Merchandising Social em Malhação ID: a tentativa de criar modelos de comportamentos através da teledramaturgia

May 31, 2017 | Autor: Mayra Felicori | Categoria: Marketing, Behavioral Sciences, Television
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MAYRA MOREIRA FELICORI

Merchandising Social em Malhação ID: a tentativa de criar modelos de comportamentos através da teledramaturgia

São Paulo FACULDADE CÁSPER LÍBERO 2013

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MAYRA MOREIRA FELICORI

Merchandising Social em Malhação ID: a tentativa de criar modelos de comportamentos através da teledramaturgia

Trabalho de conclusão de curso de PósGraduação lato sensu apresentado à Faculdade Cásper Líbero como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Marketing e Comunicação Publicitária. Orientação: Prof. Dr. Carlos Costa

São Paulo FACULDADE CÁSPER LÍBERO 2013

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Aos meus pais, Cristina e Ricardo, que me ensinaram o valor da vida. Ao meu namorado, Milton, que sempre acreditou em meu potencial. A Deus, que me deu saúde e força para correr atrás de meus objetivos.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Carlos Costa, que me guiou durante esse trabalho.

Ao professor Luís Mauro Sá Martino, que me ajudou no desenvolvimento do projeto e no amadurecimento do tema.

Aos professores da graduação e da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, que me transmitiram conhecimento e foram responsáveis pela minha formação profissional.

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“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.” (Raul Seixas)

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RESUMO

Há alguns anos, a Rede Globo de Televisão tem adotado o uso da técnica merchandising social para colocar em pauta temas polêmicos de cunho educativo em suas telenovelas. Segundo a emissora, essas inserções procuram promover princípios éticos e incentivar o comportamento adequado. Mas, além disso, essas ações são responsáveis por reger os valores da sociedade e criar modelos de comportamentos apresentados como politicamente corretos e aceitáveis. O presente trabalho tem como objetivo analisar as inserções de merchandising social de algumas cenas de Malhação ID e identificar como elas tentam estereotipar a juventude através da manipulação persuasiva do telespectador.

Palavras-chave: Merchandising Social. Malhação. Modelos de comportamento. Criação de estereótipos. Técnicas de persuasão.

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ABSTRACT

A few years ago, the Globo Television Network has adopted the use of social merchandising technique to put in her novels controversial issues about education. According to the company, these inserts try to promote ethical principles and encourage appropriate behavior. But, in addition, these actions are responsible for governing the values of society and to create models of behavior presented as politically correct and acceptable. This paper will analyze the social merchandising inserts in some scenes of Malhação ID and identify how they try to stereotype teenagers through persuasive manipulation of the viewer.

Keywords: Social Merchandising. Malhação. Models of behavior. Stereotyping. Persuasion techniques.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO......................................................................................................... 09

1. A CRIAÇÃO DE MODELOS DE COMPORTAMENTO................................. 12 1.1 O poder do reforço................................................................................................ 12 1.2 Punição e extinção: enfraquecendo a constante comportamental......................... 14 1.3 A manipulação por modelagem............................................................................. 16 1.4 Estereótipos e Televisão........................................................................................ 17

2. TELENOVELA: HISTÓRIA E ESTRATÉGIA.................................................... 20 2.1 A origem da telenovela.......................................................................................... 21 2.1.1 A telenovela diária.............................................................................................. 22 2.2 Estratégias de sedução: a repetição e o corte......................................................... 25 2.3 Teledramaturgia como vitrine social: o consumo de bens materiais e simbólicos 27

3. MERCHANDISING SOCIAL................................................................................. 29 3.1 O conceito de Edutainment.................................................................................... 29 3.2 Merchandising Social na Rede Globo.................................................................... 32 3.3 Esquemas básicos de persuasão: técnicas para influenciar pessoas....................... 36

4. MALHAÇÃO.......................................................................................................... 38 4.1 Principais Abordagens e Estrutura Repetitiva........................................................ 39 4.2 Estudo de caso: Malhação ID................................................................................. 44 4.2.1 História de Malhação ID..................................................................................... 45 4.2.2 Merchandising Social em Malhação ID.............................................................. 46 4.2.2.1 Análise do Objeto: Metodologia e Resultados................................................. 46

5. AS OITO CENAS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.......................................... 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 72

REFERÊNCIAS............................................................................................................. 74

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INTRODUÇÃO

“A sociedade vive em estado de televisão”. Essa frase, escrita por Beatriz Sarlo no livro Cenas da Vida Pós-Moderna, retrata com clareza o significado da TV no mundo atual. Segundo o IBGE, em 2009, 96% dos domicílios brasileiros possuíam pelo menos um aparelho televisivo em casa. A importância desse eletroeletrônico torna-se ainda mais nítida quando comparamos seu índice ao de geladeiras, que fica atrás com 93,9%. Ou seja: o ser humano prioriza o entretenimento ao armazenamento duradouro de comida. É preciso ver a novela das oito, mesmo que o leite das crianças amanheça azedo. Justo, já que após um dia exaustivo de trabalho, Marias1 querem mesmo deleitar-se no sofá enquanto emocionam-se com o primeiro beijo de Helena2. Elas são bem mais do que meras telespectadoras, elas são amigas, que estão lá todas as noites ouvindo confidencias dos mocinhos e rogando praga aos vilões. Esse fenômeno acontece porque “o público fala de igual para igual com as estrelas, dirige-se a elas pelo primeiro nome, confia nelas porque estão eletronicamente próximas e porque as estrelas, em vez de basearem seu carisma na distância e na indiferença, procuram-no na proximidade de ideologia e sentimentos” (SARLO, 2004:. 77). Com os adolescentes, o fenômeno “assistir TV” não é diferente. Esse meio audiovisual ocupa um lugar importante na vida cotidiana dos jovens, sendo fonte de informação para “saber quem é quem” na sociedade e se inteirar sobre os comportamentos que estão na moda 3. A moda, aliás, dita as regras nessa “Geração Vaidade”

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que pondera minuciosamente o que

vestir, como falar e até com quem andar5. Tamanha “necessidade estética” é incentivada pela televisão, já que “as formas de conduta juvenis valoradas pela mídia como propriamente prazerosas incluem o perfilhamento sensato com a moda e a salutar e socialmente recompensadora preocupação com a aparência” (FREIRE FILHO, 2008, p. 52).

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O nome Maria foi utilizado como ilustração da mulher brasileira, já que esse é um dos nomes mais populares dentre a população feminina do país. 2 Helena faz referência as protagonistas do dramaturgo Manoel Carlos, que por tradição são conhecidas por esse nome nas telenovelas do autor. 3 MARTÍN-BARBERO, Jesús. “A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecnicidades e subjetividades entre os jovens”. In: BORELLI, S. H. S. e FREIRE FILHO, J. (orgs.). Culturas Juvenis no século XXI. São Paulo, Educ, 2008, p.14. 4 FREIRE FILHO, João. “Retratos midiáticos da nova geração e a regulação do prazer juvenil”. In: BORELLI, S. H. S. e FREIRE FILHO, J. (orgs.). Culturas Juvenis no século XXI. São Paulo, Educ, 2008, p.44. 5 O termo “andar com” é utilizado por adolescentes para especificar de qual tribo ele faz parte e, também, para distinguir seu grupo dos demais.

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Dentre os programas assistidos pelos adolescentes brasileiros, o folhetim “Malhação”, exibido pela Rede Globo de Televisão, ocupa uma respeitável posição há quase duas décadas. A série estreou em 1995 com o intuito de abordar questões pertencentes ao universo jovem, tais como a iniciação da vida sexual, o relacionamento com os pais e amigos e as dificuldades em relação à escolha do futuro profissional. Da primeira à quarta temporada, a trama passavase em uma academia de ginástica. Após uma reformulação, os halteres foram substituidos por cadernos e a jornada dos garotos mudou-se para um colégio de ensino médio, ambiente no qual o público-alvo familiarizava-se melhor. Desde o início de sua exibição, “Malhação” trouxe a público temas polêmicos de relevância social. As diversas campanhas realizadas pela série, tais como o incentivo ao uso de camisinha e a prevenção às drogas, fazem parte de um programa de ações socioeducativas implantados na emissora chamado merchandising social. Segundo o relatório “Balanço Social”6 divulgado pela TV Globo, em 2010, suas novelas exibiram um total de 837 cenas de merchandising social, compostas por conteúdos que buscam entreter por meio da ficção, mas que contribuem para a difusão de informação e conhecimento, promovendo valores éticos e estimulando a reflexão sobre questões importantes7. Dessa forma, a principal rede de televisão do país procura combater o comportamento inadequado do indivíduo e incentivar a prática do que é correto. Mas o que é correto segundo quem? Tais “serviços prestados à sociedade” são responsáveis por dialogar e, por vezes, guiar o senso comum vigente na atualidade. Neste contexto, o presente trabalho pretende discutir até que ponto a Rede Globo de Televisão usa o artifício merchandising social para promover modelos de comportamento responsáveis por criar estereótipos de uma adolescência ideal. O primeiro capítulo desta pesquisa tem como objetivo demostrar de que maneira comportamentos são criados. Para isso, apresentaremos algumas técnicas utilizadas tanto para incentivar quanto para reprimir atitudes. Veremos que, através do reforço, da punição e da extinção, a conduta humana pode ser manipulada de forma quase inconsciente, já que as associações aprendidas através da observação de modelos são feitas, por nós, naturalmente. Além disso, veremos como a televisão tem influência na construção de padrões e possíveis regras que regem a sociedade atual. No segundo capítulo do trabalho, a história da telenovela será relembrada através da apresentação de acontecimentos importantes que marcaram a tradição dramatúrgica no Brasil

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Relatório de Balanço Social 2010 da Rede Globo, p. 20-21. Relatório de Balanço Social 2009 da Rede Globo, p. 20.

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e no mundo. Duas técnicas de sedução deste formato televisivo – a repetição e o gancho – serão expostas e veremos, também, como a novela é responsável, nos dias de hoje, pela venda de bens materiais e simbólicos. No terceiro capítulo, o conceito de merchandising social será explicado, além de sua origem e de sua aplicação no país através das novelas da Rede Globo. Apresentaremos, também, algumas técnicas de persuasão usadas pelos meios de comunicação para influenciar, de forma discreta, a população. No quarto e último capítulo desta pesquisa, o foco será em nosso objeto de estudo: a 17ª temporada de Malhação. Após traçar um panorama geral da série, alguns capítulos e cenas específicas serão analisados em diversos aspectos. Através de uma análise quanti e qualitativa, pretendemos, enfim, demonstrar como técnicas persuasivas de controle comportamental tentam estereotipar a juventude brasileira.

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1. A CRIAÇÃO DE MODELOS DE COMPORTAMENTO

Neste

capítulo,

discutiremos

como

é

possível

criar

modelos

de

comportamento através da televisão. Para isso, apresentaremos alguns métodos de controle da conduta humana: o reforço, a modelagem, a punição e a extinção. Além disso, trabalharemos com a hipótese de que a telenovela é capaz de estabelecer estereótipos sociais que influenciam diretamente a população espectadora, usando como método para o sucesso desse fenômeno a linguagem sedutora e persuasiva. Segundo Skinner (REESE, 1975, p. 14-15), psicólogo americano que é referência em ciência comportamental, existem duas espécies de comportamento: o respondente e o operante. O comportamento respondente é a consequência direta de algum estímulo - atos de respostas fisiológicas do organismo humano. Como exemplo, observamos a transpiração do corpo quando está calor, ou o balançar da perna devido a uma batida no tendão patelar. Esse comportamento é controlado por seus antecedentes, pois o estímulo sempre precede a resposta. No comportamento operante, o cenário se inverte, já que ele é controlado por suas consequências. Estas consequências, que fortalecem ou enfraquecem o comportamento operante, são chamadas de reforços.

1.1 O poder do reforço

Segundo Reese (1975), “o reforço é qualquer evento que aumenta a força de qualquer comportamento operante”. Esses eventos, denominados consequências, são responsáveis pelo aumento da probabilidade de uma determinada ação voltar a ocorrer. Uma demonstração típica deste conceito foi realizada com ratos em um experimento laboratorial. Primeiramente, mediu-se a frequência em que um rato pressionava uma barra de ferro em sua gaiola. Após um tempo, as condições foram alteradas e, à medida que o rato pressionava a barra de ferro, um grão de ração era expelido e liberado para sua alimentação. Notou-se, então, que o rato aumentou consideravelmente o número de vezes em que apertava a barra, já que um “prêmio” (o alimento) era oferecido em consequência deste comportamento. Chamamos esse “prêmio”, então, de reforço, já que ele fortalece a frequência das respostas esperadas. Essa técnica é

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fartamente utilizada no adestramento de animais, já que a recompensa – biscoitos, por exemplo – é oferecida em troca de um “senta, rola ou dá a pata”. Engana-se quem acredita que as teorias de análise comportamental restringem-se a laboratórios e animais. É possível observar o poder do reforço nas mais diversas situações do dia-a-dia. O caso das crianças birrentas é tipicamente usado como exemplo dessa condição, já que muitos pequenos são extremamente hábeis em controlar o comportamento dos pais. Quando eles querem alguma coisa e os pais não dão, começam a chorar e fazer birra. Os pais que, ao verem tal comportamento, cedem e realizam de prontidão o desejo da criança, estão reforçando aquele comportamento. Dessa forma, toda vez que o filho quiser alguma coisa, ele vai repetir aquela ação que lhe gerou frutos positivos no passado, ou seja, a birra. Os reforços estudados por Skinner podem ser classificados em dois tipos: positivos e negativos. O reforço positivo ocorre quando a ação de uma pessoa é seguida pela adição de uma consequência que aumenta a probabilidade de ocorrência do comportamento ao qual for contingente. O reforço negativo, ao contrário, surge quando o indivíduo, ao se comportar, retira ou elimina algo desagradável de seu ambiente, ocorrendo, também, desta forma, uma probabilidade de aumento na frequência posterior daquele comportamento (BOLSONI-SILVA; MARTURANO, 2002, p. 230).

Na abordagem do reforço positivo, temos como exemplo a comida que leva o rato a pressionar a barra, ou o brinquedo que leva a criança a parar de fazer birra (como vimos anteriormente). Em ambos os casos, algo é adicionado no ambiente para o comportamento ser reforçado. Já no reforço negativo, o cenário se inverte, pois algo é retirado do ambiente, como por exemplo, uma dor de cabeça. No momento em que tomamos um analgésico, a cefaléia – algo desagradável no ambiente – desaparece. Dessa forma, usaremos sempre (aumento da frequência) o remédio (comportamento) para a dor desaparecer (reforço negativo). Outros exemplos deste tipo de estímulo são: colocar óculos de sol para evitar a luminosidade na retina, ou passar protetor solar para evitar queimaduras. É importante notar que, nos exemplos acima, os comportamentos tiveram suas frequências aumentadas. O reforço negativo, assim como o positivo, é um tipo de consequência que incentiva o comportamento a ocorrer novamente. Quando a intenção é diminuir ou eliminar a ocorrência de determinadas ações do indivíduo, outros métodos de controle comportamental são utilizados: a punição e a extinção.

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1.2 Punição e extinção: enfraquecendo a constante comportamental

Muitas vezes, quando pais querem que os filhos deixem de jogar bola dentro de casa, eles lhes dão um castigo. Esse castigo, em termos científicos do condicionamento operante, é denominado punição. Segundo Skinner, “a punição destina-se a eliminar comportamentos inadequados, ameaçadores ou, por outro lado, indesejáveis de um dado repertório, com base no princípio de que quem é punido apresenta menor possibilidade de repetir seu comportamento” (SKINNER, 1983, p. 50 apud MOREIRA, 2007, p. 70). Assim como o reforço, a punição pode ser positiva ou negativa. É importante saber que ambas as punições diminuem a probabilidade de um comportamento inconveniente voltar a ocorrer. A punição positiva adiciona um estímulo aversivo ao ambiente, por exemplo, quando um carro ultrapassa o sinal vermelho, ele é multado e, assim, tende a não infringir mais essa regra no futuro. Na punição negativa, um estímulo reforçador é retirado do ambiente, como quando um pai suspende a mesada do filho devido a uma malcriação. Geralmente, tendemos a acreditar que as punições são unicamente aplicadas por um órgão autoritário, como o governo ou nossos pais. A realidade é que a natureza e até o corpo humano utilizam desse método para “dizer o que querem”. É o caso da ressaca, por exemplo, punição do nosso organismo por termos ingerido uma quantidade indesejada de álcool. A efetividade da punição é questionável quando analisada em longo prazo, pois “um comportamento que outrora fora punido pode deixar de sê-lo e talvez tenha sua frequência restabelecida” (MOREIRA, 2007: 72). Para Skinner, a punição pode reduzir o comportamento inadequado de forma imediata, mas esse resultado não se mantém por muito tempo. Além disso, o autor sugere que a punição caminha juntamente com lamentáveis subprodutos dela mesma, tais como medo, ansiedade e culpa (BOLSONI-SILVA; MARTURANO, 2002, p. 230). Como alternativa ao uso de punição, outro método que viabiliza a redução de comportamentos indesejáveis é utilizado. Esse procedimento é a extinção, que por meio da suspensão do estímulo reforçador, gera a gradual diminuição da ocorrência do comportamento a ser extinto. Ao contrário da punição, o efeito de eliminação do comportamento não é imediato, porém mais duradouro. Infelizmente, ele pode não ser capaz de suprimir eternamente o comportamento reprimido, pois, dependendo da situação, o indivíduo pode voltar a agir daquela forma após um tempo. Vamos exemplificar para tornar a história mais

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clara. Uma garota telefonava para o namorado todos os dias (comportamento) e ele atendia (reforço positivo). Depois de uma briga e do término do relacionamento, a garota continuou telefonando para o namorado (comportamento indesejado), mas ele deixou de atender (eliminação do reforço). Com o tempo, depois de fazer diversas ligações sem sucesso, a garota deixa, gradativamente, de ligar para o ex-namorado. Dessa forma, ocorre a extinção do comportamento dela em relação ao garoto. Pode ser que, em alguma circunstância, tal como saudade, ela venha a ligar para ele no futuro. Esse fator, a “recaída”, é imprevisível e dificilmente controlável. Por isso, então, que a extinção não é cem por cento garantida na posteridade. Além de diminuir a frequência da resposta até o nível operante, a extinção produz, também, outros três efeitos (MOREIRA, 2007, p. 58-59). São eles:  Aumento na frequência da resposta no início do processo de extinção: antes do comportamento começar a ser extinto, sua frequência aumenta abruptamente. Por exemplo, quando o ex-namorado da garota não atendeu a ligação, ela continuou tentando falar com ele até seu esgotamento. Dessa forma, o número de chamadas aumenta antes de diminuir.  Aumento na variabilidade da topografia (forma) da resposta: no início do processo de extinção, a forma como o comportamento estava sendo emitido começa a modificarse. A garota do exemplo, ao não conseguir falar com o ex-namorado, procura novas formas de tentar obter sucesso, como, possivelmente, ligar de outro telefone para o garoto não saber que é ela através do identificador de chamadas.  Eliciação de respostas emocionais: após a extinção do comportamento indesejado, alguns sintomas sentimentais são exacerbados, tais como a raiva, irritação e frustração. Basta pensarmos na situação da garota que, ao tentar inúmeras vezes falar com o exnamorado sem sucesso, sente-se decepcionada.

Notamos, então, que a extinção possui fatores positivos e negativos quanto à velocidade da resposta imediata e a efetividade da manutenção do comportamento em longo prazo. Uma opção é “usar, simultaneamente à extinção, reforçamento positivo para aumentar ou instalar

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comportamentos

incompatíveis

com

aqueles

indesejáveis”

(BOLSONI-SILVA;

MARTURANO, 2002, p. 230). Vimos, até agora, como as consequências afetam os comportamentos, incentivando ou reprimindo sua frequência através do reforço, da punição e da extinção. A seguir, analisaremos como um novo comportamento passa a fazer parte do repertório pessoal de uma pessoa.

1.3 A manipulação por modelagem

Joan Ferres, em seu livro “Televisão Subliminar – Socializando através de Comunicações Despercebidas” (1998) defende que a criação de padrões de comportamento se dá através da observação de modelos. Antigamente, as crianças não tinham outras referências além da própria família ou da sociedade em que viviam. Com a chegada dos meios de comunicação, principalmente o cinema e a televisão – que são essencialmente formados por imagens –, as pessoas passaram a apreender os modelos exibidos nessas experiências vicárias. O comportamento humano é estabelecido por diversos fatores. Entre eles, a aprendizagem por modelação tem uma função essencial. Esse processo se dá essencialmente pela observação de modelos, onde é possível prever as conseqüências que podem ter diversas atitudes. Para Ferres, “as conseqüências das respostas observadas atuariam como elementos motivadores, incentivando e legitimando alguns tipos de comportamento e reprimindo outros” (FERRES, 1998, p. 54). Dessa forma, os modelos apresentados na televisão potencializam o pensamento antecipatório, criando expectativas de recompensas positivas para atitudes corretas e antecipando conseqüências negativas para as ações indesejáveis. Com isso, os observadores acumulam um grande leque de formas de agir “certas e erradas”, responsáveis por influenciar diretamente suas decisões futuras. A psicologia social apresenta alguns parâmetros para a efetividade dos processos de modelagem. Abaixo, veremos quais são eles e como eles ocorrem. 

A semelhança do modelo: Os processos de influência social são sustentados por mecanismos de identificação. Quando os indivíduos acham que são parecidos com os modelos, a eficácia é maior do que quando pensam que são

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diferentes. A “Cultura do Espelho”, sugerida por Beatriz Sarlo em seu livro “Cenas da Vida Pós-Moderna”, aborda exatamente esse fenômeno. A televisão busca elementos da realidade para criar seu universo ficcional, já que quanto maior a identificação do telespectador, mais esse vai sentir-se confortável em assistir aquele programa, gerando audiência e fidelização. 

O atrativo do modelo: Alguns estudos demonstram que a beleza de uma pessoa é diretamente proporcional ao seu poder de persuasão. Na televisão, esse fenômeno não é diferente. A atração dos personagens é indispensável para potencializar sua credibilidade e capacidade de influência, já que “quanto mais bonito, mais eu vou querer ser igual a ele”.



Os reforços do modelo: Como falamos anteriormente, a indução a imitar modelos se potencializa ou se inibe ao observar as conseqüências da conduta apresentada. Dessa forma, a apresentação de recompensas (em caso de boa conduta) reforça o processo de influência dos modelos.

Observamos, então, como se dá o processo de criação de comportamentos através da observação de modelos. Abaixo, discutiremos como a televisão, além de influenciar atitudes, é responsável por criar estereótipos que são, na maior parte do tempo, considerados realidade por grande dos telespectadores.

1.4 Estereótipos e Televisão

Ferres (1998) defende que os estereótipos são representações sociais, reiteradas e reducionistas. Segundo o autor,

são representações sociais porque pressupõem uma visão compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social. São reiteradas porque são criadas com base na repetição. São reducionistas porque transformam uma realidade complexa em algo simples (FERRES, 1998, p. 135).

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O autor acredita que, através da reiteração, os estereótipos acabam sendo percebidos como naturais, parecendo, então, não formas de discurso, mas sim de realidade. A televisão é, sem dúvida, um dos maiores criadores de discursos estereotipados. Esses discursos agem diretamente na percepção seletiva, já que pegam uma característica específica e transferem-na para o todo. Dessa forma, o estereótipo criado é, ao mesmo tempo, verdadeiro e falso. Verdadeiro porque se parte de uma particularidade real do grupo, e falso porque se generaliza o grupo no âmbito desse pormenor, esquecendo outras importantes e, por vezes, essenciais características. Assim, uma simplificação é criada. De acordo com Ferres, isso acontece com alguns objetivos precisos. São eles: facilitar a interpretação da realidade, reduzindo a sua ambigüidade e complexidade; oferecer uma avaliação ideologicamente marcada da realidade representada, de acordo com os interesses do emissor; e facilitar os processos de envolvimento emocional pelo receptor. O estereótipo age, então, como um mecanismo de defesa de uma realidade contraditória, contribuindo para a sensação de uma verdade controlada, conhecida e dominada. Alguns grandes estereótipos são reiterados diariamente pela TV. Um deles é o discurso machista, que não aparece diretamente, mas pode ser percebido em diversas dimensões. Na dramaturgia, as mulheres geralmente são retratadas como dependentes, sensíveis, pacíficas, pouco autônomas. Os homens, em compensação, são fortes e indispensáveis na tomada de decisões. Na publicidade e em programas de auditório o machismo é retratado de forma brusca, quando garotas com pouca roupa são usadas como objetos ornamentais. A partir do momento em que este retrato feminino é considerado normal, o papel da mulher na sociedade se reduz a mero elemento decorativo.

Outro grande

estereótipo reforçado pelos meios de comunicação é o da beleza física. A relação entre beleza e bondade é explorada desde a infância, nos contos de fadas em que a princesa é sempre linda e a bruxa má é feia e enrugada. Dessa forma, o ser humano cresce querendo ser bonito. E na televisão, isso não é diferente. Dificilmente vemos atores feios fazendo papéis de protagonistas. Quando o são, sua vitória está geralmente concentrada na superação da feiúra. Um exemplo escrachado exibido no Brasil e no exterior é a novela “Betty, a Feia”, sobre uma garota feia que fica bonita e conquista, assim, o sucesso. A dramaturgia televisiva é responsável por reforçar opiniões e valores estereotipados. Nas novelas, as emissoras tentam criar modelos de comportamentos e estimular atitudes consideradas corretas. No capítulo a seguir, faremos um breve histórico da telenovela no

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Brasil, discutiremos sua importância como elemento cultural, e analisaremos as estratégias persuasivas utilizadas para seduzir o público telespectador.

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2. TELENOVELA: HISTÓRIA E ESTRATÉGIA

A importância da televisão na sociedade brasileira é indiscutível. Para Campedelli (1987), este eletroeletrônico, que chegou ao país em 1950, é o principal meio de entretenimento da sala de estar de nossa nação. Esse fenômeno tornou-se possível, pois “o aparelho oferece uma distração fácil, prática e econômica para o usufruto do lazer, prescindindo o espectador de locomoção e irrompendo instantaneamente em qualquer parte” (CAMPEDELLI, 1987, p. 16). É fato que o conteúdo emitido pela telinha é democrático, já que todos veem os mesmos programas e acompanham as mesmas novelas. Segundo Sarlo (2004), o ser humano se reconhece ao ver, por exemplo, o sofrimento causado por um amor não correspondido na novela das oito. Esse fenômeno é chamado, pela autora, de “cultura do espelho”. Quando o espectador vê algum programa, ele se sente ali. As pessoas entendem os personagens da novela, pois já passaram por situações semelhantes e sabem como é. Assim, todos torcem, choram, riem e suspiram em frente à televisão; todos sofrem com as injustiças da mocinha como se ela fosse velha conhecida; e, de certo modo, todos se sentem iguais às estrelas. Dentre os programas exibidos pela televisão, a telenovela recebe destaque especial quando analisada sob dois aspectos: econômico e cultural. Na primeira abordagem, o sucesso da dramaturgia seriada gera altos índices de audiência, transformando-a em um produto lucrativo, de alto retorno financeiro. Nesse ponto de vista, a TV é consumada em seu puro estado mercadológico, buscando demasiadamente vender produtos e receber milhões em patrocínios. A telenovela é vista, diariamente, por uma imensidão de pessoas. Além de gerar lucro, ela pode reconhecidamente interferir no comportamento, na visão de mundo e na discussão de padrões e hábitos da sociedade. Justamente nesse universo está sua importância cultural. Temas importantes são colocados em debate através da novela, tais como: racismo, independência feminina, corrupção, ética, homossexualismo e uso de drogas. Através dela, a realidade social é colocada em pauta e o povo fala do que vê enquanto vê do que fala. Dessa forma, para fazer uma análise justa sobre o tema, é preciso examiná-lo em seus diferentes aspectos, sem esquecer que “antes de tudo, uma telenovela é entretenimento” (CALZA, 1996, p. 14). Artur de Távola sugere, em seu livro “A telenovela brasileira: história,

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analise e conteúdo”, uma possível fórmula de sucesso em relação à produção e abordagem do gênero: As telenovelas configuram um produto que precisa misturar, dosando, elementos artísticos, mercadológicos, empáticos, permanentes, conteudísticos, formais, impermanentes, novos, culturais, emocionais, racionais, dramáticos, cômicos espetaculares, reflexivos. A fusão de tendências é a sua regra (TÁVOLA, 1996, p. 55).

Neste capítulo, veremos como a telenovela surgiu e foi implantada no Brasil, além de aprofundar a discussão de sua relevância cultural para o nosso país. Em um momento posterior, tentaremos entender o porquê do tremendo sucesso deste formato televisivo, analisando, para isso, as estratégias sedutoras e persuasivas usadas em sua realização.

2.1 A origem da telenovela

A criação da telenovela deu-se através do desenvolvimento da radionovela que, por sua vez, teve sua origem no folhetim. Surgido no século XIX, o folhetim era uma forma de ficção de entretenimento, com histórias do cotidiano das classes baixas e ricas que, ao lerem suas narrativas, se identificavam nas suas personagens. Esse recurso, aliado à forma de contar a historia diariamente, ou seja, em série, recriava o suspense a cada fatia, a fim de manter o leitor curioso e instigá-lo a acompanhar o desfecho da trama (FIGUEIREDO, 2003, p. 26).

Essa fórmula foi criada pelo jornalista francês Èmile de Girardin, a fim de entreter e criar mais consumidores para seu jornal. Desde sua origem, então, a ficção seriada pretendia suprir as necessidades comerciais de seu meio de comunicação. Ou seja, o mérito de atingir grandes públicos com o intuito de venda não é da televisão. O folhetim, incialmente produzido na Europa, foi traduzido para os jornais brasileiros e popularizou-se rapidamente entre as elites sociais. Em pouco tempo, o sucesso foi responsável por aumentar a tiragem dos jornais, dando espaço para escritores contarem suas estórias, que embalavam a imaginação dos leitores do país.

No final do século XIX, o “movimento folhetinesco” entra em

decadência, iniciando um longo período de rompimento com a tradição francesa. Neste período, novas contribuições na forma de contar uma história em partes são feitas no continente americano através do rádio. A radionovela surgiu nos Estados Unidos na década de 30. Os “contos sonoros” eram chamados de soap operas, pois eram patrocinados por empresas de sabão, que investiam no

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formato para atingir as donas de casa, responsáveis por influenciar diretamente nas compras de produtos domésticos. Apesar de possuir traços do folhetim, a soap opera se diferenciava do gênero na condução do núcleo central da trama, como explica Renato Ortiz em seu livro “Telenovela: História e Produção”: (...) contrariamente ao gênero folhetinesco, que se organiza em “próximos capítulos” que anunciam o desfecho final da estória, a soap-opera se constitui de um núcleo que se desenrola indefinidamente sem ter realmente um fim. Não há verdadeiramente uma estória principal, que funcione como fio condutor guiando a atenção do “leitor”; o que existe é uma comunidade de personagens fixados em determinado lugar, vivendo diferentes dramas e ações diversificadas (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989, p. 19).

O sistema radiofônico norte-americano não demorou em ser imitado pelos países latinos, sendo Cuba o pioneiro na reprodução das soap operas. Em 1935, surgiram, em Havana, as primeiras radionovelas locais. Devido à cultura marcante, o país investiu fundo no drama, privilegiando temas relacionados ao ódio, inveja e vingança (FIGUEIREDO, 2003, p. 31). O sucesso da forma e conteúdo da radionovela cubana se expande por toda a América Latina, chegando ao Brasil em 1941. Com uma estrutura comercial mais definida, o sistema radiofônico brasileiro adota a dramaturgia seriada. O momento é de expansão da indústria e da modernidade no país, e o rádio, como veículo de comunicação de massa, tem um papel fundamental na vida dos cidadãos. As radionovelas, inicialmente importadas, tornam-se populares. Aos poucos, autores nacionais assinam as histórias, dando a elas, um tom mais abrasileirado. Dessa forma, “acumula-se um know how sobre a literatura melodramática, que será posteriormente transferido para a televisão” (ORTIZ, 1991, p. 28). A primeira narrativa seriada para a televisão foi ao ar em 1951, apenas 1 ano após a inauguração do veículo no país. Ainda sem ser reconhecida como novela, Sua vida me pertence, escrita e estrelada por Walter Foster, era exibida duas vezes por semana. Devido ao seu sucesso, a ideia de implantar um formato parecido que fosse ao ar diariamente nasceu.

2.1.1 A telenovela diária

A primeira telenovela exibida em formato diário “foi descoberta na Argentina, por Edson Leite, diretor artístico da TV Excelsior, que importou um original de Tito de Miglio,

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em 1963” (CAMPEDELLI, 1987, p. 24). A peça, denominada 2-5499 Ocupado, contava a história de uma presidiária, interpretada por Gloria Meneses, que tinha como par romântico o então estreante Tarcísio Meira. Com o êxito da primeira investida, a TV Excelsior resolveu adaptar mais um original argentino: A moça que veio de longe, história de amor proibido entre dois jovens de diferentes classes sociais. Em 1964, Ivani Ribeiro deu vida à Alma cigana, um texto do cubano Manuel Muñoz Rico, que marcou a estreia da TV Tupi no horário nobre. Ainda no final de 64, a emissora levou ao ar o primeiro grande sucesso de público. Com texto original de Felix Caignet, O Direito de Nascer foi adaptado, no Brasil, por Teixeira Filho e Talma de Oliveira. Na época, o país já contava com 598 mil aparelhos de televisão, o que permitiu uma expressiva audiência da telenovela, levando a produção a realizar uma grande festa de encerramento em São Paulo, no dia 13 de agosto de 1965, e uma no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, no dia seguinte. O estádio superlotado dava uma mostra do incipiente poder das novelas sobre as massas. Numa espécie de neurose coletiva o povo gritava os nomes dos personagens (...) e no tumulto do primeiro grande sucesso que a TV brasileira registrava, a atriz Guy Loup (que depois adotaria o nome de sua personagem Isabel Cristina) chegou a desmaiar ante a emoção. Na verdade, nenhum ator brasileiro, em qualquer época, tivera as honras de tanta ovação” (FERNANDES, 1982, p. 57 apud CAMPEDELLI, 1987, p. 26).

Naquele momento, o formato folhetinesco virou febre nacional. Com uma popularidade inimaginável, os empresários foram incentivados a investir nas tramas televisivas. Na tabela abaixo, podemos observar a crescente presença do formato na programação paulista.

Fonte: ORTIZ, BORELLI, RAMOS. Telenovela: história e produção. SP: Editora Brasiliense, 1989.

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No final da década de 60, uma preocupação em fazer produções dramatúrgicas com uma identidade local surgiu. Era preciso desvencilhar-se dos dramalhões latinos e construir uma novela que abordasse a vida do brasileiro, investindo em problemas corriqueiros e fatos cotidianos daquele povo específico. Nesse contexto, em 1968, Beto Rockefeller foi criada. A obra de Bráulio Pedroso, exibida na TV Tupi, representou um marco das novas produções, pois, além de empregar recursos técnicos do teatro e do cinema, ela contava com o uso do videoteipe, que possibilitou a superação do improviso que caracterizava os programas televisivos. A Rede Globo, criada em 1965, não demorou em aderir à “tendência Rockefeller”, e levar representações da cultura nacional para as telas. Depois de investir, em seus primeiros anos, no gênero conhecido como capa e espada, que retratava melodramas e histórias fantásticas baseadas na literatura estrangeira, no teatro e no rádio; a emissora, em 1969, passa a explorar as temáticas brasileiras com Véu de Noiva e Verão Vermelho. A partir dos anos 70, a telenovela, no Brasil, vira praticamente “global” 8. Apesar de outras emissoras investirem no ramo, elas não conseguem atingir índices de audiência compatíveis com a Rede Globo. Com a consolidação do formato como produto comercial, a emissora institui, gradualmente, horários fixos, após uma avaliação do perfil do público. O horário das 18 horas volta-se para tramas leves e românticas, com diversas histórias de época; o das 19 horas concentra-se na produção de comédias; e o das 20 horas, hoje exibido às 21 horas, explora enredos mais densos.9 A narrativa das telenovelas, ao longo de sua vasta história, tornou-se cada vez mais complexa. Antes focada em uma trama central, hoje ela tem espaço para a exploração de diversas histórias paralelas. O tempo e o aprimoramento técnico fez com que algumas características fossem alteradas, tais como, o número de personagens, a duração dos capítulos e o rigor estético mais apurado devido à implantação do sistema high definition. No entanto, independente dessas mudanças, a principal característica da dramaturgia seriada se manteve inabalada: o poder de agregação social.

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A palavra “global” é usada, nesse caso, em referência à Rede Globo de Televisão, não tendo, assim, relação com a globalização. 9 Informações retiradas do Guia Ilustrado TV Globo: Novelas e Minisséries/ Projeto Memória Globo – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010

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2.2 Estratégias de sedução: a repetição e o corte

Vimos, anteriormente, o sucesso e abrangência da telenovela em território nacional. Nesse momento, tentaremos entender, através da análise de dois recursos específicos, como a dramaturgia televisiva seduz e mantém, diariamente, o telespectador em frente à tela. Figueiredo (2003) acredita que a repetição e o corte são fatores fundamentais para manter o público interessado e fiel. Essas características são denominadas, no universo ficcional, como plot e gancho, respectivamente. Não é segredo que a telenovela usa muito a estratégia repetição em seus diferentes enredos. Vem ano e passa ano, não só os mesmos temas são usados, mas também os mesmos escritores, cenários e atores. Essa tendência é observada, pois (...) a telenovela pede tempo para se fixar na mente e na imaginação do espectador. Ela deve ser, por definição, redundante, repetitiva. Seu público espera isso dela. Não se pode bastar com simples menções rápidas a fatos novos: esses fatos serão mostrados uma e outra vez até que toda audiência tome conhecimento deles. O público sabe o que espera – espera o que sabe. Qualquer novidade é audácia do autor” (PALLOTTINI, 1998, p. 38 apud ARAUJO; CANI; ALVARENGA, 2010, p. 9).

Nesse universo repetitivo, alguns plots10 padrões são inesgotavelmente explorados. Abaixo, temos uma classificação dos mais usuais na ficção do vídeo (CAMPEDELLI, 1987, p. 45):  Plot de amor – um casal que se ama é separado por alguma razão, volta a se encontrar e tudo acaba bem.  Plot de sucesso – histórias de um homem que ambiciona o sucesso, com final feliz ou infeliz, de acordo com o gosto do autor.  Plot cinderela – a metamorfose de uma personagem de acordo com os padrões sociais vigentes.  Plot triângulo – é o caso típico do triângulo amoroso.  Plot da volta – filho pródigo volta à casa paterna, marido que volta da guerra, entre outros.  Plot vingança – um crime (ou injustiça) foi cometido e o herói faz justiça pelas próprias mãos, ou vai à busca da verdade. 10

Plot é o nome técnico adotado para designar qualquer enredo da dramaturgia televisiva.

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 Plot conversão – converter um bandido em herói, ou uma sociedade injusta em justa.  Plot sacrifício – um herói que se sacrifica por alguém ou por alguma coisa.  Plot família – mostra a relação entre famílias e grupos, abordando o lado bom e as dificuldades.

É importante destacar que as telenovelas são multiplot, ou seja, tratam sempre de no mínimo três dos grandes temas vistos acima. Dessa forma, elas entrelaçam as mesmas fábulas a cada estreia, estendendo, por quase um ano, muitas vezes as mesmas histórias vistas no ano passado. Sarlo (2004) acredita que esse universo conhecido gera uma sensação de bem estar no telespectador, fazendo-o acompanhar, assim, dia-a-dia, as angústias daquela trama que ele tem certeza que acabará bem no final. “A repetição é uma máquina de produzir uma suave felicidade, na qual a desordem semântica, ideológica ou experiencial do mundo encontra um reordenamento final e remansos de restauração parcial da ordem” (SARLO, 2004, p. 63). Dessa forma, como, na vida real, muitas vezes o público não sabe o que vai acontecer, ele se conforta ao saber que, ao menos na ficção, há um controle. Outra técnica utilizada para prender o espectador é gancho, corte de cenas em momentos clímax que incitam a curiosidade de quem está assistindo. Segundo Costa (2000), existem dois tipos de gancho. O primeiro é mais lento e sutil e nem sempre de iniciativa do autor. Muitas vezes resulta do trabalho do diretor no comando das câmeras que gravam a cena, ou do editor que cria as sequências. O gancho entre blocos exige mais suspense e tensão, pois é aquele que separa a ficção da publicidade, havendo necessidade de criar maior impacto e maior envolvimento no público. O gancho que encerra o capítulo é o clássico, aquele que interrompe a ação, sugere perguntas, tensiona o público e cria projeções para o dia seguinte” (COSTA, 2000, p. 175-176).

Dessa forma, os ganchos são estrategicamente usados em idas aos intervalos comerciais, para que o público não arrisque mudar de canal e perder a continuação daquela cena; e nos finais dos capítulos, para garantir que, faça chuva ou faça sol, o espectador estará, no outro dia, em frente à televisão para assistir a novela. Abaixo, observamos um esquema da modulação dos ganchos na telenovela, dividido entre os meses de exibição, os dias da semana e os blocos.

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Fonte: Costa, Cristina. A Milésima Segunda Noite. SP: Annablume, 2000.

O gancho cumpre, na telenovela, seu papel comercial e narrativo. Considerado “marketing do imaginário”, esse recurso interrompe a história em seu ponto mais interessante para que o espectador faça a projeção do futuro, envolvendo-o emocionalmente e conquistando, assim, um público interessado e potencialmente fiel.

2.3 Teledramaturgia como vitrine social: o consumo de bens materiais e simbólicos

A telenovela faz, comprovadamente, parte da vida dos brasileiros, visto seus altos índices de audiência e influência direta nos atos cotidianos da população. Para Figueiredo (2003), a televisão cria uma realidade espetacular que padroniza gostos e comportamentos através da neutralização das referências do telespectador. Dessa forma, o meio torna-se uma

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vitrine social, que reflete não só as tendências no modo de falar e se vestir, mas também no modo de pensar e agir. Para Castro, “a telenovela é um espaço privilegiado de geração de novos estímulos e de consagração de conceitos, imagens e marcas, o que justifica a intensa associação da televisão com o meio publicitário” (CASTRO, 2005, p. 8). O potencial mercadológico deste gênero é explorado, desde 196911, pelo merchandising comercial. A técnica, que consiste em inserir sutilmente o uso de produtos de marcas específicas nas cenas das novelas, tem forte presença na televisão brasileira e é responsável por financiar os custeios da produção dos capítulos, além de gerar lucro extra para os atores que realizam a ação. Trindade (1999) acredita que a repercussão direta da telenovela nos hábitos de consumo do telespectador é responsável pela valorização e efetivação da técnica na ficção seriada brasileira. Há alguns anos, notamos que a dramaturgia não é usada apenas para divulgar bens que estimulam o consumo direto da população. Por estar inserida num meio de comunicação, a telenovela, como produto da indústria cultural, também pode difundir através de sua mensagem, via autor ou por determinação da ideologia da emissora, ideias, valores que também têm algum efeito sobre o seu público. Neste caso, faz-se do merchandising social (TRINDADE, 1999, p. 3).

O merchandising social é responsável por discutir temáticas de cunho educativo e colocá-las “na moda”. É tendência falar da luta contra homofobia, da prevenção de DSTs ou da importância da doação de sangue, por exemplo. Dessa forma, a influência cultural das novelas atinge vários níveis, tais como: “do que é cool falar”, “com o que é cool se preocupar” e “o que é cool usar”; tornando-as fortes disseminadoras de bens materiais e simbólicos. Uma vitrine que a sociedade observa como principal referência, então, é responsável por reger, ao mesmo tempo, que calcinha as garotas devem usar e o que fazer quando há um dependente químico dentro de casa. Acaba-se com a individualidade situacional, através da produção de receitas básicas para o “sucesso certo”.

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A primeira experiência de merchandising em telenovela foi em Beto Rockfeller (Bráulio Pedroso, 1969, TV Tupi), cujo protagonista, Beto, personagem do ator Luís Gustavo, amanhecia ressacado das noites de farra e tomava o antiácido efervescente Alka Seltzer da Bayer.

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3. MERCHANDISING SOCIAL

O merchandising social vem sendo utilizado no Brasil desde o início dos anos 90. Segundo Marcio Ruiz Schiavo, diretor da Comunicarte, empresa responsável pelo desenvolvimento e implantação da técnica na Rede Globo de Televisão, o merchandising social é a inserção sistematizada e com fins educativos de questões sociais nas telenovelas e minisséries. Com ele, pode-se interagir com essas produções e seus personagens, que passam a atuar como formadores de opinião e agentes de disseminação das inovações sociais, provendo informações úteis e práticas a milhões de pessoas simultaneamente – de maneira clara, problematizadora e lúdica” (SCHIAVO, 2002, p. 1).

As mensagens socialmente desejáveis veiculadas no merchandising social são entendidas como edutainment (híbridos de educação e entretenimento). A seguir, veremos o que significa e como se deu a implantação do edutainment na América Latina. Após essa abordagem inicial sobre o tema, faremos, então, um aprofundamento no uso da técnica merchandising social pela TV Globo e suas implicações para o público e para a emissora.

3.1 O conceito de Edutainment

O edutainment, também conhecido como entertainment-education, é considerado uma das primeiras metodologias de Comunicação para o Desenvolvimento. Segundo Singhal, Rogers e Brown, autores do ensaio Entertainment soap operas for development – lessons learned, Entertainment Education é o processo pelo qual se inserem conteúdos educacionais em mensagens de entretenimento, com o objetivo explícito de aumentar os níveis de conhecimento sobre uma determinada questão, criando atitudes favoráveis e promovendo mudanças e comportamentos e práticas em relação a questão ou tópico tratado” (SINGHAL; ROGERS, BROWN; 1995 apud ALI, 2008 p. 55).

Em 1967, Miguel Sabido, então vice-presidente de Pesquisa em Comunicação da Televisa, importante rede de televisão mexicana, sugeriu que a televisão comercial fosse usada com fim de estimular o desenvolvimento sócio-educativo na população. Sabido desenvolveu uma metodologia para incluir temática social e conteúdo educacional nas telenovelas, que passaram a abordar questões como planejamento familiar (que vinha sendo

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discutido em diversas partes do mundo), alfabetização de adultos, autoestima da mulher, saúde reprodutiva, anticoncepção e paternidade responsável. Segundo Schiavo, as telenovelas de Miguel Sabido são baseadas em cinco teorias, sintetizadas na tabela abaixo.

Fonte: Ali, Nabil Sleiman Almeida. Análise do discurso ideológico do merchandising social. SP: USP, 2008.

O núcleo de telenovelas educativas criado por Sabido promoveu diversos temas sociais e foi apontado como grande incentivador da redução dos índices de crescimento populacional no México. A telenovela Acompaname que, durante nove meses, mostrou os benefícios de se planejar uma família, consagrou ótimos resultados. Segundo o Conselho Nacional de População do Governo do México, o sucesso da novela aumentou a venda de contraceptivos em 23% no ano, contrastando com o aumento de 7% do ano anterior. Além disso, mais de 560 mil mulheres procuraram clínicas de planejamento familiar, representando um aumento de 33% nesse índice. De 1977 a 1986, Sabido produziu outras cinco novelas sobre o tema. Durante esse período, o México registrou um declínio de 34% em sua taxa de crescimento demográfico, o que demonstrou, então, o êxito do edutainment no país. Mas quais são as diferenças entre as novelas tradicionais e as novelas desenvolvidas por Sabido?

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Abaixo, temos uma tabela comparativa que demonstra com clareza as divergências entre os dois formatos.

Telenovelas Tradicionais X Telenovelas Entretenimento-Educação (E-E)

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Fonte: NICOLOSI, Alejandra Pía. Merchandising Social na telenovela brasileira: um diálogo possível entre ficção e realidade em Páginas da Vida. São Paulo: USP, 2009.

A consagração do “Método Sabido” encorajou outros países a investirem na criação de telenovelas socioeducativas. O Brasil produziu algumas peças de edutainment, tais como a novela “Meu Pedacinho de Chão”, de 1971, que tratou a vacinação e a desidratação; e “João da Silva”, de 1973, que promoveu a educação para adultos em um misto de novela e supletivo. O objetivo de abordar causas importantes na teledramaturgia sem comprometer os índices de audiência levou ao desenvolvimento de outra técnica, o merchandising social. Com ele, as mensagens socialmente desejáveis passaram a ser inseridas na trama ficcional préexistente, não comprometendo, assim, a presença dos anunciantes nas novelas.

3.2 Merchandising Social na Rede Globo

A Rede Globo de Televisão possui, em média, 4 horas de programação diária destinada a exibição de telenovelas. Com bons índices de audiência, o formato tornou-se um valioso instrumento de disseminação de valores. Dessa forma, a diretoria da emissora,

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juntamente com a Comunicarte, resolveu utilizar as peças de dramaturgia para incrementar os projetos “globais” de responsabilidade social. Desde sua implantação, as inserções de merchandising social têm oferecido ótimos resultados para a emissora. Apesar de ser vendido puramente como um instrumento de educação e conscientização da população, é notável o status que a Rede Globo recebe por fazer “esse bem à sociedade”. As ações de merchandising social repercutem positivamente na crítica, estabelecendo, assim, uma ótima propaganda da própria emissora. Além disso, ações como estas são usadas para persuadir o público de que há preocupação com eles, além de justificar a concessão pública do canal perante o governo. Independente de “bom para os outros” ou “bom para ela”, não podemos negar que diversas ações de merchandising social implantadas pela Rede Globo nas telenovelas foram um sucesso. Uma das ações pioneiras foi feita em “Explode Coração” (1995), que abordou a questão das crianças desaparecidas. Em meio à trama, fotos de crianças e depoimentos de mães foram apresentadas, incentivando uma campanha nacional que foi responsável por devolver 75 crianças aos seus lares. Em 2000, a novela “Laços de Família” apresentou o drama de Camila (Carolina Dickman), que sofria de leucemia. A abordagem da trama sensibilizou o público e incentivou a doação de medula óssea. Segundo o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea, a inscrição de interessados em realizar a doação subiu de 20, em novembro de 2000, para 900, em janeiro de 2001. Entre 2001 e 2002, a novela “O Clone” abordou a dependência química através dos personagens Mel (Débora Falabella) e Lobato (Osmar Prado), viciados em drogas e álcool, respectivamente. Durante a trama, depoimentos reais de dependentes foram exibidos, aumentando o impacto da ação na população. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas, os telefonemas em busca de informações para o tratamento da dependência subiram de 900 (janeiro de 2002) para 6000, em apenas quatro meses de campanha. Um dos casos mais extremos de repercussão do merchandising social foi em 2003, na novela “Mulheres Apaixonadas”. As cenas de violência contra a mulher e contra os idosos tiveram tamanha força que alteraram a legislação brasileira. Nessa ocasião, o Congresso aprovou a lei que tipifica a violência doméstica e o Estatuto do Idoso. Desde então, a eficácia das ações de merchandising social tem se estabelecido. Abaixo, temos um gráfico que representa a evolução na quantidade desse tipo de inserção desde a sua implantação, em 199512.

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A partir daqui, as análises de inserções de merchandising social terão como ano-final de referência 2010, já que o objeto de análise desta pesquisa foi exibido nesta data.

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Evolução do merchandising social na TV Globo (1995 – 2010)

Fonte: Balanço Geral – Rede Globo

Podemos notar que os picos de crescimento de inserções de merchandising social se deram depois das boas repercussões das campanhas citadas acima. A partir de 2006, notamos uma diminuição (seguida de um possível equilíbrio) no número de inserções. Porém, essa redução não significa perda de eficácia das ações, e sim possibilidade de exploração em alto nível de temas importantes sem a necessidade de campanhas repetitivas. O último relatório de Ações Sociais divulgado pela Rede Globo foi o de 2010. Coincidentemente, o objeto de estudo desta pesquisa – a 17ª temporada de Malhação – foi exibida nessa data. A seguir, é possível observar detalhadamente as ações realizadas no período em questão.

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Fonte: Balanço Geral – Rede Globo

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Segundo a relação acima, a novelinha vespertina Malhação teve o maior índice de inserções de merchandising social em 2010 (com 258 abordagens). O programa, aliás, é o líder geral de campanhas em teledramaturgia, já que está no ar desde 1995 e, desde então, vem apresentando temas socioeducativos de grande relevância para a população. No momento seguinte, tentaremos entender como o poder de influência das inserções de merchandising social se legitima. Para isso, abriremos nosso universo à publicidade em si, e sua capacidade de persuadir pessoas.

3.3 Esquemas básicos de persuasão: técnicas para influenciar pessoas

Segundo o psicólogo J. A.C Brown (1965), a publicidade usa elementos padrões para instigar pessoas e convencê-las de informações específicas, tais como o quanto um cabelo pode ficar macio e brilhoso com o uso do shampoo X, ou como é importante praticar exercícios físicos para combater o sedentarismo e a obesidade. Os dois exemplos se diferem em relação ao produto que se deseja vender: no primeiro caso, um cosmético, um bem material; no segundo caso, um estilo de vida, um bem simbólico. Independente do tipo do produto, a comunicação publicitária apoia-se em cinco técnicas básicas para persuadir o público-alvo, que é conhecido, em nosso caso, como telespectador. São elas:

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O uso dos estereótipos – São esquemas e fórmulas já consagradas. Um homem bem vestido, limpo e de boa aparência, por exemplo, remete à honestidade e torna-se um modelo a ser seguido.

Dessa forma, surgem as imagens do rico, do pobre, do

batalhador, do folgado. Além disso, discursos sociais clássicos como “o dever do filho é obedecer aos pais” e “sem ordem não haverá progresso” reiteram o efeito persuasivo. A grande característica do estereótipo é que ele impede questionamentos relativos às informações anunciadas, já que estas são “verdades consagradas”, por fazerem parte do domínio público.

2)

A substituição de nomes – Termos são alterados com o intuito de influenciar negativa ou positivamente o público. O goleiro, ao deixar uma bola entrar, vira o “frangueiro”, por exemplo. Nesse caso, os eufemismos são constantemente utilizados. Uma mulher desprovida de beleza pode substituir uma mulher feia, ao mesmo tempo

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em que um homem humilde pode substituir um homem pobre. Troca-se o termo e, ao falar o mesmo com outras palavras, espera-se alterar o significado.

3)

Criação de inimigos – O discurso persuasivo constantemente cria inimigos, sejam eles reais ou imaginários. Propagandas de pasta de dentes deixam claro que é preciso combater um mal: as cáries. As campanhas em prol da camisinha ilustram o que deve ser evitado: as DSTs. Não diferentemente, um político que deseja ser eleito baseia sua campanha na ineficiência do seu adversário. Dessa forma, reforça-se a importância de algo no combate a um mal maior.

4)

Apelo à autoridade – Aqui, entram os famosos depoimentos dos especialistas. Usase um atleta para fazer a propaganda de um tênis de corrida. Chama-se um médico para reforçar a eficiência de um medicamento. É a validação do que se fala através de uma voz com maior credibilidade no assunto.

5)

Afirmação e repetição – No discurso persuasivo, deve-se evitar a dúvida. Dessa forma, as falas e sentenças precisam sempre ser afirmativas. Termos como “talvez” e “é possível” colocam em risco a certeza que um espectador precisa para confiar em uma informação. Da mesma forma, surge a necessidade da repetição. Repetir possibilita a aceitação pela constância reiterativa. Goebbels, o responsável pela propaganda nazista, pregava que “uma mentira repetida muitas vezes era mais eficaz do que a verdade dita uma única vez” (CITELLI, 2002, p. 47).

Através do uso dessas técnicas, acredita-se, então, que é possível influenciar pessoas. No capítulo a seguir, faremos uma análise geral de nosso objeto de estudo: o seriado adolescente “Malhação”. Após uma apresentação inicial do programa, inserções de merchandising social contidas na trama serão contabilizadas e catalogadas. Alguns exemplos serão escolhidos para uma decupagem mais profunda, onde pretendemos demonstrar o uso dos elementos padrões apresentados acima para persuadir os jovens telespectadores.

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4. MALHAÇÃO

A série adolescente “Malhação” estreou na Rede Globo de Televisão em 24 de abril de 1995 e se mantém no ar até hoje. Segundo o site Memória Globo, a novelinha teen foi criada com a missão de abordar de maneira leve questões pertinentes ao universo juvenil. O programa inaugurou um novo conceito dentro da teledramaturgia da Globo: um seriado com aspectos semelhantes aos das soap operas americanas, tais como abordagens bem-humoradas, maior flexibilidade para mudanças nas narrativas paralelas e data de término em aberto. Inicialmente, a série se passava em uma academia de ginástica chamada Malhação, situada na Barra da Tijuca. Essa ideia surgiu em uma discussão entre os escritores Andréa Maltarolli e Emanuel Jacobina, quando ambos ainda faziam parte da Oficina de Roteiristas da Globo. No primeiro ano, a estrutura narrativa das tramas se dava a partir de um desenvolvimento semanal, ou seja, um problema começava a ser abordado na segunda e era resolvido na sexta, deixando um gancho para o tema da próxima semana. Rapidamente esse esquema foi abandonado e substituído por ações contínuas que só eram concluídas no final da temporada. As temporadas de Malhação são divididas em oito gerações. Essa divisão se dá a partir do ambiente central em que se passa a trama. Como falado anteriormente, as primeiras temporadas da série tinham como cenário a Academia Malhação. Essa, classificada como Primeira Geração, foi sede das quatro primeiras temporadas (1995 a 1998). A academia é demolida e nesse contexto surge a Segunda Geração. Nessa, o personagem Mocotó transmitia em uma rede pirata um programa chamado “Malhação.com”. Dessa forma, a quinta temporada da série (única da Segunda Geração) virou um programa interativo ao vivo. Na Terceira Geração, o ambiente principal da trama tornou-se um colégio. Com a demolição da Academia Malhação, a área foi vendida para o professor Pasqualete, que instalou no local uma das filiais do moderníssimo Múltipla Escolha. Essa escola sediou nove temporadas da série, que foram exibidas de 1999 até 2007. Na décima quinta temporada, o Colégio Múltipla Escolha fundiu-se com o Colégio Ernesto Ribeiro, dos empresários Félix Rios e Diva Junqueira, dando origem à Quarta Geração (2008). Em 2009, o Colégio Múltipla Escolha entra em falência e é comprado por uma empresária que o doa aos dois filhos para esses administrarem seu próprio negócio. A filha Juliana decide manter o Colégio, já seu irmão Osvaldo transforma a área da quadra poliesportiva no Shopping Gran Plaza. No fim dessa Quinta Geração (16ª temporada), o Colégio é fechado por uma ordem judicial e o shopping é

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ampliado. Com o fechamento do Múltipla Escolha, a série Malhação começa a se passar no Colégio Primeira Opção. Apenas a 17ª temporada acontece nessa Unidade do Primeira Opção, conhecida como Sexta Geração. A 18º temporada da série continuou a ser no Primeira Opção, mas em uma unidade independente da do ano anterior. Essa foi a explicação para a troca total de elenco e a mudança de cenário que ocorreu na época. A Sétima Geração (do Primeira Opção II) foi exibida entre os anos de 2010 e 2011. A atual Oitava Geração fundiu como cenário o Colégio Primeira Opção e a Faculdade Soares da Rocha, protagonista de grande parte das cenas da 19° temporada. Toda a história da série, independente da ambientação, teve aspectos bastante comuns. Essas semelhanças se resumem aos temas abordados, que apesar de tratados com “nova roupagem” ao longo dos anos, se repetiram em várias temporadas. Veremos, a seguir, uma síntese desses temas que ilustraram o universo adolescente da série ao longo desses dezoito anos.

4.1 Principais Abordagens e a Estrutura Repetitiva

Família, amigos, sexo, profissão, traição: esses e outros assuntos-chaves aparecem e reaparecem no enredo de Malhação desde a sua estreia em 1995. Os personagens principais mudam praticamente toda temporada, dando vazão a diferentes abordagens sobre o mesmo tema. O programa segue uma fórmula pronta, desde as questões que permeiam a trama até os cenários (ainda que exista uma renovação visual todo ano). O perfil dos personagens também se baseia em um padrão pré-estabelecido. Mesmo com rostos diferentes a cada temporada, sabemos que os jovens engraçados, as patricinhas e os playboys, o gordinho que é zoado (ou, como se diz atualmente, sofre bullying), os pais chatos e os bad boys sempre estão marcando presença no programa. Esses e outros tantos personagens comuns conduzem uma narrativa linear sem muita inovação. A cada novo ano, você já sabe quem e o que esperar na série vespertina da Rede Globo. Sempre haverá um romance entre dois personagens “bonzinhos” que será prejudicado de diversas formas por intervenção do “vilão”. Os desentendimentos entre pais e filhos e alunos e professores também marcarão presença. A partir daí, os “assuntos com abordagem social” serão mesclados a cada ano. Veremos, a seguir, uma breve sinopse e os principais temas abordados nas vinte e uma temporadas de Malhação.

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1ª temporada (24/04/1995 a 29/01/1996):

A trama tinha como protagonista o ingênuo Héricles (Danton Mello), um garoto do interior que foi para o Rio de Janeiro estudar e trabalhar na academia Malhação. Ele se apaixonou por Bella (Juliana Martins), noiva de Romão (Luigi Barricelli). O principal tema abordado nessa temporada foi a virgindade de Héricles e sua primeira transa (que acabou acontecendo com Bella).

2ª temporada (04/03/1996 a 03/01/1997): Essa temporada foi a única que não teve uma temática central. A “Turma da Maromba”, liderada por Hugo (Marcos Frota), chegou à academia para protagonizar muitas confusões. O romance de Hericles e Bella foi abalado com a chegada da motoqueira Alex, interpretada por Camila Pitanga.

3ª temporada (31/03/1997 a 02/01/1998):

A protagonista deste ano foi Maria (Talita de Castro), que enfrentou o drama de ser mãe solteira na adolescência. O personagem Mocotó (André Marques), depois de passar as duas primeiras temporadas sendo o galanteador da turma, arrumou uma namorada e passou a ter maior destaque na trama.

4ª temporada (30/03/1998 a 02/10/1998): O principal tema da temporada é, novamente, a gravidez na adolescência enfrentada pelos personagens Cacau e Barrão (Juliana Baroni e Bruno Gradim). Nessa fase, o antigo dono da Academia Malhação vende o estabelecimento e foge com o dinheiro, deixando Mocotó e seus amigos preocupados com a ameaça de demolição.

5ª temporada (05/10/1998 a 15/10/1999):

Nesse ano, o programa experimenta um novo formato: o ao vivo. Também conhecida como Malhação.com, essa temporada passou a ser transmitido em um único cenário, o

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Muquifo do Mocotó. Com a participação de antigos personagens e do público através do telefone e internet, o principal tema discutido foi a saída do jovem da casa dos pais.

6ª temporada (18/10/1999 a 07/04/2000):

A academia foi substituída pela escola e, com essa mudança, várias temáticas puderam ser abordadas. Nessa fase vieram a tonas os temas gravidez precoce, preconceito racial e prevenção de DSTs. Houve um enfoque na importância do uso de preservativos nas relações sexuais, principal recurso para evitar tanto um filho inesperado quanto uma doença indesejada.

7ª temporada (10/04/2000 a 04/05/2001):

Nessa temporada, a principal temática social continuou na importância do uso de camisinha. Dessa vez, o vilão da história foi a AIDS. Essa abordagem foi feita a partir da personagem Érica, que contraiu o vírus apos fazer sexo sem proteção. Alem das dificuldades de lidar com a doença, a trama salientou o problema de viver sob preconceito.

8ª temporada (07/05/2001 a 19/04/2002):

Esse ano foi um dos com mais discussões sociais temáticas. Através dos pais do protagonista Gui (Iran Malfitano) foram abordados os assuntos corrupção e câncer de mama. Nas tramas secundárias, gravidez na adolescência, uso de drogas e AIDS foram retratados e, através do personagem de Dado Dolabella, os temas machismo e violência contra a mulher puderam ser bem discutidos.

9ª temporada (22/04/2002 a 25/04/2003):

Temporada inspirada em Romeu e Julieta, através da discussão do tema erro medico. As famílias Miranda e Rodrigues se tornam inimigas depois que o Dr. Miranda faz uma cirurgia que deixa Cesar Rodrigues em uma cadeira de rodas. Os filhos de ambos se apaixonam e enfrentam muitas dificuldades para conviver com o ódio dos pais.

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10ª temporada (28/04/2003 a 16/01/2004):

Mais uma vez, essa temporada retratou um amor complicado ao estilo Romeu e Julieta. Nesse ano, o tema que causou ódio entre as duas famílias protagonistas foi acidente de trânsito. O pai de Victor (Sérgio Marone) faleceu em um atropelamento causado pelo pai Luisa (Manuela do Monte). E, essa fatalidade, foi responsável por complicar a vida amorosa destes personagens.

11ª temporada (19/01/2004 a 14/01/2005):

Nessa temporada, problemas como desigualdade social e maioridade penal foram tratados através do bad boy riquinho Gustavo (Guilherme Berenguer). Depois de provocar um grave acidente, ele foi condenado a prestar serviços comunitários, já que foi defendido por um dos melhores advogados do país. Já Cadu (Bruno Ferrari), por ser pobre, foi mandado para a cadeia sem ter culpa. Dessa forma, esse ano tratou as diferenças de tratamento legal entre pessoas de distintas classes sociais.

12ª temporada (17/02/2005 a 13/01/2006):

Pela quinta vez deste sua estréia, essa temporada de Malhação teve como foco a gravidez na adolescência. Os protagonistas Bernardo (Thiago Rodrigues) e Betina (Fernanda Vasconcelos) estavam apaixonados mas, durante uma viagem dela, o garoto teve um caso e engravidou a melhor amiga da amada, Jaqueline (Joana Balaguer).

13ª temporada (16/01/2006 a 12/01/2007):

Nesse ano, alguns temas foram explorados através de dificuldades em relacionamentos familiares. Briga entre irmãos, pais e filhos que não sabiam sua ligação genética, e um problema com leucemia e doação de medula agitaram essa temporada cheia de segredos e desentendimentos.

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14ª temporada (15/01/2007 a 12/10/2007): Denominada como “A importância dos pais na educação dos filhos”, essa temporada tem como foco principal o relacionamento familiar. Alem disso, problemas como acidentes de trânsito e desigualdade social são discutidos através da história das amigas inseparáveis Marcela (Thaila Ayala), Vivian (Fiorella Mattheis) e Ciça (Maria Eduardo Machado).

15ª temporada (15/10/2007 a 09/01/2009):

Essa foi a mais longa temporada de Malhação. O tema central da trama foi a pluralidade de indivíduos. Apos a fusão do tradicional colégio Ernesto Ribeiro e do moderno Múltipla Escolha, os jovens tiveram que conviver com divergentes culturas e pontos de vista, aprendendo a aceitar as diferenças entre os cidadãos.

16ª temporada (12/01/2009 a 06/11/2009):

Nesse ano, a discussão central se dá nas dificuldades de tomar decisões na adolescência. Entre outras incertezas, o medo de assumir os sentimentos se torna o maior vilão. A problemática social se dá em torno da poluição, quando o dono de uma fabrica não se importa em ficar rico à custa da destruição do meio ambiente.

17ª temporada (09/11/2009 a 20/08/2010):

Essa temporada, conhecida como Malhação ID e foco central deste trabalho, explorou diversas temáticas sociais. Valores como solidariedade e sinceridade foram bem discutidos com o casal protagonista Bernardo (Fiuk) e Cristiana ( Cristiana Peres). Entre outros temas, desvio de dinheiro público, problemas psiquiátricos e uso de drogas sustentaram a trama considerada uma das melhores já exibidas desde a estréia de Malhação.

18ª temporada (23/08/2010 a 26/08/2011):

Nesse ano, as responsabilidades familiares dos adolescentes são trabalhadas a partir da vida Pedro (Bruno Gissoni) e Catarina (Daniela Carvalho). Apesar de terem vidas financeiras

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aparentemente diferentes, ambos se esforçam para ajudar os pais seja com dinheiro ou com atividades domesticas. O tema anorexia é abordado com a personagem Raquel (Ariela Massotti), que permite a discussão dessa problemática da saúde pública.

19ª temporada (29/08/2011 a 10/08/2012):

Essa temporada de Malhação é realizada em um cenário de realismo fantástico através do personagem Gabriel (Caio Paduan), que possui uma sensibilidade paranormal. Dentre as temáticas sociais abordadas estão: deficiência visual, preconceito e a importância do trabalho voluntário.

20ª temporada (13/08/2012 a 05/07/2013):

Esse ano da série, alguns clichês voltam a ser relembrados. São eles: traição, gravidez na adolescência, bullying e preconceito sexual. Além disso, problemas com bulimia ilustram o núcleo de distúrbios alimentares, constantemente presente nas tramas vespertinas globais.

21ª temporada (08/07/2013 a atualmente): A temporada atual de Malhação conta com o tema central “família”. O foco central é o relacionamento entre pais e filhos, envolvendo desde a importância desta instituição social até as dificuldades em conviver com parentes de sangues diferentes.

4.2 Estudo de caso: Malhação ID

A décima sétima temporada de Malhação foi escrita por Ricardo Hofstetter, criador da temporada de 2004, a de maior sucesso na história da série. O autor foi convocado, juntamente com o diretor geral Mário Marcio Bandarra, para tentar alavancar a audiência do programa juvenil, que estava em baixa desde 2007. Essa temporada, denominada Malhação ID, teve como foco a descoberta da identidade. Segundo o autor, ele escolheu essa temática “porque os adolescentes a vivem continuamente em seu dia-a-dia. A todo o momento estão

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tentando descobrir quem são, quem é sua turma, que profissão escolher, com quem casar, se querem mesmo casar...”13.

4.2.1 História de Malhação ID

Os protagonistas da trama são Bernardo (Fiuk) e Cristiana (Cristiana Peres). Ambos são jovens determinados que cresceram em mundos completamente diferentes. Bernardo é filho de Paulo Roberto (Tarcísio Filho), rico empresário que sempre deu uma vida de luxo para a família. O garoto vive aprontando com os amigos e só quer saber de “curtir a vida adoidado”, sem ligar para as conseqüências de seus atos irresponsáveis. Cristiana é uma adolescente humilde, séria e preocupada em ajudar os outros. Seu pai, Antônio (Sergio Mastropasqua), é caseiro da mansão de Paulo Roberto. Portanto, ela e a irmã Nanda (Giovana Echeverria) moram nos fundos do casarão do cobiçado Bernardo. O galã, junto com Beto (Murilo Couto), Bia (Mariana Molina) e Tati (Élida Muniz) formam o quarteto mais famoso do Colégio Primeira Opção. No começo, a relação de Cris e Bernardo é de ódio, mas com o passar do tempo, ambos percebem que se gostam e que tem muito em comum. Mas, como nunca nada é perfeito, Bia, Tati e Nanda (que são apaixonadas pelo protagonista) vão fazer de tudo para estragar a relação do casal. Logo no início, Tati desiste de conquistar o Bernardo. Com isso, Bia e Tati chegam a um acordo: juntas, destruirão o amor do casal protagonista e separadas, lutarão pela vaga de “namorada do Bê”. Separada de Bernardo, Cristiana conhece Flávio (Marco Antônio Gimenez), e se torna amiga e, mais tarde, namorada do garoto. Nanda, na disputa pelo amor de Bernardo, o sequestra, alegando que se ele não fosse dela, não poderia ser de mais ninguém. Rapidamente o jovem é socorrido e a família de Nanda decide interná-la em um hospital psiquiátrico. Depois deste incidente, Antônio é despedido e, graças ao Bernardo, Cris e Nanda conseguem uma bolsa de estudos para continuarem no Primeira Opção. Uma grande crise assola a vida de Bernardo quando, no aniversário de um mês de namoro com Bia, a polícia chega a sua casa acusando seu pai de desvio de dinheiro público. Após descobrir a veracidade da denúncia, o garoto entrega para a Justiça os documentos que

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Citação extraída do site: www.teledramaturgia.com.br.

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comprovam a falcatrua de sua família. Dessa forma, Bernardo começa a trabalhar para pagar as contas de sua casa e comprar comida, enquanto seus pais viram foragidos vivendo no exterior. Com essa situação, Cristiana e Bernardo se reaproximam e descobrem as inúmeras armações feitas por Bia e Nanda para separar o casal. No final, os vilãos são castigados, os problemas se resolvem e o “casal ID” pode, então, ficar junto.

4.2.2 Merchandising Social em Malhação ID

A série Malhação, de uma maneira geral, sempre foi uma das campeãs em inserções de merchandising social na Rede Globo. Na temporada ID, esse cenário não foi diferente. Segundo o Balanço Social divulgado pela emissora, em 2010 (ano-base da 17ª temporada), a novelinha vespertina exibiu 258 cenas com conteúdo sócio-educativo. Muitos assuntos foram abordados na trama, entre eles combate à corrupção, participação política dos jovens, violência doméstica, maioridade penal, diversidade cultural, desenvolvimento sustentável e meio ambiente, incentivo à leitura e aos estudos, prevenção da dependência química, sexualidade, bullying e a importância do trabalho voluntário.

4.2.2.1 Análise do Objeto: Metodologia e Resultados

Metodologia

Para a elaboração desta pesquisa, examinaremos, primeiramente, uma amostragem simbólica de 10 episódios de Malhação ID. As cenas de merchandising social serão catalogadas por temas, agrupados em: comportamento, direitos humanos, educação, meio ambiente, saúde e sexualidade. Após essa análise primária, as inserções exibidas se dividirão nas seguintes categorias14:

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Os exemplos mencionados nas categorias abaixo são apenas formas de caracterização do tipo de inserção.

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 Conceituais – Um casal de jovens conversando sobre a necessidade de utilizar camisinha durante a relação sexual para prevenir DSTs ou uma gravidez indesejada.  De menção em Texto – Um personagem aparece lendo em algum veículo de comunicação uma reportagem preventiva ao uso de drogas.  Dialógicas – Uma pessoa mais experiente aparece alertando um personagem sobre a importância da prevenção do meio ambiente.  De Uso – Um motorista coloca o cinto de segurança ao entrar no carro, um engenheiro ou mestre de obras coloca o capacete ao entrar na obra.  Estímulo Visual – Um casal está se beijando na cama e a câmera passeia até o criadomudo, onde um pacote de preservativos se encontra aberto.  Promocionais – Um evento ou campanha é realizado como parte do enredo da telenovela.

Desta forma, faremos uma distribuição quantitativa das inserções de merchandising social presentes na amostra de Malhação ID, podendo analisar, então, aspectos importantes relacionados às abordagens técnicas e temáticas.

Na segunda fase deste estudo de caso, direcionaremos o nosso foco para três personagens específicas: Cristiana, a protagonista responsável que se dedica a trabalhos voluntários e acredita em um mundo melhor; Rita, a jovem que sofre bullying devido ao sobrepeso e tem um mau relacionamento com os pais; e Clarinha, a irmã do protagonista Bernardo, que vive incentivando a leitura e fazendo comentários inteligentes sobre o meioambiente. A escolha de estudar mais profundamente personagens específicos da série baseiase na teoria desenvolvida por Antônio Cândido (2011) de que são os personagens da ficção que absorvem as palavras do texto e passam, através da cena, a desenvolvê-las e representálas de uma forma condizente com a realidade. Acreditando, então, que o “porta-voz” da mensagem tem direta influência no que se quer falar, faremos, após a apresentação inicial dos

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perfis psicológicos das garotas em foco, uma análise de 8 cenas de merchandising social em que elas lideram o discurso ou estão inseridas como assunto principal.

Resultados

Fase I – Análise quantitativa de inserções de merchandising social

Após a decupagem de dez episódios de Malhação ID, notamos a presença de 43 cenas com conteúdo socioeducativos, que tentam representar situações relacionadas ao dia-a-dia dos adolescentes e incentivar/reprimir comportamentos adequados/inadequados através da manipulação dos modelos em cena. No quadro abaixo, as inserções de merchandising social serão apresentadas e classificadas a partir dos parâmetros metodológicos propostos anteriormente.

TEMA

ASSUNTO

INSERÇÃO

CENA

Educação

Incentivo à leitura

Conceitual

Bernardo e irmã conversando

Comportamento

Não violência

Conceitual

Bernardo diz que vai tirar Cris da pista sem violência

Comportamento

Cinto de segurança

De Uso

Galera entra no carro e põe cinto

Comportamento

Respeito aos profissionais

Dialógico

Bernardo não ouve instrutor de balão e provoca acidente

Saúde

Gripe Suína

Conceitual

Diretor comenta que professor está com gripe suína

Comportamento

Bullying

Conceitual

Jovens zoam Rita por ela ter ficado entalada no buraco

Direitos Humanos

Ajuda aos necessitados

Conceitual

Cris ajuda o mendigo e leva ele para sua casa

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Direitos Humanos

Ajuda aos necessitados

Conceitual

Cris diz que todos precisam de carinho e respeito

Comportamento

Segurança

Dialógico

Pai de Cris diz que não pode trazer estranhos para casa

Comportamento

Bullying

Conceitual

Beto chama Rita de gorda

Comportamento

Segurança

Dialógico

Assistente Social diz para Cris que ela não pode levar estranhos para casa

Meio Ambiente

Reciclagem

Conceitual

Cris e Assistente conversam sobre artesanatos do mendigo

Educação

Escolha da Profissão

Dialógico

Diretor fala da importância da escolha da profissão

Saúde

Alimentação

Estímulo Visual

Bernardo come lanche natural com muita salada

Direitos Humanos

Preconceito Religioso

Conceitual

Aluno diz que todo mulçumano pode ser terrorista

Saúde

Exercício Físico

Conceitual

Gordinha fala que seu apartamento no 5º andar fará bem para saúde

Saúde

Alimentação

Estímulo Visual

Família de Bernardo janta salada e suco natural

Comportamento

Relacionamento pais X filhos

Conceitual

Rita não quer sair do buraco porque não se dá bem com o pai

Comportamento

Segurança

De uso

Professor chega com capacete em motocicleta

Direitos Humanos

Respeito à mulher

Conceitual

Bernardo vai tirar satisfação com cara que desrespeitou Cris

Saúde

Prevenção de doenças

De uso

Professor passa álcool em gel nas mãos

Comportamento

Segurança

De uso

Aluna chega com capacete na escola

Direitos Humanos

Ajuda aos necessitados

Conceitual

Pai de Cris a parabeniza por conseguir um emprego para o mendigo

Saúde

Alimentação

Estímulo Visual

Família de Bernardo brinca com suco

Meio Ambiente

Pele animal

Conceitual

Irmã de Bernardo repudia mãe por comprar um tapete de pele

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Saúde

Higiene

Dialógico

Zuleica fala para JPEG que ele deve tomar banho todos os dias

Direitos Humanos

Respeito aos idosos

Conceitual

Cris fala que crianças devem respeitar os idosos

Saúde

Doação de sangue

Estímulo Visual

Foco em cartaz da campanha de doação de sangue no hospital

Comportamento

Trabalho Voluntário

Conceitual

Cris fala que é muito legal fazer trabalho voluntário

Saúde

Prevenção de doenças

De uso

Professor passa álcool em gel nas mãos

Saúde

Alimentação

Conceitual

Alunos só encomendam salgadinhos assados para a festa

Comportamento

Segurança no trânsito

De uso

Aluna chega com capacete na escola

Meio Ambiente

Higiene nas ruas

Conceitual

Irmã de Bernardo fala que todos devem pegar a caca do cachorro na rua

Saúde

Alimentação

Estímulo Visual

Bernardo come pão integral, frutas e suco natural no café da manhã

Comportamento

Superação de doenças

Conceitual

Senhor fala para garoto com câncer para ele não se envergonhar da careca

Saúde

Prevenção de doenças

De uso

Professor passa álcool em gel nas mãos

Meio Ambiente

Higiene nas ruas

Conceitual

Menina fala que deveria haver multa para quem não pega a caca do cachorro

Saúde

Alimentação

Estímulo Visual

Almoço só com salada na casa de Cris

Saúde

Prevenção aos raios solares

Estímulo Visual

Garotas passam protetor solar na praia

Meio Ambiente

Pele animal

Conceitual

Cris critica uso de pele animal para a fabricação de roupas

Comportamento

Preconceito aos pobres

Conceitual

Juju diz que eles não devem excluir os garotos por serem pobres

Meio Ambiente

Sacolas plásticas

Estímulo Visual

Empregada chega com ecobags

Saúde

Bebida alcoólica

De uso

Ninguém bebe álcool na festa

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Podemos observar alguns aspectos importantes nas classificações das ações de merchandising social presentes nos episódios analisados de Malhação ID. Primeiramente, em relação aos temas, notamos um predomínio duplo entre Saúde e Comportamento (15 e 14 inserções, respectivamente). Um pouco atrás, Meio Ambiente e Direitos Humanos empataram com 6 inserções. Por último, com apenas 2 abordagens, ficou o tema Educação. Uma relação entre os temas e porcentagens pode ser visto no gráfico que segue abaixo.

Fonte: gráfico elaborado pela autora.

De acordo com os resultados obtidos nesta pequena análise quantitativa, ouso alegar que o tema Educação foi pouco utilizado pelo fato de a série se passar em um colégio (ambiente diretamente relacionado ao assunto). Apesar dos enfoques menos acentuados nas inserções de marketing social, o tema em si faz parte do universo do programa, sendo, assim, abordado de uma maneira geral em grande parte de suas cenas. Em relação à técnica de inserção utilizada nestes 10 primeiros episódios, notamos uma predominância do uso Conceitual (com 22 aparições). Em seguida, houve um empate entre as técnicas De Uso e Estímulo Visual (8). Por último, a abordagem Dialógica apareceu em 5 cenas. A utilização Promocional do merchandising social não ocorreu em nenhuma situação analisada, já que não houve uma campanha social em si no tempo estudado. Abaixo, a distribuição entre os tipos de inserções que ocorreram na série pode ser visto em seus aspectos percentuais.

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Fonte: gráfico elaborado pela autora.

O predomínio da técnica Conceitual não é surpreendente, já que esse tipo de inserção é a que melhor dialoga com o público-alvo em questão. Ela praticamente não é sentida, já que está ali através de papos cotidianos, na maior parte das vezes mencionada pelos próprios adolescentes. As técnicas De Uso e Estímulo Visual estão presentes em menor quantidade, mas de uma maneira não perceptível. E justamente nessa “não presença notável” é que se sustenta sua efetividade. Essas inserções são as mais subliminares, que parecem ser parte natural da cena. Elas são tão comuns que acabam sendo tomadas como realidade, e não ação de conscientização social. Por isso, aliás, que essas técnicas devem ser usadas com moderação, já que uma overdose desse tipo de imagem pareceria artificial para o público, perdendo, então, sua eficiência. Na sequência, com a menor taxa de utilização no objeto analisado, temos as inserções Dialógicas. Elas são eficazes com diversos públicos-alvo, mas nem tanto com os adolescentes. Temos que lembrar que a rebeldia faz parte do pacote “ser jovem”. Brigas com os pais e desentendimento com os professores estão presentes não só em Malhação, mas na maior parte dos lares brasileiros. Dessa forma, o ato de não dar ouvidos para os “adultos chatos” é comum. Por isso, aliás, que essa técnica é utilizada juntamente com os resultados negativos em não fazê-la. Com isso, a série consegue efetivar a intencionalidade da ação de merchandising social através do erro dos personagens em não escutar os conselhos dos mais experientes.

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Fase II – Análise qualitativa de 8 cenas

AS PERSONAGENS:

Cristiana Araújo – interpretada por Cristiana Peres Jovem séria e preocupada com os grandes problemas do mundo, vive antenada com tudo o que acontece à sua volta, e sempre tenta ajudar os outros. É carismática e linda, mas não liga muito para a aparência. Dedica-se a trabalhos voluntários e acredita em uma sociedade justa e igualitária.

Rita Silveira – interpretada por Olívia Torres Uma adolescente insegura e com problemas de autoestima, que constantemente sofre bullying dos colegas devido ao sobrepeso. Acha que não merece o melhor por não ser linda e magra. Mora com o pai e a madrasta, com quem não se dá bem.

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Clarinha Oliveira – interpretada por Luciana Didone Apesar de sua inexperiência de vida, a garota sabe tudo na teoria, pois lê muito. Irmã de Bernardo (protagonista da série), ela gosta de alfinetar suas irresponsabilidades, fazendo usualmente comentários inteligentes e irônicos.

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CENA 1 – CLARINHA INCENTIVA BERNARDO A LER MAIS

Descrição da Cena: Clarinha e Bernardo conversam sobre o que acharam da casa nova e o irmão mais velho questiona o conhecimento precoce da caçula. Diálogo: Bernardo – Ô, vem cá, onde você aprende essas palavras bizarras, hein, maninha? Quantidade avassaladora... Detalhes sórdidos... Mente pervertida...

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Clarinha – É que eu leio, né, Bê! Se você pensasse em outra coisa além de garotas você ia se expressar bem como eu, sabe?

Análise da Inserção  Tema – Educação (incentivo à leitura)  Tipo de Inserção – Conceitual (irmãos conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço positivo (quanto mais você ler, mais vocabulário terá para escrever e se expressar).  Técnicas persuasivas –

a) Uso de estereótipo:

- O garanhão: adolescente bonito e popular que faz sucesso com as garotas do colégio. Normalmente, não é referência em inteligência, já que a utilização de seu tempo tem foco na organização de festas e jogos, e não na prática de leitura e devoção aos estudos. b) Substituição de nomes: O uso do adjetivo “bizarras” para qualificar o substantivo “palavras” é empregado de maneira deteriorativa por parte do personagem garanhão que considera estranhas, devido à falta de leitura, palavras inteligentes.

c) Criação de inimigos: A ignorância (inimigo oculto na cena)

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CENA 2 – CRISTIANA AJUDA MENDIGO E O LEVA PARA CASA

Descrição da Cena: Cristiana chega com um mendigo em casa e a empregada doméstica se assusta ao pensar que é um assalto.

Diálogo: Nancy – Ô, seu Antônio, a sua filha é doida? Trazer um mendigo para dentro de casa...

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Cristiana – Não sou doida não, tá, Nancy! Eu só não consigo fechar o olho pra injustiça como a maioria das pessoas faz. Sabe por quê? Porque se ninguém fizer nada o Ariovaldo vai passar o resto da vida nas ruas. Sabe qual o nome disso? Compaixão, caridade, carinho, respeito... o que vocês deveriam ter, né!

Análise da Inserção:  Tema – Direitos Humanos (ajuda aos necessitados)  Tipo de Inserção – Conceitual (garota e empregada conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço negativo (quanto mais você ajudar os necessitados, menos desabrigados estarão nas ruas passando dificuldades).  Técnica persuasiva –

a) Uso de estereótipo:

- O mendigo: Senhor de idade com roupas sujas e rasgadas, cabeludo e com barba grande, que exala mau cheiro, pede esmola e sofre preconceito.

- A boa garota: Adolescente com boas intenções, que ajuda causas sociais e tenta sempre proteger os injustiçados. b) Substituição de nomes: O uso do adjetivo “doida” por parte da empregada transparece sua opinião contrária referente à atitude da garota, insinuando deficiência mental a uma tentativa humanitária de ajuda. Em contrapartida, os substantivos

“compaixão,

caridade,

carinho

e

respeito”

classificam

disfarçadamente o discurso da menina como correto.

c) Afirmação: Não sou doida não, tá! O que vocês deveriam ter, né! (sentenças retóricas que passam certeza e razão).

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CENA 3 – ASSISTENTE SOCIAL ALERTA CRISTIANA SOBRE OS PERIGOS DE LEVAR UM DESCONHECIDO PARA CASA

Descrição da Cena: Cristiana procura uma assistente social para tentar conseguir um emprego e uma casa para Ariovaldo.

Diálogo: Cristiana – Aí eu tava lá e levei ele pra casa pra ele tomar um banho. Depois eu dei almoço e aí a gente veio para cá para ver como a gente pode ajudar...

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Assistente Social – Bom, Cristiana, em primeiro lugar sua atitude foi muito bacana e muito irresponsável! Você foi louca de levar o Ariovaldo para dentro da sua casa. Olha, você teve muita sorte porque o Ariovaldo é uma pessoa legal, mas entre os moradores de rua tem todo tipo de gente, desde ladrões, traficantes, gente com desequilíbrio mental. Cristiana, nunca mais faça uma coisa dessas! Ok, a gente tem que tentar ajudar as pessoas sim, mas isso sem por em risco a própria vida e nem a vida da nossa família!

Análise da Inserção:  Tema – Comportamento (cuidados em relação à segurança)  Tipo de Inserção – Dialógica (assistente social aconselhando garota)  Método de controle comportamental – Esquema de punição (quando você toma uma atitude irresponsável, você leva uma bronca).  Técnica persuasiva – a) Apelo à autoridade: Assistente Social entra em cena representando “a voz da sabedoria”. b) Substituição de nomes: O uso do adjetivo “louca” por parte da assistente deixa claro que o ato da garota foi condenado como errado.

c) Afirmação: Nunca mais faça uma coisa dessas! (sentença dotada de firmeza).

d) Repetição: Muito irresponsável/ Você foi louca/ Nunca mais faça uma coisa dessas (termos e frases que retificam que a ação não foi correta).

e) Criação de inimigos: Ladrões, traficantes, desequilibrados mentais (inimigos diretos da cena).

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CENA 4 – RITA SOFRE BULLYING POR FICAR ENTALADA EM BURACO NA CAVERNA

Descrição da Cena: Garotos ficam presos em caverna e Rita fica entalada em um buraco no meio do resgate.

Diálogo: Bombeiro Guimarães – Vamos lá, menina. Vem com calma, força. Vem!

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Rita – Eu tô presa, eu tô entalada! Eu tô entalada, Guimarães, me ajuda! Bia – Também, quem mandou ser gorda, garota!

Análise da Inserção:  Tema – Comportamento (bullying)  Tipo de Inserção – Conceitual (garotas conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço negativo (quanto mais magro você for, menos chance de ficar enlatada em um buraco).  Técnica persuasiva –

a) Uso de estereotipo:

- A patricinha: garota popular, que se veste bem e esbanja beleza e magreza. Adora fazer bullying e jogar na cara que é melhor do que os outros.

- A gordinha: garota insegura, indecisa e com problemas de autoestima. Acredita que os outros não se interessam por ela devido ao seu sobrepeso. b) Substituição de nomes: O uso do adjetivo “gorda” é claramente empregado como insulto pela patricinha.

c) Criação de inimigos: Gordura (inimigo oculto na cena).

d) Afirmação e Repetição: Eu tô presa, eu tô entalada! Eu tô entalada! (sentenças deixam claro o problema).

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CENA 5 – PAI E MADRASTA DE RITA DISCUTEM SOBRE O MAU ENTENDIMENTO FAMILIAR

Descrição da Cena: Cibele e Francisco discutem o fato de Rita não colaborar com os bombeiros em seu resgate.

Diálogo:

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Cibele – Peraí, Francisco. Por acaso você está insinuando que a culpa da Rita estar presa naquela caverna é minha? Francisco – É que vocês duas brigam tanto. Cibele – Eu só tô tentando ajudar na educação da Rita. Ou você quer que a sua filha se transforme em uma adulta obesa, mal amada, fracassada e dependente?

Análise da Inserção:  Tema – Comportamento (relacionamento entre pais e filhos)  Tipo de Inserção – Conceitual (casal conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço positivo (quando você não briga com os familiares, o relacionamento fica mais saudável)  Técnica persuasiva –

a) Uso de estereotipo:

- A madrasta má: não se dá bem com os filhos de seu marido, e acha que a mãe das crianças falhou no quesito educação. Constantemente briga com os enteados e entra em disputas pela atenção do cônjugue. - O marido bobão: é “pau-mandado” da esposa, que geralmente o manipula e toma sozinha todas as decisões da família. b) Substituição de nomes: “Mal amada, fracassada e dependente” são termos empregados como sinônimo e consequência da gordura.

c) Criação de inimigo: Gordura (inimigo oculto na cena).

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CENA 6 – ANTÔNIO PARABENIZA CRISTIANA POR AJUDAR UM MENDIGO

Descrição da Cena: Cristiana conta para família que conseguiu ajudar Ariovaldo e, enquanto a irmã mais nova caçoa de suas boas intenções, seu pai a parabeniza.

Diálogo:

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Cristiana – Viu, Nanda, eu consegui tirar o Ariovaldo da rua. Nanda – Agora só faltam os outros 1.500 que andam por aí. Todo esse trabalho pra tirar um mendigo das ruas, você acha que vale a pena? Não vale, né! Cristiana – Pra mim valeu a pena, tá! Eu ajudei uma pessoa e fiquei muito feliz. Quem sabe se cada um ajudasse um pouquinho não tinha nem mais mendigo na rua. Antônio – O que sua irmã fez foi muito bonito e ela merece todos os parabéns do mundo!

Análise da Inserção:  Tema – Direitos Humanos (ajuda aos necessitados)  Tipo de Inserção – Dialógica (pai aconselha filha)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço positivo (quando você pratica uma boa ação, ganha elogios de seu pai)  Técnica persuasiva –

a) Afirmação: Não vale a pena, né! Pra mim valeu a pena, tá! (as sentenças deixam claras as opiniões completamente opostas das duas irmãs)

b) Repetição: Foi muito bonito/ Merece todos os parabéns do mundo (termos ratificam que a atitude da garota foi correta)

c) Criação de inimigo: Pessoas que não ajudam os necessitados (inimigo oculto na cena)

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CENA 7 – CRISTIANA DIZ PARA GAROTOS RESPEITAREM UM SENHOR

Descrição da Cena: Cristiana encontra crianças implicando com senhor e ela intervém pedindo respeito aos mais velhos.

Diálogo:

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Cristiana – O que que tá acontecendo aqui, hein, galera? Garotinho – Ele roubou nosso frisbe. Senhor – Eu não peguei nada, essas crianças não respeitam os mais velhos, bando de mal educados. Cristiana – Se ele está dizendo que não foi ele, não foi. Vamos respeitar!

Análise da Inserção:  Tema – Educação (respeito ao idoso)  Tipo de Inserção – Conceitual (garotos conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de punição (se você não respeita os mais velhos, você leva uma bronca)  Técnica persuasiva –

a) Uso de estereotipo:

- O velho ranzinza: Senhor de idade que reclama muito, briga com todos e constantemente está com a cara fechada.

b) Afirmação - Vamos respeitar! (a sentença, com um tom de ordem, deixa claro que aquilo deve ser seguido) c) Criação de inimigos – A má educação (inimigo oculto da cena)

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CENA 8 – CLARINHA INCENTIVA OS ESTUDOS

Descrição da Cena: Clarinha e seus amigos conversam sobre os problemas de ser préadolescente, e ressaltam, entre eles, a falta de dinheiro.

Diálogo:

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Limão – Ter 12 anos é um saco mesmo, né! Todo mundo zoa a gente. Jonas – Ô, Limão, ninguém me zoa não! A única coisa chata de ter 12 anos é que a gente não tem dinheiro para fazer nada. Clarinha – Ah, isso é verdade. Mas pra gente ter dinheiro a gente precisa estudar muito, se formar e se transformar em um profissional competente. Aí sim dá pra ganhar dinheiro.

Análise da Inserção:  Tema – Educação (a importância dos estudos)  Tipo de Inserção – Conceitual (amigos conversando)  Método de controle comportamental – Esquema de reforço positivo (se você estudar, você será um bom profissional e ganhará dinheiro)  Técnica persuasiva – a) Afirmação – Ninguém me zoa não (sentença evidencia que garoto não sofre com aquele problema) b) Repetição – Pra gente ter dinheiro a gente precisa estudar muito/ Aí sim dá pra ganhar dinheiro (garota deixa claro o meio legal de se ganhar dinheiro) c) Criação de inimigos – a pobreza (inimigo direto da cena)

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5. AS OITO CENAS E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Notamos, após uma análise minuciosa das oito cenas de merchandising social inseridas em Malhação ID, algumas semelhanças e aspectos importantes referentes ao método de controle comportamental e a técnica persuasiva utilizada. Primeiramente, observamos um grande número de inserções que contam com apresentações de reforço. Isso acontece, pois essa é a forma mais simples de demostrar circunstâncias de causa e consequência. É o mais puro aspecto de controle: se você faz isso, ganha aquilo. Exibições de punição também são eficazes, já que conseguimos captar com rapidez que uma ação não deve ser repetida quando a mesma gera uma bronca ou castigo. Todas as cenas analisadas concentram seu potencial de influência no processo de modelagem, conceito apresentado no primeiro capítulo deste trabalho. Em relação às técnicas persuasivas utilizadas nas cenas analisadas, nota-se, além dos elementos específicos e individuais expostos anteriormente, a construção e/ou ilustração de discursos clássicos. Através da imposição de grandes estereótipos, os conceitos apresentados não dão abertura para possíveis questionamentos referentes ao assunto abordado. Dessa forma, cria-se o que Marilena Chauí (2006) chama “da forma máxima de poder dos meios de comunicação”: a capacidade de criar uma realidade através da imposição de “verdades” de domínio público que passam a reger, disfarçadamente, as regras sociais de toda uma população.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tentei demonstrar, neste trabalho, como as ações de merchandising social inseridas em Malhação ID buscam produzir comportamentos considerados desejáveis pela Rede Globo de Televisão. Para isso, fizemos uma abordagem geral da criação de moldes através da observação de modelos, e do uso recorrente de esquemas de reforço e punição nas cenas apresentadas para a persuasão dos telespectadores. Como vimos anteriormente, a série Malhação é líder de merchandising social da maior rede de televisão do país. Diversas temáticas consideradas sócio-educativas são inseridas na trama ano após ano. Alguns temas, que viraram clichês, são repetidos insistentemente. É o caso da gravidez na adolescência, por exemplo. Segundo a emissora, eles estão contribuindo com a sociedade quando fazem esse tipo de abordagem. Mas, será mesmo? Na minha concepção, o merchandising social tenta rotular atitudes como certas e erradas, criando estereótipos equivocados de uma juventude utópica e fora de questão. Segundo Schiavo, mentor da implantação dessa técnica na maior emissora comercial do país, o merchandising social não visa o lucro. Engraçado é que, se isso fosse verdade, o uso do termo merchandising seria completamente equivocado. Essa palavra está diretamente ligada à venda de produtos, e é utilizada pelo marketing para alavancar o consumo da população. Quando bem analisado, percebemos que esse termo se encaixa perfeitamente na técnica em questão, já que esta serve para “vender” a própria emissora para um público que, de alguma forma, acredita que a empresa se preocupa com ele. Enquanto faz o papel de boazinha, a Rede Globo consegue impor padrões de comportamento, criando, dessa forma, modelos de adolescentes que serão potencialmente consumidores dos produtos daquela emissora de televisão. É impossível negar que as inserções de merchandising social podem trazer consequências benéficas para a população. Vimos anteriormente que diversas campanhas estimularam atitudes respeitáveis e responsáveis. Para mim, a divisão das ações entre boas e ruins não é válida. Esses rótulos são apenas estereótipos criados pela própria mídia para facilitar nossa observação de mundo, minimizando a ambigüidade da realidade a meras representações simplificadas. Cometeria, então, um grande erro ao usar o padrão para criticar o padrão. Sem apontar mocinhos e vilões, apenas desejei, nesta pesquisa, alertar o receptor.

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Isso não significa que o ideal é distanciarmo-nos dos modelos apresentando pela mídia. O necessário é apenas sabermos, antes de tomar uma atitude, de onde estamos, de fato, nos aproximando. Acredito, finalmente, que o trabalho cumpriu esse papel, demonstrando o que e quem está por trás das “benéficas” atitudes que nunca nos são oferecidas gratuitamente.

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REFERÊNCIAS

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