MENEZES, V. H. S.; GARRAFFONI, R. S. A Arqueologia e o estudo dos gladiadores da Roma Antiga, uma conversa com a professora Renata Senna Garraffoni (2014)

July 5, 2017 | Autor: V. Menezes | Categoria: Roman History, Cinema, Graffiti, Arqueología, Gladiators
Share Embed


Descrição do Produto

A Arqueologia e o estudo dos gladiadores da Roma Antiga, uma conversa com a professora Renata Senna Garraffoni.

Entrevistada:

Renata

Senna

Garraffoni



Professora

da

Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desenvolve pesquisas na área de História, com ênfase em História Antiga, com atuação principalmente nos seguintes temas: antiguidade clássica, cultura popular, cultura material e literatura latina, gladiadores romanos e releituras do mundo antigo na modernidade. Atua no Centro de Pensamento antigo (CPA) e Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e, é membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC), Associação Nacional dos Professores de História (ANPUH), Roman Society for Classical Studies e World Achaeological Congress (WAC). Contato: [email protected]. Entrevistador: Victor Henrique S. Menezes – Graduando em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), produtor do Programa Diálogo Sem Fronteira da RTV/Unicamp, e, estagiário do Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/Unicamp). Contato: [email protected].

INTRODUÇÃO Para comemorar a 50ª publicação do Laboratório Virtual de Arqueologia Pública, blog criado pela equipe do LAP/NEPAM/Unicamp, o então editor da página, Victor Menezes, realizou uma entrevista com a Dra. Renata Senna Garraffoni, estudiosa da cultura material do Mundo Antigo, em particular do Império Romano. A entrevista se propõe a tratar dos estudos acerca da Antiguidade que se utilizam não apenas das fontes escritas tradicionais, mas também da cultura material e de fontes ditas populares, como as inscrições parietais da cidade de Pompeia. Ao longo da entrevista, a Profª. Garraffoni fala um pouco da sua trajetória como pesquisadora, defende a importância da Arqueologia, apresenta novas perspectivas acerca dos estudos dos gladiadores da Roma Antiga, e dá sua opinião sobre temas como as representações da antiguidade em obras literárias e cinematográficas contemporâneas.

ENTREVISTA

ENTREVISTADOR: Para começar, agradeço à professora por ter aceitado o convite para participar desta entrevista, e, gostaria que falasse um pouco acerca da sua trajetória como estudiosa da cultura material, e em particular, do mundo antigo. Quais foram os caminhos que te levaram a realizar pesquisas na área de Arqueologia? RENATA GARRAFFONI: Sou eu quem agradece a oportunidade de comentar um pouco sobre minha trajetória. Quando eu comecei o curso de História na Unicamp em 1993 já gostava muito de História Antiga. Depois de ter feito a disciplina com o professor Pedro Paulo Funari, fiquei pensando como poderia estudar mais sobre os romanos. Fui conversar com ele, pois tinha gostado muito de ler o Satyricon do Petrônio. O professor me indicou a leitura das Metamorfoses de Apuleio, que também me interessou muito. Com as leituras dos textos, selecionamos o tema – transgressões sociais – e o professor me sugeriu que eu fosse aprender latim e outro idioma moderno, já que eu dominava o inglês. Fiz todo o curso de latim oferecido pelo IEL e o de alemão do CEL/Unicamp junto com a graduação. Durante essa época eu tive bolsa de IC do CNPq/PIBIC e, depois, da Fapesp. Quando me formei, segui direto para o mestrado e duas coisas importantes aconteceram: antes de iniciar o mestrado fiz uma viagem de quarenta dias para a Europa e li um livro de Wiedemann sobre os gladiadores. Com a viagem a Europa eu pude trabalhar em Barcelona junto ao pessoal do CEIPAC, dirigido pelo professor Remesal, por vinte dias, além de ir com alguns membros do grupo a Tarragona, quando visitei pela primeira vez uma cidade romana. A experiência de laboratório e a ida a Tarragona e, depois a Roma nessa mesma ocasião, fez com que tivesse um contato intenso com a cultura material e isso modificou radicalmente minha visão com relação à sociedade romana, que, até então, eu conhecia via historiografia e literatura. Ao voltar ao Brasil, fiz o mestrado sobre banditismo a partir da literatura, ainda com base nessas obras que mencionei, mas ao ler o livro do Wiedemann passei a me interessar pelos gladiadores. Assim, quando ingressei no doutorado em 2000 na Unicamp, já tinha definido o novo tema: os gladiadores e a visão das pessoas comuns. Com isso eu me dediquei à arqueologia clássica, já que os textos nos traziam as reflexões dos membros da aristocracia e a cultura material poderia ampliar as visões sobre as lutas de gladiadores. Tanto o mestrado como o doutorado foram financiados pela FAPESP, então,

como tive bolsa de doutorado por quatro anos (na época eram quatro anos) eu pude ir duas vezes a Europa: uma estada mais longa para o doutorado-sanduíche (fiquei em Barcelona, mas também fiz trabalhos na Itália - Roma e Pompeia-, Alemanha - pesquisa e conversas com o professor Alföldy em Heidelberg - e Inglaterra – pesquisa na Roman Society for Classical Studies) e outra mais curta quando pude fazer trabalho de campo em Segóbriga, na Espanha. Desde então trabalho em uma perspectiva que busca pensar como relacionar cultura material e textos nos trabalhos que desenvolvo.

E. Como você define Arqueologia e qual a sua importância para as pesquisas acerca do mundo antigo, e em especial, da Roma Antiga? R.S.G.: Eu entendo a Arqueologia como uma disciplina com características próprias, independente da História. Isso é importante por que eu não uso a cultura material para comprovar o que está nos textos ou vice e versa. Eu entendo que para estudar a cultura material temos conceitos e teorias próprias da Arqueologia, assim como da História para os textos. Essa percepção me leva a trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar na qual a cultura material é fundamental para pluralizar nosso conhecimento sobre a Roma Antiga, pois se independe dos textos, pode nos abrir espaço para pensar aspectos das vidas dos romanos de maneira mais ampla e plural. Peter Ucko, arqueólogo britânico e fundador da WAC, afirmou na década de 1980 que a arqueologia democratiza nossa visão sobre o passado. Essa afirmação me inspira na medida em que me faz pensar sobre como construímos o conhecimento sobre o passado e aquilo tudo que deixamos de fora quando olhamos somente um tipo de documentação. Pluralizar os modelos interpretativos é hoje, portanto, uma das minhas preocupações centrais.

E: Você poderia nos falar um pouco acerca dos gladiadores da Roma Antiga? Quem eles eram? O que faziam? Quais contribuições as pesquisas arqueológicas podem trazer para o estudo dessas personagens?

R.S.G.: Tito Lívio menciona em sua obra Ab urbs condita que a primeira luta de gladiadores teria ocorrido em 264 a.C. e sabemos, pelo Código de Teodosiano, que elas teriam sido proibidas em 438 d.C. Nesse contexto, são muitos séculos em que as lutas ocorreram e quem eram os gladiadores varia muito dependendo do momento histórico. Podem ter sido prisioneiros de guerra, escravos, condenados por alguns tipos de crimes, mas no auge do Império romano, muito cidadãos livres abriram mão de sua cidadania temporariamente, se tornaram escravos, para lutar nas arenas. Ou seja, há períodos em que os gladiadores são escravos ou criminosos, há períodos que poderíamos dizer que são profissionais. Mas o que é importante é que no momento que se tornam gladiadores, são também escravos. No período Imperial há relatos de mulheres que lutaram nas arenas também, os registros são poucos, mas há. A arqueologia, por meio da cerâmica, epigrafia (estudo das inscrições), pinturas de parede, arquitetura de anfiteatros, mosaicos, entre outros, nos ajudam a compreender melhor a estrutura dos espetáculos, suas formas de organização, significados sociais e culturais, bem como ajuda a focar nos dados biográficos sobre os gladiadores. Os textos praticamente não mencionam quem eles eram, mas pelas lápides ou inscrições de parede em Pompeia (que eu me dedico a estudar) temos vários dados sobre suas vidas, seus amores, suas famílias e amigos. Isso nos permite

pensar

sobre

suas

origens étnicas, deslocamentos pelos territórios romanos, sobre fragmentos de suas vidas e os humaniza.

E: Pode-se dizer que há semelhanças entre as estruturas dos anfiteatros romanos (um dos locais onde ocorriam os jogos de gladiadores) e os estádios de futebol contemporâneos? R.S.G.: Como comparação arquitetônica até podemos traçar alguns paralelos sim, mas as funções são bem diferentes. Acho importante sempre chamar a atenção para as diferenças,

também, como a presença de lugares para prender as feras, por exemplo, que participariam das caçadas.

E: Com o lançamento do filme “Gladiador” (2000) de Ridley Scott, e mais recentemente do seriado “Spartacus” (2010-2013) da Starz, o tema dos jogos de gladiadores tem aparecido com frequência na mídia, construindo diversos imaginários acerca do gladiador e da sociedade que o produziu, bem como, inspirando histórias que se tornam best-sellers mundiais, como é o caso da trilogia “Jogos Vorazes” (2008-2010), da escritora americana Suzanne Collins. Como a professora avalia essas representações cinematográficas e literárias produzidas por nossa sociedade? R.S.G.: Essas representações estão no contexto da indústria cultural e da mídia, mas são interessantes para estimular os jovens a se interessarem por sociedades de outros períodos. A professora Raquel Funari analisa esse fenômeno em sua tese (publicada como livro) tendo como base o filme Príncipe do Egito. Lá, afirma que é importante estar atento para o cinema e a mídia em geral, pois quase sempre é o primeiro contato dos jovens e das crianças com a antiguidade, antes do estudo formal. Como estudiosa do mundo romano, também acho interessante analisar essas produções, em especial enfocando as relações entre passado e presente e que tipo de passado os meios de comunicação constroem. Abordagens críticas sobre essas produções têm ganhado espaço no meio acadêmico, então, sou otimista com relação a elas, pois se em um primeiro momento aproximam as pessoas do mundo antigo, por outro, abordagens críticas podem levar a questionamentos sobre várias dimensões do cotidiano, inclusive da própria construção da mídia. Acho que quanto mais difundirmos no Brasil estudos sobre os usos do passado e recepção dos clássicos e antigos, mais condições as pessoas terão de dialogar com essas produções e pensar sobre elas.

E: Agora, para finalizar: aos nossos leitores que tiverem interesse em desenvolver pesquisas na área de Arqueologia no Brasil, e em especial, voltadas aos estudos de Roma Antiga, quais são os possíveis caminhos a percorrer?

R.S.G.: Há vários caminhos. Os/As interessados/as podem começar pelo curso de História, como eu fiz, se especializando mais adiante. Hoje em dia temos muitas possibilidades de bolsas para intercâmbio tanto na graduação como na pós, assim como temos também cultura material de origem grego-romana no Museu Nacional do Rio de Janeiro ou no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP. O LAP na Unicamp, assim como o MAE na USP, é um centro formador, além disso, temos estudiosos da arte e cultura material em várias universidades do país. Uma sugestão é quando a pessoa for prestar vestibular, buscar nos sites das universidades informações sobre o corpo docente e sua formação. As pessoas vão descobrir que há muitos estudiosos da arqueologia egípcia, romana e grega pelo Brasil, a maioria concentra-se na região sudeste, mas temos professores no sul e nordeste, também. Estão todos convidados a estudar, temos sempre muito trabalho a fazer! Toda a equipe do Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/Unicamp) agradece a entrevista concedida…

Batalha entre gladiadores e feras, 320 d.C. Mosaico Roman0 (4 º século dC) / Galleria Borghese, em Roma, Itália / Alinari / Bridgeman Imagens

Fonte dos grafites: Langner, M., (2001) Antike Graffitizeichnungen – Motive, Gestaltung und Bedeutung, Wiesbaden.

PARA SABER MAIS FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia. Editora Contexto: São Paulo, 2006. FUNARI, Raquel dos Santos. O príncipe do Egito: um filme e suas leituras na sala de aula. São Paulo, SP; Campinas, SP: Annablume: Editora da UNICAMP, 2012. GARRAFFONI, Renata Senna. Bandidos e salteadores na Roma Antiga. São Paulo, SP: Annablume: FAPESP, 2002

GARRAFFONI, Renata Senna. Gladiadores na Roma Antiga: dos combates as paixões cotidianas. São Paulo, SP: Annablume: FAPESP, 2005. LANGNER, Martin. Antike Graffitizeichnungen – Motive, Gestaltung und Bedeutung. Wiesbaden, 2001.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.