Memória e Informação – Individuação e Multiplicidade

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Pedro Vidal Diaz 2015.2 Disciplina: Memória e Informação Professores: Ricardo Pimenta e Ivan Capeller

Memória e Informação – Individuação e Multiplicidade

RESUMO: O processo de individuação se constitui como uma morfologia pelo qual uma parte do todo se torna progressivamente mais distinta e independente; diferenciada em partes cada vez mais independentes porém interligados. Aliando ao processo informacional da memória, procuro nesse artigo estabelecer referências do estudo de memória no campo filosófico e epistemológico da ciência da informação. Busca-se identificar processos de abertura criativa em sua relação de percepção temporal, assim como axiomáticas de agenciamento pela forma de um capital mnemônico, mediado por tecnologias midiáticas de suporte e registro. Através dessa entrada, pretendo pensar o processo de memória e memorização a luz de uma filosofia da potência e da diferença no devir, visto nas três sínteses do tempo em Deleuze. Uma memória viva e criadora que se abre para o fora caósmico, ao invés de uma categorização compactada de extratos, gavetas, espelhos - meros reflexos e simulacros de uma náusea temporal e platônica da memória.

Introdução Observando a estrutura da memória das ciências humanas e exatas e como foram geradas e articuladas ao longo da modernidade, vemos o campo da Ciência da Informação se constituir como uma ciência dialética. Suas fronteiras se fundamentam em uma história frequentemente pautada pela reconstituição de processos de evolução das práticas de saberes ligados as bibliotecas, arquivos e museus como lugares institucionais que constituem um objeto privilegiado de seus interesses, obrigando a decidir que memórias pretendem constituir para si mesma,

negociando com instituições que representam arranjos e regimes de verdade e

memória. Giulia Gripa em um trabalho para o XI – ENANCIB (2010) pergunta: Como ‘criticar’ a Ordem da Memória hoje, para que seu conteúdo informacional se tome coletivo? Que memória se constitui, para o futuro, através da seleção, organização e disseminação das memórias produzidas pelas escolhas de organização, portanto de acessibilidade maior ou menor ou, até, pelos acervos imateriais? Há, no processo de transformação da informação uma fusão parcial com os problemas da comunicação de massa e da mídia. A divisão que se estabelece na distribuição e atribuição de formas de conhecimento diversas reflete as formas de organização da memória do conhecimento de uma época específica, ligada ao desenvolvimento do pensamento científico e as ambições das instituições públicas decorrentes da configuração do Estado Moderno. As representações do conhecimento, também entendidas como memorização, partem da vivência de diversas situações informacionais, cuja repetição reforça ou refuta aprendizados. Sobre elas são montados esquemas e quadros de imagens, diagramas constantemente renovados pela adição e mutação de novas experiências, sedimentando de forma dinâmica o conhecimento. Quando, por alguma razão, os esquemas e quadros mostram-se ineficazes na solução de alguma situação, os organismos em desequilíbrio buscam reequilibrar-se por meio de mecanismos tanto convencionados como criativos, no sentido de inovação ao fora. As linguagens e codificações da percepção são os organizadores dos mecanismos de análise e síntese simultânea das situações de vivência individual e coletiva (GRIPA, 2010). As direções mais atuais da Memória estão, hoje, profundamente ligados as técnicas de cálculo

e de manipulação da Informação, através do uso de máquinas e instrumentos cada vez mais complexos. As técnicas e tecnologias moldam nossa relação com a memória, que se transforma no tempo. A noção de memória, tanto individual como coletiva, tende a se identificar à uma visão tecnológica de suporte e interface, tornando comum o hábito de considerar que todo conhecimento está registrado em um dispositivo externo. Assim é possível considerar a vertente tecnológica como um objeto de registro de memória, tornandose também importante considerar os princípios e as lógicas externas do sistema tecnocapital, que moldam em sua própria estrutura a subjetividade mnemônica. Tecnologias mnemônicas e mediações/agenciamentos As tecnologias eletrodigitais, criam novos hábitos de olhar que condicionam a percepção e criam novas formas de subjetividade – desde os finais do século XIX, a fotografia e o cinema inauguraram novas formatações e novas linguagens. A reelaboração estética de informações em novas estruturas linguísticas convergentes e redirecionadas para o sistema social por meio de discursos tecnosistêmicos criam também novos quadros de memórias, fornecendo símbolos e ambientes mentais decisivos para a reestruturação dos sistemas da cultura. A fusão entre as esferas da técnica (tecnosfera) e da estética habilita as imagens, como repositórios de informações significativas dos quais emerge o novo paradigma do conhecimento, contrariando o projeto moderno da funcionalidade formal. No novo paradigma, a estética pode ser legitimada em acontecimentos reproduzíveis, em relações prazerosas com produtos de criação de diversas ordens como forma de acesso ativo à informação e ao conhecimento (JORENTE, 2012, pg. 13, 16). Em ‘Ciência da Informação: Mídias e linguagens convergentes na Web” Maria José Jorente busca em como a Web e novas tecnologias agenciam novos sistemas de codificação de informação, mobilizando a necessidade do aprendizado de novos conjuntos de capacidades permeadas por essas novas configurações. As informações resultantes podem ser verificadas e analisadas por estarem suportadas documentalmente no âmbito dos interesses focais da Ciência da Informação: tendo sido extraídas da correnteza ininterrupta das virtualidades possíveis, foram formatadas, registradas e representadas sobre suportes, cuja materialidade pode ser discutida, mas não negada. Nas mídias eletrônicas podem ser identificadas novas formas de cognição propostas pelos sistemas de linguagens que convergem pela hibridização de outras esferas de existência e recriam um indivíduo que emerge, também híbrido, em um ecossistema comunicativo cada vez mais complexo. A organização por esta nova óptica

sistêmica traz elementos de memória individual ou coletiva do urbano contemporâneo e de um leque infindável de subsistemas, correspondentes à multiplicidade de estímulos recebidos por aqueles a elas expostos (Ibid, pg.17-18):

Por obra dos atratores estranhos, pode-se criar uma nova ordem. Essa nova ordem gerada pelos atratores estranhos demonstra que há certa regularidade imersa no caos, difícil de apreender, mas algumas vezes previsível por uma mente treinada ou atenta aos sintomas de tal caos: as práticas criativas podem ser entendidas como buscas que levam em boa conta as situações caóticas, nas quais um momento de insight decorre da conjunção catalisadora de atratores. As mídias portanto, atuam como repositórios desses atratores, que para serem conjugados e articulados necessitam de uma seleção. O processo de transmissão de cultura é uma espécie de hibridismo entre as duas esferas: ao criar sistemas sígnicos, o homem passa a ser regulado por códigos tecno-culturais, que são programas de controle biocibernéticos, dos quais a cultura é o elemento programador e programado pela informação. Quem recebe a mensagem deve criar o contexto – a habilidade de receber é esse poder de criar contextos (coevolução) por meio de aprendizagem ou do ataque do acaso. Os indivíduos devem estar preparados para a chegada do acaso, da descoberta apropriada, da percepção dos atratores, para que os seus componentes se tornem informação, nova epigênese (ou informação nova) (Ibid). Como sistema semiótico de registros e documentação, a cultura envolve os sistemas de percepção, de armazenamento e de divulgação de informações como seus subsistemas. Os processos perceptivos dependem de experiências anteriores como contextualizadoras das novas in- formações a serem notadas e, portanto, são inseparáveis da memória – extratos perceptivos. Cada linguagem, como sistema padronizado e organizado pela cultura, potencializa uma compreensão diferenciada do mundo pelo tipo de organização cognitiva e a constituição da consciência que se possibilita (Ibid, pg. 19). Cada cultura tem formas próprias de percepção, condicionadas e condicionantes de sistemas sígnicos, ou seja, limitações culturais dos sentidos que se transferem para as linguagens e códigos como extensões desses sentidos e vice-versa. A tradução intersemiótica está ligada à estrutura do pensamento humano, à maneira como os sentidos se inter-relacionam e à sua atualização no mundo. O novo pode ser visto semioticamente como possibilidade ainda não

atualizada de um sistema. Os atos informativos, criativos ou não, não se produzem no vazio, mas através dele. Nenhuma criação é independente de predecessores e de modelos, mas parte da realidade humana onde o passado não é apenas lembrança, mas uma realidade inscrita e dialética no presente. Nas operações tradutoras cotidianas e extensivas das linguagens da cultura há a criação de trânsitos, um fluxo criativo de linguagens, e a individuação resultante de tais trânsitos cria uma verdade própria. Momentos de transição de mídia são interessantes porque são períodos em que as práticas sociais e formas culturais são instáveis e renegociadas em respeito à materialidade e a incorporação de tecnologias de mídia, bem como os significados decorrentes da sua utilização. É no nexo do espírito, da tecnologia e dos hábitos de percepção e semióticos que as memórias são mediadas morfologicamente (DICK, 2007, pp. 27). Como Baudrillard infere, “Em   toda   parte   já   vivemos   numa   alucinação   ‘estética’   da   realidade” (BAUDRILLARD, 1983. Pág. 148). O controle morfológico do discurso manifestado através de mídias são, simultaneamente, mecanismos de memória e de definição de limites do social discursado (BEZERRA, 2013). São faculdades que dialogam na temporalidade (resgate do passado e atualização da memoria virtual para o real/presente). Se atrelam ao tempo e ao sentido do tempo: são capacidades de transcender o presente. A tradução e a transposição da realidade para seu conhecimento se da pela prática e a ideologia da metáfora, de um lado e por outro, pela emblemática, como formas de classificação do universo. Nesse sentido, a metáfora é a ferramenta que permite considerar e representar as metamorfoses do universo (CRIPPA, ALMEIDA, 2005). Rafael Capurro em uma entrevista, retoma esse caráter de metáfora temporal da informação em sua origem desde a antiguidade clássica*1: R.C. – O termo latino informatio, em seu sentido de dar forma a algo, já era utilizado na antiguidade clássica, assim como na filosofia medieval, não apenas na perspectiva de dar forma ao espírito ou ao caráter de um indivíduo, mas também aos costumes e normas de uma sociedade (informatio morum). Ambos os sentidos da ética clássica da informação estão baseados em uma epistemologia segundo a qual o conhecimento é um processo de formar os sentidos (informatio sensus) e a razão (informatio intellectus). Os filósofos e teólogos medievais, como Tomás de Aquino, distinguiam também no nível ontológico entre creatio, ou seja, a criação do mundo por um Deus transcendente, e informatio, ou seja, o processo de “in-formação” de um substrato já existente (informatio materiae). Informatio é uma tradução latina sobre problemas considerados pela ontologia e pela epistemologia gregas, em especial por Platão e Aristóteles, mas também pelo neoplatonismo e pela filosofia helenística. *1

MANSO, Bruno. Entrevista com o professor RAFAEL CAPURRO. In: Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.24, n.3, p. 175183, set./dez. 2014. Disponível em: www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/download/22308/12414

Individuação informacional A escolha pela inclusão de Simondon junto a Deleuze neste contexto é devido à importância dada para a intuição-sensação-percepção-informação enquanto motor do processo inventivo, aquele preocupado com a realização das potencias homem-tecnologia para além de interesses estritos e utilitários imediatos, como os do mercado, mas pela busca de uma contribuição mais objetiva de produção social. Propõe uma “aprendizagem inteligente permitindo-lhe inventar”, para resolver os problemas que se apresentarão, em seu devir, ou seja, estar atento às informações e propriedades que emergem, junto as tendências do sistema, um futuro ‘emformação/in-formação’. Simondon tenta apropriar o conceito de informação considerando sua ontogênese (como vimos em Rafel Capurro), nos termos que precedem e condicionam a formação e circunscrição dos agentes individuados e qualificados como remetente, receptor e código. São antes, signos em processos de individuação que encontram outros signos em um campo problemático de complexidade, envolvendo relações imanentes entre séries de significantes e significados, trazidos juntos pela relação de humanos e não-humanos dinamicamente animando e relativizando o signo – processos agonísticos de morfologia simbólica. Nas sociedades modernas, após longo tempo, reduz-se o heterogêneo ao homogêneo, tal como ele é, tomado nas redes das múltiplas significações que ora recortam as classificações estabelecidas, ora correspondem às mutações profundas que a desordenam. Uma tal sociologia veria abrir-se diante de si um campo imenso em sua camada expressiva cultural, não mais tentando “reduzir” o individual ao coletivo, mas tentando saber por que, no meio da trama coletiva da existência, surge e se impõe a individuação. (HALBAWSCH, 2004, pg. 109). Que seria desse “eu”, senão fizesse parte de uma comunidade afetiva, de um “meio efervescente”, do qual se afastam no momento em que ele se “recorda”? A memoria individual existe, mas ela esta enraizada dentro dos quadros diversos que a simultaneidade ou a contingência reaproxima ainda que momentaneamente. A rememoração pessoal situa-se na encruzilhada das malhas de solidariedades múltiplas dentro das quais estamos engajados. Nada escapa à trama sincrônica da existência social atual, e é da combinação destes diversos elementos que pode emergir uma forma que chamamos de lembrança, porque a traduzimos em linguagens. Assim, a consciência não esta jamais fechada sobre si mesma, reduzida, nem solitária. Somos arrastados em múltiplas direções, como se a lembrança fosse um ponto de referência que nos permitisse situar em meio à variação continua dos quadros sociais e da

experiência coletiva histórica. Isto explica talvez por que razão, nos períodos de calma ou rigidez momentânea das “estruturas sociais, a lembrança coletiva parece ter menos importância do que dentro dos períodos de tensão ou crise – e lá, às vezes, ela torna-se “mito” (HALBWACHS, 2004, pg. 14). "Se o Mesmo aprisiona o Outro, como ‘outrar’ o Mesmo?” Peter Pál Pelbart vai mirar justamente no caráter subjetivo do ‘tornar-se’ – “Se o formato do homem é uma camisa de força, uma forma caduca em comparação com as inúmeras forças que o habitam e que estão nele inexploradas, como explorá-las?” O peso do fantasma do Anjo da história de W. Benjamin (1985, p. 226) nas contradições do desejo aturdem o corpo do ser com fantasmas e nostalgias: Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.

Há um conceito grego chamado ‘Anamnese’, que significa a recolha e re-coleção do que foi perdido, esquecido, ou apagado, o que nos fez o que somos. Mas anamnese é também um trabalho que transforma seu sujeito, sempre produzindo algo novo, recoletar o velho para produzir o novo: essa é a tarefa de Anamnese. Peter Pal Pélbart em seu texto Poéticas de Alteridade (2004) afirma: A criação estética, sem dúvida, é uma das vias, embora não há invenção estética que não seja ao mesmo tempo uma subversão da Forma-Homem. Os devires, os ‘outramentos’, o mapeamento das forças que habitam e rodeiam, a experimentação estética dessas forças é uma maneira de combater o Mesmo ao qual nos referimos no início, ou seja, uma certa mesmice entrópica que nos sufoca e nos soterra por todos os lados e que os loucos, à sua maneira, podem nos ajudar a

colocar em xeque, mas o cinema também, o teatro, a música, ou até a reinvenção cotidiana de nós mesmos Por um lado, o simbólico invade e extravasa o “diálogo” no difícil jogo dos significantes desfeitos. Os significados trabalham por contra própria, numa enxurrada de imaginário. Os significantes são tomados em combinações surrealistas, liberdades inesperadas. O trabalho da língua, das palavras ou dos fonemas nunca mais remeterá à conclusão do signo. Uma linguagem “poética” se emancipa assim do sentido comum, subvertendo-o... Essa particular promiscuidade com o inominável, as percepções arcaicas e as intuições animistas lhe dão esse dom que a história e as culturas apontam: adivinhos, profetas, oráculos, bufões, xamãs e gurus modernos. A busca hermenêutica de um significante perdido é substituída por uma poética coletiva... Essa criatividade não descobre a ordem de um desenvolvimento psíquico regular, nem a desordem de suas falhas, acidentes e interrupções. Ela vem de uma estratégia da “epifania”, uma vez que não volta para um estado de normas e de equilíbrio anteriores, mas sim organiza uma matéria sensível e inteligível, uma nova visão do mundo, que o delírio considera como seu propósito. É uma massa móvel de informações ou de signos interpretáveis segundo registros variados e probabilidades múltiplas... Nos confins do delírio, do sonho e da obra de arte, um mesmo projeto ético-estético comanda rupturas de ordem e procede por enriquecimentos e extensões de saber (POLACK; SIVADON, 2013, pg. 45-7). Percepção Temporal e o Caosmos A expressão “paradoxo de Bergson” expressa a dificuldade de apresentar a lógica da “duração” do fluxo temporal no sentido da experiência vital fluída, em contrapartida a linguagem mais oficial, hegemônica e espacializante (cf. DUARTE, 1999). A doxa nunca nos deu a realidade do abismo do tempo. Bergson insiste notoriamente em sua obra na oposição fundamental entre “duração” e “tempo”, a primeira categoria referindo-se à percepção do fluxo vital experimentado e a segunda, às demarcações racionalizadas, compartimentadas a modo de apreensão do espaço – ritornelos perceptivos da repetição. Há uma dinâmica entre esses polos, em que a cultura dominante do Ocidente se inclinaria constantemente para o privilégio do modo mecânico, desvitalizado, em detrimento da força experiencial do modo fluído (BERGSON, 1968). As sociedades são aparelhos de ligação e interconexão que tem por objetivo colocar as forças produtivas do inconsciente a serviço do corpo social. As ligações não tem outra função - estão

a serviço da composição de um corpo social. Há corpo social quando a produção desejante se põe a serviço de uma instância que agencia e cobre o conjunto do campo social com uma axiomática, que o unifica e o totaliza (LAPOUJADE, 2015, p.158). Como Smit e Barreto identificam (2002, p. 22): [...] estruturas simbolicamente significantes, codificadas de forma socialmente decodificável e registradas (para garantir permanência no tempo e portabilidade no espaço) e que apresentam a competência de gerar conhecimento para o indivíduo e para o seu meio. Estas estruturas significantes são estocadas em função de um uso futuro, causando a institucionalização da informação. Como lidar com a diferença entre extratos informacionais da memória, da percepção e do habitus? A repetição da diferença não se produz no tempo e sim constitui o próprio tempo ao qual ela mesmo produz, seus ritornelos temporais de repetição de intensidade, captados através de um tempo contraído de percepção. Deleuze distingue três tipos de repetição que engendram três modos distintos de temporalizações (contendo cada um as três dimensões do tempo): 1. As repetições do habito (ou o presente como fundação do tempo); 2. As repetições da memoria (ou o passado como fundamento do tempo); 3. As repetições do eterno retorno (ou o futuro como “desfundamento” do tempo). A primeira repetição é psíquica ou biopsíquica, a segunda é metafísica, a terceira é ontológica. Deleuze em seu livro Diferença e Repetição (1969, pg.106-112), aprofunda essa abordagem: A matéria é ‘espírito instantâneo’, mas o espirito é matéria contraída. É a imaginação, enquanto placa sensível, que contrai os casos e ‘os funde numa impressão qualitativa interna’, constitutiva do presente. A qualidade contrai as vibrações da matéria e, através disso, constitui sua diferença, enquanto presente vivo... É neste presente que o tempo se desenrola. É a ele que pertencem o passado e o futuro: o passado, na medida em que os instantes precedentes são retidos na contração; o futuro, porque a expectativa é antecipação nesta mesma contração. O hábito é o outro nome da imaginação na medida em que ela constitui o ritmo dessa diferença qualitativa ou a diferença como ritmo. É ele que constitui o primeiro ritornelo do tempo.

Ao nível da primeira síntese portanto, o habito é que constitui um grande presente vivo, uma sensibilidade vital primária que se distribui em hábitos de viver povoando a terra com uma multidão de ritmos distintos, territorialidades distintas, agenciamentos múltiplos de pretensões sobre esse território perceptivo e volátil. Passar o tempo é precisamente a pretensão do presente, mas o que faz com que o presente passe e que o hábito o aproprie como fundamento do tempo? O efeito do passado, contraído junto ao futuro em duas ‘pontas’ paradoxais do presente, ponta móvel que tece a constituição da experiência do movimento. A memória como condição genética do presente (LAPOUJADE, 2015, pg. 74). Na segunda síntese do tempo, temos na memória um objeto de eterno-retorno dos fantasmas da nostalgia e do desejo, um romance platônico sempre em busca de seu objeto perdido (ErosMnemósina). O ciclo de Eros e Cronos se dão em duplo movimento: um lado empírico que forma o ego ativo com seus objetos reais e outro transcendental que forma o ego contemplativo com seus objetos virtuais. Se essa segunda síntese deve ser superada, é porque os deslocamentos incessantes do objeto virtual, seus disfarces múltiplo atestam uma desordem processual da memória. Nos liberar dos círculos metafísicos da memória-fundamento e abrir para a ontologia, o sem-fundo do Ser (Ibid, pg. 79-80) – “Para além da repetição física e da repetição psíquica ou metafísica, uma repetição ontológica?” (DELEUZE, 2006, pg. 403). Enquanto a memória faz círculo com o vivido para se tornar transcendental, o porvir rompe com todo vivido, com todo passado pessoal e se engaja às possibilidades de um pensamentomundo, que extravasa as regularidades do cosmos. Mesmo se ainda se tratar de pretensões e projeções, ela torna-se memória impessoal de uma memória-mundo, ou de uma memóriacosmos (tal como Deleuze já a encontra em Bergson, escapando de seu próprio platonismo), constituindo o pensamento puro como antimemória, memória do porvir ou memória-mundo. Como descrito em ‘Crítica e Clínica’ (1997, p.38): Tudo o que se move e muda está no tempo, mas o tempo ele mesmo não muda, não se move e tampouco é eterno. Ele é a forma de tudo o que muda e se move, mas é uma forma imutável e que não muda. Não uma forma eterna, mas justamente a forma daquilo que não é eterno, a forma imutável da mudança e do movimento. Em uma escala distributiva de capacidades, primeiro há o acontecimento enquanto somos incapazes dele (o tempo de antes), em seguida o acontecimento enquanto nos tornamos capazes dele (o tempo durante), e finalmente o acontecimento enquanto ele não depende mais

de nossas capacidades pois a redistribui permanentemente sem considerações por nós (o tempo de depois) como descrito pela Lógica dos sentidos (2007, p.154) Como o tempo pode se esvaziar assim de toda sua substância e tornar-se pura forma lógica? Como se rompe o círculo formado por Eros e revertermos o platonismo? Como a libido pode desertar do círculo que no entanto alimenta com toda sua energia? A segunda síntese é o tempo dos corpos, das incorporações, das encarnações e reencarnações segundo o ciclo das pretensões do desejo e das posses do prazer - Cronos é o tempo relativo aos corpos e a suas misturas (DELEUZE, 2006, pg. 63). A terceira síntese é um tempo de outra natureza: não é mais o tempo dos corpos e sim o tempo do pensamento puro, um tempo puramente lógico, desencarnado. Para se desprender dos círculos de Eros, Tânatos vem a exercer um certo tipo de energia dessexualizada, que faz morrer o corpo libidinal dos extratos de desejos. Agente de desconexão dessexualiza o corpo para então sexualizar o pensamento, permitindo uma transmutação do inconsciente, a passagem de um inconsciente de pulsões a um inconsciente de pensamento. A questão da ‘obra por fazer’ como novo investimento libidinal dessexualizado e ressexualizado. Tal instinto de morte não se configura como um pensamento mortuário, de uma pulsão à morte, e sim como afirmação das potencias de vida, desfazendo e desligando tudo que impede a distribuição liberada da diferença, sempre renovada, dessas potencias (LAPOUJADE, 2015, pg. 87-88). “Só a diferença, o excesso, retornam, sempre diferindo de si, o impiedoso Ritornelo dos movimentos aberrantes” (Ibid, p. 90) Isso é corroborado pelas oscilações que revolucionam um individuo que não só procura seu próprio centro e não vê o circulo de que faz parte, mas que dele capta forças moleculares para ampliar os limites da terra, na medida em que se desterritorializa seu território e se abre para uma nova terra futura caósmica – energético, informal e imaterial. Se ressexualiza sobre si mesmo, sobre as essências e sobre as lógicas irracionais que descobre, e não mais sobre os objetos e sujeitos que os exprimem em extratos quantificados e territorializados. Não estamos mais na época clássica do território, nem na época romântica da desterritorialziação relativa da terra natal, mas na época moderna em que o molecular se junta ao cósmico no informal (Ibid, pg. 95-96). Se Deleuze admira tanto Simondon, é justamente porque sua teoria da individuação é a exposição sistemática desses pontos: todo processo de individuação é concebido a partir de

um campo pré-individual, pensado como tensão entre disparates, isto é, como problemática, o processo de individuação consiste precisamente numa síntese que integra tal disparação num sistema de ressonância interna. Esse processo vale tanto para os minerais quanto para os vegetais, para os animais como para os psiquismos, para todos os corpos que povoam a Terra. Em toda parte, Ideias como campos pré-individuais problemáticos, em toda parte, corpos que tentam resolver esses problemas em função da distribuição de seus potenciais e das singularidades que os afetam, dos encontros que redistribuem essas potencias, segundo espaços-tempos variados (Ibid, 2015, pg.117).

Considerações Finais A questão portanto é, em quais sentidos podemos pensar quando falamos em “captura” ou “agenciamento” desse processo cada vez mais veloz e estruturante da ‘informação’? Que funciona como chave e ponte, que abre mas ao mesmo tempo estrutura-se em ‘canais’ fixos e molares, as subjetividades do navegantes. O excitamento ilusório do capitalismo através um simulacro de auto-valoração do ego, uma ideologia de cooperação que vende uma iniciativa subjetiva, empreendedora da liberação mas que na verdade apenas vampiriza a invenção biopotente. A cooperação pode realmente estar fora e criar ciclos de valoração autônomas do ciclo de valoração do capital? (Toscano, 2007, pg. 80). Trata-se de descrever e analisar processos que relacionam a dialética das ideias e a estética das intensidades, tal é o processo da individuação. Individuação esta que entra em um novo ciclo de uma auto-escrita ontológica e maquínica. As redes digitais estratificadas pelas grandes determinações molares, fazem uso de máquinas digitais de escrita para registrar e divulgar informações, mas também para alimentar essas máquinas que nos escrevem em ‘scripts’ de algoritmos, distantes do nosso conhecimento e controle. Quando a escrita no ambiente da rede digital se torna executável, assume a forma de matéria-prima para os mecanismos de comando e controle cibernéticos com base em traços de movimentos e hábitos das pessoas. Foucault observou que o que está em jogo é o ethos filosófico de ontologia histórica de nós mesmos. Como pode o crescimento das capacidades ser desconectado da intensificação das relações de poder? (FOUCAULT, 1997, pg. 317). Sua pergunta é especialmente pertinente para as possibilidades de práticas éticas de auto escrita nas sociedades em rede. Dinâmicas, conflitos e sobreposições potentes desses extratos culturais, de formas e de estilos

de vida, de uma multiplicidade de hipóteses e de projetos sobre o futuro. Era necessário olhar esta complexidade, esta microfísica de potências para se pensar em processos de aprendizagem e transferência técnico-social mais democráticos – Nano-políticas? Realmente, não se trata apenas da inserção de tecnologia enquanto produto final na vida das pessoas, mas do como essa tecnologia é criada, de como ela é gestada, e como se dá a resolução dos problemas em sua forma embrionária, considerando variáveis micro e macroscópicas. Mais profundamente, como esses problemas podem ser trabalhados na formação cognitiva e inventiva das pessoas, sendo autônomas em criar coletivamente novos ciclos de valoração e linguagem. As três sínteses são três modos de temporalização da experiência humana. Nesse sentido, não há tempo, só ‘fabricações de tempo’ em função dos ritornelos, dos ritmos que somos, ritmos de duração que não são nada além de sínteses, a menos que uma deles leve a sensibilidade e o pensamento para além de toda duração, para um tempo puramente lógico e um mundo caosmológico – tendo-se esses aspectos do Ritornelo como os três sentidos do ‘povoamento’ e ‘habitação’ dos respectivos territórios, da Terra e enfim como nova Terra (LAPOUJADE, 2015, pg. 97-98). Todavia, se sabemos o que afeta os corpos para que se constituam, e se podemos descrever a ação da ideia sobre eles, ainda não sabemos como a Ideia age sobre o pensamento, como ela afeta o pensador, Ideologia? A intensidade é a Diferença captada ao nível estético. Mas ao nível dialético, será que a Diferença não recebe um outro nome? Há no âmago do pensamento algo que o violenta e que corresponde à intensidade que atravessa os corpos. Uma espécie de buraco, de fissura a partir da qual o pensamento se engendra? Conhecemos a resposta: é o não-sentido (ou o para-sentido). Mas ainda não sabemos muito pouco do sentido e do nãosentido (Ibid, 2015, pg. 119).

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