que r importe em alter Nicarágua de 19 1991, art. 241, 1 art. 149, § 1.°, n.'

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VALÉRIa DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDlA MARIA BARJAS RAMOS

laver aderido ao Pacto posição, no plano da ';l-se no mesmo nível de inárias internas - não ~m tema de prisão civil zum instituidora desse 'ocessual destinado a Ibrigação que lhe foi 'ositivo, nos casos 'Ópria Constituição da

311

o art. 5. o, § 2. o, da Carta Política, um inexistente grau hierárquico das convenções internacionais sobre o direito positivo interno vigente no Brasil, especialmente sobre as prescrições fundadas em texto constitucional, sob pena de essa interpretação inviabilizar, com manifesta ofensa à supremacia da Constituição - que expressamente autoriza a instituição da prisão civil por dívida em duas hipóteses extraordinárias (CF, art. 5. o, LXVI/) -, o próprio exercício, pelo Congresso Nacional, de sua típica atividade político­ jurídica consistente no desempenho da função de legislar. É preciso não perder de perspectiva que a vedação da

podem transgredir a ituição, pois, além de restringir a eficácia Ú, não possuem força ~sfera de abrangência s no texto da Lei

prisão civil por dívida, no sistema jurídico brasileiro, possui extração constitucional. A Lei Fundamental, ao estabelecer as bases do regime que define a liberdade individual, consagra, em tema de prisão civil por dívida, uma tradição republicana, que iniciada pelo Constituição de 1934 (art. 113, n. 30), tem sido observada, com a só exceção da Carta de 1937, pelos sucessivos documentos constitucionais brasileiros (CF/46, art. 141, § 32; CF/67, art. 150, § 17; CF/69, art. 153, § 17). A Constituição de 1988, perfilhando essa mesma orientação, dispõe, em seu art. 5. o, LXV//, que 'Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel'.

D

brasileiro deva ter re legislar sobre prisão de que o Pacto de São ~-excluído, em sede refere à hipótese de dade de disciplinação racional. É que não se ntíssima circunstância inscrita no texto da !o legislador comum a 'vida, ainda que em lcionalidade. fO

( ... )

A indiscutível supremacia da ordem constitucional brasileira sobre os tratados internacionais, além de traduzir um imperativo que decorre de nossa própria Constituição (art. 102, I//, b), reflete o sistema que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no plano do direito comparado, que considera inválida a convenção internacional que se oponha, ou que restrinja o conteúdo eficacial, ou ainda, que importe em alteração da Lei fundamental (Constituição da Nicarágua de 1987, art. 182; Constituição da Colômbia de 1991, art. 241, n. o 10; Constituição da Bulgária de 1991, art. 149, § 1. o, n. ° 4, v.g.).

exame da questão e direito internacional t doméstica do Estado feito do que prescreve

I

1

312

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Como as exceções derrogatórias ao postulado fundamental que veda a prisão civil por dívida possuem inquestionável matriz constitucional (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira, vol. 1/74, 1990, Saraiva; Celso Ribeiro Bastos, Comentários à constituição do Brasil, voz. 2/305-306, 1989, Saraiva), torna-se evidente que a legitimidade jurídica da prisão civil por dívida, nas duas hipóteses previstas em nossa Lei Básica, tem, na própria Constituição - e não em outros inferior qualificação instrumentos normativos de hierárquica -, o fundamento de sua autoridade e o suporte direto de sua validade e eficácia. Desse modo, não há como fazer abstração da Constituição para, com evidente desprestígio da normatividade que dela emana, conferir, sem razão jurídica, precedência a uma convenção internacional. "

Pode parecer que, em princípio, tanto os tratados como as convenções internacionais, sendo lei nova, têm força para revogar as leis infra-constitucionais anteriores a sua ratificação, que disciplinem, de modo diverso, as mesmas matérias por eles disciplinadas. Não havendo na Constituição brasileira garantia de privilégio hierárquico dos tratados internacionais sobre o nosso direito interno, deve ser garantida a autoridade da norma mais recente, pois é paritário (repete-se: segundo o STF) o tratamento brasileiro, dado às normas de direito internacional, o que faz operar em favor delas, neste caso, a regra lex posterior derogat priori. Entretanto, não é bem assim que isso funciona. A prevalência do Decreto-lei n.o 911169 sobre o referido Pacto, decorreu de primados do próprio STF, com base na especialidade das leis no sistema jurídico constitucional, por ser o Pacto de San José da Costa Rica norma geral, incapaz de derrogar uma lei especial,47 pois, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC 47

Cf. o primoroso trabalho de PAULO RESTIFFE NETO e PAULO SÉRGIO RESTIFFE, Prisão civil do

depositário infiel emface da derrogação do ano 1.287 do Código Civil pelo Pacto de Süo José da Costa Rica, publicado na RT-756 de outubro de 1998, págs. 37-52.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOl

72.131-RJ), nem toda força para revogar UI basta somente ser lei r apta a revogar a lei a hipóteses em que amb ambas sejam especiai~ uma norma de caráter da Costa Rica), derrol seja especial (caso do STF tem entendido ql hou ve derrogação do José da Costa Rica, po. uma lei especial. Mesr tinha se pronunciado Genebra da Lei Unifo em 04.08.1971, no R OSWALDO TRIGUEIRm

manifestação do Congl aprovação do tratado, específico que reprodt: mais tarde, o plenário com um avanço signifit

"Embora a lei uniforme sob, tenha aplicabilid sobrepõe ela i constitucionalida 427/69, que im promissória em nulidade do títulc 83/809-848, RE ~ PEIXOTO, de 01.01

Assim, como foi vis prevalência sobre o infraconstitucional ger revogar normas infral posterior generalis non

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atórias ao postulado 'il por dívida possuem li (Manoel Gonçalves ;tituição brasileira, vol. Bastos, Comentários à -306, 1989, Saraiva), jurídica da prisão civil 'evistas em nossa Lei ío - e não em outros inferior qualificação autoridade e o suporte

fazer abstração da :te desprestígio da conferir, sem razão '0 internacional. " os tratados como as êm força para revogar sua ratificação, que as matérias por eles brasileira garantia de :ionais sobre o nosso idade da norma mais I o STF) o tratamento macional, o que faz {ex posterior derogat lciona. A prevalência Pacto, decorreu de 'Cialidade das leis no acto de San José da r uma lei especial,47 'ribunal Federal (HC I

Prisão civil do o Civil pelo Pacto de São José 7·52.

WIO RESTIFFE.

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313

72.131-RJ), nem toda lei nova, somente porque é lei nova, tem força para revogar uma lei anterior que com ela conflita. Não basta somente ser lei nova. Exige-se mais: além de nova, deve ser apta a revogar a lei anterior. E essa qualidade só se verifica nas hipóteses em que ambas as lei (nova e anterior), sejam gerais, ou ambas sejam especiais. A Excelsa Corte, não permite, assim, que uma norma de caráter geral (como é o caso do Pacto de San José da Costa Rica), derrogue uma lei anterior que, em relação a ela, seja especial (caso do Decreto-lei n. o 911/69). Por esse motivo, o STF tem entendido que, no caso em tela, como já foi dito, não houve derrogação do Decreto-lei n. o 911/69, pelo Pacto de San José da Costa Rica, posto ser este norma geral, incapaz de revogar uma lei especial. Mesmo antes da Constituição de 1988, o STF já tinha se pronunciado a respeito, a propósito da Convenção de Genebra da Lei Uniforme sobre Cheques, por votação unânime, em 04.08.1971, no RE 71. 154-PR, de que foi relator o Min OSWALDO TRIGUEIROS, no sentido de que não se exige dupla manifestação do Congresso nacional, isto é, não se exige, além da aprovação do tratado, a edição de um segundo diploma legal específico que reproduza as normas modificadoras. Alguns anos mais tarde, o plenário do STF v~ltaria a se manifestar, porém, com um avanço significativo, em destaque, in verbis:

"Embora a Convenção de Genebra, que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias, tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei 427/69, que instituiu o registro obrigatório da nota promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título" (publicado na íntegra o Acórdão na RTJ 83/809-848, RE 80.004-SE, relator do Acórdão Min. CUNHA PEIXOTO, de 01.06.1977). Assim, como foi visto, para o STF, o Decreto-lei 911/69, tem prevalência sobre o referido pacto, por ser este norma infraconstitucional geral que, por esse motivo, não é apto a revogar normas infraconstitucionais especiais anteriores (lex posterior generalis non derogat legi priori speciali). Ou seja, "leis

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especiais não se hão de reputar revogadas pelas gerais, salvo quando expressamente regulem a matéria ou explicitem a revogação".48 Ou como dizia PAPINIANO: In toto jure generi per speciem derogatur, et illud potissimum habetur quod ad speciem directum est - "em toda disposição de Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie" .49

6. A DERROGAÇÃO DO ART. 1.287 DO CÓDIGO CIVIL PELO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA Conforme foi visto no item anterior, já está pacificado no STF o entendimento de que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, passam a fazer parte de nosso ordenamento jurídico interno, no âmbito da legislação ordinária. Foi visto também, ainda segundo a orientação da Excelsa Corte que, tratando-se de normas internacionais, estas não têm força para revogar leis internas de caráter especial, mesmo que anteriores ao produto normativo convencional. Enfim, essa é a posição do Supremo Tribunal Federal, a qual já nos referimos por cansativas vezes. Não estamos de acordo com essa orientação. Entretanto, mesmo que se aceite como correta a orientação do Supremo Tribunal Federal (o que não é!), provaremos neste item que o art. 1.287, do Código Civil, foi derrogado pelo Pacto de San José da Costa Rica. Assim, mesmo que se entenda (a contragosto!) que é constitucional a prisão civil do depositário infiel pelo fato de ser o Pacto de San José da Costa Rica lei geral, que não tem o condão de revogar o Decreto-lei n. o 911169, que é norma infraconstitucional especial sobre a prisão do depositário infiel, hoje, no Brasil, não há falar-se mais em prisão civil do depositário infiel. O raciocínio é simples: sendo a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) norma de caráter geral, capaz somente de revogar normas de caráter

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUO

também geral, é de s Código Civil e Códi disposto no art. 1.287 1.0 e 904, parágrafo derrogados pelo refer Pacto de San José da tendo sido os Códigc dessa data, não há qm o Pacto de San José c quer o Supremo Tri daqueles dois diplomé posterior derogat pri, equipara o devedor­ responsabilidades que penal" [grifo nosso], f prisional. Dessa form Código Civil de 19] responsabilidade civi infidelidade depositári interna dos pactos deI artigo fazem remissão só vez, todo o cont ratificação daqueles tn

Assim, a conclusão fazem envio ou remi incumbem ao deposit: Decreto-lei n.o 9111l mesmo estando viger: 1988, encontram-se es no que atine à respons cuja fonte era o ai Constituição continua mas inexiste lei em vi infraconstitucional, ql 50

48 49

Acórdão do REsp 5.344-MG. da 3.' Turma do STJ. de J 1.03.91. ReI. Min. EDUARDO RIBEIRO. PAPINIANO (Digesto. liv. 50. tíl. 17. frag. 80). Apud. CARLOS MAXIMILIANO. Op. cit., pág. 135.

Cf. PAULO RESTIFFE NETO e P, da derrogação do art. 1.28; 756/48. cil.

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

V ALfRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDlA MARIA BARJAS RAMOS

as pelas gerais, salvo :ria ou explicitem a rn toto jure generi per '?etur quod ad speciem Direito, o gênero é .-se de importância espécie".49

também geral, é de se entender, sem muito esforço que, sendo o Código Civil e Código de Processo Civil leis "gerais", tanto o disposto no art. 1.287 do primeiro diploma, quanto os arts. 902, § 1.° e 904, parágrafo único, do diploma processual, reputam-se derrogados pelo referido Pacto que a eles sobreveio. Tendo sido o Pacto de San José da Costa Rica ratificado pelo Brasil em 1992, e tendo sido os Códigos Civil e de Processo Civil, editados antes dessa data, não há que se concluir por outra forma senão a de que, o Pacto de San José da Costa Rica, sendo lei nova e geral (como quer o Supremo Tribunal Federal), derrogou os dispositivos, daqueles dois diplomas citados. Aplica-se, aqui sim, a máxima lex posterior derogat priori. E assim sendo, a Lei n. 4.728/65, que equipara o devedor-fiduciante ao depositário "com todas as responsabilidades que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal" [grifo nosso], ficou esvaziada em seu conteúdo compulsivo prisional. Dessa forma, com a derrogação do art. 1.287 do atual Código Civil de 1916, fonte de onde emana o conteúdo da responsabilidade civil, com todos os seus consectários por infidelidade depositária, no tocante à prisão civil, desde a vigência interna dos pactos derrogadores, todas as demais leis que a este artigo fazem remissão, direta ou indiretamente, perderam, de uma só vez, todo o conteúdo compulsivo prisional que antes da ratificação daqueles tratados pelo Brasil, ainda haviam.

fJO CÓDIGO CIVIL :TA RICA

:stá pacificado no STF ionais ratificados pelo ordenamento jurídico a. Foi visto também, te que, tratando-se de 'ça para revogar leis anteriores ao produto posição do Supremo . cansativas vezes. rientação. Entretanto, entação do Supremo ) neste item que o art. Pacto de San José da :a contragosto!) que é infiel pelo fato de ser 'eral, que não tem o ,1/69, que é norma do depositário infiel, io civil do depositário enção Americana de ~osta Rica) norma de normas de caráter ~el. Min. EDUARDO RIBEIRO.

(IMILIANO.

Op. cit., pág. 135.

315

Assim, a conclusão a que se chega é que as leis especiais que fazem envio ou remissão às responsabilidades e encargos que incumbem ao depositário infiel do Código Civil, a exemplo do Decreto-lei n.o 911/69, atualmente, face àquela derrogação, mesmo estando vigentes e recepcionadas pela Constituição de 1988, encontram-se esvaziadas do conteúdo compulsivo prisional, no que atine à responsabilidade civil por infidelidade depositária, cuja fonte era o art. 1.287 do atual Código Civi1. 5ü "A Constituição continua a autorizar excepcionalmente (não obriga), mas inexiste lei em vigor, no momento atual do direito positivo infraconstitucional, que comine a prisão civil por infidelidade 50

Cf. PAULO RESTIFFE NETO e PAULO SÉRGIO RESTIFFE. Prisão civil do depositário infiel em face

da derrogação do art. 1.287 do Código Civil pelo Pacto de São José da Costa Rica. RT­ 756/48, cit.

3i6

iNSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

depositária para ser imposta legitimamente ao responsável por qualquer modalidade de depósito,,5i [grifo nosso]. Inexistindo texto de lei em vigor a cominar a prisão civil por infidelidade depositária, cuja fonte - repete-se - era o art. 1.287 do atual Código Civil, a outro entendimento não se pode chegar senão o de que, descabida é prisão do depositário infiel (genuíno!), bem como a dos depositários por equiparação. Tudo isso por um motivo muito simples pois ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5, II), entendendo-se como tal a espécie normativa devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo constitucional (arts. 59 a 69 da Constituição da República). Apesar dessa conclusão não coincidir com a que chegou o STF, no HC 72.131-RJ, decorre, entretanto de premissas da própria Excelsa Corte de que leis gerais só podem revogar leis que também sejam gerais. Não tendo sido afastada a orientação geral erigida no precedente de seu plenário, no RE 76.154-PR, de 04.08.71, ReI. Min. OSWALDO TRIGUEIROS (RTf 58170), o STF deve admitir, por coerência à sua própria orientação, como revogadas, pelo Pacto de San José da Costa Rica, as normas infraconstitucionais anteriores de caráter geral sobre prisão civil do depositário infiel, de forma que estão derrogadas, só por isso, as normas gerais inscritas no arts. 1.287 do Código Civil, 902 e 904 do Código de Processo CiviI. 52 Garante-se, dessa forma, plena vigência àqueles compromissos internacionais ratificados após promulgação da Lei n.O 4.728/65. Tanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, quanto a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), pode-se afirmar com clara certeza, derrogaram o disposto naqueles dispositivos, deixando sem conteúdo compulsivo prisional o disposto no art. 66 da Lei n.o 4.728/65, modificado pelo Decreto-lei n.O 911/69, que equipara o devedor­ fiduciante a um depositário. Restou assim prejudicada a referida equiparação (in pejus, diga-se de passagem). "A não se entender

51 52

Idem Ibidem.

Cf. PAULO RESTIFFE NETO e PAULO SÉRGIO RESTIFFE. RT-756/47, cit.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZU(

desta forma, asseI conflitantes: o prim( possibilidade de che financiamento, medi< San José da Costa F posterior, contendo c apenas às obrigaçõe1 jurídica em vigor".53

Por serem, assil ordenamento jurídico que, em sendo norm mais recentes, os di1 902, § 1.° e 904, pai também leis de carát( eventual primazia so direito interno, como de antinomia com o uma inexistente prefe aplicação do critério anterior. 55 Deve o Su coerência à sua própr: aqui esposada.

Por fim, como nc prisão de depositári<

Ministro MARCO AURÉLIO, I Boletim do Centro de Estud, 54 Nenhuma palavra sequer a e1 dívida, São Paulo: Editora ~ Di reitos reais, i3.' ed., Rio: de HUMBERTO THEODORO direito civil, 13.' ed., vol. r. MONTEIRO, op. e loco cit., pi e das declarações unilateral ss.; em MARIA HELENA DIN 845 e ss.; em SILVIO DE SAI devedor-fiduciante embasad de prisão por quebra da con loc. cit., pág. 307 e ss. 55 Cf. Acórdão n.o 662·2, do p 28.11.96 (Dl, 30.05.97, p. 2 56 Cf. Processo penal, 8.' ed. Sãe 53

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

lte ao responsável por ifo nosso]. Inexistindo ) civil por infidelidade o art. 1.287 do atual pode chegar senão o de infiel (genuíno!), bem io. Tudo isso por um í obrigado a fazer ou ~tude de lei (CF, art. 5, lormativa devidamente : l processo legislativo ) da República).

m a que chegou o STF, premissas da própria dem revogar leis que tada a orientação geral 10 RE 76. 154-PR, de s (RTf 58/70), o STF Iria orientação, como 'osta Rica, as normas eral sobre prisão civil ::lrrogadas, só por isso, ) Código Civil, 902 e lqueles compromissos ) da Lei n.o 4.728/65. s e Políticos, quanto a lS (Pacto de San José certeza, derrogaram o Ido sem conteúdo da Lei n.o 4.728/65, equipara o devedor­ )rejudicada a referida l. "A não se entender

I, cil.

VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDIA MARIA BARJAS RAMOS

317

desta forma, assentar-se-á a convivência de dispositivos conflitantes: o primeiro, o do Decreto-lei n.o 911/69 relativo à possibilidade de chegar à prisão por dívida no caso de simples financiamento, mediante alienação fiduciária; o segundo [Pacto de San José da Costa Rica], em vigor a partir de 1992 e, portanto posterior, contendo o limite exaustivo à citada prisão, jungincio-a apenas às obrigações de alimentar. A óptica discrepa da ordem jurídica em vigor".53 Por serem, assim, expressões mais recentes em nosso ordenamento jurídico, tudo se resolve em favor daqueles tratados, que, em sendo normas de caráter geral, derrogaram, por serem mais recentes, os dispositivos dos arts. 1.287, do Código Civil, 902, § 1.0 e 904, parágrafo único, do Código de Processo Civil, também leis de caráter geral (lex posterior derogat priori).54 Esta eventual primazia sobre as normas infraconstitucionais de nosso direito interno, como já foi dito pelo STF, ocorre, face a situação de antinomia com o ordenamento doméstico, não em virtude de uma inexistente preferência hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico, em que a lei posterior revoga a anterior. 55 Deve o Supremo Tribunal Federal, agora, admitir, por coerência à sua própria orientação, como correta a tese por nós até aqui esposada. Por fim, como nos lembra MIRABETE,56 já se decidiu que a prisão de depositário infiel, sendo tipicamente civil e até de

Minislro MARCO AURÉLIO. do STF, em volo no HC 72.183-4, de São Paulo, em 23.02.96. Boletim do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, cit., pág. 111. 54 Nenhuma palavra sequer a esse respeito em ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, in Prisüo civil por dívida, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, pág. 80 e ss.; em ORLANDO GOMES, in Direitos reais. 13.' ed., Rio: Forense, 1998, pág. 351 e ss. (tampouco nas notas de atualização de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR); em CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in 1nstituiçües de direito civil, 13.' ed., vol. IV, Rio: Forense, 1998, pág. 297 e ss.; em WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, op. e loe. cit., pág. 224 e ss.; em SILVIO RODRIGUES, in Direito civil.' dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, vol. 3,24.' ed., São Paulo: Saraiva, 1997. pág. 257 e ss.; em MARIA HELENA DINIZ, in Código Civil anotado, 2.' ed., São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 845 e ss.; em SILVIO DE SALVO VENOSA, op. e loc. cito (o qual, aliás, defende a prisão civil do devedor-fiduciante embasado ainda no argumento de que não se trata de prisão por dívida, mas de prisão por quebra da confiança decorrente do depósito); em WALDIR 10 BULGARELLI, op. e loc. cit., pág. 307 e ss. 55 Cf. Acórdão n." 662-2, do processo de Extradição julgado pelo Tribunal Pleno do STF, aos 28.11.96 (Dl, 30.05.97, p. 23. 176), ReI. Min. CELSO DE MELLO, cito 56 Cf. Processo penal, 8.' ed. São Paulo: Atlas, 1998, pág. 401.

5]

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318

natureza disciplinar, constituindo um múnus público, não pode ser discutida em sua pertinência em habeas corpus (nesse sentido: RT 542/313, 623/65). Entretanto, como já foi visto mais de uma vez no decorrer deste trabalho, hoje, em não mais existindo texto em vigor a cominar a prisão civil do depositário infiel (derrogado que foi o art. 1.287 do CC), todo julgamento que vá contra esse entendimento será considerado contra legem, cabendo perfeitamente o remédio heróico para sanar visível ilegalidade contra a garantia da liberdade de locomoção.

7. O PRINCíPIO DA PRIMAZIA DA FA voRÁ VEL ÀS VíTIMAS

NORMA MAIS

Atualmente, como foi dito, o que se vem percebendo é o surgimento gradual de uma nova mentalidade, mais aberta e otimista, em relação aos Direitos Humanos, principalmente dessa nova geração de juristas. Não mais se cogita, para esse novo grupo, em monismo e dualismo, o que já estaria (e efetivamente está!) por demais superado. O que pretendem, ao que nos parece, é que seja dado às normas de direitos humanos provenientes de tratados internacionais, o seu devido valor. Não admitem essa igualização dos tratados com a legislação interna do país. Ao contrário: desejam ver aqueles compromissos internacionais igualados à Constituição do Estado. Nesse diapasão, dispõe o art. 29 ("Normas de interpretação") do Pacto de San José da Cost.l Rica, que:

"Nenhuma disposição da presente Convenção poc ~ ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; ~)

limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ... ".

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZum

Em vista dessas dis mais aberta à essa I daquele produto con' Constituição Federal, 4

"Os direU não excluem OUI por ela adotado República Feder Como se vê, são trê direitos e garantias in na Constituição; b) di dos princípios pela garantias inscritos nos Federativa do Brasil se

Segundo o que e; ALVES, do STF, e "Imunidades Tributári DA SILVA MARTINS, o se aplica aos Tratados lei ordinária". 57 Salier tratados posteriores, n; pois, "senão por 1 constitucionais a alten posterior "não pode petrificado por antecil ilustre Ministro, pensi equivoco, um tanto qUê precedentes do Suprerr foi visto anteriormente

O que ocorre, é que como se pode percel

57

58

Simpósio sobre imunidades 11 MARTINS, coord., conferencis Revista dos Tribunais: Centrl série, n.O 4 l, pág. 22. Idem Ibidem.

INSTITUiÇÃO TOLEDO DE ENSINO

público, não pode ser rpus (nesse sentido: RT visto mais de uma vez Ilais existindo texto em o infiel (derrogado que to que vá contra esse ra legem, cabendo nar visível ilegalidade >.

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VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLl - NYDlA MARIA BARJAS RAMOS

319

Em vista dessas disposições convencionais, essa nova doutrina, mais aberta à essa nova realidade atual, apoia a supremacia daquele produto convencional no parágrafo 2.° do art. 5, da Constituição Federal, que assim dispõe:

"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Como se vê, são três as vertentes, na Constituição de 1988, dos direitos e garantias individuais: a) direitos e garantias expressos na Constituição; b) direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados, e; c) direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Segundo o que expôs o Ministro JosÉ CARLOS MOREIRA ALVES, do STF, em conferência inaugural ao Simpósio "Imunidades Tributárias", coordenado pelo jurista IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, o § 2.° do art. 5.° da Carta da República, "só se aplica aos Tratados anteriores à CF/88 (sic) e ingressam como lei ordinária".57 Salientou ainda naquele evento que, quanto aos tratados posteriores, não seria de se aplicar o referido parágrafo, pois, "senão por meio de Tratados teríamos Emendas constitucionais a alterar a Constituição (sic)", sendo que, tratado posterior "não pode modificar a Constituição nem se torna petrificado por antecipação".58 Sem embargo do afirmado pelo ilustre Ministro, pensamos que tal interpretação se ressente de equivoco, um tanto quanto justificado, tendo em vista os inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal a esse respeito, como já foi visto anteriormente neste trabalho. O que ocorre, é que o § 2.° do art. 5.° da Constituição Federal, como se pode perceber sem muito esforço, tem um caráter

57

58

Simpósio sobre imunidades tributárias: conferência inaugural. In IVES GANDRA DA SILVA MARTINS. coord .• conferencista inaugural JosÉ CARLOS MOREIRA ALVES. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária. 1998 - (Pesquisas tributárias. Nova série, n.o 4l, pág. 22. Idem Ibidem.

320

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

eminentemente aberto, pois dá margem à entrada ao rol dos direitos e garantias consagrados na Constituição, de outros direitos e garantias provenientes de tratados. Está, a cláusula do § 2. 0 do art. 5. 0 da Carta da República, a admitir (e isto é bem visível!) que tratados internacionais de direitos humanos entrem no ordenamento jurídico interno brasileiro a nível constitucional, e não no âmbito da legislação ordinária, como quer o Supremo Tribunal Federal. Nessa esteira, há quem sustente com brilhantismo, como FLÁVIA PIOVESAN,59 que, quando a Carta da 1988 em seu art. 5. 0 , § 2. 0 , dispõe que "os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais", a contrariu sensu, está ela "a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte". "Este processo de inclusão" - conclui esta ilustre Procuradora do Estado de São Paulo - "implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos". Assim, ao incorporar em seu texto esses direitos internacionais, está a Constituição atribuindo-os uma natureza especial e diferenciada, qual seja, "a natureza de norma constitucional", os quais passam a integrar, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos, interpretação esta consoante com o princípio da máxima 6o efetividade das normas constitucionais. Merece o nosso aplauso essa nova doutrina, tão aberta e preocupada com a proteção dos direitos humanos. Há de se enfatizar, porém, que os demais tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, não tem natureza de norma constitucional; terão sim, natureza infraconstitucional, extraída do art. 102, IlI, b, da Carta Magna,6I que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para "julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em " Direi!os hUlIlLmos e o direi!o cons!i/llcional internacional. 3.' ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, pág. 82. "" Cf. FLÁVIA PIOVESAN, op. cit., págs. 821103. ól Note-se que o § 2.° do art. 5.° da CF. fala em direitos e garantias expressos na Consti/lliçüo, donde se conclui que somente os tratados internacionais que tratem de direitos e garantias individuais é que estão amparados por esta clausula. chamada por isso mesmo de cláusula aberta, cuja finalidade é exatamente a de incorporá-los ao rol de direitos e garantias constitucionais.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUC

única ou última instâ a inconstitucionalida, com base nesse dis comentada teoria da teoria não vigora qu; tratado internacional,

Dessa forma, mais e garantias fundamen pelo Brasil, por fo Constituição Federal, Magna, o status de " Estados assumem internacionais, que ( cada contratante, ele uma tendência do COI a prevalência da pe regência da relação € (PEDRO DALLARI, Re

direito internacional Constituição Brasileil

As inovações in fundamental import; instrumentos de prote desse processo de i direitos humanos pe FLÁVIA PIOVESAN, f, contra a Tortura e ( Degradantes. A pai Convenção Interamer de julho de 1989; b) em 24 de setembro d€ Civis e Políticos, e Internacional dos Din de janeiro de 1992; Humanos, em 25 I Interamericana para P a Mulher, em 27 de n4

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

à entrada ao rol dos

ição, de outros direitos a cláusula do § 2.° do sto é bem visível!) que umanos entrem no rIível constitucional, e )mo quer o Supremo brilhantismo, como 1 1988 em seu art. 5.°, ressos na Constituição ~ntes dos tratados 'a incluir, no catálogo ~gidos, os direitos n que o Brasil seja conclui esta ilustre plica na incorporação sim, ao incorporar em está a Constituição ~nciada, qual seja, "a s passam a integrar, nalmente protegidos, incípio da máxima :rece o nosso aplauso com a proteção dos 'ém, que os demais re direitos humanos, terão sim, natureza ~, da Carta Magna,61 a competência para causas decididas em I

:d, São Paulo: Max Limonad.

'as expressos na Constituição. :ratem de direitos e garantias , por isso mesmo de cláusula , rol de direitos e garantias

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDIA MARIA BARJAS RAMOS

321

única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal". Foi inclusive com base nesse dispositivo que o STF passou a adotar a já comentada teoria da paridade. Deve-se insistir, porém, que esta teoria não vigora quando a norma a aplicar-se é proveniente de tratado internacional de "direitos humanos". Dessa forma, mais do que vigorar como lei interna, os direitos e garantias fundamentais proclamados nas convenções ratificadas pelo Brasil, por força do mencionado artigo 5°, § 2°, da Constituição Federal, passam a ter, por vontade da própria Carta Magna, o status de "norma constitucional". À medida em que os Estados assumem compromissos mútuos em convenções internacionais, que diminuem a competência discricionária de cada contratante, eles restringem sua soberania e isto constitui uma tendência do constitucionalismo contemporâneo, que aponta a prevalência da perspectiva monista internacionalista para a regência da relação entre direito interno e Direito Internacional (PEDRO DALLARI, Recepção pelo direito interno das normas de direito internacional público - o parágrafo ZO do artigo 5° da Constituição Brasileira de 1988, trabalho acadêmico). As inovações introduzidas pela Carta de 1988 tiveram fundamental importância para a ratificação de mumeros instrumentos de proteção dos direitos humanos. O marco inicial desse processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo Direito Brasileiro, como nos lembra FLÁVIA PIOVESAN, foi a ratificação, em 1989, da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. A partir desta ratificação, seguiram-se: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; c) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; d) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; e) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; f) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.

322

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o direito brasileiro, portanto, fez

opção por um sistema misto, combinando regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e outro aplicável aos tratados tradicionais, que não disponham sobre direitos humanos. Os tratados internacionais de direitos humanos, além de terem natureza de norma constitucional, têm incorporação imediata no ordenamento jurídico interno. Já, os demais tratados (tratados tradicionais), além de apresentarem natureza infra­ constitucional nos termos do artigo 102, III, b, da Constituição (que admite o cabimento de recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado), não são incorporados de forma automática pelo nosso ordenamento interno. Como bem explica FLÁVIA PIOVESAN,62 o tratamento jurídico diferenciado, conferido pelo art. 5. § 2. da Carta Constitucional de 1988, "justifica-se na medida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados". Este caráter especial passa a justificar, assim, o status constitucional atribuído aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos. Dessa forma, o ser humano, nessa escala de valores, passa a ocupar posição central, já de há muito merecida. 0

0

,

,

Os direitos humanos provenientes de tratados, assim, têm natureza materialmente constitucional. Como nos explica CANOTILHO,63 "o critério em análise coloca-nos perante um dos temas mais polêmicos do direito constitucional: qual é o conteúdo ou matéria da Constituição? O conteúdo da Constituição varia de época para época e de país para país e, por isso, é tendencialmente correcto afirmar que não há reserva de Constituição no sentido de que certas matérias têm necessariamente de ser incorporadas na constituição pelo Poder Constituinte. Registre-se, porém, que, 62

Op. cit., pág. 94.

61

Direito constitucional. pág. 68.

VALÉRia DE OLIVEIRA MAZZUC

historicamente (m consideradas matér organização do poc divisão de poderes) garantias. Posteriorn matéria constituciona então considerados di valor administrativo econômicos, sociais trabalhadores e consti Ressalte-se que, ' "normas constitucion § 1. do art. 5. da CI se, assim, a edição d~ efeitos tanto no plano casos de tratados in1 humanos, este decre ressaltar, que todos constituem cláusulas emenda à Constituiçã Carta de 1988, que di: 0

0

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IV - os direitos e g

Foi adotado no E nacionalista kelseniar de um tratado já traz como no plano internl o Direito Interno un incorporação dos trat~ essa a lição de CELSO 2. do art. 5. da M~ sustentação da tese d\ diretamente aos Esta< I

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CELSO RIBEIRO BASTOS - I

promulgada em 5 de outubri

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o por um sistema misto,

os: um regime aplicável aos direitos humanos e ue não disponham sobre lis de direitos humanos, :ional, têm incorporação . Já, os demais tratados ltarem natureza infra­ m, b, da Constituição 'rdinário de decisão que ), não são incorporados nto interno. Como bem I jurídico diferenciado, :onstitucional de 1988 , idos internacionais de ;pecial, distinguindo-se uanto estes buscam o entre Estados partes, lOS recíprocos entre os . humanos objetivam a não das prerrogativas a justificar, assim, o ios internacionais de 1, o ser humano, nessa :entral, já de há muito

tratados, assim, têm Como nos explica a-nos perante um dos nal: qual é o conteúdo Constituição varia de iSO, é tendencialmente tituição no sentido de ~ ser incorporadas na istre-se, porém, que,

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historicamente (na experiência constitucional), foram consideradas matérias constitucionais, par excellence, a organização do poder político (informada pelo princípio de divisão de poderes) e o catálogo dos direitos, liberdades e garantias. Posteriormente, verificou-se o 'enriquecimento' da matéria constitucional através da inserção de novos conteúdos, até então considerados de valor jurídico-constitucional irrelevante, de valor administrativo ou de natureza sub-constitucional (direitos econômicos, sociais e culturais, direitos de participação e dos trabalhadores e constituição econômica)." Ressalte-se que, atribuindo-os à Constituição a natureza de "normas constitucionais", passam os tratados, no mandamento do § 1.0 do art. 5.° da CF, a ter aplicabilidade imediata, dispensando­ se, assim, a edição de decreto de execução para que irradiem seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional. Já, nos casos de tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, este decreto se faz necessário. Além disso, é de se ressaltar, que todos os direitos inseridos nos referidos tratados constituem cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos por emenda à Constituição, nos termos do art. § 4.°, IV, do art. 60, da Carta de 1988, que diz: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais" Foi adotado no Brasil, por tudo o que se viu, o monismo nacionalista kelseniano. Para esta corrente, a simples ratificação de um tratado já traz efeitos jurídicos tanto no plano internacional como no plano interno, compondo assim, o Direito Internacional e o Direito Interno uma mesma e única ordem jurídica, pois a incorporação dos tratados na ordem interna se faria de imediato. É essa a lição de CELSO RIBEIRO BASTOS,64 que, em comentário ao § 2.° do art. 5.° da Magna Carta, diz: "Não será mais possível a sustentação da tese dualista, é dizer, a de que os tratados obrigam diretamente aos Estados, mas não geram direitos subjetivos para 64

Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.2.° vaI. São Paulo: Saraiva, 1989, pág. 396.

CELSO RIBEIRO BASTOS - IVES GANDRA MARTINS.

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OS particulares, que ficariam na dependência da referida intermediação legislativa. Doravante será, pois, possível a inovação de tratados e convenções, dos quais o Brasil seja signatário, sem a necessidade de edição pelo Legislativo de ato com força de lei, voltado à outorga de vigência interna aos acordos internacionais".

Parece-nos ter sido mesmo essa a vontade do legislador. E isto porque, foi do jurista brasileiro, Prof. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a proposta feita na Assembléia Nacional Constituinte, de se inserir na Constituição a regra do art. 5.°, § 2.°. É este eminente professor o responsável, pode-se dizer, pela existência do § 2.° do art. 5.°, na nossa Carta Magna (Cf. Direitos e garantias individuais no plano internacional, in Assembléia Nacional Constituinte - atas das comissões, v. 1, Brasília, n. 66, supl., 27.05.87, pág. 111, e cf. págs. 109-116; cf. também A.A. CANÇADO TRINDADE, "Entrevista", 1 Justiça e Democracia ­ Revista da Associação Juízes para a Democracia, São Paulo, 1996, págs. 07-17, esp. págs. 10-11). Assim se expressou este eminente professor em prefácio à coletânea Instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (págs. 20-21): "O disposto no art. 5.°, § 2.°, da Constituição Brasileira de 1988 se insere na nova tendência de Constituições latino-americanas recentes de conceder um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos e garantias individuais internacionalmente consagrados. A especificidade e o caráter especial dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos encontram-se, com efeito, reconhecidos e sancionados pela Constituição Brasileira de 1988: se, para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei, de modo a outorgar as suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante o art. 5.°, § 1.0 e 2.°, da Constituição Brasileira de 1988, a integrar

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o elenco dos direitos imediatamente exigí\' interno".6s Esta sim, nos paI verdadeira mens legi aplauso. Mas a constn desapercebido pela n reflexão, é o conce adotados, e que vem c do art. 5.° da Carta da O raciocínio é siml internacionais, o text garantias expressos

"decorrentes do regin dos princípios consti Magna Carta, o qu; Federativa do Brasil, humanos (CF, art. 4 Federativa do Brasil a entendimento não se internacional de direitl mais benéficos, às nor aqui, mais uma vez, c pode ser afastada, preceitos. Fazendo-se uma in! proclama em seu art. < internacionais pelo humanos, e em seu art Democrático de Dire dignidade da pessoa senão a de que a vont da República, foi reah 65

ainda A.A. CANÇADO fundamentos jurídicos e inJ também A.A. CANÇADO TRI ed.• vol. I. Porto Alegre: Serl

Cf.

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ide do legislador. E isto f. ANTÔNIO AUGUSTO ramericana de Direitos l Nacional Constituinte, , art. 5.°, § 2.°. É este e dizer, pela existência Cf. Direitos e garantias

Assembléia Nacional

Brasília, n. 66, supJ., 16; cf. também A.A. ~tiça

e Democracia _

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São Paulo, sim se expressou este Jletânea Instrumentos nanos da Procuradoria

lção Brasileira de 1988 ;ões latino-americanas ecial ou diferenciado ; direitos e garantias . A especificidade e o ~rnacional dos direitos tecidos e sancionados ;e, para os tratados a intermediação pelo le modo a outorgar as ~dade no plano do no caso dos tratados lOS em que o Brasil é os passam, consoante ra de 1988, a integrar

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o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamentos jurídico interno".65 Esta sim, nos parece ter sido a vontade do legislador, a verdadeira mens legislatoris, a qual, aliás, é merecedora de aplauso. Mas a construção não para por aí. Outro ponto que passa desapercebido pela maioria da doutrina, e que merece nossa reflexão, é o concernente aos princípios pela Constituição adotados, e que vem completar todo aquele entendimento do § 2.° do art. 5.° da Carta da República, por nós já analisado. O raciocínio é simples: abstraindo-se a referência aos tratados internacionais, o texto constitucional dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem outros "decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados". Um dos princípios constitucionais expressamente consagrados pela Magna Carta, o qual, inclusive, é norteador da República Federativa do Brasil, é o princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4.°, 11). Ora, se é princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos, a outro entendimento não se pode chegar, senão o de que todo tratado internacional de direitos humanos terão prevalência, no que forem mais benéficos, às normas constitucionais em vigor. A conclusão, aqui, mais uma vez, decorre da própria lógica jurídica, que não pode ser afastada, interpretando-se corretamente aqueles preceitos. Fazendo-se uma interpretação sistemática da Constituição, que proclama em seu art. 4.°, lI, que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, e em seu art. 1.°, 111, que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento, inter alia, a dignidade da pessoa humana, a outra conclusão não se chega, senão a de que a vontade do legislador, no art. 5.°, § 2.° da Carta da República, foi realmente aquela apontada pelo ilustre professor 65

Cf. ainda AA CANÇADO TRINDADE. A proteção internacional dos direitos humnnos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva. 1991. págs. 630-635; e também AA CANÇADO TRINDADE, Tratado de direito internacional dos direitos humanos, I.' ed., vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, págs. 407-408.

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ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE. Assim, quando a Constituição dispõe em seu art. 4. 0 , 11, que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, está, ela própria, a autorizar a incorporação do produto normativo convencional mais benéfico, pela porta de entrada do seu art. 5. 0 , § 2. 0 , que como já foi visto, tem o caráter de cláusula aberta à inclusão de novos direitos e garantias individuais provenientes de . . P EDRO D ALLARI, 66 " a preva IA' tratados. Corno bem eXprImIU enc/a dos direitos humanos, enquanto princípio norteador das relações exteriores do Brasil e fundamento colimado pelo país para a regência da ordem internacional não implica tão-somente o engajamento no processo de edificação de sistemas de normas vinculados ao Direito internacional público. Impõe-se buscar a plena integração das regras de tais sistemas à ordem jurídica interna de cada Estado, o que ressalta a importância do já mencionado § 20 do artigo 50 da Constituição brasileira de 1988, que dá plena vigência aos direitos e garantias decorrentes 'dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"'. Por sua vez, a dignidade da pessoa humana, como leciona o Prof. JosÉ AFONSO DA SILVA,67 "é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida", concepção da qual também se filia CANOTILHO quando diz ser a dignidade da pessoa humana "a raiz fundamentante dos direitos humanos". 68 Dessa forma, com base na própria Carta da República, deve-se entender que, em se tratando de direitos humanos provenientes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, há de ser sempre aplicado, no caso de conflito entre o produto normativo convencional e a Lei Fundamental, o princípio da primazia da norma mais favorável às vítimas, princípio este, defendido com veemência pelo Prof. CANÇADO TRINDADE, e expressamente assegurado pelo art. 4. 0 , 11, da Constituição Federal. Em outras palavras, a primazia é a norma que, no caso, ti6 Constituição e reJaçiies exteriores, São Paulo: Saraiva, 1994, pág. 162.

"7 Curso de direito constitucional positivo, cit., pág. \06.

68 Direito constilllcioJlal, pág. 498 e 55.

V ALtRIO DE OLIVEIRA MAZZU

mais protege os dirE protetora for a própi esta de lado e utiliza sujeito de direitos i afastar o cabimento I que, ingressando tais nível constitucional entre essas "duas possibilitando e out infiel) deve ser reso (valor) maior, e que, propriedade do bem seria irracional enten

Aliás, constituiç< igualmente consagrai direito interno do pai seu art. 25, expressa Internacional Públic federal. Sobrepõem-o habitantes do terr constituição frances acordos devidamentt de sua publicação, Q para cada acordo ou O art. VI (2) da cons Constituição e as L celebrados constituÍ! a constituição grega regras de direito intl tratados internado1i superior a qualquer ( espanhola, em seu direitos fundamenta reconhece se interpl Universal dos Din 6Ó

Cf. o louvável voto do Juiz, Estado de São Paulo, na AI

INSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

m. Assim, quando a a República Federati va acionais, dentre outros, os humanos, está, ela o produto normativo entrada do seu art. 5.°, :r de cláusula aberta à riduais provenientes de 66 ,LARI , " a preva l~' enCla norteador das relações ado pelo país para a nplica tão-somente o e sistemas de normas :0. Impõe-se buscar a nas à ordem jurídica a importância do já :ão brasileira de 1988, ntias decorrentes 'dos l Federativa do Brasil 7essoa humana, como "é um valor supremo damentais do homem, lual também se filia lessoa humana "a raiz ja República, deve-se

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Federativa do Brasil de conflito entre o damental, o princípio 'timas, princípio este,

50

'lÇADO TRINDADE,

e

II, da Constituição norma que, no caso,

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mais protege os direitos da pessoa humana. Se esta norma mais protetora for a própria Constituição, ótimo. Se não for, deixa-se esta de lado e utiliza-se a norma mais favorável à pessoa humana, sujeito de direitos internacionalmente consagrados que é, para 69 afastar o cabimento da prisão civil do depositário infie1. Note-se que, ingressando tais tratados no ordenamento jurídico interno em nível constitucional (CF, art. 5.°, § 2.°), a aparente contradição entre essas "duas normas constitucionais" conflitantes (uma possibilitando e outra impossibilitando a prisão do depositário infiel) deve ser resolvida dando sempre prevalência ao interesse (valor) maior, e que, in casu, é a liberdade do indivíduo e não a propriedade do bem. Entre os valores liberdade e propriedade, seria irracional entender-se que este é o que deve prevalecer. Aliás, constituições de diversos países do ocidente têm igualmente consagrado o primado do direito internacional face o direito interno do país. Assim o fez a constituição Alemã, que em seu art. 25, expressamente dispõe: "As normas gerais do Direito

Internacional Público constituem parte integrante do direito federal. Sobrepõem-se às leis e constituem fonte direta para os habitantes do território federal". Também, o art. 55 da constituição francesa de 1958, estabelece: "Os tratados ou acordos devidamente ratificados e aprovados terão, desde a data de sua publicação, autoridade superior à das leis, com ressalva, para cada acordo ou tratado, de sua aplicação pela outra parte". O art. VI (2) da constituição dos EUA, por sua vez, dispõe: "Esta Constituição e as Leis complementares e todos os Tratados já celebrados constituirão a Lei suprema do País...". Enfaticamente a constituição grega de 1975, em seu art. 28, § 1.0, enuncia: "As regras de direito internacional geralmente aceitas, bem como os tratados internacionais após sua ratificação (... ), têm valor superior a qualquer disposição contrária das leis". A constituição espanhola, em seu art. 9.2, afirma: "As normas relativas aos direitos fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece se interpretarão de conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordos

162. 69

Cf. o louvável voto do Juiz ANTÓNIO CARLOS MALHEIROS, do Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, na Apelação n." 613.053-8.

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internacionais sobre as mesmas matérias ratificadas pela Espanha". A constituição política do Peru, de 1979, celebra em seu art. 101: "Os tratados internacionais, celebrados pelo Peru com outros Estados, formam parte do direito nacional. Em caso de conflito entre o tratado e a lei, prevalece o primeiro". Por último, e da mesma forma, seguindo a tendência das demais, a constituição argentina, reformada em 1994, estabeleceu em seu artigo 75, 22, que determinados tratados e instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos nele enumerados têm "hierarquia constitucional" e são complementares aos direitos e garantias nela reconhecidos. Em que pesem as opiniões contrárias, a aplicação do princípio da primazia da norma mais favorável, não nulifica qualquer dos preceitos da Constituição, posto que decorre de seus próprios postulados. De ver-se que o próprio Título I da Carta da República, onde se insere o art. 4.°, § 2.°, já citado, é intitulado "Dos Princípios Fundamentais". A dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.°, 111) protegida por estes princípios, sobrepaira acima de qualquer disposição em contrário, limitativa de seu exercício. No atual contexto da "era dos direitos" de BOBEIO, não há mais falar-se sobre a já superada polêmica entre monistas e dualistas, no que diz respeito à proteção dos human rights. "No presente domínio de proteção" - como bem disse o Prof. CANÇADO TRINDADE -, "a primazia é da norma mais favorável às vítimas, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui interagem em benefício dos seres protegidos. É a solução expressamente consagrada em diversos tratados de direitos humanos, da maior relevância por suas implicações práticas".7o Um deles é o próprio Pacto de Direitos Civis e Políticos (art. 5.°, 2) que dispõe: "Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes,

70

Direito internacional e direito interno: sua interpretação na proteção dos direitos humanos, in Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, coletânea cuja qual o autor prefacia. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1996, págs. 15/46.

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sob pretexto de que I reconheça em menor ~

Segundo MAX SOR hoje, é clara e se evidl un Estado no puede interno para discull obligaciones internaci de ella" (Manual de Cultura Económico, "Como corolario, la n< derecho internaciom internacionales, desde existiese" .71

Por fim, cumpre internacionais têm su: denúncia. Assim send não há falar-se que a I possa revogar ou derr outra norma de categ< por lei interna. É o ql MALHEIROS, em dive HAROLDO VALLADÃO sustentar a inconstituc por força do que dis Humanos (v.g. 1° TAC A propósito de criticar humanos podem infraconstitucionais, in poderia um Estado-P Estados-Partes a deITO uma lei? Que segu cumprimento de seus (

71

72

Apud. DYRCEU AGUIAR OIAS ( voto no Habeas Corpus n.' 4S Entrevista publicada na revista,

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'ias ratificadas pela , de 1979, celebra em celebrados pelo Peru ito nacional. Em caso tece o primeiro". Por ldência das demais, a ~, estabeleceu em seu :dos e instrumentos mos nele enumerados complementares aos

sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau" [grifo nosso].

lplicação do princípio nulifica qualquer dos tITe de seus próprios 'tulo I da Carta da já citado, é intitulado le da pessoa humana ios, sobrepaira acima tiva de seu exercício. BOBBIO, não há mais monistas e dualistas, rights. "No presente ~ o Prof. CANÇADO favorável às vítimas, direito interno. Este e ~res protegidos. É a iversos tratados de lr suas implicações de Direitos Civis e e admitirá qualquer nanos fundamentais jo-parte no presente mentos ou costumes,

eção dos direi los humanos, in r, coletãnea cuja qual o autor Estado, 1996, págs. 15/46.

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Segundo MAX SORESEN, a primazia da norma mais favorável, hoje, é clara e se evidencia, "por la regIa bien estabelecida de que un Estado no puede invocar las disposiciones de su derecho interno para disculpar la falta de cumplimiento de sus obligaciones internacionales, o para escapar a las consecuencias de ella" (Manual de derecho internacional. Mexico: Fondo de Cultura Económico, 1992). Ainda, segundo o referido autor, "Como corolario, la norma de derecho interno que sea contraria aI. derecho internacional es considerada por los tribunales internacionales, desde el punto de vista de su sistema, como si no .. " 71 eXlstlese . Por fim, cumpre deixar bem claro, que os tratados internacionais têm sua forma própria de revogação, qual seja, a denúncia. Assim sendo, e a par de tudo o que já se viu até aqui, não há falar-se que a legislaç'ão interna, pelo critério cronológico, possa revogar ou derrogar tratado. Este só pode ser alterado por outra norma de categoria igualou superior, internacional, e não por lei interna. É o que tem sustentado o juiz ANTONIO CARLOS MALHEIROS, em diversos votos, com o apoio da doutrina de HAROLDO V ALLADÃO e do Ministro PHILADELPHO AZEVEDO, para sustentar a inconstitucionalidade da prisão de depositário de bem por força do que dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos (v.g. 1° TACiv-SP - HC 674.380-2 - julgo 14.02.96). A propósito de criticar os que entendem que os tratados de direitos humanos podem ser revogados por leis internas infraconstitucionais, indagou o Prof. CANÇADO TRINDADE: "Como poderia um Estado-Parte em um tratado explicar aos demais Estados-Partes a derrogação ou revogação do referido tratado por uma lei? Que segurança jurídica, oferecia este Estado no cumprimento de seus compromissos internacionais?".72

Apud. DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JÚNIOR, Juiz de Direito Titular da 2' Vara da Capital, em voto no Habeas Corpus n.o 493.158-0/5 (voto n.O 905). 72 Entrevista publicada na revista Justiça e DenUicracia, 117, jan/jun-96.

71

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o

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PROBLEMA DO NOVO CÓDIGO CIVIL (PROJETO 634/75)

tratados, pelo mand aplicabilidade imedi decreto de execução interno como no plan inseridos nos referid individuais, constitt suprimidos por emer IV, do art. 60, da anterior.

Com a derrogação do art. 1.287 do Código Civil, pelo Pacto de San José da Costa Rica, a Constituição Federal, que dispõe acerca da possibilidade da prisão do infiel depositário (art. 5.°, LXVII), também focou vazia em seu conteúdo compulsivo prisional, e isto porque, como já foi dito e redito, não mais existe texto de lei em vigor a cominar prisão civil por infidelidade depositária, na atualidade do ordenamento jurídico brasileiro. Assim sendo, a Constituição terá que aguardar que alguma lei nova venha novamente a lhe preencher de conteúdo, no que se refere à prisão por dívida do infiel depositário. Esta lei nova, ao que parece, já está por vir. Trata-se do novo Código Civil (Projeto 634175), em tramitação pelo Congresso Nacional, que em seu art. 652 dispõe: "Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário que o não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos". A redação do artigo, como se vê, é idêntica à redação do art. 1.287 do Código Civil de 1916. E assim sendo, seria de se perguntar: com o advento do novo Código Civil, sendo este lei geral, haveria derrogação do Pacto de San José da Costa Rica no que atine à prisão civil por infidelidade depositária? E mais: O Decreto-lei 911/69, esvaziado em seu conteúdo face àquela derrogação, voltaria, com esse novo diploma, a se preencher? Vamos por partes. Em princípio, com o advento do novo Código Civil, o disposto nos tratados ratificados pelo Brasil, estariam sim derrogados (lex posterior derogat priori). Dissemos em princípio, pois, como foi visto, quando a Constituição incorpora em seu texto esses direitos humanos fundamentais provenientes de tratados, está ela própria a atribuir-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja, "a natureza de norma constitucional", fazendo com que, de imediato, passem eles a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente protegidos (CF, art. 5.°, § 2.°). Assim o fazendo, passam os

I

Assim, tendo aql própria Constituição, a "natureza de norm, 60, § 4.°, IV), d compatibilizando ( mandamento dos trai Carta, de forma a nãc (vedada que ficou normativo daqueles ti isso, ser o referido inl

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Dessa forma, nl (equivocada!) de que caráter "geral", derro José da Costa Rica acerca da prisão civil alguns mais desavisa( tudo o que se viu, n~ que é cláusula pétre qualquer tipo de p constitucional. Ao co violar preceito cons obrigação alimentar). inconstitucional no depositária.

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tratados, pelo mandamento do § lOdo art. 5° da CF, a ter aplicabilidade imediata, dispensando-se, assim, a edição de decreto de execução para que irradiem seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional. Além disso, todos os direitos inseridos nos referidos tratados, por serem considerados direitos individuais, constituem cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidos por emenda à Constituição, nos termos do art. § 4.°, IV, do art. 60, da Carta de 1988, como já foi visto no item anterior. Assim, tendo aqueles tratados, por permissão expressa da própria Constituição, ingressado na ordem jurídica brasileira com a "natureza de norma constitucional" (art. 5.°, §§ 1,° e 2.° c/c art. 60, § 4.°, IV), deve-se, então, a partir desse momento, compatibilizando o mandamento constitucional com o mandamento dos tratados, interpretar art. 5.°, LXVII, da Magna Carta, de forma a não mais se fazer referência ao depositário infiel (vedada que ficou sua prisão, com o ingresso do produto normativo daqueles tratados ao texto constitucional), devendo, por isso, ser o referido inciso, lido da seguinte forma: "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia". Dessa forma, não mais se pode fazer a interpretação (equivocada!) de que sendo o novo Código Civil lei nova de caráter "geral", derrogaria o art. 7, n.o 7, do citado Pacto de San José da Costa Rica (também classificado como regra "geral", acerca da prisão civil), como à primeira vista poderia ser feita, por alguns mais desavisados. A Constituição, pela conclusão lógica de tudo o que se viu, não se preencherá com a nova lei civil, posto que é cláusula pétrea (art. 60, § 4.°, IV) a impossibilidade de qualquer tipo de prisão por dívida civil no atual contexto constitucional. Ao contrário: a nova lei civil (art. 652) é que, por violar preceito constitucional (que agora só faz referência à obrigação alimentar), será, desde a sua publicação, considerada inconstitucional no que tange à prisão civil por infidelidade depositária.

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Seguindo a tendência daquela nova doutrina a que já nos referimos, quando o tema de que se trata diz respeito a tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, é de se admitir, consoante interpretação do art. 5.°, § 2.° da Constituição Federal, a prevalência desse produto normativo convencional sobre o direito interno, até mesmo constitucional. Se bem que não seja a posição do Supremo Tribunal Federal, foi, ao que parece, a vontade do legislador, dar essa prevalência àqueles tratados de direitos -humanos. Desta feita, a norma do art. 652 do novo Código Civil, já a caminho, há de ser considerada, a partir da entrada desse diploma em vigor, inconstitucional, por violar aquele preceito constitucional do art. 5.°, LXVII, modificado em sua segunda parte pelo Pacto de San José da Costa Rica. É a solução que decorre da própria Constituição e da lógica jurídica. No que toca a prisão civil do devedor-fiduciante, entretanto, o problema é um pouco mais complicado. Sabe-se que, salvo disposição permissiva expressa, não pode a lei revogada voltar a ter vigência com a revogação da lei que a revogou. Ou seja, não há repristinação no ordenamento brasileiro, salvo expressa permissão (LICC, art. 2.°, § 3.°). É de se perguntar, no entanto: houve ou não houve a derrogação do Decreto-lei n.o 911169? Segundo o que expusemos, foram derrogados os arts. 1.287 do Código Civil, 902, § 1.° e 904, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Não o foi, o art. 66 da Lei n.o 4.728/65 (modificado pelo Decreto-lei n.o 911/69). A título de compreensão, deve-se admitir, em princípio, mesmo a contragosto, que em não tendo havido derrogação desta norma, mas tão-somente um esvaziamento do seu conteúdo compulsivo prisional, sua existência nunca desapareceu, ou seja, a norma do Decreto-lei n.O 911169, sempre existiu e por isso não há falar-se em sua derrogação. Assim, não há falar-se, também que, in casu, haveria, com o advento do novo diploma civil, repristinação daquelas normas. Ou seja, com o advento do novo Código Civil, infelizmente, aquelas normas a ele remissivas, em tema de prisão

V AL~RIO DE OLIVEIRA MAZZU

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1

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AS NOVAS PERSPl HUMANOS

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NSTITUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

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civil, ver-se-iam novamente preenchidas em seu conteúdo, estabelecendo-se o antigo vigor compulsivo prisional. Só ocorre repristinação quando uma lei revogada (seja por derrogação ou por ab-rogação), volta a ter vigência com a subsequente revogação da lei que a revogou. No caso em que estamos tratando, o art. 66 da Lei n.o 4.728/65, não foi derrogado: apenas perdeu seu conteúdo compulsivo no tocante à possibilidade de imposição da prisão. De forma que, promulgado o novo diploma civil, se não se seguir a solução acima apontada, tudo voltaria ao barbarismo anterior. O feitiço estaria, assim, prestes a se voltar contra o feiticeiro ... Sem embargo, entretanto, como vimos, a norma do art. 652 do novo Código Civil, será, desde a sua entrada em vigor, absolutamente inconstitucional, violadora que será do preceito do art. 5.°, LXVII, da Carta Constitucional, modificado em sua segunda parte pelo Pacto de San José da Costa Rica. Somente esta saída é que resta na resolução desse futuro problema que, quiçá Deus quando virá. O problema, aqui, como se vê, deixa de ser o mero conflito de leis no tempo, para dar lugar a verdadeiro conflito entre as leis internas e a constituição. AS NOVAS PERSPECTIVAS EM RELAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Por tudo o que foi visto acima, foi possível perceber qual a importância e qual o valor dos direitos humanos na sociedade moderna. Foi também possível vislumbrar-mos um dinâmico movimento de exaltação àqueles direitos, muito embora, aquém da necessária e desejável proteção de que são merecedores. O Brasil, por sua vez, não tem se utilizado de todos os meios disponíveis ao seu alcance para efetivar a observância dos direitos humanos, consagrados nos tratados internacionais por ele ratificados. Os tratados de direitos humanos, como foi visto, impõe deveres aos Estados que a eles aderem. De notória importância é o dever que os Estados pactuantes têm de compatibilizar os comandos do produto normativo convencional com suas normas de direito interno. Daí a improcedência do

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argumento de que a Constituição Federal estaria subpondo-se a si mesma, ao permitir que o produto normativo dos compromissos exteriores do Estado ingressassem em nosso ordenamento jurídico, em detrimento da soberania do país. Tendo em vista justamente esse tipos de alegações, o Secretário Geral das Nações Unidas (B. BOUTRos-GHALI), em seu discurso na plenária de abertura da II Conferência Mundial de Direitos Humanos (realizada em Viena, aos 14 de junho de 1993), sugeriu que, "par leur nature, les droits de l'homme abolissent la distinction traditionnelle entre l'ordre interne et l'ordre international. Ils sont créateurs d'une perméabilité juridique nouvelle. Il s 'agit donc de ne les considérer, ni sous l'angle de la souveraineté absolue, ni sous celui de l'ingérence politique. Mais, au contraire, il faut comprendre que les droits de l'homme impliquent la collaboration et la coordenation del États et des organisations internationales" (ONU, Communiqué de Presse n. DH/VIE/4, de 14.06.1993, p. 10).73 Sobre o tema "prisão civil do devedor-fiduciante", infelizmente, pouco se tem notícia da efetiva aplicação das normas contidas naqueles tratados internacionais. É de se pasmar diante de tal fato. Se pactuamos com normas que objetivam garantir um dos princípios fundamentais do homem, qual seja, a liberdade, inaceitável se apresenta a sua inobservância face à violação de um compromisso assumido, por nós, e em prol de nós mesmos. Não queremos dizer com tal assertiva, que os preceitos normativos oriundos do direito das gentes sempre venham a suplantar, de maneira irrestrita, o nosso ordenamento interno em detrimento da Constituição. Absolutamente, não. Com exceção dos tratados de direitos humanos, como foi visto, nenhum outro tem o condão de se sobrepor aos mandamentos constitucionais. O que se pretende é dar luz a tais direitos para que eles - como nos ensina FLÁVIA 73

Tradução: "( ... ) por sua natureza, os direitos do homem abolem a distinção tradicional entre a ordem interna e a ordem internacional. Eles são criadores de unw permeabilidade jurídica nova. Trata-se, portanto, de não os considerar, nem sob o ângulo da soberania absoluta, nem sob (J da ingerência política. Mas. pelo contrário. é preciso compreender que os direitos hunwnos implicam a colaboração e a coordenação dos Estados e das organizaçlíes internacionais" [tradução nossa].

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUC

PIOVESAN - "venha enriquecendo-o, e de] mais eficaz da pessl pensamento tanto inh Inserido num cc ratificação dos tratad, o Brasil deve busca: aplicabilidade daque pelo ordenamento int admitido, o entend contemplado, goze dt o Prof. BARBOSA I prudente flexibilizaçé interesses em conflitc sociedade, que direi como se não exü circunstâncias, sem inevitavelmente com Constituição rejeita c preceitos. Mas, par< imprescindível levar para o exercício de c restantes. O verdade direitos não é aquele isolada de um ou de 4 interesses em jogo e é para permitir o con valores igualmente Basta atentar, V.g., freqüência surgem, pensamento e a obrig alheias" [grifo nosso]

Como se vê, os di pela Constituição 1 74

Op. cit., pág. 83.

75

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PIOVESAN - "venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista".74 Inserido num contexto de interesse global, através da ratificação dos tratados voltados à proteção dos direitos humanos, o Brasil deve buscar alcançar sua identidade jurídica quanto à aplicabilidade daqueles tratados nas situações concretas regidas pelo ordenamento interno. Hoje, não é mais correto, nem mesmo admitido, o entendimento de que um determinado direito contemplado, goze de tutela irrestrita e absoluta. Como bem disse o Prof. BARBOSA MOREIRA,75 é necessário que exista uma prudente flexibilização de linhas divisórias, na interpretação dos interesses em conflito. Eis sua lição: "Não se concebe, na vida da sociedade, que direito algum seja compreendido e exercitado como se não existissem outros que, sob tais ou quais circunstâncias, sem determinadas limitações e compressões, inevitavelmente com ele entrariam em choque. A interpretação da Constituição rejeita contradições que nulifiquem qualquer de seus preceitos. Mas, para preservar a todos o espaço devido, é imprescindível levar em conta as interferências que decorrem, para o exercício de cada qual, da necessidade de preservar o dos restantes. O verdadeiro sistema constitucional de proteção de direitos não é aquele que resulta, pura e simplesmente, da leitura isolada de um ou de outro texto: reclama a ponderação atenta dos interesses em jogo e a prudente flexibilização de linhas divisórias, para permitir o convívio tão harmonioso quanto possível de valores igualmente relevantes e ocasionalmente contrastantes. Basta atentar, v.g., nos conflitos que podem surgir, e com freqüência surgem, entre a liberdade de manifestação do pensamento e a obrigatória preservação da intimidade e da honra alheias" [grifo nosso], Como se vê, os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, não são ilimitados, posto que

~

74 75

Op, cit., pág. 83. o Habeas Data brasileiro e sua lei regulamentadora. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 35, n.o 138, abr.ljun. 1998, pág. 90.

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encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princí;;ios da relatividade ou conveniência das liberdades públicas).7 Nas palavras do mestre CANOTILHO,77 "considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular". Trata-se, como lembra o eminente constitucionalista, de um verdadeiro "choque", de um autêntico conflito de direitos e não de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos).78 Dessa forma, "quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou pa harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sac~ifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas".79 A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em seu art. 29, expressamente deixou consignado que: "No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, ser exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas".

Cumpre assim, neste momento histórico, levantar a questão: qual seria a correta interpretação das normas que afligem o cotidiano da plena vigência dos direitos humanos fundamentais,

76

77 78 79

Cf. ALEXANDRE DE MORAES. Direitos humanos fundamentais, 2.' ed., vol. 3. São Paulo: Atlas, 1998, pág. 46. Direito constitucional, 6.' ed. Coimbra: Almedina, 1993, pág. 643. Idem Ibidem. ALEXANDRE DE MORAES. Direitos hurrwnos fundamentais, cit., págs. 46/47.

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUO

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consagrados pela Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais?

A resposta à questão República.

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Quando em seu art. 4. 0 , 11, a Constituição proclama que o Brasil se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, e em seu art. 1. 0 , 111, que o Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito, tendo como fundamento, inter alia, a dignidade da pessoa humana, está, ela própria, a autorizar a incorporação do produto normativo convencional mais benéfico, pela válvula de entrada do seu art. 5. 0 , § 2. 0 , como já foi visto por mais de uma vez no decorrer desse texto. Entretanto, não basta que um só dispositivo, embora de peso inquestionável, fique tão-somente a sustentar garantias tão arduamente conquistadas, pois modernamente, não se pretende dar primazia a um ou a outro direito (interno ou externo), pois ambos foram elaborados com a mesma finalidade de ampliar a segurança de seus protegidos. Este é o verdadeiro propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos garantidores dos mesmos direitos. Tal raciocínio expressa que o critério mais eficaz para o desempate de normas conflitantes, é mesmo o da primazia da norma mais favorável às vítimas. Por consistir numa interpretação de amplo alcance, possibilita uma maior interação entre os tratados de direito internacional e o ordenamento interno do país, fortalecendo sobremaneira a eficaz proteção dos direitos e garantias individuais, amplamente consagrados por 3.mbos os diplomas. Logo, a primazia é da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da pessoa humana. Transportando a regra geral para o campo prático, resta saber como aplicar a norma mais favorável quando do questionamento da possibilidade da prisão civil do devedor-fiduciante. A questão, todavia, não foi dada como pacificamente resolvida pelos tribunais. Porém, a extensão do sentido constitucional de depósito, com o intuito de elastecer os casos de prisão civil, está superada à luz do direito internacional. Pelo Pacto Internacional

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de Direitos Civis e Políticos, já foi excluída a possibilidade da prisão civil por descumprimento de "obrigação contratual", caso que se encaixa como uma luva ao devedor-fiduciante. Pouco mais recente, surge o Pacto de San José da Costa Rica, consolidando a vedação da prisão civil à situações diversas da dívida alimentícia. Ambas construções normativas, não tem o condão de ferir o texto constitucional, mas sim de reforçar o rol de direitos e garantias fundamentais nele contidos. Os referidos complementos normativos internacionais só poderiam ferir a Constituição se viessem direta e objetivamente a suprimir de nossa Carta outro direito fundamental por ela já garantido. No entanto, é cristalina a intenção dos preceitos normativos do direito das gentes, que surge não como violador, mas sim como garantidor do direito fundamental de liberdade contido na Carta da República de 1988. A não se entender desta forma, estar-se-ia admitindo verdadeira aberratio juris. Como bem exprimiu o insigne Prof. BARBOSA MOREIRA, "a perfeição, bem se sabe, decididamente não é do mundo terreno".80 Porém, buscar alcançar a melhor forma de proteger os direito fundamentais do homem garantidos na nossa Constituição, é dever de todo cidadão, que dirá então, daqueles que diretamente estão investidos do dever de bem defender os direitos humanos das violações, estas sim, tão presentes no mundo terreno.

CONCLUSÕES Ao fim e ao cabo desta exposição teórica, têm-se por firmadas as seguintes conclusões: A prisão civil do devedor-fiduciante é terminantemente proibida no atual contexto da legislação brasileira, pois: I - por princípios de hermenêutica aplicados ao caso examinado, fica proibido qualquer julgamento baseado numa equiparação ampliativa de norma restritiva de direito, feito em prejuízo do réu. Odiosa restringenda, favorabilia amplianda. E

80

o Habeas Dala brasileiro e sua lei regulamentadora, cil .• pág. 90.

V ALI'.RIO DE OLIVEIRA MA2

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isto porque, a Constituição da República, no art. 5.° LXVII, proíbe a prisão civil por dívida, admitindo-a em somente duas únicas exceções que, como tais, devem ser interpretadas restritivamente. Sendo uma delas a do "depositário infiel" (termo cujo significado não pode ser outro senão o que estatuído no art. 1.287 do Código Civil), fica indubitável que somente a esta hipótese quis o texto constitucional fazer referência, e a mais nenhuma outra; II - a norma inscrita no art. 5.°, LXVII, da atual Carta Magna, tem aplicabilidade imediata. Não há mais referência àforma da lei como ao tempo da constituição caduca, expressão esta que, à época, tinha duplo significado: (1) o de delegar o regulamento à lei ordinária, e; (2) o de restringir o processo, não o admitindo por outra forma (procedimental). Com o advento da Constituição de 1988 que suprimiu tal expressão do texto do seu art. 5.°, LXVII, a Súmula 619 do STP ganhou (aparentemente!) foros de constitucionalidade, posto que a Carta da República passou a não mais exigir que a decretação da prisão do depositário infiel se fizesse na forma (procedimental) da lei, consubstanciada na ação de depósito. Entretanto, com a consagração pela Carta Magna do princípio do devido processo legal (art. 5.°, LIV), cai por terra todo o conteúdo da referida Súmula. No tocante ao primeiro significado daquela expressão na forma da lei, só nos resta o seguinte entendimento: se a atual Carta Magna suprimiu tal expressão do texto constitucional é porque não mais deseja delegar regulamento à lei ordinária, e assim sendo, quando ela faz referência ao depositário infiel, quer se referir única e exclusivamente àquele depositário genuíno estatuído pelo Código Civil, e a mais nenhum outro que a ele seja, pela lei, equiparado; III - a jurisprudência dominante, mesmo antes de 1992 (ano de aderência do Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica), já entendia ilegal a prisão civil do devedor-fiduciante com base no argumento de que, em verdade, na alienação fiduciária, não ocorre propriamente depósito, não sendo o credor-fiduciário, proprietário, nem o devedor-fiduciante, depositário. A 6. a Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, como foi visto, é incisiva nesse sentido.

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V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZ

IV - partindo-se de premissas do próprio STF, cujo entendimento é o de não poder a lei geral revogar a especial (orientação esta erigida no precedente de seu plenário, no RE 76.154-PR, de 04.08.71, ReI. Min. OSWALDO TRIGUEIROS - RTf 58170), sendo o Pacto de San José da Costa Rica Norma geral mais recente, derrogou o art. 1.287 do Código Civil e os arts. 902, § 1.0 e 904, parágrafo único, do Código de Processo Civil, leis de caráter também gerais. Deve o STF, desta forma, admitir, por coerência à sua própria orientação, como revogadas, pelo Pacto de San José da Costa Rica, as normas infraconstitucionais anteriores de caráter geral sobre prisão civil do depositário infiel; V - apesar de ter o STF declarado a constitucionalidade do Decreto-lei n.o 911169 (HC 72.131-RJ), que equipara o devedor­ fiduciante a um depositário, referida norma ficou, com a derrogação do art. 1.287 do Código Civil, desprovida de seu conteúdo compulsivo prisional. A prisão, neste caso, é (a contragosto!) constitucional (pois declarado pelo STF, sem discussão), mas não é legal, por inexistir, no atual contexto do ordenamento jurídico brasileiro, texto expresso de lei que a autorize. Vige assim o dogma constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5, II); VI - não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico quaisquer leis especiais remissivas ou equiparativas às "responsabilidades e encargos que incumbem ao infiel depositário de acordo com a lei civil geral", a exemplo do depósito configurado na retenção de título de crédito (cambial ou duplicata) remetido pelo sacador e não restituído pelo sacado (CPC, art. 885); VII - os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil, passam a ingressar o ordenamento jurídico brasileiro como tendo natureza de norma constitucional, estando amparados inclusive pelas chamadas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4.°, IV). Esse resultado é obtido interpretando-se o § 2.° do art. 5.° da atual Carta Magna, em conjunto com o art. 4.°, II, do mesmo diploma, que dispõe sobre o princípio da prevalência dos direitos humanos, chamado pelo

Prof. ANTÔNIO Au primazia da norma

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ISTlTUIÇÃO TOLEDO DE ENSINO

V ALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI - NYDlA MARIA SARJAS RAMOS

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Prof. ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE de princípio da

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VIII - a Constituição no que respeita a essa matéria, com o conseqüente esvaziamento de sua norma, teria que aguardar, em princípio, uma nova lei que a preenchesse em seu conteúdo. Essa nova lei, em tese, seria o novo Código Civil (Projeto 634/75), agora, em tramite pelo Congresso Nacional. Entretanto, segundo o que expusemos, aqueles tratados internacionais de direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico interno brasileiro com aquela natureza diferenciada de norma constitucional. E assim sendo, deve-se considerar, por zelo à defesa do princípio da primazia, que o texto do inciso LXVII, do art. 5.° da Constituição Federal, foi derrogado pelo art. 7.°, 7, do Pacto de San José da Costa Rica, no que atine à permissibilidade da prisão civil do infiel depositário, devendo-se, por isso, entender, que somente em relação ao inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar ainda subsiste a prisão civil em nosso ordenamento constitucional. Dessa forma, o dispositivo Constitucional permissivo da prisão civil por infidelidade depositária, deverá, doravante, ser lido abstraindo-se de seu corpo a menção ao depositário infiel: "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia". O art. 652 do Novo Código Civil, desde sua entrada em vigor, deverá, então, no que tange a esse meio coativo de satisfação de débito, ser considerado inconstitucional, por conflitar com a nova redação dada à Magna Carta pelo Pacto de San José da Costa Rica. Não é demais relembrar-mos que esse mecanismo de derrogação do texto constitucional por tratados internacionais de direitos humanos é pela própria Carta Magna expressamente permitido (art. 5.°, §§ 1.° e 2.°), pois, a primazia é da norma mais favorável às vítimas (art. 4.°, 11), sendo este um dos princípios pelo qual a República Federativa do Brasil deve reger suas relações internacionais. Tudo está em plena consonância com o art. 1.°, 111, da Carta Magna, que dispõe ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento, inter alia, a dignidade da pessoa humana;

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IX - O advento do Novo Código Civil (Projeto 634175), não fará com que se derroguem (por ser lex posterior) o disposto naqueles tratados, pois tendo estes ingressado em nosso ordenamento jurídico com a natureza de norma constitucional, é como se constitucional fossem. Sendo assim, o Novo Código Civil, mesmo sendo lei nova e posterior, nenhum poder terá de modificar um texto constitucional; X - somente a prisão civil por inadimplemento voluntário e inescusável de prestação alimentícia ainda subsiste, hoje, em nosso país. Fora essa, nenhum outro tipo de coerção pessoal por dívida é permitida; XI - está abolida de nosso ordenamento jurídico a prisão civil do depositário infiel; nem se diga quanto a prisão do devedor­ fiduciante. Será considerado contra legem qualquer julgamento oposto a esse entendimento; XII - os direitos humanos devem ultrapassar qualquer barreira impeditiva à consecução dos seus fins, mesmo que esta seja uma imposição constitucional. Quando um tratado internacional de proteção a direitos humanos vem ampliar alguns dos direitos contidos na Constituição, tal tratado passa a ter, por autorização expressa da Carta Magna (art. 5.°, § 2.°), força para modificá-Ia, a fim de ampliar a ela os direitos nele contidos.

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