MELHORIA COLABORATIVA DA QUALIDADE: UMA ALTERNATIVA PARA O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRO?

July 27, 2017 | Autor: Germano Rosa | Categoria: Health Care Management
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MELHORIA COLABORATIVA DA QUALIDADE: UMA ALTERNATIVA PARA O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRO? GERMANO MENDES ROSA - [email protected] INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MINAS GERAIS - IFMG JOSÉ CARLOS DE TOLEDO - [email protected] UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS - UFSCAR Resumo:

O SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRO (SASB) CARECE DE ENGAJAMENTO COM AS PRÁTICAS DE MELHORIA DA QUALIDADE EM NÍVEL NACIONAL. CONTUDO, CONSIDERA-SE NECESSÁRIO NÃO APENAS CONCENTRAR ATENÇÃO NA ESFERA HOSPITALAR, CONSERVANDO E REFORÇANDO A TRADICIONAL VISÃO HOSPITALOCÊNTRICA (CONSIDERAR O HOSPITAL COMO CENTRO DO SISTEMA DE SAÚDE), MAS DEVE-SE TAMBÉM, E DE FORMA CUIDADOSA, INVESTIR NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (APS), UMA VEZ QUE AÇÕES DE PREVENÇÃO E DE PROMOÇÃO À SAÚDE PODEM SER MAIS EFETIVAS PARA ATENUAR GASTOS PÚBLICOS MEDIANTE A POSSIBILIDADE DE EVITAR AGRAVOS CLÍNICOS. AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS INDICAM QUE A ABORDAGEM DE MELHORIA COLABORATIVA DA QUALIDADE (MCQ) PODE REPRESENTAR UMA ALTERNATIVA PARA ALAVANCAR MELHORIAS NO SETOR DE SAÚDE, ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO COORDENADA DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE, GESTORES DE UNIDADES DE ATENDIMENTO, PROFISSIONAIS DA QUALIDADE E ESPECIALISTAS EM SAÚDE PÚBLICA. ESTE ARTIGO, ATRAVÉS DE UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA E QUALITATIVA, RETOMA NA LITERATURA CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS GERAIS DO MÉTODO DE MCQ, BEM COMO DO MODELO MUNDIALMENTE CONHECIDO BREAKTHROUGH SERIES (BTS) E DO RECENTE MÉTODO PREMIER. ABORDA TAMBÉM ALGUNS DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SASB E TECE COMENTÁRIOS ACERCA DA POSSÍVEL APLICAÇÃO DA ABORDAGEM MCQ AO MESMO.

Palavras-chaves: MELHORIA COLABORATIVA DA QUALIDADE; MODELO BREAKTHROUGH SERIES; MÉTODO PREMIER; SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE BRASILEIRO Área: 2 - GESTÃO DA QUALIDADE Sub-Área: 2.5 - QUALIDADE EM SERVIÇOS

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QUALITY IMPROVEMENT COLLABORATIVES: AN ALTERNATIVE FOR THE BRAZILIAN HEALTHCARE SYSTEM? Abstract: THE BRAZILIAN HEALTHCARE SYSTEM (BHS) LACKS COMMITMENT WITH THE PRACTICES OF QUALITY IMPROVEMENT AT NATIONAL LEVEL. HOWEVER IT IS NECESSARY NOT ONLY KEEPING FOCUS ON THE HOSPITAL SCOPE, PRESERVING AND STRENGTHENING THE TRADITIONAL HOSPITAL--ORIENTED VIEW (CONSIDERING THE HOSPITAL AS THE CENTER OF THE HEALTHCARE SYSTEM), BUT IT MUST ALSO, AND CAREFULLY, INVESTING IN PRIMARY HEALTH CARE (PHC), SINCE PREVENTION AND HEALTH ADVANCING MAY BE MORE EFFECTIVE TO MITIGATE PUBLIC SPENDING BY AVOIDING CLINICAL DAMAGE. INTERNATIONAL EXPERIENCES INDICATE THAT THE QUALITY IMPROVEMENT COLLABORATIVES (QIC) APPROACH MAY REPRESENT AN ALTERNATIVE TO LEVERAGE IMPROVEMENTS TO THE HEALTHCARE SECTOR THROUGH THE COORDINATED PARTICIPATION OF THE HEALTHCARE PROFESSIONALS, MANAGERS, QUALITY PROFESSIONALS AND EXPERTS IN PUBLIC HEALTHCARE. THROUGH AN EXPLORATORY AND QUALITATIVE APPROACH THIS ARTICLE INCORPORATES GENERAL CONCEPTS AND CHARACTERISTICS OF THE QIC METHOD FROM THE LITERATURE AS WELL AS THE WORLDWIDE RENOWNED BREAKTHROUGH SERIES MODEL (BTS) AND THE NOVEL PREMIER METHOD. ALSO ADDRESSES SOME OF THE MAJOR SASB’S PROBLEMS AND COMMENTS ON THE POSSIBLE APPLICATION OF CQI APPROACH TO IT. Keyword: QUALITY IMPROVEMENT COLLABORATIVES; BREAKTHROUGH SERIES MODEL; PREMIER METHOD; BRAZILIAN HEALTHCARE SYSTEM

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1. Introdução Nos últimos 50 anos ocorreram extraordinários avanços no contexto da produção de conhecimento biomédico, inovações grandiosas em terapias e procedimentos cirúrgicos e manejo de condições clínicas que antes era impossível. Contudo, paradoxalmente as dimensões consideradas básicas como qualidade, resultados, custo e equidade do atendimento estão aquém do necessário (INSTITUTE OF MEDICINE, 2012). No cenário brasileiro, pouca coisa mudou desde a publicação do relatório “Quality Improvement Initiatives in Brazil: a Progress Report” por Noronha, Travassos e Rosa (1999), onde se apontou um mínimo engajamento dos provedores de serviços de saúde e de outras organizações do setor com as práticas de melhoria da qualidade. Evidências foram sintetizadas principalmente no trabalho de La Forgia e Coutollenc (2009), trazendo à tona, dentre outros problemas, o baixo nível de eficiência da rede de assistência hospitalar, a fragmentação do sistema de financiamento, além do mau uso de recursos escassos. Respondendo às demandas nacionais de melhoria da qualidade, percebe-se que, cada vez mais, agentes de instituições governamentais e dirigentes de sistemas de saúde tem recorrido à Melhoria Colaborativa da Qualidade (MCQ), entendida como uma eficiente abordagem para o aprimoramento tanto das práticas dos provedores de serviços de saúde como também dos resultados para o paciente, por meio da disseminação de práticas comprovadas (NADEEM et al., 2013). As primeiras atividades bem documentadas de MCQ são atribuídas ao Grupo de Estudo de Doenças Cardiovasculares da Nova Inglaterra (1986) e à Rede Vermont Oxford (1988), além da popular abordagem Breakthrough Series (1996) do Institute for Healthcare Improvement (IHI) (SCHOUTEN et al., 2008). Recentemente a Incorporação Premier, uma aliança para melhoria do desempenho do atendimento à saúde, composta por hospitais americanos e outros provedores de saúde, publicou relatório com resultados surpreendentes gerados a partir do seu programa QUEST, baseado em MCQ, que envolveu 333 hospitais nos Estados Unidos. Este artigo usa uma abordagem exploratória e qualitativa, buscando na literatura conceitos e características do método de MCQ, além dos principais problemas do Sistema de Atenção à Saúde Brasileiro (SASB), tecendo comentários sobre a possível aplicação da abordagem MCQ ao mesmo.

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2. Método O método adotado se baseia em revisão de literatura exploratória acerca do método de MCQ e da atenção à saúde de forma geral. O principal objetivo é introduzir o conceito e expor as principais características da MCQ, possibilitando conjecturar benefícios da possível adoção da MCQ como estratégia para o SASB face às necessidades de melhoria de eficiência (custos) e desempenho (qualidade) do sistema de atendimento. 3. Atenção à saúde Mundialmente falando, o setor de saúde tem importância primordial para a economia, impactando no aumento gradativo de investimentos e gastos, impulsionados por uma população com maior expectativa de vida, com maior renda e consciente da necessidade do cuidado, além de maior disponibilidade de recursos tecnológicos (PEDROSO; MALIK, 2011). O atendimento à saúde se estabelece em dois níveis ou subsistemas: a atenção primária à saúde (APS), entendida como a porta de entrada do usuário no sistema de saúde e a atenção hospitalar, representando a continuidade do atendimento básico para casos clínicos mais complexos ou no atendimento de urgência e emergência.

3.1 Atenção hospitalar O atendimento hospitalar é a principal referência em atenção à saúde, uma vez que tradicionalmente é nos hospitais que são realizados procedimentos especializados e complexos, portanto, mais caros e com maior risco potencial. Isso justifica a afirmação de Souza e Scatena (2013), quanto às primeiras iniciativas internacionais em melhoria da qualidade terem contemplado ambientes hospitalares. A preocupação com esse nível de atenção se fundamenta também pela falta de padronização para procedimentos de comunicação, diagnóstico e intervenção. Um dos mais discutidos assuntos é a segurança do paciente, diretamente ligado a erro médico e evento adverso evitáveis. Tanto o erro médico quanto o evento adverso são temas com boa trajetória de pesquisa nos Estados Unidos e em países europeus (KALRA; KALRA; BANIAK, 2013, ZINELDIN; ZINELDIN; VASICHEVA, 2013). No contexto brasileiro, a produção acadêmica sobre os temas ainda é escassa e carente de escopo geográfico (MENDES et al., 2013). Um estudo profundo sobre desempenho foi realizado na rede hospitalar brasileira de

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2004 a 2008, pelos pesquisadores Jerry La Forgia

e Bernard Couttolenc. Tal estudo

corroborou com o relatório precedente elaborado por Noronha, Travassos e Rosa (1999), onde se apontou um mínimo engajamento dos provedores de serviços de saúde e de outras organizações do setor de saúde com as iniciativas de melhoria da qualidade, alertando para a urgente necessidade de grandes esforços no sentido de ampliar a adoção de melhorias nos âmbitos público e privado em nível nacional. La Forgia e Couttolenc (2009) apontaram uma série de problemas e dificuldades apresentadas pelo setor hospitalar brasileiro, como mostrado na Figura 1, e afirmaram que um representativo número de atendimento e internações hospitalares são desnecessários, ocasionados por falta de acesso a serviços de APS, como uma consulta junto a um médico da família.

3.1 Atenção primária à saúde (APS) O conceito de Atenção Primária à Saúde (APS) pode ser definido de diferentes formas, mas de modo geral, pode ser visto como “uso oportuno de serviços de saúde pessoal que resulte no melhor resultado possível na saúde” (VICTORIAN, 2001, p.1). No Brasil o subsistema correspondente à APS é denominado por “Atenção Básica” (CAMPOS, 2005), conservando-se congruente à definição de APS da Organização Mundial de Saúde (BRASIL, 2007). Desde 1993, o governo brasileiro mantém o Programa Saúde da Família (PSF), uma proposta de reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica (BRASIL, 2007). Apesar do caráter inovador do programa PSF, vários problemas foram relatados na literatura, tanto em termos de acesso quanto no processo de prestação do atendimento, como mostra a Figura 1. Além disso, a Figura 1 mostra também deficiências de produção de dados na área da saúde e dificuladades de acesso e manipulação dos dados das bases disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, como o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), fontes de

pesquisas para realização de estudos

importantes.

4. Melhoria colaborativa da qualidade (MCQ) A melhoria colaborativa da qualidade (MCQ) surgiu nos Estados Unidos por volta da década de 80, contudo modelos foram desenvolvidos também na Austrália, França, Holanda, Noruega,

Suécia

e

Reino

Unido

(WILSON;

BERWICK;

CLEARY,

2003).

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NÍVEL DE ATENÇÃO

TÓPICO

Acessibilidade

PROBLEMA Excesso na carga de trabalho dos profissionais de saúde Ausência do "médico da família" em diversas localidades Ausência de serviço de manutenção eficiente e de conservação de equipamentos Falta de resolubilidade da equipe para fornecer atendimento humanizado Baixa remuneração dos profissionais Escassez ou ausência de momentos coletivos para discussão e reflexão Inadequação de perfil profissional para a proposta de trabalho humanizada Falta de medicamentos, equipamentos, materiais gerais de atendimento

BÁSICA

Processo

Falta de comprometimento individual/coletivo Fragmentação dos processos de trabalho (perpetuação do modelo assistencial) Processo de corresponsabilização nos níveis de gestão e atenção insipiente Composição mínima de equipe em termos de especialidade profissional Ausência de referência/contra-referência nos encaminhamentos Desintegração aos demais níveis de assistência (não integralidade da atenção) Incompletude dos prontuários

HOSPITALAR

Geral

Avaliação

Insatisfação dos usuários e dos profissionais de saúde Constitui o foco central da atenção à saúde (hospitalocentrismo) Componente crítico do orçamento (70% do gasto público com saúde) Ineficiência no uso dos recursos ( eficiência média de 34%) Baixa taxa de ocupação de leitos (média de 45%) Centros de excelência com atendimento exclusivo (atendem à população de maior renda) Administração indireta dos hospitais públicos (falta autonomia gerencial) Financiamento desvinculado de desempenho Ausência de coordenação inter-hospitalar e dos hospitais com prestadores de serviços Falta de aderência dos processos aos padrões mínimos de qualidade Superlotação dos serviços de urgência e emergência Falta de cultura avaliativa; falta de especialistas (acadêmicos e técnicos) na área de qualidade, produção e análise de dados de saúde. Nível mínimo de agregação por município

Bases de dados(SIH/SUS) INFORMACIONAL Bases de dados (SIAB) Redes de atenção hospitalar de alta complexidade

Qualidade de registro variável Uso quase exclusivo pelas equipes de saúde da família, pouca confiabilidade das informações, estrutura pulverizada, falta de comunicação com outros sistemas de informação, falta de algoritmo para relacionar endereço do usuário à unidade de saúde de referência. Aproximadamente metade da rede dos municípios está desconectada.

REFERÊNCIA Gomes e Silva (2011), Nedel et al. (2010)/Nora e Junges (2013) La Forgia e Couttolenc (2009)

Nora e Junges (2013)

Gomes e Silva (2011)/Nora e Junges (2013) Gomes e Silva (2011)/Romera et al. (2013) Nora e Junges (2013) Geus et al. (2011) Gomes e Silva (2011) Gomes e Silva (2011)/Nora e Junges (2013) Vasconcelos, Gribel e Moraes (2008) Righi, Schimidt e Venturini (2010)/Nora e Junges (2013)

La Forgia e Couttolenc (2009)

Amaral e Rocha (2013) Kluthcovsky e Kluthcovsky (2007)/La Forgia e Couttolenc (2009) Nedel et al. (2010) Lemos, Chaves e Azevedo (2010)/Vasconcelos, Gribel e Moraes (2008) Nedel et al. (2010)

Lemos, Chaves e Azevedo (2010)

FIGURA 1– Síntese de alguns problemas do SASB apontados pela literatura.

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Segundo Øvretveit et al. (2002), a MCQ é um método utilizado para difundir conhecimento e tecnologia, permitindo desenvolver habilidades nos profissionais para que utilizem a pesquisa para planejar e testar mudanças in loco. A colaboração se realiza reunindo-se grupos multiprofissionais oriundos de diferentes organizações de saúde para trabalharem de forma estruturada para a melhoria de um aspecto da qualidade em comum. Esse procedimento exige a realização de encontros para que os grupos aprendam boas práticas da área em epígrafe, se familiarizem com os métodos da qualidade e realizem a troca de ideias, além de compartilhar experiências de mudança no contexto de seus locais de trabalho. A MCQ tem sido adotada de forma crescente nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e em países europeus. Em países ao norte da Europa, como Reino Unido e Holanda, autoridades da área da saúde sustentam programas da qualidade baseados nessa estratégia em nível nacional (SCHOUTEN et al., 2008). Embora a adoção da MCQ possa se tornar cada vez mais popular, para Øvretveit et al. (2002), ainda há pouca evidência independente que comprove que esse método é mais eficaz em termos de custo comparado a outros, também há pouco conhecimento disponível sobre como ela pode ser aplicada de forma mais efetiva, o que demanda estudos mais consistentes. Øvretveit (2002) sugere as seguintes orientações para a realização de uma MCQ eficaz: − Escolher um tema para o qual o método MCQ possa ser efetivo; − Definir em concordância os propósitos da colaboração; − Estabelecer funções e provocar expectativas nas equipes; − Traçar metas ousadas factíveis de serem cumpridas e que possam ser mensuradas com precisão; − Garantir que a atividade comece logo no primeiro encontro; − Organizar cuidadosamente os encontros e o contato; − Utilizar os dados disponíveis e desenvolver habilidades de mensuração; − Concentrar-se na mudança; − Sustentar a mudança para manter os ganhos; − Angariar habilidades e planejar a propagação dos conhecimentos nas organizações participantes.

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4.1 Modelo Breakthrough Series (BTS) O modelo BTS configura um modelo de MCQ de curta duração (6 a 15 meses) que pode envolver um grande número de equipes provenientes de hospitais ou clínicas que buscam alcançar melhorias em uma área foco. É concebida para preencher a lacuna entre a teoria e a prática na prestação de serviços de saúde, estabelecendo uma estrutura para que as organizações interessadas possam, de forma facilitada, aprender umas com as outras e, contando com ajuda de especialistas em áreas alvo, possam obter as melhorias almejadas (IHI, 2004). Segundo o IHI (2004), as colaborações conduzidas funcionaram com a participação de 12 a 160 equipes, sendo que normalmente cada equipe enviou três de seus integrantes para participarem de “sessões de aprendizagem” (três encontros presenciais ao longo do curso da colaboração), enquanto os demais membros trabalham com melhorias na organização de origem. De 1995 a 2004, o IHI patrocinou mais de 50 projetos BTS focados em uma dúzia de tópicos importantes, envolvendo mais de 2000 equipes pertencentes a 1000 organizações de atendimento

médico.

Em

média,

as

equipes

participantes

obtiveram

resultados

representativos. Após replicações e aperfeiçoamentos, o IHI concluiu que os elementos-chave do modelo BTS (Fig. 3) são (IHI, 2004, p. 98): a) Seleção do tópico. Os líderes identificam uma área em particular ou assunto em atendimento médico propício para aperfeiçoamentos, apoiando-se em três critérios: 1) Existe conhecimento sólido, porém não é utilizado em todo o seu potencial; 2) Bons resultados já foram alcançados em algum campo do mundo real; e 3) A atual ocorrência de falhas afeta muitos pacientes em algum aspecto, ou afeta a poucos pacientes de forma profunda. b) Recrutamento de especialistas. Identificação de especialistas em disciplinas relevantes, incluindo especialistas internacionais, especialistas em aplicação e médicos independentes que se destacaram no desempenho de suas práticas. Um especialista é convidado para assumir a direção da colaboração, estabelecer a visão do novo sistema de assistência, promovendo a liderança, o ensino e a orientação dos demais participantes; c) Inscrição dos participantes. As organizações aceitas para participarem do projeto por meio de processo de inscrição indicam uma equipe multidisciplinar incumbida de aprender no processo de colaboração, conduzir testes de mudanças em pequena escala e contribuir para que mudanças bem sucedidas sejam padronizadas;

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d) Sessões de aprendizagem. Realização de encontros presenciais de aprendizagem (normalmente três durante o período de uma colaboração) com a presença das equipes multidisciplinares de cada organização participante e de um especialista para troca de ideias. No primeiro encontro, o especialista apresenta o denominado “pacote de mudanças”, que aplicado localmente implicará em significativa melhoria do sistema; e) Períodos de ação. Entre as sessões de aprendizagem ocorrem os períodos de ação, onde as equipes testam e implementam mudanças localmente, colhendo dados para mensurar o impacto das alterações e elaborar relatório; f) Modelo de melhoria. Para empreender as mudanças em seus contextos locais, as equipes são treinadas numa abordagem para organizar e conduzir os trabalhos de melhoria, denominado “modelo para melhoria”, consistindo na reflexão sobre três perguntas: 1) “O que se quer mudar? ”, indicando quais resultados específicos querem mudar através do trabalho; 2) “Como ter certeza de que uma mudança é uma melhoria?”, para definir indicadores apropriados que permitam acompanhar a melhoria ao longo do tempo; e 3) “O que mudar para alcançar melhorias? ”, para determinar quais mudanças serão testadas. Esse processo se perpetua ao longo do tempo e é refinado a cada ciclo de melhoria. g) Mensuração e avaliação. A mensuração e avaliação regulares fazem parte da colaboração, sendo que todas as equipes mantem em funcionamento quadros de monitoramento do progresso dos indicadores. Os relatórios mensais de cada equipe são revisados por especialistas para quantificar o progresso da colaboração como um todo. h) Congresso de finalização e publicações. Ao final da colaboração todo o trabalho realizado é documentado, as equipes apresentam seus resultados e lições aprendidas em conferências.

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FIGURA 2- Elementos-chave do modelo BTS. Fonte: Adaptado de IHI (2004, p. 99)

Desde 1998, a Agência Federal Americana Health Resources and Services Administration (HRSA), realiza projetos de colaboração baseados no modelo BTS, colhendo resultados considerados importantes. A experiência da HRSA tornou possível identificar cinco elementos estruturais da MCQ, como segue (HARRIS et al., 2012, p. 15): a)

Liderança. A liderança é um elemento estrutural importante para o planejamento,

implementação e medição dos resultados. b) Trabalho de Grupo. A colaboração deve resultar em aprendizagem, força motriz que empenha os indivíduos no processo de redefinição do sistema. O sucesso das equipes depende da combinação de habilidades clínicas, administrativas e de gerenciamento da qualidade. c) Parcerias Externas. A participação de organizações externas interessadas em redefinir seus sistemas de atendimento é importante tanto a nível local, estadual e nacional. A experiência, os recursos e as facilidades dos parceiros contribuem em muito para alcançar bons resultados. d) Medição. É extremamente importante medir os resultados para saber o que está funcionando e o que é preciso mudar para gerar melhores resultados. e) Sustentabilidade. Garantir que os resultados obtidos durante a colaboração se mantenham ao final do projeto é vital para sustentar a melhoria, bem como a manutenção do pacote de mudanças para incorporação de novas ideias.

4.2 MCQ segundo método Premier A Premier, segundo método próprio, elaborou o programa batizado como QUEST, combinação das iniciais das palavras da língua inglesa QUality, Efficiency e Safe

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Transparency. Trata-se de um amplo projeto colaborativo multidimensional e plurianual destinado a ajudar hospitais e outras organizações de saúde americanos a alcançar altos padrões de desempenho (PREMIER, 2013). Deve-se dar o devido destaque à continuidade das atividades do projeto e a sua orientação à dados, como diferencial na abordagem de MCQ. Seguindo o método Premier, os hospitais participantes do projeto se comprometem a compartilhar informações de modo transparente e definem um quadro de referência compartilhado contendo indicadores consistentes de alto desempenho, algo inédito na área de saúde. Ao todo, 333 hospitais aderiram ao projeto durante os quatro anos e meio da existêcia do projeto, desde 2007. Esses hospitais monitoraram e compararam seus desempenhos aos desempenhos de ponta para atingirem novos padrões nacionais de qualidade. Tais padrões foram estabelecidos avaliando os hospitais que obtiveram os melhores resultados, bem como das evidências colecionadas pela colaboração acerca do nível de melhoria considerado factível. Os padrões estabelecidos para os hospitais foram (PREMIER, 2013, p. 2): − Reduzir a mortalidade em pelo menos 31%; − Reduzir o custo médio da alta de internação para menos de $5.690; − Prestar todo atendimento confiável baseado em evidências para pacientes nas áreas de ataque cardíaco, insuficiência cardíaca, pneumonia e atendimento cirúrgico; − Melhorar a experiência do hospital de modo que os pacientes avaliem positivamente suas estadias, fazendo recomendações das instalações; − Reduzir os eventos adversos passíveis de prevenção; − Reduzir a taxa de reinternação em 12%. A Tabela 2 mostra os resultados obtidos durante o período de quatro anos e meio do programa. TABELA 1– Resultados obtidos pelos hospitais participantes nos quatro anos e meio de funcionamento do programa do programa QUEST. 2008 Mortes 6.951 evitadas Economia em 683 milhões dolar Pacientes que receberam 9.427 tratamento baseado em evidências Fonte: Premier (2013, p. 3)

2009

2010

2011

2012 (1º sem.)

21.099

42.388

72.353

91.840

2,12 bilhões

4,55 bilhões

7,53 bilhões

9,13 bilhões

24.091

42.878

66.531

80.128

Segundo estimativas da Premier (2013), se todos os hospitais americanos

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participassem do projeto, monitorando a melhoria de seus indicadores rumo aos padrões estabelecidos pelo projeto, a melhoria projetada seria: evitar em torno de 950 mil mortes, prestar cuidados baseados em evidência a 1 milhão de pacientes adicionais e economizar cerca de $93 bilhões. A Figura 4 mostra a significativa superioridade de desempenho, em termos de custo médio por alta, dos hospitais participantes do programa QUESTem relação à media nacional americana.

FIGURA 3 – Comparação de custo por alta entre hospitais participantes do programa QUEST e a tendência nacional americana. Fonte: Premier (2013, p. 7)

O método Premier se baseia em quatro pilares assim estabelecidos: 1) Medição dosresultados de desempenho segundo métricas definidas; 2) Elaboração de relatórios transparentes; 3) Compartilhamento das melhores práticas; e 4) Execução das ações do programa de forma colaborativa (PREMIER, 2013).

5. Conclusão É evidente que o SASB necessita de urgente engajamento com as práticas de melhoria da qualidade em nível nacional (NORONHA; TRAVASSO; ROSA, 1999; LA FORGIA; COUTTOLENC, 2009). Contudo, para transformar a realidade do SASB, considera-se necessário não apenas concentrar atenção na esfera hospitalar, conservando e reforçando a tradicional visão hospitalocêntrica (considerar o hospital como centro do sistema de saúde), mas deve-se também, e de forma cuidadosa, investir na APS, uma vez que ações de prevenção e de promoção à saúde podem ser mais efetivas para atenuar gastos públicos mediante a possibilidade de evitar agravos clínicos. As experiências internacionais indicam que a MCQ pode representar uma alternativa 12

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para alavancar melhorias no setor de saúde, através da participação coordenada de profissionais de saúde, gestores de unidades de atendimento, profissionais da qualidade e especialistas em saúde pública. Portanto, a MCQ parece ser um caminho transitável na medida em que possibilita somar esforços na obtenção e compartilhamento de informações úteis, elaboração de soluções e disseminação de boas práticas para as organizações envolvidas. Devido à grande extensão territorial brasileira, que determina grandes diversidades regionais, conhecer diferenças importantes que concernem a necessidade de saúde da população é questão impugnável e essencialmente necessária para ajustar o sistema de saúde a um nível mínimo de eficácia na implementação dos programas e estratégias de saúde estabelecidas pelas diferentes esferas governamentais. Ou seja, uma abordagem middle-updown com participação de diferentes atores é importante para tecer percepções das reais necessidades e perceber impactos de ações, como esboça a Figura 4.

FIGURA 4 – Representação das redes de MCQ como estratégia de intermediação da implementação e melhoria dos planos e projetos governamentais na área da saúde pública.

Contudo, questões relacionadas, por exemplo, ao custo relativo da operacionalização da aplicação da MCQ, tanto no nível da APS quanto no nível hospitalar, não foram objeto deste estudo e devem ser levadas em consideração, constituindo sugestão de pesquisas futuras. Referências AMARAL, H.L.A.; ROCHA, R.E.V. Qualidade em serviços hospitalares: atendimento em centros de emergência de hospitais privados em Fotaleza-CE. In: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 2013, Bauru, SP. Anais do XX Simpósio de Engenharia de Produção. Bauru: UNESP, 2013, p. 1-14. BRASIL. Política nacional de atenção básica. 4. Ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. CAMPOS, C.E.A. Estratégias de avaliação e melhoria continua da qualidade no contexto da atenção primária à

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