Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

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Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Tese de Seminário da licenciatura em História O Poder Local – Dinâmicas, Elites e Políticas

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Valério Santos Coimbra – 2006

Valério Santos

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do séc. XIV

Seminário da licenciatura em História O Poder Local – Dinâmicas, Elites e Políticas Coord. Dra. Maria Helena da Cruz Coelho

Coimbra – 2006

Capa

Aos meus pais, por existir À minha Ritinha, pelo amor, pelos momentos de felicidade e pelo apoio nos momentos de angústia e desalento À minha professora de História e de Geografia de Portugal do 5ºano, que me despertou o interesse pela História À Dra. Maria Helena da Cruz Coelho, pela orientação, disponibilidade, sabedoria e Compreensão À Dra. Leontina Ventura, por despertar em mim o interesse pela Idade Média À Dra. Maria Antónia Lopes, pelas aulas práticas que permitiram descortinar a matriz da História – as fontes e a investigação

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“ Évora é uma cidade branca como uma ermida. Convergem para ela os caminhos da planície, como o resto da esperança dos homens. E como a uma ermida, quem a habita é o silêncio dos séculos do descampado em redor. Conheço, dos seus espectros, a vertigem das eras, a noite medieva ainda nas ruas que se escondem pelos cantos, nas pedras cor do tempo ouço um atropelo de vozes seculares.” Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro

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INTRODUÇÃO Diz o provérbio que «Aquele que recorda o passado perde um olho!», porém, ele acrescenta ainda: «Aquele que o esquece perde os dois!». Não deixa de ter a sua veracidade. É que, para compreender o passado, é necessário não perder a ligação com o próprio passado. Eis, então, que ele nos dá a conhecer um pouco da nossa história, ajudando-nos a compreender o nosso presente e a nossa identidade cultural. Sem essa ligação muito se esqueceria! Ela ajuda-nos a fixar a nossa memória colectiva e, até mesmo, pessoal. É o que se pretende com este pequeno trabalho: analisar, através das fontes, dos documentos compilados, uma época, um local e um determinado tema, de modo a fixar a nossa memória e a que não se perca muito do que entre nós existiu e, sem nos apercebermos, continua a existir, através dos testemunhos que os nossos “antepassados” nos deixaram. Este estudo versa, pois, sobre um país perdido no século XIV: Portugal. Falamos de um país que, a par de tantos outros, apresenta muitas características próprias, que são consequência natural do encontro e da fusão de estruturas do Norte com estruturas do Sul. Reúnem-se aqui, de facto, elementos tipicamente feudais, comuns a toda a Europa Ocidental, resultado da evolução e categorias romanas e bárbaras (principalmente visigodas) e, mais tarde, do declínio do próprio feudalismo. Estão presentes também componentes feudais deturpados, consequência das necessidades e circunstâncias da Reconquista Cristã. De igual modo, assistimos à presença de heranças moçarabes, com uma longa tradição de autodesenvolvimento e isolamento da Europa Cristã, para além dos próprios elementos islâmicos típicos, comuns a todo mundo muçulmano. O Portugal medieval, exibia, deste modo, aspectos do maior interesse, que só em comparação com os demais países europeus e com os Estados islâmicos podem ser, cabalmente, interpretados e compreendidos. De facto, se Portugal foi como foi na Idade Média, isso deve-se à implantação dos muçulmanos na Península Ibérica e à consequente Reconquista Cristã. No caso português, muito especificamente, encontramos, no mundo medieval várias assimetrias entre o Norte cristão e o Sul muçulmano. As diferenças são infindáveis e não se reportam apenas a esta ou àquela religião, trata-se de modos de vida, modos de ser, da cultura e da história. Curiosamente, os grandes núcleos de habitantes encontravam-se, nomeadamente, no Sul, herdeiros das tradições romana e islâmica, como eram os casos de Torres Vedras, Santarém, Lisboa e Évora.

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Évora, o concelho em análise neste trabalho, é, sem qualquer dúvida, de todas as cidades a que merece a nossa especial atenção. Primeiro, pela sua situação geográfica privilegiada e, em segundo, por ser uma cidade que apresenta um importantíssimo passado histórico, conservando marcas dos povos que por lá passaram ao longo dos tempos. Mas como era Évora no passado? …no passado medieval, do século XIV? É, ou melhor, são questões que iremos tentar responder e analisar nesta pequena contribuição para o desenvolvimento da história e, consequentemente, da historiografia. É óbvio que as características do estudo não nos permitem ir muito além de temas muito específicos, que se desenrolam em Évora, enquanto concelho. Falamos de temas de cariz socio-económico: o trabalho nos campos, na terra, e o trabalho do vestuário, do calçado e de tudo o que a estes respeita. Como se sabe, o século XIV foi um século de maus anos agrícolas, que trouxeram a fome, a morte e o temor, na sequência de epidemias e do desenraizamento e empobrecimento das gentes, por motivos das guerras fernandinas. Porém, os concelhos rurais, cuja organização socioeconómica assentava sobre a terra e sobre a agricultura (os sustentáculos da estratificação social) e que se regiam por normas e regimes próprios, garantidos pelas autoridades locais e reconhecidos, oficialmente, pelo monarca, através da carta de foral. Para além dos concelhos rurais, existiam ainda os concelhos urbanos, onde o comércio e o artesanato se apresentavam como actividades bem representativas, embora sem olvidar, como é óbvio, o sector primário (a agricultura). No entanto, aqui, a agricultura deixava-se ludibriar por toda uma rede de mercado e desenvolve-se segundo incentivos um pouco diferentes das sociedades camponesas. Évora é, sem dúvida alguma, uma cidade onde se conjugam a agricultura e o comércio, interagindo. Aliás, pode mesmo dizer-se que agricultura e comércio se completam e não sobrevivem um sem o outro. Enfim, para prosseguir será ainda conveniente salientar que a história deve partir de um estudo da relação entre o Homem e o espaço que o rodeia e por ele habitado. Para isso é necessário ter em conta que o homem vive em comunidade. É, portanto, moldado e transformado por essa mesma comunidade e, consequentemente, deixando-nos a sua “marca”, as suas vivências e o seu modo de ser, através de técnicas, de conhecimentos, de experiências, de documentos e de fontes.

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PARTE I A ORGANIZAÇÃO CONCELHIA 1. ORGANIZAÇÃO CONCELHIA NO SÉCULO XIV

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A ORGANIZAÇÃO CONCELHIA 1.ORGANIZAÇÃO CONCELHIA NO SÉCULO XIV

Na rede organizativa do espaço medieval encontramos, essencialmente, os concelhos. Convém salientar, em primeiro lugar, que os concelhos são criados através da concessão de forais, sobretudo durante o período da Reconquista, consoante se avançava contra os muçulmanos, para povoar, fixar e reclamar os territórios recém-conquistados. Para que as pessoas aí se fixassem era necessário que fossem cativadas, tantas vezes pela faculdade de se poderem governar a elas mesmas, segundo normas muito específicas que o foral emanava. É que o foral era, digamos, um elemento, que para além de criar os concelhos, acabava também por ser um agente regulador, talvez até mesmo legislativo, “reconhecendo a uma comunidade 1 de homens livres regras de existência próprias e a capacidade de deliberarem e assumirem o poder local.”2. Contudo, esta política foraleira foi algo inerente aos séculos XII e XIII, os séculos, por excelência, de Reconquista e de lutas contra os mouros, em que era urgente delinear as linhas fronteiriças. Mas, o grande objectivo deste capítulo não é fazer uma evolução dos concelhos desde a sua origem que, como se sabe, não são fundamentalmente da época da Reconquista, mas analisálos, brevemente, como forma de contextualização para o período em estudo, delineando as principais alterações, o modo como se organizavam e os seus principais intervenientes, sem esquecer, claro está, uma certa interferência do poder central na vida interna dos municípios – situação que começa a verificar-se a partir da primeira metade do século XIV. É importante saber que, com o passar do tempo, observa-se uma acentuada tendência no sentido de o governo municipal recair exclusivamente nas mãos dos habitantes do núcleo urbano, em detrimento daqueles que residiam no termo do mesmo. Um concelho tem sempre a sua sede e o seu termo e, sem dúvida, que a sede é sempre muito mais urbanizada do que o termo, este muito mais rural. O facto é que a população da sede tem muito mais riqueza do que a do termo, que trabalha na agricultura. De facto, dentro de um concelho existiam alguns grupos de privilegiados (ligados, essencialmente, à nobreza e ao clero) que não são, verdadeiramente, vizinhos 3; não esqueçamos

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Viver numa comunidade concelhia representava, globalmente, a segurança dos seus bens, da sua família, da sua pessoa. As suas

casas não podiam ser violadas, as suas mulheres e filhas deviam ser respeitadas, o direito à privacidade era reconhecido, a liberdade individual honrada, a solidariedade entre vizinhos exigida. 2

Maria Helena da Cruz Coelho, “Concelhos”, Nova História de Portugal (dir. de Joel Serrão), pp. 554-584.

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Para se ser vizinho de um concelho é necessário possuir duas características fundamentais: que tenha posses/dinheiro (podendo

pagar uma contribuição ao concelho – os impostos); que seja morador permanente do concelho.

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que os vizinhos são elementos que podem fazer parte da assembleia dos vizinhos – direito máximo dos vizinhos de um concelho. Então, e à medida que a administração do concelho se torna cada vez mais complexa e o poder se circunscreve a grupos de poderosas famílias locais, com destaque para os membros da cavalaria-vilã4, assiste-se a uma tendência para um aumento de rivalidades na disputa pelo poder municipal. Na realidade, o governo de um concelho, que devia ser exercido por todos os vizinhos, era-o feito somente por uma pequena elite que se evidenciava. Seriam, pois, os cavaleiros e os peões mais ricos e prestigiados que desempenhavam os cargos concelhios. Para além destes, quem deliberava ainda nas Assembleias concelhias eram também os homens-bons – a governança dos concelhos fazia-se, sobretudo, pelos mais poderosos; situação que se vem a agravar muito mais no século XIV. No século XIV, os centros urbanos começam a crescer em gentes e vitalidade económica, o que leva a que a governação e os interesses dos seus moradores se tornassem mais complexos. Para dar resposta a esta complexidade, o numero de funcionários concelhios aumenta, bem como o seu grau de especialização. Num determinado concelho existiam, ainda, se é que se pode assim dizer, dois tipos de governação, se é que assim se pode dizer: uma por parte do próprio concelho e, foco mais uma vez, pelos seus vizinhos mais ilustres; outra por parte do poder central, através de oficiais que representavam o rei ou o senhor (consoante os casos), no concelho. A partir de 1339, começam a processar-se importantes reformas na administração municipal, que já desde o reinado de D. Dinis vinha sendo, ainda que muito dificilmente, postas em prática. As leis gerais começam, então, a sobrepor-se, em grande parte, aos costumes locais e a máquina administrativa tenta burocratizar-se e reorganizar-se a partir do governo central, prolongando o poder soberano em todo o reino5. Deste modo, a coroa passa a supervisionar a justiça municipal e a actividade dos seus funcionários através dos corregedores 6 que, a partir do Regimento de 1332, verão as suas competências delineadas, sendo estas ampliadas em 1340. O poder do corregedor é multifacetado, senão vejamos: inspecciona a justiça e a vereação, julga os 4

Cavaleiros vilãos são cavaleiros que vêm da vilania, do povo. Têm que servir o rei na guerra a cavalo e, como tal, ter posses para

alimentar um cavalo e pagar tudo o que a este diz respeito. Têm diversos privilégios sociais, jurídicos e económicos. 5

Processo já bem visível nos reinados de D. Afonso III e de D. Dinis, ainda que se desenvolva, posteriormente, no reinado de D.

Afonso IV e nos monarcas que se lhe seguiram. 6

E antes, através dos meirinhos-mores, designados por D. Afonso III, para, em seu nome, visitar certos concelhos e providenciar

nas questões da justiça e administração concelhia.

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feitos que envolvem privilegiados; supervisiona as eleições dos oficiais dos concelhos, deve conhecer as rendas municipais e os seus problemas intrínsecos 7. Um novo grupo de magistrados, que começam a ser nomeados, para certos concelhos, ainda no tempo de D. Dinis, são os juízes de fora, ou juízes por el-rei, mas é definitivamente D. Afonso IV que os impõe. Enfim, a aplicação da justiça face ao desenvolvimento crescente da ciência jurídica exigia peritos, bem como elementos estranhos aos concelhos que garantiam a imparcialidade nos julgamentos, ainda que vários capítulos de cortes refiram a ameaça que estes magistrados provocam na magistratura local. Nos concelhos mais importantes do reino havia a especialização dos juízes, subdividindose em juízes do crime e juízes do cível que, segundo os capítulos de cortes, alguns não sabiam nem ler nem escrever. Uma outra alteração que ocorre regista-se logo nas primeiras décadas do século XIV – o aparecimento das câmaras, dos paços do concelho. Mas o que terá levado ao aparecimento destes edifícios, do paço do concelho? Muito provavelmente, o desenvolvimento da vida concelhia, a multiplicação das magistraturas, a necessidade de maior regularidade de funcionamento, o aparecimento da burocracia municipal, tudo isso deve ter contribuído para que o concelho procurasse casa própria. Ora, o facto de as reuniões passarem a ser feitas numa sala ou câmara dos paços da cidade merece ser assinalada por dois motivos: primeiro, porque a concorrência necessariamente diminuiu, a publicidade das deliberações tornou-se menor e os vereadores foram, pouco a pouco, substituindo a antiga assistência de homens-bons; segundo, porque nasceu da prática de as reuniões correntes dos magistrados e vereadores se fazerem numa câmara, o que leva à designação dada a esse grupo ou corpo representativo do concelho. Localmente, a gerência administrativa e judicial dos municípios exigia, cada vez mais, maior número de magistrados e de oficiais especializados. Em contrapartida, a resposta imediata aos constantes problemas vividos pelos concelhos não se compadecia com uma gestão através de uma assembleia municipal muito numerosa, como acontecia até meados do século XIII. A tendência iria para a restrição desse órgão, dando o conjunto de homens-bons lugar à eleição de alguns vedores que, com o passar do tempo, se começam a designar de vereadores 8. 7

Desde o abastecimento de mão-de-obra assalariada até ao aproveitamento dos bens comuns e estado dos castelos, construções de

defesa e prisões. 8

O vereador seria, pois, o homem-bom encarregue de zelar pelo estado dos caminhos da comunidade concelhia, daí o nome. É

necessário termos também em conta que o número de vereadores variava de concelho para concelho, consoante a sua própria estrutura socio-económica.

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Uma administração regular só era, efectivamente, compatível com este corpo de especialistas da vereação que, juntamente com os juízes, almotacés, procuradores, tesoureiro e escrivão do concelho vão constituir o corpo concelhio, ou seja, a Câmara Municipal. E das assembleias numerosas e públicas passa-se para reuniões menos alargadas e secretas, em parte, que o espaço fechado de uma câmara lhes concedia. À assembleia municipal cabe então a eleição dos magistrados locais, embora nem sempre actue em plena liberdade, é que de uma eleição directa de toda a assembleia se terá passado, posteriormente, para o sistema de eleição indirecta através da delegação de poderes para designar os oficiais concelhios num grupo de homens-bons. Refiro-me, claro está, ao método de eleição por pelouros, que se impõe a todo o reino português por uma lei geral de 1391. Ao longo de todo o século XIV, prolongando-se até ao século seguinte, as vereações camarárias vão-se sucedendo, com uma periodicidade variável e uma presença também oscilante de oficiais e homens-bons para resolver os assuntos económicos, administrativos, judiciais ou sociais que pautam o viver quotidiano do concelho. Uma elite dirigente configura-se. São os mais ricos, os mais experientes e os mais respeitados que são escolhidos para juízes, vereadores ou procuradores dos concelhos. No reinado de D. Pedro ordena-se aos concelhos que elejam, anualmente, juízes e alvazis, como seu pai já havia deliberado, e que os corregedores não chamassem a si o julgamento dos juízes inspeccionados; torna também a proibir que os clérigos, mesmo de ordens menores e casados, exercessem funções municipais, de juiz, vereador, procurador do concelho, almotacé ou rendeiro, visto como se eximiam à responsabilidade, invocando o foro eclesiástico. O reinado seguinte, o de D. Fernando, herdou, pois, um território muito rico, com uma forte organização administrativa, e onde o comércio crescia a olhos vistos. Em parte, digamos que os problemas administrativos passaram para segundo plano, subalternizados pelas aflições da guerra, acrescidos das perturbações económicas que as invasões e a desastrosa política do rei acarretaram. Um outro factor para o desenvolvimento da organização municipal foi a importância, cada vez mais, atribuída ao papel da escrita, na vida das instituições e, note-se, das pessoas. De facto, nos finais do século XIII (no reinado de D. Afonso III) e já no século XIV, a escrita está já profundamente enraizada nos concelhos. A partir de então, começa a verificar-se nos concelhos a presença de um outro elemento – o tabelião – ainda que isto, tal como tantas outras transformações ocorridas durante todo o século XIV, se tenha processado muito lentamente.

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PARTE II POSTURAS MUNICIPAIS 1. AS POSTURAS MUNICIPAIS EBORENSES 1.1. ENQUADRAMENTO a) Contexto epocal b) Contexto urbano

1.2. CARACTERIZAÇÃO a) As posturas municipais de Évora: apresentação b) As posturas municipais de Évora: composição social e gestão municipal

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1. AS POSTURAS MUNICIPAIS EBORENSES 1.1. ENQUADRAMENTO a) CONTEXTO EPOCAL

«Fim de um mundo antigo e princípio de um mundo novo.» É assim que muitos historiadores encaram todas as transformações que ocorreram na Baixa Idade Média. Com efeito, nos séculos XIV e XV a fisionomia da Europa transformou-se. Pestes, guerras, recessões e conquistas otomanas arruinaram o antigo equilíbrio, destruíram o Império Bizantino e abalaram os poderes tradicionais do Papa e do Imperador. Mas iam surgindo outros poderes. Os dois últimos séculos da Idade Média são um período de difícil interpretação para quem considere o conjunto da Europa. Por um lado, a Oeste, as regiões que mais tinham beneficiado do surto dos séculos precedentes atravessavam uma crise que provocava grandes perturbações e requalificações. Por outro lado, estavam a consolidar-se novas forças políticas e económicas na Europa Central e na Europa de Nordeste. No Sudeste, enfim, a agonia e o desaparecimento do Império Bizantino e o advento do Império Otomano davam à Europa os seus contornos definitivos e, as grandes perturbações que abalaram a Europa desse tempo, as mais visíveis, foram a peste negra e a guerra. A peste, por um lado, provocou o despovoamento (levando ao desaparecimento de um terço ou de um quarto da população), o choque psicológico, consequências sociais e familiares, a desordem dos poderes políticos, a confusão das autoridades religiosas, a desorganização das estruturas urbanas e a desertificação dos campos. Mas que não se pense que foram estas as únicas alterações visíveis, devido à peste negra, muito mais se sofreu por toda a Europa. A guerra, então, por seu turno, encontrava-se dividida em três planos: a tentativa de conservação dos espaços políticos económicos que já existiam (como a Guerra dos Cem Anos, as guerras pelo domínio do Mediterrâneo Ocidental, as guerras pelo domínio do Báltico, as guerras pela unificação do mundo eslavo); as querelas de sucessão e as lutas entre forças centralizadoras e forças centrífugas (a Guerra das Duas Rosas, os confrontos entre cidades italianas, as lutas contra o islamismo). Do mesmo modo, se assiste a crises de carácter económico. É que a queda demográfica, provocada, sobretudo, pelas guerras e pelas epidemias, levara a súbitas altas periódicas de preços e de salários, à rarefacção da mão-de-obra, à baixa do consumo e à queda do preço dos cereais. Daí que as dificuldades dos campos favorecessem os atractivos dos meios urbanos, que se destacam como pólos de resistência e de organização. As crises atingiram ainda os sectores tradicionais do

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comércio e do artesanato: as feiras da Champagne, bem como as de Lyon, Leipzig e Frankfurt acabam por se tornar insignificantes e o espaço comercial europeu alarga-se a outras zonas, sobretudo para o Leste eslavo e para Oeste, através do interesse pelo mar. Entretanto, também a Inglaterra funda a sua própria indústria de panos e ganha consciência da sua vocação marítima. Para além de todas estas características do século XIV europeu, verificam-se também diversas transformações sociais. Perturbações e crises como as que acabámos de referir não poderiam deixar de vir associadas a fortes abalos sociais (como a sublevação da Jacquerie), políticos e religiosos: em 1378, por motivos políticos, os cardeais elegem dois Papas: um francês (Clemente VII), que se fixa em Avinhão e outro, italiano (Urbano VI), que permanece em Roma – Cisma do Ocidente. Não temos qualquer prova de uma crise geral em Portugal, antes dos meados do século XIV, o certo é que se instalou aqui uma situação semelhante à descrita para o resto da Europa: maus anos agrícolas causados por intempéries, fomes, ataques de epidemias várias e da peste negra, lutas civis (como as de D. Dinis com o seu filho, futuro Afonso IV, e as deste com D. Pedro I) e guerras com o exterior, como as que D. Fernando manteve com Espanha e França, na sequência da sua pretensão à sucessão do trono de Castela, o que acabou por o envolver nas intrigas políticas da Guerra dos Cem Anos. Estes condicionalismos tornaram grave a situação do reino português, sobretudo na segunda metade do século em análise. A crise do século XIV está revestida de problemas sociais, essencialmente, a partir de 1348, época em que a peste começa a flagelar o nosso reino. Sabe-se9 que a terra já não bastava como fonte suficiente de rendas, não podendo competir com os lucros do comércio e do artesanato. A nobreza, incapaz de encarar as novas realidades, investindo no comércio e em actividades lucrativas, parece saudosa de um período de prosperidade fácil, resultado da Reconquista e de suas presas. A Pragmática de 1340 revela10 uma certa inquietação no seio das classes inferiores, expressa pela ruptura da estabilidade feudal e pelo surto de um grupo de assalariados móvel. A situação geradora de crescentes conflitos entre senhores e camponeses, preocupava os monarcas que tentaram resolvê-la, atraindo, de novo, a população aos campos. Promulgaram-se, então, várias leis nesse sentido. Sobressaem as Leis do Trabalho, no tempo de D. Afonso IV (1349), e a Lei das Sesmarias, de D. Fernando (1375). Porém, o problema não ficaria resolvido, como 9

Segundo A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal – Desde os tempos mais antigos até ao governo do Sr. Pinheiro de Azevedo, Vol.

I, Lisboa, 1978, pp. 155 e 156. 10

A. H. de Oliveira Marques, Ensaios da História Medieval Portuguesa, Lisboa, 1980, p. 97.

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provam as contínuas queixas do povo e dos senhores nas Cortes portuguesas, até bem depois do século seguinte. Um dos maiores problemas foi o da agricultura, afectada pelos maus anos agrícolas, pela quebra demográfica e, sobretudo, pelo êxodo rural dos trabalhadores e consequente aumento dos salários. Esta crise havia colocado muitos campos ao abandono, transformando boas terras de cereais em prados, matagais ou terrenos de caça. Em contrapartida, a produção diminuía, gerando carestia de cereais acompanhada, ou até provocada, por um aumento de outros géneros agrícolas, tais como o vinho, o azeite11 entre outros produtos, agravando as fomes. O segundo problema de gravidade era a do tesouro público, depauperado pela diminuição das receitas reais (provocada, como noutras partes, pela quebra demográfica e produtiva) e, principalmente, pelo aumento extraordinário das despesas com a guerra. Para fazer face à falta de dinheiro, os reis, sobretudo D. Fernando, haviam recorrido ao aumento dos impostos (medida extremamente impopular, sobretudo em épocas de crise, como a época em questão) e à desvalorização da moeda, o que acarretou uma inflação progressiva dos preços no reino. O certo é que muito disto se deve às consequências que a peste provocou, como foi o caso do decréscimo populacional, não só pelas mortes que ela provocou, mas também devido aos movimentos migratórios e ao êxodo rural (cidade - campo). De facto, e apesar da peste, a população das cidades deve ter aumentado constantemente, nas décadas de 1350, 1360 e 137012. Os finais do século traduziram-se, não por um aumento, mas por estagnação, mesmo decréscimo populacional. A realidade é que de norte a sul do país eram inúmeras as referências à falta de gente aqui e ali. As cidades sentem-se afectadas por um crescente número de imigrantes em busca de trabalho, o que significou outro flagelo: o desemprego. Então, aos problemas que afectavam a população rural, somava-se o descontentamento das cidades onde se acumulara um número crescente de indigentes, oriundos das zonas rurais. As dificuldades que aí encontraram alimentaram os ódios do povo miúdo contra as autoridades municipais, geralmente aristocráticas, e contra a governação do rei e da sua rainha (D. Leonor Teles), alvo de grande impopularidade. Neste clima de instabilidade, as tensões sociais foram crescendo, embora antes de 1383 raramente tivessem explodido em conflitos graves (com a excepção dos motins do Porto e os de Lisboa, estes em 1371). Tudo se acelerou, no entanto, em 1383 quando a morte do rei fez recair a sucessão em D. Beatriz, sua única filha, casada, à data, com D. João I, rei de Castela (este 11

A vinha como a oliveira requerem menos trabalho e, portanto, menos mão-de-obra, embora dê um rendimento compensador. É

nesta época que a exportação de vinho começou a desempenhar papel importante na economia do reino. 12

A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal – Desde os tempos mais antigos até ao governo do Sr. Pinheiro de Azevedo, Vol. I, Lisboa,

1978, p. 156.

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casamento resultara de uma cláusula contratual do Tratado de Salvaterra de Magos, que regulamentava as condições de paz com Castela, finda a última Guerra Fernandina). Recusando o rei de Castela, o povo dos concelhos, ou seja, a burguesia artesanal e mercantil (se é que assim pode ser designada à época), não aceitou de bom grado a aclamação de D. Beatriz, começando aí novo tumulto. A estas vozes juntou-se, quase prontamente, o clamor popular que, fustigado pela miséria e pela má governação, associou às reivindicações tradicionais (“…menos impostos, mais pão!...”) as reivindicações nacionalistas. A crise económica e social que se arrastava, transformada pelas últimas circunstâncias em crise política, explodiu por todo o país na forma de revoltas e de motins populares. Nas províncias o ódio contra o rei de Castela misturava-se indistintamente com o ódio contra as oligarquias locais da nobreza feudal e dos homens-bons dos concelhos que exploravam os camponeses e tomaram o partido de D. Beatriz. Nas cidades, a arraia-miúda (o povo dito mais pobre) virava-se contra os representantes da administração real, cobradores de impostos e juízes, na sua maioria também aristocratas. Foi, sobretudo, a alta burguesia urbana do Porto e de Lisboa que, encabeçando a luta popular, deu rumo definitivo e organização aos tumultos populares, transformando os motins em revolução política e social. Os acontecimentos mais significativos registaram-se, maioritariamente, na região de Lisboa, Santarém, Évora. Foi, pois, deste modo, que, pelas suas peculiares características, os acontecimentos de 1383/1385 permitiram, por um curto período de tempo, a ascensão política e social da burguesia urbana e mercantil, em Portugal.

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b) CONTEXTO URBANO

Tal como reflecte Virgílio Ferreira em Carta ao Futuro, «Évora é uma cidade branca como uma ermida. Convergem para ela os caminhos da planície…». De facto, esta, como capital do Alto Alentejo, estende as suas planícies ao longo de grande parte desta região. As origens de Évora ligam-se a um passado longínquo, anteriores mesmo à Romanização. No entanto, é após a reconquista que assistimos ao seu crescimento em termos urbanos. Após a reconquista, o seu espaço é precisamente o mesmo, quer da cidade romana, quer da muçulmana. Assim, será a partir deste primitivo núcleo 13, que será inicialmente o seu centro vital, que Évora irá crescer, extravasando para fora da primitiva muralha, com a consequente criação de arrabaldes, que passarão posteriormente a fazer parte integrante dela14. Ora, tendo a expansão da cidade, nesta fase da Idade Média, transbordado largamente os seus primitivos limites – o que é comprovado até pela construção de um novo circuito de muralhas mandado construir, no séc. XIV, por D. Fernando, ir-se-á verificar que Évora crescerá a partir das portas da primitiva cerca. Todo o espaço exterior à cerca romano-goda foi considerado arrabalde até meados do século XIV, quando a construção da cerca nova possibilitou a sua integração na cidade. A cidade cristã assumiu uma nova configuração. Além de sextuplicar a sua área, a antiga cidade romana converteu-se no «centro geográfico e vital da cidade irradiante do século XIV 15». Uma outra característica do desenvolvimento urbano de Évora no século XIV foi o excessivo aumento do número de tabeliães. Mais uma vez isto prova que se procede a um crescimento urbano, a um aumento demográfico e a um muito maior desenvolvimento económico. De igual importância foram as sucessivas crises alimentares, as fomes, que andam associadas a consecutivas secas e à esterilidade das terras. Graves anos de seca são os de 1375, 1376 e 1381. Porém, as carências alimentares e a pauperização já vinham de trás, pelo menos já desde as cortes de Santarém de 1340, a avaliando pelas queixas que os procuradores de Évora aí levaram. Estas crises alimentares foram responsáveis não só por uma maior rigidez em relação à saída do trigo, como também por uma certa liberalização por parte do monarca frente à entrada de trigo estrangeiro, nomeadamente castelhano. Por isso, D. Fernando, em virtude da seca proíbe a saca de pão da cidade e do termo e isenta, ainda, de sisa os que aí trouxessem pão para vender. 13

Ver Anexo I – Planta da muralha romano-goda de Évora.

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Cf. Anexo II – Planta de Évora no século XIV.

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A. H. de Oliveira Marques, Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, p. 189

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Também, e à semelhança do que aconteceu com toda a Europa e com Portugal, a peste negra deflagrou em Évora. Mas nem a peste nem as fomes foram as únicas calamidades que assolaram Évora, em meados de trezentos. Por volta desta época, talvez em 1356, registou-se aí um violento abalo de terra. Contributo negativo exerceu também a guerra que, durante todo o século em análise, assolaram o Alentejo, sobretudo entre 1381 e 1385. No entanto, apesar de todo este quadro sombrio, Évora e, consequentemente, todo o país, conseguiam fazer vingar algumas áreas, como a agricultura. Então, no grupo da propriedade rústica, destaca-se, em primeiro plano, a vinha, que ocupa lugar cimeiro nos inventários do século XIV, ainda que sofra uma grande retracção nas últimas décadas do século XIV, motivada, muito provavelmente, pela crise de mão-de-obra e pela baixa demográfica. De igual modo esteve em franco progresso, no termo de Évora, a cultura dos cereais, mas também esta decaiu devido às mortandades da segunda metade da centúria. Tenhamos em conta que, “o cereal e o vinho constituíam, pois, a essência da dieta alimentar” 16 medieval. A maioria dos bens concelhios proveio principalmente de doações régias. Muitos deles são doados nos começos do século XIV mas, aquando da crise de 1383/85, acabam por ser alienados pela rainha D. Beatriz, ainda que voltem a ser restituídos, logo de seguida, durante o reinado s de D. João I. Do mesmo modo, D. João concede alguns privilégios à cidade de Évora, sobretudo enquanto a guerra durasse. No que diz respeito ao mesteirais, ao trabalho artesanal e, consequentemente, à economia, temos conhecimento de que em Évora o arruamento dos mesteres se faz, pelo menos, desde os inícios de trezentos, sem que a sua prática seja acompanhada de imposição conhecida dos órgãos citadinos – existe já uma tentativa de organização corporativa. Neste século XIV, Évora apresenta-se como um período óptimo para a gestação da nobreza urbana. Para tal contribuiu, grandemente, a política feudal dos monarcas D. Pedro I e D. Fernando, continuada pelo próprio D. João I. Todos eles consolidaram as bases económicas da nobreza, concedendo-lhe cartas de coutada, e as bases políticas da mesma, distribuindo jurisdições e direitos de mando aos seus vassalos, como se pode verificar pelo caso Diogo Lopes Lobo, alcaide-mor em 138517, ao qual, para além de receber a renda dos tabeliães de Évora, são-lhe ainda doados os lugares de Alvito e Vila Nova, com jurisdição civil e criminal 18. 16

Maria Helena da Cruz Coelho, “Apontamentos sobre a comida e a bebida do campesinato coimbrão em tempos medievos”, in

Revista de História Económica e Social, 1984, Coimbra, p. 92. 17 18

Gabriel Pereira, Documentos Históricos da Cidade de Évora, reed., Lisboa, 1998, p. 151. Maria Ângela Rocha Beirante, Évora na Idade Média, p. 525.

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1.2. CARACTERIZAÇÃO a) AS POSTURAS MUNICIPAIS DE ÉVORA: APRESENTAÇÃO

Na actualidade, são tantas as vezes que é necessário tomar consciência dos problemas do quotidiano e tomar determinadas atitudes em relação a estes, de modo a resolvê-los. Para esse efeito são realizadas reuniões, é criada legislação e toda uma nova conjuntura se delineia. Na época medieval não era muito diferente, apenas o contexto e o era. À semelhança do que acontece actualmente, eram realizadas algumas reuniões para resolução de vários problemas, relativos à vida concreta dos concelhos. Dessas reuniões resultavam vários documentos, leis (se é que assim as poderemos designar) – as Posturas Municipais. As posturas municipais estabeleciam-se em vereação e registavam-se ao lado de outros documentos de interesse para a vida do concelho, nos chamados Livros de Vereações 19. Os livros de posturas constituem o testemunho dos mais antigos registos de vereações. Essas posturas tendiam a resolver assuntos específicos, decorrentes do viver quotidiano das populações a quem se dirigiam e versavam, por isso mesmo, as mais diversas matérias. Com a sua criação, à época, procura dar-se resposta às necessidades do dia-a-dia de um concelho, quer seja no domínio do abastecimento, no controlo dos preços e da qualidade dos produtos, quer na punição das fraudes em defesa do consumidor ou na vigilância pela boa ordem e justiça e, até mesmo pela higiene. Tantas eram as vezes que estas posturas estabeleciam ainda salários e procuravam fixar os trabalhadores às terras onde viviam. Os documentos que serviram de base à elaboração deste pequeno estudo foram também posturas municipais, mas estas respeitantes, como já foi referido anteriormente, ao caso particular de Évora. Estas posturas foram publicadas por Gabriel Pereira em Documentos Históricos da Cidade de Évora, em 1888 e reeditadas mais recentemente em 1998. Encontramo-las com a designação de «Extractos das posturas antigas da câmara de Évora» e sabemos por Gabriel Pereira que, em 1662, eram um volume, em capa de pergaminho branco, com 80 folhas e numeração moderna. É que, ao que parece, estes documentos já haviam sido transcritos por Fernão Lopes de Carvalho20, em 1446, e compilados, apesar das faltas e dos saltos, por Francisco Cabral d’Almada 21.

19

No arquivo de Braga existe mesmo um livro exclusivamente de posturas a que se dá o nome de Livro de Vereações.

20

Cavaleiro, cidadão e escrivão da câmara de Évora.

21

Escrivão da câmara de Évora a 22 de Dezembro de 1622.

19

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Nestes extractos encontram-se posturas datadas de 1375 a 1395. Incidindo este trabalho sobre os anos de 1379, 1380,1382 e 1385. Anos muito complicados, como já se constatou através do contexto histórico. O «Índice das posturas antigas» resume-nos o que estas tratam: “Pescado, Estercos, Carniceiros, Enxercas, Fruteiras, Balsas, Padeiras, …”22. Porém, os assuntos mais convenientes à realização deste pequeno trabalho foram os relacionados com os tosadores, com os alfaiates do pano de linho e de cor, tecelães e tecedeiras, com as cocedras, com os feltreiros, penteadeiras e tasquinhadeiras, albardeiros, tamiceiros, surradores, sapateiros e calçado (de linha, de cabra, de vaca, de carneiro, de gamo e de cervo), safoeiros, soqueiros 23, enfim, com o artesanato, e com os vários trabalhos ligados à agricultura24. Será, portanto, sobre o artesanato (ou parte dele, já que iremos ter em conta, essencialmente, o trabalho dos sapateiros, alfaiates e profissões relacionadas) e sobre o trabalho agrícola que esta investigação incide. Para além disso, estes documentos reportam-nos ainda para um outro universo do comércio, da agricultura e do artesanato: os preços, os pesos, as medidas, as regras, as coimas, os salários. Os «Extractos das posturas antigas da câmara de Évora» encontram-se divididos em duas partes distintas. Uma primeira parte referente a assuntos gerais, como as “Medidas de vinho e azeite”, a limpeza das ruas, o “Afilamento de pesos e medidas”, a “Caça”, ou a “Fome dos gados pela grande seca”. Numa segunda parte encontramos “Daqui adiante posturas que pertencem aos mesteiraaes”25. Sem dúvida alguma que a fonte de eleição para um estudo deste género são as posturas municipais devido à sua riqueza de informação no domínio da gestão e organização municipal. Os conhecimentos, que por seu intermédio se podem obter, são do maior interesse e pertinência, pese, contudo, a escassez de exemplares que chegaram até nós. Os Documentos Históricos da Cidade de Évora ressaltam pela sua importância na medida em que aglutinam documentos de primacial relevância para o estudo da cidade de Évora, quer para a época medieval, quer ainda para os primórdios da época moderna, cujo conhecimento se apresenta essencial para cultores da história de cada uma dessas épocas.

22

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 138.

23

Para uma melhor compreensão sobre o que se vai falar no capítulo seguinte “As posturas e o mundo do trabalho” e para uma

definição de cada um destes termos, é aconselhável consultar o Anexo III – Glossário. 24

Como é o caso dos servidores das sementeiras, dos podadores, dos segadores, valadores e dos mancebos da lavoura. Cf. Gabriel

Pereira, Documentos Históricos da Cidade de Évora, p. 138 (“ Índice das Posturas antigas”). 25

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 147.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

b) AS POSTURAS MUNICIPAIS DE ÉVORA: COMPOSIÇÃO SOCIAL E GESTÃO MUNICIPAL

Os últimos tempos medievais, com o crescente desenvolvimento das cidades, trouxeram às suas populações, além do recrudescimento de problemas de ordem variada, que já se vinham a fazer sentir desde há algum tempo, o surgir de outros que, por sua vez, se iam também agravando. A todos havia que dar solução e ao concelho, como órgão dirigente da cidade, competia encontrar os meios adequados para isso. Daí a proliferação de posturas municipais que a Baixa Idade Média conheceu por toda a parte e que, se prolongou durante as centúrias seguintes. A estrutura da câmara de Évora que conhecemos, neste caso, em quatro ocasiões distintas, mas num mesmo período bastante conturbado – 1379, 1380, 1382 e 1385 – não se afastava muito do padrão legislativo de todo o reino 26. Segundo Maria Ângela Rocha Beirante 27, a partir do século XIV, a forma tripartida do concelho28 sofre uma amputação. Então, o alcaide deixa de representar o concelho, já que o monarca encontrou outras formas de intervir na vida social, nomeando, para esse efeito, corregedores e juízes de fora. Para além disso, assiste-se a um alargamento dos cargos concelhios, enquanto a assembleia mais geral dos vizinhos, dá lugar a uma assembleia mais restrita, integrada por juízes, vereadores, procuradores, tesoureiro, escrivães, fidalgos e cidadãos e que vai ao encontro dos interesses da oligarquia urbana. Esta “nova” assembleia, para os casos estudados, reúne em lugares bem distintos, ao contrário do que possamos pensar. À primeira vista, o que poderíamos pensar é que ela se reúne nos paços do concelho, na câmara, digamos assim. Mas a realidade é outra bem distinta. Temos referência, pelo menos, a três locais em que a assembleia reunia: os próprios paços do concelho, o Mosteiro de S. Domingos e uma casa da fala que, na dúvida, não referimos como os ditos paços. Apesar de tudo, de todas estas transformações, a primitiva tríade da organização concelhia não se esbateu por completo. Mas, quem é que assegurava estes cargos municipais? Quem é que é chamado às assembleias? Tratam-se de questões fundamentais, uma vez que, de acordo com a legislação então em vigor, depende destas pessoas a fixação anual dos responsáveis pelos diferentes pelouros municipais e, o que é mais importante, a escolha da próxima câmara. Saber quem fez parte desta assembleia é pois, conhecer quem, efectivamente, controla a vida concelhia. 26

Cf. Ordenações Afonsinas, Livro I, edição fac-similada de 1792, Lisboa, 1984, pp.116-199, referindo-se às funções dos

corregedores, juízes de fora, juízes ordinários, vereadores, almotacés, procuradores e alcaides-menores. 27

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 673.

28

Composta pelo alcaide (simultaneamente real e municipal), pela assembleia dos vizinhos ou concelho (a base do município

medieval) e pelos juízes, eleitos pela assembleia dos vizinhos.

21

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Sabemos que a gestão municipal se reserva aos mais abastados em bens materiais, sobretudo em terras. Mas não só a estes, uma vez que vamos também encontrar entre os principais cargos municipais de Évora os que, pela «posse da sabedoria» (os letrados) e cada vez mais exigidos, se distinguem dos demais vizinhos do concelho. Convém, ainda, ter em conta que não encontramos a preencher qualquer magistratura superior do concelho, nem mesteirais, nem tão pouco trabalhadores rurais (o termo, conotado com o mundo rural e o trabalho agrícola, tinha uma importância muito reduzida em relação à sede). Deste modo, o grupo de indivíduos que assegurava a gestão da cidade de Évora, essencialmente, entre as datas já acima referidas, patenteia algumas características que merecem ser assinaladas (conferir com o Quadro I – Composição da Câmara de Évora29). Analisando em pormenor e recorrendo à comparação da onomástica dos participantes, podemos defini-lo como um grupo um pouco heterogéneo, já que encontramos membros, dentro da aristocracia, da alta, média e pequena nobreza. Senão, tenhamos em conta a família dos Lobo 30 (para o caso da alta aristocracia), da família dos Arca – que começa a perder a sua importância no século XV –, dos Fuseiro e dos Boto31 (representando a média nobreza) e da família Façanha, para o caso da pequena nobreza. A alta nobreza «é integrada por um núcleo de famílias que se distinguem pelo exercício de jurisdições e pela detenção de direitos de mando e respectivos rendimentos do rei, que constituem uma nobreza de corte ou de serviço, mas só em casos pontuais os seus membros exercem cargos municipais...»32. Quanto à média e à pequena nobreza é, um pouco, complicado diferencia-las. «A aproximação faz-se por via dos cargos municipais e dos cargos de nomeação régia, onde coexiste a média e a pequena nobreza, mas os elementos do escalão inferior contentam-se com funções menos decisivas no quadro concelhio e, em termos de funcionalismo régio, só raramente alcançam o cargo de corregedor.»33. Enquanto que a média nobreza atinge a categoria de vassalos do rei e de cavaleiro fidalgo, embora existam elementos que não possuam esse título de fidalguia, a pequena nobreza são escudeiros e vassalos. É de todo conveniente salientar ainda que são poucos os casos em que alcançam a categoria de cavaleiros. 29

Conferir anexo IV – Composição da Câmara de Évora.

30

Que, segundo Maria Ângela Rocha Beirante, na sua tese de seminário Évora na Idade Média (pp. 524 e 525), é uma família que

ascende, progressivamente, aos cargos mais relevantes, entre 1383 e 1385. 31

Ver Anexo V – Mesteirais presentes na elaboração das Posturas Municipais de Évora.

32

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 523.

33

Idem, ibidem p. 547.

22

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Então, porquê a presença de nobres nos cargos municipais? De facto, não é uma situação comum aos demais concelhos do reino, mas Évora, à semelhança de Lisboa e de Santarém, não é um bom exemplo do que se passa pelos outros concelhos. Isto acontecesse, sem dúvida, devido à presença constante do rei no concelho. Outro factor que devemos ter em conta na análise da gestão municipal e na sua composição social é o facto de encontrarmos presentes nas de posturas municipais elementos provenientes da governação central, como é o caso dos corregedores, dos regedores e do alcaidemor. Isto dever-se-ia, muito provavelmente, ao facto de e serem anos muito conturbados, sendo uma situação excepcional, para o caso de poderem existir tumultos ou agitações. Tal como explica Ângela Beirante, encontramos alguns elementos da família dos Lobo na governança de Évora, logo antes e após a crise de 1383/85 (essencialmente), a exercer alguns dos cargos mais importantes, como é o caso de Lopo Fernandes Lobo, que é, em 1382, regedor e do cavaleiro Diogo Lopes Lobo34 como Alcaide-mor, em 1385. Do mesmo modo, a família dos Arca, já no que diz respeito à média nobreza, vai adquirindo importância ao longo de todo o século XIV, acabando por se diluir no século seguinte. O primeiro membro da família Arca, que temos conhecimento, que fez parte da governação do concelho foi o escudeiro Fernão Gonçalves da Arca, como juiz do cível, em 1357 35. Vamos encontrá-lo, posteriormente, em 1382 e em 1385, como regedor36. Podemos, muito provavelmente, depreender que, tratando-se do mesmo Fernão Gonçalves da Arca, fez parte do concelho por várias ocasiões e com cargos muito distintos. Encontramos ainda, a fazer parte da composição da câmara, o seu filho João Gonçalves da Arca, como representante dos homens-bons do concelho. Uma outra família que compõe a câmara do concelho, é a família Fuseiro, cujo um dos elementos é Lourenço Peres Fuseiro, que é regedor no mesmo período que Fernão Gonçalves da Arca e Lopo Fernandes Lobo, em 1382. Tenhamos em consideração que já no reinado de D. Pedro I esta família detém grande poder por entre os grandes do concelho. Falo de Rodrigo Eanes Fuseiro, que apesar de não constar na lista de composição da câmara para os anos analisados, era regedor, tal como Lourenço Peres Fuseiro, em 1382. Esta situação demonstra bem a participação 34

Que, segundo Ângela Beirante (em Évora na Idade Média, p. 525), para além de ser alcaide-mor, recebe ainda a renda dos

tabeliães de Évora e algumas doações feitas por D. João I, logo após a sua entronização. 35

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 612.

36

O regedor é uma figura muito controversa. Sabe-se que são nomeados pelo poder central, pelo rei, e que saem das figuras mais

influentes da cidade – eram oriundos da verdadeira nobreza urbana. Deveriam colaborar com os vereadores na elaboração das posturas municipais e nas vereações executadas pelos juízes e pelos almotacés. Para além disso, tinham o dever de manter a ordem pública e trabalhariam em prol dos concelhos e do seu bom regimento.

23

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

desta família na governação de Évora, a partir desta época, já que parece que não foram encontrados elementos seus noutros anos senão a partir de 1381, com Lourenço Peres Fuseiro. Também a família Façanha é bastante relevante no funcionamento da câmara de Évora. Para os anos em estudo, encontramos menção a Vasco Rodrigues Façanha e a Lopo Rodrigues Façanha, como regedor, em 1382, e vereador, em 1385, respectivamente. Estes pertencem já a uma nobreza muito mais pequena e já de uma longa existência no concelho. Possuímos informações acerca da sua participação na governança concelhia, a partir, pelo menos, de meados do século XIII, com a presença de Martim Soares Façanha, como Juiz, em 1251. Para além de todo este manancial de informação e da predominância de algumas famílias na governança do concelho durante largos períodos de tempos deparamo-nos também com um mesmo indivíduo a exercer o mesmo cargo durante vários anos, com a ascensão de função em função, de ano para ano e, até mesmo a acumulação de cargos (confirme-se no Quadro II – Funcionários da Câmara de Évora que alcançaram mais do que um cargo). Verificando com atenção o Quadro I – Composição da Câmara de Évora – chegamos a conclusões que estão bem visíveis no Quadro II – Funcionários da Câmara de Évora que alcançaram mais do que um cargo 37. Comecemos por analisar o caso de Lopo Fernandes Lobo que chega a desempenhar três funções diferentes: vereador (durante dois anos – 1380 e 1385), regedor e juiz do crime. Lopo Fernandes Lobo, ao que parece e, segundo Ângela Beirante, começa a sua ligação com a administração do concelho, como regedor, em 1377. Mas é em 1385 que ocupa um dos cargos de grande importância na vida concelhia: o de juiz, no caso, do crime. Algo de semelhante acontece com Vasco Gil que é juiz de fora durante três anos38. Supõese que seja um letrado, já que os juízes de fora têm, por vezes, uma formação em Direito. Quando um monarca queria ter a certeza da fidelidade de um concelho, colocava aí um juiz de fora ou juiz por el-rei, como também era designado. Este magistrado pode coexistir com o juiz do concelho ou então, como acontecia em Évora, eliminando a presença deste e afirmando-se. Posteriormente, encontramos Vasco Gil na função de corregedor, em 1382, deixando, a partir daí, de fazer parte da lista de funcionários do concelho. Também Vasco Durães, que é vereador em 1380, torna-se procurador do concelho, em 1385, encontrando-o Ângela Beirante como vereador, de novo, em 1388. E o mesmo sucede com

37

Veja-se o anexo VI – Funcionários da Câmara de Évora que alcançaram mais do que um cargo.

38

Através das «Posturas Municipais de Évora», editadas por Gabriel Pereira, encontramos Vasco Gil como juiz de fora durante dois

anos (1379 e 1380). Ângela Beirante refere, em Évora na Idade Média (p. 614), que em 1381, Vasco Gil seria também juiz de fora.

24

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Martim Vasques que, ao que parece, começa a exercer funções como regedor, em 1377, voltando a sê-lo em 138139 e 1382. Em 1385, passa a exercer funções de juiz do cível. Todos estes exemplos foram dados para que se tivesse uma maior consciência da permanência, ascensão e mobilidade dentro da governança do concelho de Évora. Enquanto que muitos exercem funções durante um espaço de tempo muito restrito, a sua maioria age de maneira bem diferente. Chegamos ainda à conclusão que muitas das funções são quase perpétuas e contínuas e que, em muitos casos, cada cargo passava de geração em geração, de avós para filhos e, consequentemente para netos. Um outro aspecto que se verifica é o da mobilidade entre cargos, demonstrando-se esta uma prática “quotidiana” e, quase sempre, ascendente, passando-se de certa função a uma superior.

39

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p.613.

25

PARTE III AS POSTURAS E O MUNDO DO TRABALHO 1. MESTERES E MESTEIRAIS 2. OS QUE TRABALHAM NA TERRA 3. INTERACÇÕES ENTRE ARTESANATO E TRABALHO RURAL 4. COMPARATIVIDADE DE PREÇOS E SALÁRIOS

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

AS POSTURAS E O MUNDO DO TRABALHO 1. MESTERES E MESTEIRAIS “As cidades medievais portuguesas não se caracterizavam, na verdade, por um grande desenvolvimento artesanal.”40. Em cada cidade existiriam os mesteres e mesteirais 41 necessários à sobrevivência da comunidade local 42, mas em raras as vezes em que se especializavam para concorrer com o “mercado externo”. Não admira, pois, neste contexto, que o número de mesteirais fosse reduzido em relação à restante população activa. Mesmo, particularmente, no caso de Évora, os mesteirais não excederiam os 10%, no máximo 43. Os mesteirais parecem formar um verdadeiro grupo social, criando, pelo menos, desde o século XIII, pequenos núcleos que os agrupam por tipo de ofício: são os arruamentos, que começam a tomar, em meados do século XIV, outras proporções. Em Évora encontramos os exemplos da rua da sapataria e a rua dos caldeireiros. Uma grande dificuldade que os mesteirais eborenses tinham, tal como os demais, era a de ascender ao poder municipal, ainda que, por vezes, e dada a necessidade e o contexto da época, isso pudesse acontecer. O que explica isto é o facto de existir em Évora uma oligarquia urbana muito resistente e hostil aos interesses dos outros grupos sociais, no entanto, a partir de meados do século XIV, os mesteres mais importantes pelo número dos seus trabalhadores começam a possuir representantes eleitos ou nomeados, geralmente em número de dois. Eram os chamados vedores. As suas funções eram várias, mas a mais importante era, sem dúvida, a de representar o mester junto das autoridades, quando se trata de assuntos relacionados com o mester específico. A prová-lo encontramos nas posturas municipais de Évora, por volta de 1379, vedores dos alfaiates dos panos de cor, vedores dos alfaiates dos panos de linho, vedores dos sapateiros e um procurador dos mouros sapateiros, todos, ao que parece, eleitos, como os casos de Gonçalo Abade, Estêvão Eanes Boto e de João Fernandes44 (vedores), todos eles homens de ofícios e que conseguiram representar o seu grupo profissional: os alfaiates, tosadores e sapateiros, respectivamente. 40

Maria Helena da Cruz Coelho, “A Mulher e o Trabalho nas Cidades Medievais Portuguesas”, in Homens, espaços e poderes – séculos

XI-XVI, vol. I, Notas do Viver Social, Lisboa, 1990, p. 40. 41

Cf. Anexo III – Glossário.

42

Tenhamos em conta que o comércio medieval era muito voltado para uma economia de subsistência, porém, era praticado

também um comércio de exportação ligado, essencialmente, aos produtos que a natureza oferece (sobretudo, os que vêm da terra e do mar). 43

A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., p. 115.

44

Veja-se o Anexo V – Mesteirais presentes na elaboração das Posturas Municipais de Évora.

27

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

As posturas municipais de Évora apresentam, entre os principais mesteres relacionados com a economia urbana, os artesãos que garantiam o abastecimento de vestuário ou matériasprimas, sectores onde encontramos uma complementaridade produtiva entre artesanato e pequeno comércio. De entre as profissões referidas destacam-se os sapateiros (como expressão generalista, já que existiam também soqueiros, safoeiros, etc.), no domínio dos curtumes, e os alfaiates, no domínio dos lanifícios e têxteis, bem como os mesteres relacionados com estes dois ofícios: peliteiros, surradores (ligados ao tratamento das peles) tasquinhadeiras, penteadeiras, tecedeiras, tecelães, tosadores (ligados aos trabalhos dos tecidos). No que diz respeito aos sapateiros, sabemos, através dos «Extractos das posturas antigas da câmara de Évora» 45, dado os nomes que aí aparecem, que existiam sapateiros cristãos, mouros e judeus, sendo, muito provavelmente, o número de sapateiros cristãos muito mais elevado do que os das restantes etnias 46. Para além disso, a documentação dá-nos ainda a conhecer a existência de uma grande diversidade de calçado, consoante o fim para que seria pretendido e consoante os diversos tipos de pele utilizados no seu fabrico. O couro, para além de ser trabalhado pelos sapateiros, também o era por soqueiros e por safoeiros, pelo menos, e segundo as posturas municipais, para o caso de Évora. Eram trabalhados diversos tipos de couro, de peles, como o de cabra, o de carneiro, o de vaca, o de gamo47 e o de cervo. Temos que ter também em consideração também, como já vimos acima, que existia uma grande variedade de mesteres que estavam associados a este ofício, sobretudo na extracção e preparação dos couros e das peles. O que poderia fazer um “simples” sapateiro, sem o auxílio dos Carniceiros, dos surradores ou dos tosadores? Talvez muito pouco, dadas as características de fabrico e de especializações da época medieval, não olvidando, claro está, a morosidade dos trabalhos. As técnicas utilizadas pelos mesteirais não variaram muito durante toda a Idade Média. Algumas talvez tenham mesmo persistido sem grandes alterações até aos nossos dias. A indústria dos curtumes, por exemplo, implicava um vasto conjunto de trabalhos de que temos conhecimento através das posturas de Évora. Aí se fala nas operações realizadas desde a molhagem à “escabelagem” (depilação das peles, através dos pelames, isto é, banhos dados às peles em água e 45

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 137.

46

Ângela Beirante registou, na sua tese de doutoramento Évora na Idade Média (p. 500), cerca de 136 sapateiros cristãos, 45

sapateiros judeus e 12 sapateiros mouros, para o período que decorre entre 1260 e 1500. 47

Cf. Anexo III – Glossário.

28

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

sal), passando, posteriormente, pela curtição (com um banho de sumagre) até ao acabamento (processo que visava a surração das peles, o seu endurecimento – o testo – e a cosedura). A estes trabalhos poder-se-ia seguir a arte de tinturaria, nas cores desejadas 48. No que se refere já aos alfaiates, pode começar por se dizer que havia uma enorme circulação de diversos tipos de panos no território português, quer fossem nacionais ou internacionais, como os panos de cor. Temos que ter em consideração que estamos perante um período em que a expansão pecuária implicou um aumento na produção de lã, por exemplo. Na manufactura caseira destacavam-se o bragal (pano grosseiro), o pano de burel (de lã) e o pano de linho49, daí também, muito provavelmente, a existência de, pelo menos dois tipos de alfaiates em Évora, como nos dão a conhecer as posturas municipais: os dos panos de cor (que seriam oriundos, essencialmente, do norte da Europa) e os dos panos de linho50 (de fabrico nacional). Assim sendo, para além dos panos portugueses, também a indústria têxtil estrangeira invade o nosso reino, foi o que aconteceu com os panos da Flandres (como os panos de Bruges, Ypres, Courtrai, Arras, Comines ou Valenciennes) e da Inglaterra (como os panos de Londres, de Inglaterra e de Gales)51. Outro factor a ter em consideração é o facto de, normalmente, a maioria dos artesãos tanto do calçado, como do vestuário eram homens. No entanto, eram muitas as vezes em que se verificava o auxílio de mulheres nestes trabalhos. Seria muito provável vermos os homens a fabricar os produtos e as suas mulheres e filhas (ou outras mulheres) a vendê-los numa tenda em frente à oficina, como no caso dos sapateiros. Ou então, no caso dos alfaiates, como conseguiriam eles fazer vestuário sem que antes tivesse havido uma preparação das matérias-primas e dos próprios tecidos?

48

Gabriel Pereira, ob. cit., I, pp. 143-146. Veja-se também o estudo de Jacques HEERS, O Trabalho na Idade Média, Lisboa, 1965.

49

Que serviam para as vestes de gente mais rude, como o trabalhador rural que se vestia, essencialmente de burel. A nobreza e a

burguesia consumiam os tecidos importados, os chamados panos de cor. 50

Para um melhor esclarecimento acerca do processo de transformação e trabalhos do linho cf. Ernesto Veiga de Oliveira,

Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Tecnologia tradicional portuguesa. O Linho, Lisboa, 1978. 51

Veja-se o Anexo VII – Principais Locais da Indústria Têxtil Estrangeira. A preferência dada à França e à Flandres, sobretudo, no

que se refere à importação de tecidos, provinha por um lado, pelo alto grau de perfeição que as suas indústrias de tecelagem haviam atingido, por outro lado era devido às antigas relações com os franceses que se haviam estabelecido em Portugal, e com os flamengos que por cá teriam ficado depois da conquista de Lisboa. No caso específico da Inglaterra, sabe-se que o comércio era feito por pescadores portugueses que iam pescar às costas britânicas e em seguida traziam para Portugal os lanifícios em troca do pescado. Para uma melhor compreensão sobre esta temática consulte-se Maria Luísa Moreira Pires, Alguns aspectos da importação de tecidos e seu comércio externo nos séculos XII a XV, Coimbra, 1958.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

O processo da transformação da matéria-prima, para além de constituir uma das actividades da economia rural doméstica, era muito moroso e estava entregue, sobretudo, à mãode-obra feminina, salientando-se as tasquinhadeiras, as penteadeiras e as tecedeiras52. Assim, tudo leva a crer, portanto, que seriam as actividades ligadas à confecção de tecidos, do vestuário, que ocuparia maior número dos mesteirais53, tendo em conta a estreita ligação dos alfaiates (fabrico do vestuário) à tecelagem (fabrico dos tecidos). As actividades relacionadas com a produção de tecidos serão, provavelmente, das mais antigas e, certamente, das mais divulgadas actividades industriais. Efectivamente, para o caso do linho54, o cultivo, colheita, desbaste da palha, a sua secagem, espadela (separação da casca das fibras do linho, na qual as tasquinhadeiras tinham papel fundamental), nova secagem ao sol, a fiação e, por fim, a tecelagem, eram processos preciosos e sem os quais não se conseguiria alcançar um produto final (mais fino ou mais grosseiro, consoante os casos). Muito sumariamente, ficaram referidas as principais ideias relacionadas com os mesteirais e, para o caso do estudo em questão, particularmente, com os sapateiros, alfaiates e ofícios associados e, para terminar esta breve análise às principais profissões que concorriam para vestir e calçar os habitantes de Évora, devo salientar que as matérias-primas utilizadas no vestuário e no calçado eram tanto de produção local, como de produção “internacional”, importadas por mercadores, quer em bruto, quer já transformadas.

52

Veja-se o Anexo III – Glossário.

53

Ângela Beirante registou, em Évora na Idade Média (pp. 500 e 501) para o período entre 1260 e 1500 cerca de 202 alfaiates, 106

tecelães, 53 tosadores, 30 albardeiros, 9 penteeiros e 9 tintureiros, todos eles relacionados com a produção têxtil. 54

Não esqueçamos que em Portugal se cultivavam, fundamentalmente, duas espécies de linho: o mourisco (produzido durante o

Inverno) e o galego (durante a Primavera).

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

2. A TERRA E OS QUE NELA TRABALHAM

A produção da economia medieval eborense, à semelhança do que acontecia com o resto do reino, é de natureza agrícola, a par de uma também importante exploração pecuária. Porém, o que importa focar no nosso trabalho é a actividade agrícola, sobretudo os que nela trabalham. Em primeiro lugar convém destacar que em Évora se assistia, sobretudo, a uma produção predominantemente cerealífera, sendo o trigo e a cevada das mais importantes culturas. A estes associa-se a criação de gados. De igual importância é também o cultivo da vinha, que se centra em pequenas parcelas situadas em torno da cidade55. Associadas às vinhas estavam, quase sempre, a oliveira e as árvores de fruto, como a figueira. Daí a diversidade de trabalhadores agrícolas que existiam. Nos primeiros séculos da monarquia, era muito pouco provável que alguém que não pertencesse à Nobreza ou ao Clero tivesse a plena propriedade da terra que cultivava. Esse número vai, contudo, alargar-se durante o século XIV, quando muitos mesteirais e mercadores das cidades começaram a investir capitais na terra e a tornarem-se pequenos ou médios proprietários rurais 56. De facto, a grande maioria dos habitantes cultivava terra que não lhe pertencia, pagando foro ou renda sobre essa terra ou trabalhando apenas em troca de um salário – os assalariados. Nas posturas municipais de Évora, encontramos uma grande diversidade de jornaleiros (trabalhadores à jorna) 57, isto é, de assalariados. São feitas posturas para regulamentar o trabalho de servidores de sementeira, de segadores, apanhadores dos trigos e das cevadas e de empadores, só para citar alguns exemplos dos mais significativos. Talvez seja devido a estas “especializações” que os trabalhadores agrícolas existam em elevado número58. Estranho é que, ao contrário do que acontece com os mesteirais, apesar das já anteriormente referidas dificuldades, os trabalhadores agrícolas não tenham assento em nenhum momento nas reuniões concelhias. A provar isso mesmo temos o caso da «Hordenaçom como ham de pagar os mancebos da lavoura», por exemplo, onde não encontramos nenhum mancebo da

55

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 350.

56

A. H. de Oliveira Marques, “O Trabalho”, in A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspectos da vida quotidiana, Lisboa, 1981, p. 132.

57

Veja-se o Anexo III – Glossário.

58

Ângela Beirante faz referência em Évora na Idade Média (p. 500), para os anos compreendidos entre 1260 e 1500, a 552

trabalhadores do sector primário, dos quais cerca de 272 são lavradores, 24 são mancebos e sergentes, 15 são serviçais e servidores e 12 são braceiros e trabalhadores.

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lavoura ou outro trabalhador agrícola em sua representação, como acontecia com os vedores dos mesteirais. Quanto à utensilagem da lavra, a novidade medieval era, sem dúvida, a difusão do arado quadrangular ou charrua59. O arado era, quase sempre, puxado por bois ou vacas. No caso de Évora e de todo o sul de Portugal, o mais provável era que esse trabalho fosse feito com dois bois, até porque a extensão dos terrenos a isso deveria obrigar. Senão vejamos. Segundo as posturas de Évora “(...) os que lavram os ferregeaes com singees e tendas que tragam os boys per esta guisa…se trouxer dois boys traga um chocalho bem devisado (…)”. Aqui também o burro seria utilizado como animal de tracção 60. Convém não esquecer ainda que quem possuía bois de arado teria que efectuar o pagamento da jugada por cada junta de bois. A lavra, tal como a sementeira, faziam-se manualmente, recorrendo-se ao uso de enxadas ou a arados de mão, no caso da primeira. E, denote-se, até aqui se verificava uma distinção social e material entre os que possuíam bois e arado e os que nada disso possuíam61. Na documentação são feitas alusões “ao obreiro da enxada”, aos valadores, aos sergentes, aos talhadores e aos que tangerem os bois62. Lavrar a terra e semear os cereais ocuparia estes homens entre os meses de Outubro e Janeiro. Convém não esquecer também que, durante o desenvolvimento dos cereais, se procedia a uma outra etapa das lides do campo – a monda – na qual tinham importante papel as mondadeiras. Este ofício destinava-se, essencialmente, a arrancar as ervas daninhas que não deixam progredir os as cearas 63. À sementeira e à monda segue-se a ceifa e a debulha, que preocupariam os lavradores nos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro. Com efeito, depois de maduro o cereal tinha que ser ceifado e este trabalho era feito com uma foice de segar, que dá o nome a quem se dedica a este trabalho – o segador. Posteriormente, 59

Cf. Anexo III – Glossário. Para uma melhor abordagem sobre o assunto consulte-se A. H. de Oliveira Marques, Introdução à

História da Agricultura em Portugal. A questão cerealífera durante a Idade Média, Lisboa, 1968, p.96 e 97; José Mattoso, “Os fundamentos da formação social”, in José Hermano Saraiva, História de Portugal, vol. 2, Lisboa, 1982, pp. 160 e 262 e Jorge Dias, Os arados portugueses e as suas origens, Coimbra, 1948, bem como Maria Helena da Cruz Coelho, O baixo Mondego nos finais da Idade Média, Coimbra, 1988, p. 209. 60

A H. de Oliveira Marques, Introdução à História da Agricultura em Portugal. A questão cerealífera durante a Idade Média, Lisboa, 1968,

p. 97. 61

Idem, ibidem, p. 98.Cf. também o Anexo VIII – Os trabalhadores e a sua posição na procissão do Corpo de Deus.

62

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 159: “T.º dos servidores da sementeira…que deem de jornal ao que semear e lavrar 4 soldos que seja

abegam, e ao que lavrar com arado 3 s. e ao que tanger os bois 2 s. …e ao que atalhar e lavrar…4 s. ao abegam… e qualquer que mais der que pague a pena…”. 63

Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, Lisboa, 1995, “Mondar”, p. 992.

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colhido o cereal, havia que separar o grão da palha (a debulha), processo que poderia ser feito com um malho, trilho, singel, ou simplesmente com os pés. Estes trabalhos estariam concluídos por volta de Santa Maria de Agosto (dia 15 desse mês)64. Associados a estes trabalhos encontramos nas posturas eborenses referências a segadores e a apanhadores dos trigos e das cevadas. No intervalo destes lavores, era a vinha que tomava o tempo do lavrador. Procede-se à poda (em Janeiro e Fevereiro) e às técnicas de empar, cavar e colher as uvas, em meados de Setembro, época em que se terminariam também as colheitas. Depois de cortar os ramos inúteis das videiras (poda), procedia-se à limpeza desta das suas vides, dos seus ramos secos, (esvidigar), para se preparar a vinha para a próxima época. Para além disso construíam-se suportes, em varas ou caniçados, para suster as videiras (empar) Deste modo, para além dos trabalhadores que ocupavam o seu tempo com as sementeiras e com a apanha dos cereais possuímos ainda informação acerca de outros trabalhadores agrícolas: os podadores, os esvidigadores e os empadores, mas estes ligados já à cultura da vinha. Não se pense, porém, que eram apenas homens que labutavam com a árdua vida dos campos. Também as mulheres realizavam trabalhos agrícolas. Encontrámos, na documentação, referência a mondadeiras (como já ficou descrito), a “esvidigadeiras” (“(…) aa molher por esvidiguar (…)”) e mulheres que apanhavam o trigo. Como já ficou escrito atrás, no contexto epocal e no contexto urbano, o século XIV, sobretudo a partir da segunda metade, traduziu-se em maus anos agrícolas (secas, inundações devido a excesso de chuvas, esterilidade dos solos), períodos de instabilidade devido à guerra (quer fosse nacional ou a nível europeu), epidemias (como a peste negra), enfim, a produção era muito incerta. De facto, como se pode constatar, o camponês não sentia menos o efeito da crise do que o privilegiado. O excesso de chuvas ou de calor estragava-lhe a colheita, os exércitos devastavamlhe os campos e roubavam-lhe o pão65. Entretanto, os braços de trabalho eram remetidos para a guerra ou sucumbiam à mortalidade da peste. Eram graves anos estes, para quem possuía na terra o seu sustento, quer fosse proprietário, rendeiro ou um simples assalariado.

64

Cf. Anexo III – Glossário e cf. José Gonçalo C. Herculano de Carvalho, Coisas e Palavras. Alguns problemas etnográficos e linguísticos

relacionados com os primitivos sistemas de debulha na Península Ibérica, Coimbra, 1953 e Orlando Ribeiro, Cultura do milho, economia agrária e povoamento, p. 645. 65

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 161: “(…) como os lavradores per necessidade da guerra nom podem fazer suas lavoiras como soiam,

nem as terras boas que soíam a lavrar nom som lavradas per azo das guerras e per esta razom nom ham pam de nada, de mais essas poucas novidades que ham som lhe estroidas e danadas per azo dos enemigos ante que as colham (…)”.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Os assalariados, que trabalhavam, habitualmente, por um período de tempo mais longo, em épocas de crise, como a que ocorreu durante o século XIV, eram muito difíceis de contratar pelos senhores ou pelos lavradores. Tratava-se, sem dúvida, de uma mão-de-obra flutuante que cedo verificou que lhe era mais compensador estar livre para a lavoura, sementeira e colheita, e arrecadar as jornas elevadas que os empregadores então pagavam, do que trabalhar um ano inteiro por um salário fixo e muito menos rentável.66 Na verdade, a mão-de-obra assalariada nunca teria respondido cabalmente à procura que tinha.

66

Maria Helena da Cruz Coelho, O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, vol. I, Coimbra, 1988, p. 632.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

3. INTERACÇÕES ENTRE ARTESANATO E TRABALHO RURAL

Durante quase toda a Idade Média foi, sem dúvida, a actividade agrícola que predominou, contudo, a par da agricultura, mais direccionada para os meios rurais (para os campos, para os arrabaldes), também o artesanato detinha primordial importância nos meios urbanos e mesmo em determinados meios rurais. É muito provável, portanto, que estes dois sectores (primário e secundário) se liguem um ao outro e interajam. Infelizmente, ainda que o assunto seja de grande interesse, esta matéria não tem sido muito explorada sendo, por isso, muito escassas as obras que fazem referência às «interacções entre artesanato e trabalho rural». Para além disso, parece também tornar-se difícil a exploração das fontes em relação a esse assunto, pelo menos directamente. Temos conhecimento que com o crescimento das cidades estas começam por penetrar nos arrabaldes e nos campos que as rodeavam, o que acaba por proporcionar uma relação cidadecampo. E isso está bem visível em Évora, já que todo o espaço exterior à cerca romano-goda foi considerado arrabalde até meados do século XIV, quando a construção da cerca nova possibilitou a sua integração na cidade67. Deste modo, verifica-se uma saída de uma situação de intramuros para extramuros (pelo menos em relação à antiga muralha romano-goda). Surgem, então, entre os séculos XIII e XIV, quatro novas zonas: o arrabalde de S. Mamede, o arrabalde da Porta de Alconchel, o arrabalde de S. Francisco e o arrabalde da Porta de Moura68. O certo é que, se era do campo que provinham os principais produtos agrícolas que sustentavam os circuitos comerciais de exportação de Portugal 69 e que era também daí que vinha toda, ou pelo menos grande parte, da importância do centro urbano, a partir de então, Évora encontra-se, cada vez mais, em interacção com o campo. De facto, as vilas e cidades cresceram economicamente numa íntima dependência em relação ao mundo rural. É que o surto urbano, apesar de tudo, via-se constantemente pontilhado pela ressurgência de pedaços de courelas de terra cultivadas, ocupadas por quintais, onde se continuavam a cultivar produtos mimosos ou, sobremaneira, a podar as árvores de fruto 70. Para além disso, as feiras permitiam um encontro entre estes dois mundos tão diferentes, mas com interesses tão semelhantes. O camponês colocava à disposição dos habitantes da cidade

67

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 51.

68

Veja-se o anexo II – Planta de Évora no século XIV.

69

Saul António Gomes, “O Mundo Rural e o Mundo Urbano”, Nova História de Portugal – Portugal em Definição de Fronteiras. Do

Condado Portucalense à Crise do Século XIV (1096-1325), Lisboa, 1996, p. 386. 70

Idem, Ibidem, p. 387.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

os seus produtos e a este era-lhe dada a oportunidade de adquirir produtos e instrumentos técnicos essenciais ao seu trabalho. Para o camponês, a cidade oferecia vários produtos artesanais e maior abundância de trabalho especializado por conta de outrem. Eram também muitas as pessoas que saíam da cidade ainda com o clarear do dia e voltavam apenas ao anoitecer, depois dos trabalhos à jorna realizados nos campos. De qualquer forma, a cidade torna-se o grande propulsionador da organização e exploração do território envolvente, do espaço rural ou do termo onde proliferavam os casais e as aldeias71. Outro factor que devemos ainda reter é o facto de nas Posturas Municipais de Évora os trabalhadores rurais estarem englobados nas “…posturas que pertencem aos mesteiraais”. Isto justifica-se, muito provavelmente, devido ao facto de mesteirais e trabalhadores rurais estarem intimamente ligados. Como poderia, pois, uma padeira ou um “moinheiro” fazer o seu trabalho, se antes não tivesse existido todo um processo levado a cabo por “mancebos da lavoura”, por “segadores” ou até mesmo por “apanhadores dos trigos e dos cevados”? Um óptimo exemplo da relação entre o campo e a cidade é o caso dos valadores que, ora estão a trabalhar nos campos, fazendo valas para a irrigação das terras, por exemplo, ou então encontramo-los a trabalhar em certos trabalhos, dentro da própria urbe. Um outro caso é o facto da agricultura estar intimamente ligada à criação de gado 72. Por um lado, esta é importante para que o esterco do gado seja utilizado como fertilizante (daí parte da sua importância para o meio rural), por outro lado, também a cidade fica a beneficiar desta actividade, já que, por exemplo, as peles de alguns dos animais (como a vaca ou a ovelha) são fundamentais para que os sapateiros, os tecelães ou os alfaiates se empenhem nos seus trabalhos. Como se pode verificar, as ligações da cidade ao campo e deste à primeira são diversificadas e não se limitam somente ao pequeno «rol» que descrevi, muito sucintamente, neste tópico. Porém, e para além de haver muito mais a dizer, penso que ficou bem marcada a importância deste assunto. Efectivamente, o trabalho rural e o trabalho artesanal encontram-se em forte união e é imprescindível, pelo menos para o contexto em questão, que esta nunca se desfaça.

71

Idem, Ibidem, p. 389.

72

Cf. Maria Helena da Cruz Coelho, O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, vol. I, Coimbra, 1988, pp. 235-255 e Maria Ângela

Rocha Beirante, ob. cit., pp. 376-389.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

4. COMPARATIVIDADE DE PREÇOS E SALÁRIOS

Este pequeno trabalho não poderia deixar de fazer uma breve abordagem da relação que se estabelece entre os preços e salários. É que, de facto, eles encontram-se em interacção um com o outro e deles depende a economia medieval. Tenhamos em mente que o movimento dos preços tem de se pôr em paralelo com a disparidade entre a oferta e a procura. Se a primeira supera a segunda os preços baixam, se se verificar o contrário os preços sobem 73. Com efeito, a expansão do comércio interno e externo trouxe consigo novos problemas relativos a preços e, até mesmo, à moeda. À semelhança do que sucedia pela Europa, os preços subiram desde os começos do século XIII até meados do século seguinte, cujo período mais instável terá sido o segundo quartel74. A desvalorização da moeda portuguesa no século XIV foi a maior da sua história e uma das maiores da história da moeda europeia. Os factores que condicionaram esta desvalorização foram a falta de metais nobres, a conjuntura mercantil desfavorável e uma má administração régia75. Uma das características do mercado medieval é a sua regulamentação e o consequente tabelamento de preços e salários76, funções que competiam ao almotacé. De um modo geral, cada concelho estabelecia posturas para evitar que os preços subissem. Às vezes, o monarca intervinha nos tabelamentos, fixando preços gerais para todo o país ou parte dele. De igual modo, incidiam também os tabelamentos sobre os salários, regulamentando as percentagens de lucro que cada ofício receberia pelo produto fabricado, bem como os salários dos trabalhadores rurais. Ora, como já ficou referido acima, os preços iniciaram um movimento descendente que, em certa medida, prenunciou a grande crise do século em análise e que mexeram com os salários, como vamos verificar. a) SALÁRIOS DOS TRABALHADORES AGRÍCOLAS

Infelizmente, as «Posturas Municipais de Évora» (pelo menos os excertos analisados) não nos permitem especular muito sobre os salários dos mesteirais relacionados com os trabalhos dos panos e dos couros mas, por outro lado, os salários dos trabalhadores rurais são bem patentes, o que nos leva a debruçar, pelo menos, sobre essa vertente. 73

Idem, Ibidem, p. 426.

74

A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal. Desde os tempos mais antigos até ao governo do Sr. Pinheiro de Azevedo, vol. I, Das

Origens às Revoluções Liberais, Lisboa, 1978 p. 140. 75

A. H. de Oliveira Marques e Joel Serrão, Nova História de Portugal, vol. IV, Portugal na Crise dos séculos XIV e XV, Lisboa, 1987, pp.

209 e 210. 76

Maria Ângela Rocha Beirante, ob. cit., p. 490.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Os salários dos trabalhadores rurais situavam-se entre os 2 e os 10 soldos por dia, consoante a tarefa, os materiais que usavam (sendo seus ou não), o sexo (os salários variavam, quer se tratassem de homens ou mulheres) e ainda consoante a época do ano. Uma outra forma de pagamento é a que é feita em bens materiais (encontrando nós somente um caso que nos revela um pagamento de ceia, mas que, por norma, poderia ser em calçado ou vestuário). Convém é não esquecer que esta era uma prática muito utilizada até inícios do século XIV caindo, posteriormente, em desuso. Contudo, como estamos numa época de carestia era provável que isso voltasse a acontecer. Analisando o quadro referente aos salários encontrados nas «Posturas Municipais de Évora»77, chegamos à conclusão que de entre os principais trabalhadores agrícolas referidos os revoldeiros das cousas e os segadores do trigo são pagos a 8 soldos; os valadores a 7 soldos; e os mancebos da lavoura a 20 soldos, para os trabalhadores que são pagos, ao dia, com valores mais elevados, o que não significa que sejam muito bem pagos, tendo em conta a conjuntura da época. Contudo, convém ter em mente que entre 1253 e 1379, as remunerações dos trabalhadores agrícolas elevam-se consideravelmente e o mesmo aconteceu depois disso devido, essencialmente, à falta de mão-de-obra78. Por outro lado, mas agora para os trabalhadores que têm salários mais baixos, encontramos os sergentes, os que semeiam e lavram, os que talham, os obreiros das enxadas, os sergentes dos valadores e os homens que apanham os trigos a 4 soldos; os que lavram com arado, os homens que esvidigarem e as mulheres que apanharem os trigos a 3 soldos; a quem tanger os bois, às mulheres que esvidigarem e às mondadeiras a 2 soldos; de novo a obreiros das enxadas, empadores, podadores e segadores das cevadas a 5 soldos; aos homens que mondarem a 2 soldos e meio; e às penteadeiras e tasquinhadeiras a 2 soldos e 4 dinheiros. Estes valores vão dar origem ao gráfico dos «Salários dos Trabalhadores Agrícolas» (anexo VIII). Saliente-se, que estes salários dizem respeito ao trabalho diários (jorna) e que variam, como já foi referido, introdutoriamente, consoante a época do ano, como vamos verificar de seguida. Outro aspecto que deve ser tido em conta, aquando da análise dos salários acima citados são os casos do obreiro da enxada das vinhas, dos empadores e dos podadores, que até ao dia 1 de Janeiro recebem 4 soldos e entre este dia e a Quaresma recebem 5 soldos. Esta situação dever-seá, muito provavelmente, ao facto do período em que recebem mais (entre Janeiro e Março/Abril) ser o da preparação das terras e da poda das árvores e da vinha.

77

Cf. Anexos IX – Salários encontrados nas posturas municipais de Évora.

78

A. H. de Oliveira Marques, “O Trabalho”, in A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspectos da vida quotidiana, Lisboa, 1981, p. 136.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Podemos falar ainda de uma outra característica referente aos salários. Os salários eram pagos, digamos, de duas maneiras que se conjugavam. A regra geral, era que os trabalhadores vissem os seus salários tabelados ao dia, à jorna, e restringidos a moeda (tendo, por vezes, direito a refeição por conta do empregador), no entanto, segundo o que sucedia anteriormente, também se costumava pagar em géneros, isto é, com vestuário, com calçado mas, esporadicamente neste período de crise e de conflitos (1383/85). E o mesmo voltou a acontecer depois desta época, nos começos do reinado de D. João I, quando se volta, muitas vezes a receber a jorna em alqueires de trigo ou de milho, porque a desvalorização da moeda impedia um tabelamento de salários seguro79. Infelizmente, surgiu apenas um exemplo disso, no que diz respeito aos revoldeiros das cousas, que para além do seu salário de 8 soldos ao dia, tinham ainda direito à ceia, que seria uma refeição feita ao fim do dia de trabalho. De uma maneira geral, cada concelho, à semelhança do que acontecia com o tabelamento dos salários80, estabelecia posturas para evitar que os preços subissem e, de tempos a tempos, estas eram actualizadas, porque os preços tinham realmente subido ou então porque o clamor dos interessados se tornava intolerável81. Alguns destes regulamentos são do maior interesse porque permitem conhecer, com exactidão, a formação dos custos de produção de vários artigos. No que diz respeito aos mesteres a que este estudo se reporta (vestuário e calçado), temos conhecimento, através das «Posturas Municipais de Évora», dos preços do trabalho realizado pelos alfaiates (do pano de linho ou de cor), pelos tecelães e tecedeiras, bem como pelos surradores e tosadores. b) OS ALFAIATES DO PANO DE COR E OS ALFAIATES DO PANO DE LINHO

Observando, com atenção, o quadro do «Trabalho dos Alfaiates» 82, ressalta, à primeira vista a diferença de preços entre os alfaiates de pano de cor e os alfaiates de pano de linho83, isto é, da indústria têxtil estrangeira e da indústria têxtil nacional. Com efeito, os preços das peças de vestuário feitas com tecidos vindos do estrangeiro são consideravelmente mais caras do que o 79 80

A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., p. 135. Segundo o Prof. Oliveira Marques (Nova História de Portugal. Portugal na Crise dos séculos XIV e XV, p. 118) regulamentam-se,

também, com rigor as percentagens de lucro que se recebia (no que diz respeito ao trabalho artesanal dos mesteirais) pelo produto fabricado, bem como o salário de obreiros e aprendizes. 81

A. H. de Oliveira Marques e Joel Serrão, Nova História de Portugal, vol. IV, Portugal na Crise dos séculos XIV e XV, Lisboa, 1987, p.

118. 82

Cf. Anexo X – Preços dos produtos (Trabalho dos Alfaiates).

83

Ainda que existam também os panos de lã, como é o caso do burel (Ângela Beirante, ob. cit., p. 416).

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

vestuário feito com tecidos nacionais (de linho, como o bragal), sem falar, claro está, da diversidade de peças que os tecidos estrangeiros, normalmente vindos da zona da Flandres, permitem fazer. Tenhamos como exemplo, ainda que com características diferentes 84, uma saia de mulher feita de pano de cor que custa 30 soldos e a mesma peça feita de pano de linho pelo preço de 6 soldos. Não esqueçamos, claro está, que também a qualidade e o ornamento do trabalho é muito diferente. Uma outra característica do trabalho dos panos de cor é o tempo de fabrico das peças, que acaba, igualmente, por fazer com que o preço se torne mais elevado. Na realidade, o tempo varia bastante de peça para peça, situando-se entre meio dia de trabalho e quatro dias, sendo mais simples as peças que se fazem em menos tempo e mais elaboradas as outras. Encontramos, como já vimos atrás em «Mesteres e mesteirais», ligados a estes trabalhos dos têxteis, sobretudo no que se refere ao pano estrangeiro, o pano de cor; falo dos tosadores. Em primeiro lugar, reparamos que tosar a alna de panos de Bruges, de Ypres, de Mosterville e de Courtrai é muito mais caro (1 soldo), do que tosar a ala do pano de Inglaterra (8 dinheiros), por exemplo. A partir desta breve análise, verifica-se também que, mesmo ao nível dos

panos

estrangeiros,

existe

alguma

diferenciação

tanto

qualitativamente

como

quantitativamente. Para além disso, verifica-se que somente os panos estrangeiros eram dignos de ser tosados. Quanto ao trabalho dos tecelães e das tecedeiras, pode dizer-se que este está muito mais direccionado para o trabalho no têxtil nacional, do pano de linho, ainda que, pelo que se pode verificar no quadro referente ao «Trabalho dos tecelães e das tecedeiras» 85, realizem, segundo as «Posturas Municipais de Évora», alguns trabalhos ligados ao pano de cor, como a tecelagem dos almadraques de cores delgados ou grossos, que custam 2 soldos e meio e 2 soldos, respectivamente. Para além disso, podemos chegar à conclusão de que é muito mais barato tecer as varas de tecido do que confeccionar as peças de vestuário propriamente ditas (trabalho realizado pelos alfaiates). C) SAPATEIROS, SURRADORES, SAFOEIROS, SOQUEIROS

A indústria dos curtumes e das peles ocupava, sem dúvida, muita mão-de-obra, mas aqui o que nos interessa referir é o trabalho dos surradores, dos safoeiros, dos soqueiros e dos sapateiros. Primeiramente, é de todo o interesse voltar a salientar que eram trabalhados diversos 84

Como se pode verificar no Anexo X – Preços dos produtos (Trabalho dos alfaiates do pano de cor (estrangeiro) e Trabalho dos

alfaiates do pano de linho). 85

Cf. Anexo X – Preços dos produtos (Trabalho dos tecelães e das tecedeiras).

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

tipos de peles e isso vai acabar por conduzir também a uma diferenciação de preços das diversas peças que são produzidas, constatando nós que o trabalho da pele de gamo e de cervo (veado) é dos mais caros. Por outro lado, existem também diferenças dentro do próprio grupo dos trabalhadores dos curtumes. É que, de facto, os safoeiros e os soqueiros vendem peças muito mais caras do que os próprios sapateiros (safões e socos). Enquanto que as peças feitas pelos sapateiros variam entre 1 (talho do par de sapatos) e 40 soldos (par de botas de cervo), no caso dos safoeiros encontram-se entre os 4 soldos (rostros de gamo ou cerva) e as 3 libras (par de safões de duas gamas e dois lombos) e respeitante aos soqueiros, os preços entre os 15 (socas de carneiro pretas ou vermelhas) e os 30 soldos (socos de cabra ou socas de cordovão86 macho). O facto dos safoeiros e soqueiros venderem as suas peças relativamente mais caras evidencia, à partida, que estes trabalham peles muito mais caras, como é o caso da pele de cervo, de gamo. Apesar de tudo os sapateiros (sobretudo os da linha) esforçavam-se, regulamentados pelas posturas, por fornecer o calçado a preços acessíveis à população da cidade, mantendo e assegurando o seu lucro87. Tenhamos em consideração, como podemos conferir através do quadro do «Trabalho dos Sapateiros», por exemplo, que este mester não requeria somente a confecção, mas também o conserto. Para além disso, temos também que ter em consideração que a preparação da coirama corria, de igual modo, por conta do sapateiro. d) O PREÇO DOS COUROS

A indústria de couros e peles ocupava muita mão-de-obra. Por todo o reino, e com maior desenvolvimento e especialização nas principais cidades, como é o caso de Évora, extraíam-se, curtiam-se, tingiam-se e confeccionavam-se couros de animais corpulentos e peles de outros mais pequenos, com as mais diversificadas utilizações 88. De facto, o tratamento e preparação dos couros, requeria uma vasta gama de trabalhos bastante complexos e que envolviam já alguma técnica muito mais especializada. Através das «Posturas Municipais de Évora» de fins do século XIV, são-nos dados a conhecer esses trabalhos.

86

Segundo o Prof. Oliveira Marques (Nova História de Portugal. Portugal na crise dos séculos XIV e XV, p. 121), os couros mais

utilizados eram os de cabra (que dava o cordovão, de melhor qualidade), carneiro, vaca, veado comum (cervo) e gamo. 87

O simples par de sapatos encontrava-se ao alcance de todos os habitantes por 4 soldos e meio e por 8 soldos (Gabriel Pereira, ob.

cit., pp. 144 e 145). 88

A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., p. 121.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Muito provavelmente, após serem retiradas dos animais, as peles seriam encaminhadas para a alcaçaria (lugar onde se curtem ou preparam peles), sendo depositadas no pelome (Tanque utilizado para a curtição de peles), para que se procedesse a uma molhagem em água e cal, para facilitar à depilação (escabelar). Seguia-se o curtimento das peles, num banho de sumagre (pó mais ou menos grosseiro, resultante da trituração das folhas e flores da plante de sumagre). Por fim, no acabamento, surravam-se e, se necessário, cosiam-se as peles (testo – processo que duraria, possivelmente, três dias89), para facultar o seu endurecimento. Era necessário pagar a cal para o pelome (1 soldo) e o aluguer deste último (10 soldos) e comprar cargas de lenha para aquecer a água para o testo (ficando cada uma a 5 soldos). Para além disso, era necessário pagar a quem se dedicasse a esses trabalhos: a quem levava a cal para o pelome 8 dinheiros, a quem escabelava as peles e as cosia 5 soldos (por pele), a quem fazia o testo 12 soldos (ao dia) e a quem surrava as peles 3 libras e 2 soldos (cada pele). Ficam aqui, portanto, descritos alguns salários dos trabalhadores relacionados com a preparação das peles. É imperioso não olvidar que cada arroba de sumagre para curtir as peles era 12 soldos, somando-lhe ainda a sua sisa (18 dinheiros) e o seu peso (7 dinheiros) 90. Estes afazeres tinham custos relativamente elevados, ficando cada pele, após o seu tratamento, a 22 soldos, 3 dinheiros e 1 mealha, para os “çapateiros da linha”. No caso dos trabalhos do couro de vaca o total dos custos seria de 52 libras e 14 soldos e meio (por dez peles). E o mesmo acontecia no que se refere aos lavores em torno das peles de cervo, cujas custas ascendiam as 19 libras, 12 soldos e 10 dinheiros (por nove peles de cervos machos ou por 18 peles de fêmeas) e aos trabalhos da pele de cabra, ficando a dúzia das peles a 12 libras. Como se pode verificar em contraponto com a tabela de preços referente ao trabalho dos sapateiros (anexo XI), é natural que os preços dos sapatos, botas e outros fossem tão elevados. De facto, o custo do trabalho das peles era bastante elevado. Um outro factor que deve ser salientado é o facto de que os preços dos couros dependeriam do tipo de causa da morte dos animais – se fossem abatidos seriam mais caros do que se morressem por doença91.

89

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 144: “…a quem faz os testo pera estas pelles 36 soldos por 3 dias a 12 soldos cada dia.”.

90

Tenhamos em conta que este é o caso dos “…çapateiros da linha e do custo da coyrama que lavrarem”. Para o caso dos sapateiros

que faziam sapatos com pele de vaca veja-se o anexo XII – Os preços do couro; Cf. também Gabriel Pereira, ob. cit., p. 145. 91

Idem, Ibidem, p.145: “… a tangra dos coyros de machado valeria 35 libras e os da morinha a 25.” (com respeito ao calçado de

pele de vaca).

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

CONCLUSÃO A história deve partir de um estudo da relação entre o Homem e o espaço que o rodeia. É conveniente ter, no entanto, em conta que o homem vive em comunidade, cujas características foram sendo deixadas ao longo dos anos, quer através de documentos, quer de geração em geração92 – religião, edifícios, costumes, trabalhos e técnicas. Fizemos uma pequena incursão ao mundo do trabalho, quer artesanal quer agrícola, inserindo-o num contexto de alterações que ocorreram durante todo o século XIV e que são imprescindíveis para uma nova realidade que se começa a desenhar a nível económico, social e político. De facto, o século XIV é, sem dúvida, um período bastante turbulento da história nacional, em que o reino se vê implicado em diversas crises, epidemias e problemas sociais e políticos. Pensamos ter ficado também claro que o artesanato é imprescindível para o desenvolvimento das cidades e ele é um dos elementos que pode levar a uma nova época de prosperidade. Verifica-se, pois, a diversidade de mesteirais e a circulação de têxteis e produtos ligados aos curtumes. De igual modo, também os trabalhos agrícolas eram imprescindíveis. Não esqueçamos que uma das bases da alimentação medieval era os cereais. Apesar da simplicidade do trabalho, denota-se uma proliferação de trabalhadores agrícolas. A cidade e o campo eram, muito sumariamente, mundos diferentes, mas os seus interesses são, relativamente, os mesmos: produzir ou fabricar para comercializar. Estão, portanto, intimamente ligadas e a sua união á fundamental para o desenrolar da economia medieval. É oportuno concluir esta análise, pedindo benevolência para todas as deficiências que a exposição do assunto apresentar, tendo em conta a escassez do tempo e a falta de experiência e preparação do autor, para tal fim. Assim sendo, este trabalho, se outro contributo não tiver, que sirva, pelo menos, para despertar a ideia e o interesse, a quem, com muito mais competência do que nós, o que quiser abordar. Que todo o esforço dispendido na realização deste trabalho não tenha sido totalmente em vão e incompreendido, mas que, pelo contrário, tenha ajudado a deixar aqui expresso o nosso pequeno 92

contributo.

Deixe-se aqui ainda mais um apontamento: muitas das técnicas e trabalhos (agrícolas e artesanais) que foram referidos neste

estudo são, actualmente, utilizadas em algumas zonas do nosso país, mais ou menos desenvolvidas, e o concelho de Évora será, possivelmente um desses casos.

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ANEXOS

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO I – PLANTA DA MURALHA ROMANO-GODA93

93

As linhas a vermelho delimitam o antigo espaço que Évora ocupava até meados do século XII.

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ANEXO II – PLANTA DE ÉVORA NO SÉCULO XIV94

94

O primitivo núcleo habitacional que se fixava intra-muros expande-se pelos arrabaldes.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO III – GLOSSÁRIO95

A Abegão

(do latim abigone) O que tem inspecção sobre os criados

Acendrechada

Axadrezada

Adubos

Arranjar, preparar, ajeitar, consertar, reparar, preparar peles, curtir

Aiveca

Cada uma das peças que ladeiam a relha do arado e que servem para afastar a terra do rego.

Albardeiros

Faz ou vende albardas ou albardões (sela grosseira de animais de carga ou casaco grosseiro)

Alcaçaria

(do árabe al-qaçaria) Arruamento de lojas onde só os judeus podiam comprar e vender; lugar onde se curtem ou preparam peles

Alcaide

(do árabe al-qaid) Governador ou capitão encarregue da defesa do castelo, província ou concelho. Tinha jurisdição civil e militar. Existia o alcaide-mor e o alcaide-menor

Alcandieira/Alcandora

(do árabe al-kandur) camisa mourisca

Alfaiates

Exercem a profissão de fazer vestes

Alfaiates de pano de linho

Exercem a profissão de fazer vestes de linho

Alla

Alna; medida de tecido (igual ao côvado), com cerca de 70cm

95

Palavras encontradas em António de Morais Silva, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 10ª edição (revista, corrigida, muito

aumentada e actualizada, por Augusto Moreno, Cardoso Júnior e José Pedro Machado), Editorial Confluência, Lisboa, 1950. Este glossário carece de alguns significados que não se encontraram nem na obra referida, nem em outras do mesmo género.

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Almadraques/Alamadarques

(do árabe al-matrah) Enxerga ou enxergão; manta grossa

Argais

(de argau) Manto grosseiro

Apeiro

(do latim appariu) Correia que prende a canga ao cabeçalho do carro, à charrua ou à nora; é o conjunto de materiais utilizados para a lavoura Assalariados com mantimento certo garantido em frutos ou dinheiro

Aprestamados

Ancho

(“pano

ancho”

e (de amplu) Largo; antiga medida de extensão

“camisa ancha”) Arado

(do latim aratrum) Instrumento rústico com que se abrem os regos na terra para se semear, consta de várias peças, como por exemplo: a sega, a aiveca, o temão, a ouça, o chavelhão, a relha, o mexilho, o teiró, a têmpera, o rabelo, o soles, as chumaceiras, as orelhas-de-lobo e as dentais; diz-se também da charrua vulgar, de volta-aiveca; dá também a uma medida agrária

Arquado/Arcada

Que tem forma de arco

Arreiz

Panos de Arras

Atalhar

Cortar

Ateiada (“tamiça ateyada”)

(de teia) Tecer; urdir

Alvergas

Avincado (“linho avincado”)

Que tem rugas ou vincos

Avondamento

Abundância, cópia, fartura

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

B Braça

Antiga medida de comprimento que se media segundo a distância que vai de um punho ao outro de alguém, com os braços abertos

Brada

Bragal

(de braga) Pano branco e grosso de linho; preço de certa quantidade desse pano considerado como unidade em várias transacções e que equivalia a oito varas

Braoor

Talvez de Brau de Ypres

Bruges

Pano de Bruges

Burel

(do italiano burello) Pano grosseiro de lã, geralamente de cor parda, castanha ou preta

C Cachopins

Capeirete

Capeirote; capa pequena

Capeirote

O mesmo que capeirete

Cerol

Mistura de sebo, pez e cera, com que os sapateiros enceram as linhas

Chans (“cócedras chans”)

Chapeleiras

Chapins

Antigo calçado de sola alta, para mulheres

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Charrua

(do latim carruca) Arado de rodas e uma só aiveca

Cocendras/cócedras

(do latim culcitra) Cobertor acolchoado, colchão de penas, almofadão

Cochambre

Coifa/coiha/coimha

(do latim cofea) Touca

Coifadeiros

Coirama

Couros verdes e curtidos

Coirellos

Comuna

Tipo de pano da região de Comines

Cordovão

(do castelhano cordobán) Couro de cabra, curtido e preparado especialmente para calçado

Cornay/Cortanay

Panos de Courtrai

Correal

Cinta larga de couro

Cosseados

Costais (“varas das costais”) (de costal) Tecido para as costas de um homem ou de um animal

D Debrum

Fita que se prega ou casa dobrada na beira de um tecido para lhe segurar a trama ou com o fim de o guarnecer

Depri, dipri, deipri

Panos de Ypres

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Dobrão

E Empadores

Aqueles que sustêm e ligam às varas, estacas ou caniçados as videiras ou os feijoeiros, por exemplo

Empellemadas

Lançar no pelame ou nos cortumes

Empenhas (“um par de (do francês empeigne) Couro necessário para o rosto e lados de um sapato empenhas”) Escabelar

Tirar os pelos aos couros durante o curtimento

Escodar

(do latim excudare) Alisar o exterior das peles para que estas se possam tingir

Esparto

(do grego spártos) Planta gramímea, cujos caules rijos e flexíveis servem para fazer esteiras, capachos ou cordas

Espigas

Forma especial de ligadura

Esvidigar

É o processo de limpeza das videiras e sarmentos, após a poda

F Faldra

Fralda; parte inferior da camisa ou de qualquer peça de roupa; saia branca de trazer por baixo do vestido

Feltreiros

Mesteirais que trabalham a lã (grossa e seca) de uma espécie de carneiro português, de casta ordinária

Fertante

51

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Festo (“solas de festo”)

Flandres

Em 11 de Julho de 1302, a Flandres ganhou a sua independência de França na Batalha de Courtrai (Kortijk). Desde então a próspera região foi composta de cidades independentes que, no reino dos "Países Baixos" ou "Bélgica" dos Burgundy, serviam de entrepostos comerciais poderosos

G Gaitas

Galles

Panos de Gales (Provincia do Grã-Bretanha)

Gamo

(do latim dama) Mamífero ruminante; espécie de veado, que tem achatada a parte superior dos galhos e a cauda comprida

Gavão

Capote de mangas

Germaias/gramaias

Girões

Retalhos de pano que se colocam em torno das roupas

Grogueira/gorgeira

Espécie de colarinho

Guardacosses/guardacozes

(de guarda-cós) Casaco que resguarda o corpo e o aperta

Guardaventre

Peça de vestuário que envolve o abdómen

J Jornal

Salário de cada dia de trabalho; soldada; jorna

Jornaleiro

Aquele que trabalha a jornal, à jorna, geralmente trata-se de trabalhadores

52

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agrícolas L Linhol

Fio untado de cerol com que os sapateiros cosem o calçado e que também serve para coser lona e outros tecidos fortes; diz-se também do sistema de empar, prendendo-se as varas em linha

Listrado

Com riscas de cor diferente da do próprio tecido

M Malho

(do latim malleu) Instrumento de malhar, de bater nos cereais, para separar a casca do grão.

Mantam

Manta alentejana e espanhola; cobrejão ou cobertor com uma abertura ao meio por onde se enfia a cabeça para agasalho de quem anda a cavalo; cobertor de cama; lenço que as mulheres põem sobre os ombros ou na cabeça; xaile; pano de lã que se põe debaixo do selim das cavalgaduras

Mantellote

(de manteleto)Lenço grande com que cobrem a cabeça as mulheres (de Castro Laboreiro, por exemplo) (de mantelete) Vestidura que os bispos e outros prelados trazem por cima do roquete (de mantelão) Mantelete utilizado por monsenhores (de mantela) Lenço grande para cobrir cabeça e pescoço; capucho (de mantel) Toalha de altar ou de mesa; capa

Mealha

(do latim medalia) Moeda que valia metade de um dinheiro

Mesteiral

Homem de mester, mecânico, artífice

Meyada

(de meada) Porção dobada de fio de seda, linho, algodão ou lã

Mondadeira

Mulher que arranca ervas daninhas que não deixam desenvolver os cereais; o mesmo se passa com a limpeza das árvores, às quais são retirados os

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ramos secos e supérfluos Mosterville

Pano de Mosterville

N Nesgas

Pedaços de tecido de feitio triangular que se cosem entre duas partes de uma peça de vestuário

O Opa

Vestimenta que tem no lugar das mangas umas aberturas por onde se enfiam os braços, usadas pelos actos solenes pelos irmãos das confrarias religiosas

P Panos de cor

Panos, tecidos oriundos do estrangeiro, nomeadamente, da região da Flandres, Normandia, Gales e Inglaterra (Províncias da Grã-Bretanha)

Pelle

Neste caso será uma peça de vestuário

Pelomem

(em Pelome) Tanque utilizado para a curtição de peles

Pellote

Roupa curta de mulher; casaco sem mangas que os homens vestiam sobre o gibão e por baixo do tabardo

Penteadeiras

Ofício no qual se penteava a lã e o linho

Pesponto

Ponto de costura em que a agulha entra um pouco atrás do lugar onde saiu

Picalgayos

Polaina

(do francês poulaine) Peça de vestuário, que protege a parte inferior da perna e a parte superior do pé ou só deste, por fora ou por dentro das

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

calças e por cima do calçado Presas

Q Quitam (“Quit.am”)

Túnica de origem jónica ou dórica

R Ramais

Conjunto de fios para fazer cordas utilizados, em regra, na parte superior de um barrete ou de uma coifa

Rabigalga (“camisa rabigalga”) Refeces

Ordinários; pobre; de baixo preço; de insignificante valor

Refego

Dobra ou prega usada nos vestuários para ornato e enfeite ou para os fazer mais curtos

Rostros

S Safões

Meias-calças feitas de pele de ovelha ou de cabrito, para resguardar as pernas de quem andava na caça ou então trabalhava no monte ou no mato; espécie de tecido

Safoeiros

Mesteirais que fazem safões

Saial (“pano de linho e de (de saio) Antiga peça de vestuário, grosseira, para homem ou para saial”)

mulher; pano grosso e ordinário

Sapateiros

Fabrica ou conserta calçado

Segador

Ceifeiro; diz-se também do cereal que está pronto para ser ceifado

55

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Senhas (“senhas varas”)

Sergentes

Tipo de assalariados que serviam em determinada função

Singel

Singelos/singelhos

Não forrados ou não dobrados; desprovidos de enfeites; vulgares

Soqueiros

Basicamente, são tamanqueiros, que fazem ou vendem tamancos

Sumaguer

(em sumagre) Pó mais ou menos grosseiro, resultante da trituração das folhas e flores da plante de sumagre, que era utilizado na medicina e em processos de tinturaria

Surradores

Preparam couros ou peles de animais para conservação

T Tabardeta

(de tabardilha) Pequeno tabardo

Tabardo

Espécie de capote com capelo abotoado e mangas usadas nos séculos XIII e XIV. No século XV era um casaco amplo com cabeção e mangas que os homens usavam sobre o pelote e as mulheres sobre a cota

Tagara/tagra

Antiga medida para líquidos equivalente à canada; cada uma das peças em que se divide o couro para que este seja curtido

Tamiça

(do latim tomicia) Cordel delgado de esparto, com que se cosem esteiras, capachos ou seiras

Tamiceiros

Mesteirais que fabricam e/ou vendem tamiça

Tanger

Segurar; tocar animais para os estimular à marcha

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Tasquinhadeiras

Separam o tasco (casca das fibras do linho) do linho

Tecedeiras

Tece panos e/ou trabalha em teares. Mulher do tecelão

Tecelões

Tece panos e/ou trabalha em teares

Tendilham

Testo

Tosadores

Tosam, tosquiam os animais

Trena

Fita; trança

V Vallenciana

Panos de Valenciennes

Vara

Antiga medida de comprimento equivalente a 1,10m; medida agrária linear, equivalente a 4,80m

Veador/vedor

Representante de um determinado mester nas assembleias concelhias, quando se tratava de assuntos relacionados com esses mester

Viados

Tipo de pano listado; às riscas diferentes do fundo

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO IV – COMPOSIÇÃO DA CÂMARA DE ÉVORA

(em 1379, 1380, 1382 e 1385) Câmara

1379

1380

1382

1385 Pedro Sanches (escudeiro) [juiz do cível] Martim Vasques

Juízes

Vasco Gil

Vasco Gil

[juiz de fora]

[juiz de fora]

---

[juiz do cível] Lopo Fernandes [juiz do crime] Estêvão Eanes Alfonez (?) [juiz do crime]

João Lourenço

Lopo Fernandes

João Eanes Calça

Lobo

Pedro Eanes (doutor)

Vasco Durães

Estêvão Domingos

João Vicente

Procuradores

---

Afonso Pires

Martim Afonso da Vide

Vasco Durães

Alcaide-mor

---

---

---

Diogo Lopes Lobo

Vereadores

Lopo Rodrigues Façanha ---

Afonso Peres (escolar) Lopo Fernandes

Fernão Gonçalves d’Arca Lopo Fernandes Lobo Vasco Rodrigues Façanha Regedores

---

---

Martim Vasques

Fernão Gonçalves d’Arca

Lourenço Peres Fuseiro Corregedores

---

---

Vasco Gil

--João Fernandes d’Arca Álvaro Gomes

Homens-bons

---

---

---

Estêvão Eanes Gonçalo Pires

Escrivães 

---

---

---

João Afonso

Segundo as «Posturas Municipais de Évora» (para os anos já anteriormente referidos) e com o auxílio da Tese de Doutoramento

da Dr.ª Maria Ângela Rocha Beirante, mencionada precedentemente.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO V – MESTEIRAIS PRESENTES NA ELABORAÇÃO DAS POSTURAS MUNICIPAIS DE ÉVORA

(em 1379, 1380, 1382 e 1385)

Mesteirais

1379

1380

1382

1385

Tosadores

João Gonçalves

-

-

-

Martim Eanes

Gonçalo Abade

-

-

Martim Esteves

Diogo Dias

Estêvão Eanes Boto João Salvado Alfaiates

Diogo Martins João Fernandes Sapateiros

-

Lourenço Eanes

Almourinho

Martim Eanes

Abem Galliz

Algaraminho

Algaraminho97

-

Azamede96 Tacoto

Carniceiros

-

Rui Gonçalves

-

-

Martim Esteves

96

Ou talvez Azmede.

97

Ou talvez Algamarinho.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO VI – FUNCIONÁRIOS DA CÂMARA DE ÉVORA QUE ALCANÇARAM MAIS DO QUE UM CARGO

(em 1379, 1380, 1382 e 1385) Nomes

1379

1380

1382

1385

Vasco Gil

Juiz de Fora

Juiz de Fora

Corregedor

---

Lopo Fernandes

---

Vereador

Regedor

Juiz do Crime

(Lobo)

Procurador do Vasco Durães

---

Vereador

---

Concelho

d’Arca98

---

---

Regedor

Regedor

Martim Vasques

---

---

Regedor

Juiz do Cível

Fernão Gonçalves

98

Ver Anexo IV e respectiva análise.

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO VII – PRINCIPAIS LOCAIS DA INDÚSTRIA TÊXTIL ESTRANGEIRA 1. O DESTAQUE DA REGIÃO DA NORMANDIA (NORTE DE FRANÇA)

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

2. A REGIÃO DA FLANDRES

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO VIII – OS TRABALHADORES E A SUA POSIÇÃO SOCIAL NA PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS99

Touro por cordas

Carniceiros

Carniceiros

Bandeira Carniceiros e Enxerqueiros a cavalo Carreta da Horta

Atabaque, castelos, pendões, enramados, bandeira, hortelãos e pomareiros Mancebas + porteiros

Danças com seu gaiteiro Duas pélas das pescadeiras, com seu gaiteiro

Pescadeiras Uma péla das padeiras

Padeiras Três pélas das fruteiras, regateiras e vendedeiras , com seu gaiteiro

Fruteiras, regateiras, vendedeiras Bandeira, castelos, pendões, atabaques Almocreves 99

63

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Três reis magos

Bandeira, castelos, pendões, atabaques Carreteiros e Estalajadeiros Imperador + dois reis

Serpe

Castelos, pendões, bandeira, atabaque Sapateiros, surradores, curtidores, odreiros

alfaiates

Cem Besteiros do Conto, sem capa, com besta enramada

Bandeira, divisa, atabaques Espingardeiros do rei

Besteiros de cavalo

S. Jorge + Pagem + Donzela, para matar o dragão

Barbeiros, ferreiros, armeiros, cuteleiros, ferradores, seleiros, bainheiros, esteeiros, latoeiros (vestidos de homens de armas) S. Bartolomeu + um diabo acorrentado

S. Sebastião + quatro besteiros

Bandeiras, castelos, pendões, atabaques Tecelães, penteadores de lã, cardadores S. Miguel + demónios

Correiros, arqueiros, sirgueiros Santa Clara + duas companheiras

Bandeiras, castelos, pendões, atabaque

64

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Ataqueiros, safoeiros

Telheiros, tijoleiros

Santa Catarina

Bandeira, atabaque, pendões, castelos Carpinteiros, pedreiros, taipadores, calcadores, caieiros, cabouqueiros, molinheiros, serradores e todos os que corrigem casas Bandeira, atabaque, tochas com castelos de estanho acesas Tosadores, cirieiros São João Bandeira da cidade

Bandeira, atabaque, tochas acesas, castelos de estanho Ourives, picheleiros Dois cavalinhos fuscos

Bandeira, atabaque, tochas acesas, castelos de estanho Trapeiros, merceeiros Mercadores de panos de cor (com tochas acesas) Escrivães (com tochas acesas) Boticários (com tochas acesas)

65

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Tabeliães das notas (com tochas acesas)

Tabeliães do judicial (com tochas acesas)

Procuradores do número (com tochas acesas) Escrivão dos órfãos Escrivão do rei Dois juízes com tochas de andas Bandeira do rei

Um cavalo

Um cavalo

Apóstolos, evangelistas, anjos Corpo de Deus

66

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO IX – SALÁRIOS ENCONTRADOS NAS POSTURAS MUNICIPAIS DE ÉVORA 1. SALÁRIOS DOS TRABALHADORES RURAIS

Profissão

Salário

Especificação

Revoldeiros das cousas

8 soldos

Pelo dia (com ceia)

Sergente

4 soldos

Pelo dia

Ao que semear e lavrar

4 soldos

Que seja abegão

Ao que lavrar com arado

3 soldos

-

Ao que tanger os bois

2 soldos

-

4 soldos

-

Ao que talhar, lavrar e apeiro e ao abegão Obreiro

da

enxada

das

empadores e podadores

vinhas,

4 soldos

Até ao primeiro dia de Janeiro

5 soldos

Até à Quaresma

Mulher que esvidiguar

2 soldos

Pelo dia

Homem que esvidiguar

3 soldos

Pelo dia

Mondadeira

2 soldos

Pelo dia

2 soldos e meio

Pelo dia

Segador das cevadas

5 soldos

-

Segador do trigo

8 soldos

-

Mulher que apanhar trigo

3 soldos

-

Homem que apanhar trigo

4 soldos

-

Mancebos da lavoura

20 soldos

Devido às guerras

Valadores

7 soldos

Pelo dia (com sua pá)

Sergente que servir valador

4 soldos

Pelo dia

Ao homem que mondar

2. SALÁRIOS DOS TRABALHADORES LIGADOS AOS TECIDOS

Penteadeiras

2 soldos e 4 dinheiros

Pelo dia

Tasquinhadeiras

2 soldos e 4 dinheiros

Pelo dia

67

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

3. SALÁRIOS DE QUEM TRABALHAVA OS COUROS

(referente ao trabalho dos “çapateiros da linha e custos da coyrama que lavrarem” 100)

Função

Salário

A quem leva a cal ao pelome

Especificação

8 dinheiros

A quem escabelar as peles

5 soldos e 2 dinheiros

Por pele

A quem coser as peles (testo)

5 soldos e 2 dinheiros

Por pele

A quem aquecer água para o testo

Por dia. Este seria um 12 soldos

processo que demoraria cerca de três dias (36 soldos).

A quem surrar as peles

3 libras e 2 soldos

Cada pele

4. SALÁRIOS DE QUEM TRABALHAVA OS COUROS

(referente aos trabalhos da “calçadura de vacca” 101) Função

Salário

A quem faz o pelome novo

8 soldos

Especificação

Seriam, para o caso, feitas 12 A quem mexe o pelome

12 soldos

empelemadas, ficando cada uma a 1 soldo

A quem lava os couros

30 soldos

A quem sovar as peles

6,5 libras

Por sovar os 10 couros

A quem leva as peles para o pelome

100

Gabriel Pereira, ob. cit., p. 144

101

Idem, Ibidem, p. 145

3 soldos

68

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO X – PREÇOS DOS PRODUTOS 1. O TRABALHO DOS TOSADORES

Produto

Preço

Por tosar a ala do pano de Bruges e depri (d’ipre) de marca pequena e Mosterville e Cortanay

1 soldo

Pano de Londeres de marca maior e dipri (d’ipre) de marca maior e Villa funda a grave

-

Pano de Inglaterra de 17 alas e de 20 alas

8 dinheiros

Valenciana

5 dinheiros

Cornay e Arreiz e a Comuna e viados, panos de Gales e outros semelhantes

6 dinheiros

Braaor deipri (d’ipre)

8 dinheiros

2. O TRABALHO DOS TECELÕES E DAS TECEDEIRAS

Produtos

Preços

Por tecer vara de burel

4 dinheiros

Por tecer vara dos costais

6 dinheiros

Por tecer a vara das argães trigueiras

18 dinheiros

Por tecer a mão do linho avincado, do estreito (por vara) Por tecer vara de linho delgado

1 soldo 20 dinheiros

Por tecer vara de pano ancho e do linho avincado

2 soldos

Por tecer a vara do linho ancho e delgado

2 soldos

Por tecer a vara dos manteis anchos e delgados

3 soldos

Por tecer vara dos manteis anchos e de linho avincado

2 soldos

Por tecer vara dos almadraques de cores a)delgado

2,5 soldos

b) grosso

2 soldos

69

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

3. O TRABALHO DOS ALFAIATES DO PANO DE COR (ESTRANGEIRO)

Produto

Preço

Tempo de fabrico

Preço/dia

com adubos e fralda

15 soldos

3 a 4 dias

5 soldos

a)sem adubos nem fraldas

10 soldos

-

-

com trena

9 soldos

1 dia

-

a)sem trena

4,5 soldos

0,5 dias

-

3 soldos

1 dia (?)

-

30 soldos

2 a 3 dias

10 soldos

13 soldos

1,5 dias

-

nesgas forrado em arcado

30 soldos

2 dias

10 soldos (?)

a)abotoadao e com refego

-

3 dia

b)com trenas

-

4 dias

18 soldos

3 dias

-

-

2 dias

-

20 soldos

2 dias

-

13,5 soldos

1 dia

-

9 soldos

1 dia

-

abotoada

27 soldos

3 dias

-

a) se não for forrada

18 soldos

2 dias

-

Pelote de mulher honrada bem feito, de bom pano, até 80 nesgas, forrado ou arquado,

Mantom de mulher honrada com sua fita pela dianteira e

b)sem fita Saia de mulher forrada e de 40 até 60 nesgas abotoada com presas e com espigas pelas mangas e com trenas pelo cabeçom

Saia franzida com espigas e presas, forrada e em arcada Guardaventre de bom pano ou de outro qualquer de 60 até 80

Tabardo de bom pano e de 32 nesgas, com capeirote abotoado a) de 20 a 24 nesgas Opa de bom pano comprida de 32 nesgas com o tabardo a)de 20 a 24 nesgas b) até 20 nesgas Saia de vilã comprida, forrada e

70

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Saia de vilã pequena e abotoada

18 soldos

2 dias

-

a) sem forramento

13 soldos

1,5 dias

-

Mantelote redondo pequeno

4 soldos

0,5 dias

-

Mantelote redondo comprido

9 soldos

1 dia

-

Pele de bom pano e comprida

9 soldos

1 dia c/ madrugada

-

22 soldos e meio

2,5 dias

-

9 soldos

1 dia c/ madrugada

-

10 soldos

-

-

capeirete

13 soldos

1 dia c/ madrugada

-

a) sem capeirote

10 soldos

-

-

10 soldos

-

-

Quitam (gibão) de bom pano comprido, com capeirete Mantão franzido de bom pano comprido Costura de tabardeta, com capeirete Fertante de bom pano com

Costura

de

camisa

com

capeirete

4. O TRABALHO DOS ALFAIATES DO PANO DE LINHO

Produto Costura de camisa de 8 nesgas

Preço 3 soldos

Costura de panos de linho a) grandes

10 dinheiros

b) singelos

8 dinheiros

Alcandieira (?) com grogueira (gorgeira) a) de 8 nesgas

8 soldos

b) de 4 nesgas

3 soldos

Costura de camisa de homem de 4 girões Costura de camisa rabigalga

2,5 soldos 1 soldo

Costura de coifadeiros e coifas a)de ramais longos e de uma vara

1 brada (?)

b)de meios ramais

2 soldos

c)sem ramais longos

1 soldo

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Costura de alcandora sem grogueira (gorgeira) de 8 nesgas

3 soldos

Alcandora de 4 nesgas

2 soldos e meio

Alcandora de mulher pespontada

3 soldos e meio

Camisa ancha sem pesponto

3 soldos

Camisa franzida ou de pregas

4 soldos

Costura de saia de 6 gaitas

3 soldos

a) por cada gaita a mais

2 dinheiros

Saia de homem de 12 girões

6 soldos

Saia de 8 girões

4 soldos

Costura de guardacozes de mulher, com 12 nesgas

10 soldos (ou 16 soldos ?)

Costura de guardacozes de homem de 6 gaitas

3 soldos

Costura de gaurdaventres de mulher de coirelos de 60 nesgas

15 soldos

a) por cada nesga a mais Guardaventres de moças até 16 girões ou nesgas

4 dinheiros 6 soldos

a) por cada girão a mais

4 dinheiros

Costura de saia de mulher estantes (?) de 20 nesgas

12 soldos

Costura de saia de 16 girões

8 soldos

Saia de homem de 20 girões

8 soldos

a) por cada girão a mais

4 dinheiros

b) se tiver manga abotoada, por botão

4 dinheiros

Saia de mulher de 12 girões

6 soldos

Costura de alvergas a) com ramais

6 dinheiros

b) sem ramais de cordão

4 soldos

c) se forem de polaina

1 soldo

Costura de chapeleiras

1 soldo

Gavão de 12 nesgas abotoado

7 soldos

Picalgaios e calções

6 dinheiros

Gavão por abotoar

4 soldos

Costura de capa pequena

20 dinheiros

Costura de capa grande

2 soldos

Tendilhões (por vara)

(?)

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Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

5. TRABALHO DOS SURRADORES

Produtos

Preço

Surrar a pele de cordovão

2 soldos

Surrar pele de cabra e carneiro, sem cochambre

20 dinheiros

6. TRABALHO DOS SAPATEIROS

Produtos Pelo talho do par de sapatos

Preço 1 soldo

Par de sapatos de porta (ou ponta)

14 soldos

Par de sapatos de calça

11 soldos

Por coser sapatos ( o par)

2 soldos

Par de botas

Especificação

28 soldos e 3 dinheiros

Par de botas de cordovão macho de uma pele

35 soldos

Sapatos e sapatas de mulher

15 soldos

Rostros de cordovão com boas solas

10 soldos

Por fazer sapatos, gramaias (garmaias), sapatos de porta (ou ponta) e cabeças redondas Par de sapatos de calça ou gramaias ou sapatos de ponta ou cabeças redondas

4,5 soldos 10 soldos (19 dinheiros pelo trabalho)

Calçado de

Botas compridas de dois lombos

30 soldos

cabra

O par de sapatos

8 soldos Calçado de

Sapatos de ponta (ou porta), gramaias ou sapatas 10 soldos Botas compridas

Carneiro

20 soldos

Par de bons sapatos a)com solas de festo

10 soldos

Calçado de

b)com solas de espaldar

9 soldos

Vaca

73

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Par de cabeças redondas a)com solas de festo

10 soldos

b)com solas de espaldar

9 soldos

Rostros a)com solas de festo

7 soldos

Calçado de

b)com solas de espaldar

6 soldos

Vaca

Solas de espaldar, na mão

3 soldos

Solas de espaldar aplicadas no calçado

4 soldos

4 rodelos bons da rabada

2 soldos e meio

4 rodelos bons da cachaçada e cabeçada

2 soldos

Par de botas

35 soldos

Calçado de

Par de sapatos, com solas de festo

12 soldos

Gamo

2 soldos Para escudar a pele Calçado de

Pelo par de botas bem fornidas, com solas de festo (ou de espaldar, cabeças redondas, gramaias ou sapatos da porta (ponta))

33 soldos (mais tarde, 40

Cervo

soldos)

7. TRABALHO DOS SAFOEIROS

Produtos Pelo par de safões de gamo Pelo par de safões de duas gamas e de dois lombos

Preço 40 soldos 3 libras

Safões de cerva

50 soldos

Safões de dois lombos de carneiro

25 soldos

Safões de mais somenos (de menos importância)

15 soldos

Safões de gamo

50 soldos

Rostros de gamo ou cerva, na mão

4 soldos

Cabeças redondas, na mão

6 soldos

74

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

8. TRABALHO DOS SOQUEIROS

Produtos

Preço

Par de boas socos de cordovão macho, bem apostado com cirquos e debrum cordovão

30 soldos

a) com cirquos de carneiro

25 soldos

Socos de cabra

30 soldos

Socos de carneiros pretas ou vermelhas

15 soldos

75

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ANEXO XI – PREÇOS DO COURO 1. MATERIAIS UTILIZADOS NA PREPARAÇÃO DOS COUROS

(referente ao trabalho dos “çapateiros da linha e custos da coyrama que lavrarem” 102)

Materiais

Preço/custo

Especificação

Os trabalhos referem-se ao uso de sete A arroba de sumagre

12 soldos103

arrobas, que ficariam em 4 libras e 3 soldos

Sisa do sumagre

18 dinheiros

Peso do sumagre

7 dinheiros

10 alqueires de cal

10 soldos

Seria, portanto, a 1 soldo cada alqueire

Carga de lenha

5 soldos

Para o testo

Aluguer do pelome

10 soldos

2. MATERIAIS UTILIZADOS NA PREPARAÇÃO DOS COUROS

(referente aos trabalhos da “calçadura de vacca” 104) Materiais

Preço/custo

Especificação

Sisa da tagra dos couros

7 soldos

De 10 couros

Aluguer do pelome

8 soldos

12 alqueires de sal e 5 alqueires de cinza

15 soldos

Por utilizar o chafarizonde se

Para tratamento de 10 couros Cada couro (pagamento ao

lavam os couros

3 soldos e 4 dinheiros

dono do chafariz)

8 cargas de casca

10 libras

Para os 10 couros

Aluguer da alcaçaria

20 soldos

Por três meses

102

Idem, Ibidem, p. 144

103

Do mesmo modo, para os trabalhos feitos com pele de gamo, eram utilizadas 8 arrobas de sumagre, que ficavam a 12 soldos.

104

Idem, Ibidem, p. 145

76

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

BIBLIOGRAFIA a) FONTES IMPRESSAS

PEREIRA, Gabriel Vítor do Monte, Documentos Históricos da Cidade de Évora, parte I, reed., Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1998 Ordenações Afonsinas, Livro I, Ed. Fac-simile da de 1792, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1984 b) ESTUDOS E OBRAS DE REFERÊNCIA

ABRAMSON, M. Gurevitch, A. e Kolesnitski, N. – História da Idade Média, vol. 2, Do século XI ao século XV. Lisboa: Editorial Estampa, 1978. ANDRADE, Amélia Aguiar – Horizontes Urbanos Medievais. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. BEIRANTE, Maria Ângela Rocha – Évora na Idade Média, Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas, Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT). CORTAZAR, josé Angel Garcia de e Aguirre, Ruiz de – História rural Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1983. GONÇALVES, Iria, “Posturas Municipais e Vida Urbana na Baixa Idade Média. O Exemplo de Lisboa”, Estudos Medievais, 7. Porto, 1986. CAETANO, Marcello, “A Administração Municipal de Lisboa durante a 1ª Dinastia (1179 – 1383)”, sep. da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. VII. Lisboa, 1951. CAETANO, Marcello, História do Direito Português, Fontes – Direito Público (1140 – 1495), vol. I, Lisboa – S. Paulo: Verbo, 1981. COELHO, Maria Helena da Cruz, “Apontamentos sobre a Comida e Bebida do Campesinato Coimbrão em Tempos Medievos”, sep. da Revista de História Económica e Social.Coimbra, 1984.

77

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

COELHO, Maria Helena da Cruz e Magalhães, Joaquim Romero, O Poder Concelhio das Origens às Cortes Constituintes. Notas de História Social. Coimbra: CEFA, 1986. COELHO, Maria Helena da Cruz, O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média, vol. I e II, 2ª edição, Estudos Gerais, Série Universitária. Coimbra: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. COELHO, Maria Helena da Cruz, Homens, Espaços e Poderes. Séculos XI-XVI, vol. I, Notas do Viver Social. Lisboa: Livros Horizonte, 1990. COELHO, Maria Helena da Cruz, “Concelhos”, Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III, Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV (1096-1325), coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Lisboa: Editorial Presença, 1996. COELHO, Maria Helena da Cruz, “Poder e Administração Local na Gouveia Medieval”, sep. da Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra: Palimage/Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, 2004. FOURQUIN, Guy – História económica do Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1981. GIMPEL, Jean, A Revolução Industrial na Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, 1976. GOMES, Saul António, “A Produção Artesanal” e “O Mundo Rural e o Mundo Urbano”, Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III, Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV (1096-1325), coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Lisboa: Editorial Presença, 1996. HEERS, Jacques, O Trabalho na Idade Média. Lisboa: Publicações Europa-América, 1965. HAUCOURT, Geneviève d’ – A vida na Idade Média. Lisboa: Livros do Brasil, 1973. LE GOOF, Jacques – Em busca da Idade Média. Lisboa: Teorema Editores, 2004.

78

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

LE GOOF, Jacques – Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1980. MARQUES, A. H. de Oliveira, A Sociedade medieval portuguesa. Aspectos da vida quotidiana. Lisboa: Sá da Costa, 1981. MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial Presença, 1987. MARQUES, A. H. de Oliveira, “A Circulação e a Troca de Produtos”, Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III, Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV (1096-1325), coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Lisboa: Editorial Presença, 1996. MARQUES, José, “A Administração Municipal de Mós de Moncorvo, em 1439”, sep. da revista Brigantia, vol. V, nºs 2, 3 e 4, 1985. MARREIROS, Maria Rosa Ferreira, “Os Proventos da Terra e do Mar”, Nova História de Portugal, dir. de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. III, Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV (1096-1325), coord. de Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Lisboa: Editorial Presença, 1996. MORENO, Humberto Baquero, “A Evolução do Município em Portugal nos Séculos XIV e XV”, Os Municípios Portugueses nos Séculos XIII a XVI, Estudos de História. Lisboa: Editorial Presença, 1986. OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, Galhano, Fernando e Pereira, Benjamim, Tecnologia tradicional portuguesa. O Linho. Lisboa, 1978. PIRES, Maria Luísa Moreira – Alguns aspectos da importação de tecidos e seu comércio externo nos séculos XII a XV. Dissertação de licenciatura em Histórico-Filosóficas, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 1958. REIS, António Matos, Origens dos Municípios Portugueses. Lisboa: Livros Horizonte, 1991.

79

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

RODRIGUES, Maria Teresa Campos, “Aspectos da administração municipal de Lisboa no século XV”, sep. da Revista Municipal, nºs 101 a 109. Lisboa, 1968. TAVARES, Maria José Pimenta Ferro, “A Política Municipal de Saúde Publica (séculos XIV e XV)”, Revista de História Económica e Social. Lisboa, 1987. VITERBO, Joaquim de Santa Rosa de (Frei), Elucidário das palavras, termos e frases (edição crítica, por Mário Fiúza), Vols. I e II. Barcelos: Livraria Civilização Editores, 1966.

80

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

ÍNDICE Introdução

Página 5

Parte I – A organização concelhia

Página 7

1. Organização concelhia no século XIV Parte II – Posturas Municipais

Página 8 Página 12

1. As posturas municipais eborenses

Página 13

1.1. Enquadramento

Página 13

a) Contexto epocal

Página 13

b) Contexto urbano

Página 17

1.2. Caracterização

Página 19

a) As posturas municipais de Évora: apresentação

Página 19

b) As posturas municipais de Évora: composição social e gestão municipal

Página 21

Parte III – As posturas e o mundo do trabalho

Página 26

1. Mesteres e mesteirais

Página 27

2. A Terra e os que nela trabalham

Página 31

3. Interacções entre artesanato e trabalho rural

Página 35

4. Comparatividade de preços e salários

Página 37

a) Salários dos trabalhadores agrícolas

Página 37

b) Os alfaiates do pano de cor e os alfaiates do pano de linho

Página 39

c) Sapateiros, surradores, safoeiros, soqueiros

Página 40

d) O preço dos couros

Página 41

81

Mesteirais e trabalhadores rurais nas posturas municipais eborenses de finais do século XIV

Conclusão

Página 43

Anexos

Página 44

Anexo I – Planta da Muralha Romano-goda

Página 45

Anexo II – Planta de Évora no século XIV

Página 46

Anexo III – Glossário

Página 47

Anexo IV – Composição da Câmara de Évora

Página 58

Anexo V – Mesteirais presentes na elaboração das posturas municipais de Évora

Página 59

Anexo VI – Funcionários da câmara de Évora que alcançaram mais do que um cargo

Página 60

Anexo VII – Principais locais da indústria têxtil estrangeira

Página 61

Anexo VIII – Os trabalhadores e a sua posição social na procissão do Corpo de Deus

Página 63

Anexo IX – Salários encontrados nas posturas municipais de Évora

Página 67

Anexo X – Preços dos produtos

Página 69

Anexo XI – Preços do couro

Página 76

Bibliografia

Página 77

Índice

Página 81

82

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