Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Disciplina: “Metrópole e Vanguardas Artísticas” Título: Metrópole na ficção, metrópole real Aluna: Laura Carone Cardieri
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RESUMO: o trabalho trata de questões da metrópole a partir do livro de Ricardo Marques de Azevedo Metrópole: abstração, no qual situa o surgimento da noção de homem moderno no século XVIII. Serão relacionados aspectos levantados pelo autor a cenas do longametragem Não por acaso (2007), abordando temas comuns ao texto e ao filme, como indiferença, controle e fluidez, traçando um paralelo entre a São Paulo da ficção e os personagens. PALAVRAS-‐CHAVE: metrópole, cidade, São Paulo, cinema, Não por acaso. “A cidade teve que inventar o cinema para não morrer de tédio. O cinema se funda na cidade e reflete a cidade.”1
O autor da frase é Wim Wenders, cineasta alemão, autor e diretor de Asas do Desejo, O céu em Lisboa e Alice nas Cidades, filmes que, entre outros, consideram a cidade como parte da linguagem fílmica: “Uma rua ou a fachada de uma casa, uma montanha ou uma ponte ou um rio ou o que quer que seja, são mais que um “último plano”. Eles também possuem uma história, uma “personalidade”, uma identidade que deve ser levada a sério. Eles influenciam os caráteres humanos que vivem neste último plano, criam uma atmosfera, uma noção do tempo, uma certa emoção. Eles podem ser feios ou belos, jovens ou velhos: eles estão certamente “presentes”, e é justamente a única coisa que conta para um ator. Eles têm o direito de 2 serem levados a sério.”
Assim, da mesma forma que cidade e cinema se olham, a cidade como ambiente fictício reflete o personagem, contextualizando e dando forma a suas ações e percursos. É este o
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Win Wenders, A paisagem urbana, p. 181. Idem, p.185.
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assunto do presente trabalho: a relação homem-‐metrópole, a partir de um longametragem brasileiro de ficção: Não por acaso (2007)3. O filme narra duas histórias paralelas que se encontram em decorrência de um acidente fatal de trânsito que vitima Teresa, ex-‐mulher de Enio; e Monica, namorada de Pedro, um aficcionado por sinuca, que fabrica artesanalmente mesas de bilhar. Enio é engenheiro de trânsito, homem solitário, entediado e workaholic. O acontecimento o aproxima da filha, a adolescente Bia. Na vida de Pedro aparece Lucia, inquilina de Teresa. Os personagens em geral são acometidos pela indiferença, a apatia, o tédio, sentimentos próprios dos que vivem na cidade contemporânea. São Paulo, mais que pano de fundo, ganha importância de personagem, ocupando grande parte das cenas com sua agitada paisagem. As ruas são retratadas com uma carga extra de impessoalidade, característica que tem reflexo nos personagens: parecem mimetizar-‐se à fria metrópole. A abordagem aqui apresentada se vale de quatro temas que relacionam homem/metrópole, que por se tratar de ficção serão tomados como personagens/ metrópole ficcional. São eles: 1. Indiferença 2. Controle 3. Fluidez Como critério de escolha foram consideradas questões centrais do assunto do longamentragem, mas que mantém relação com a cidade contemporânea. Além de buscar uma correspondência entre texto e filme, o trabalho identifica a metrópole e seus habitantes
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Ficha técnica:
Elenco: Rodrigo Santoro (Pedro); Leonardo Medeiros (Ênio); Letícia Sabatella (Lúcia); Branca Messina (Teresa); Cássia Kiss (Iolanda) Direção: Philippe Barcinski Roteiro: Fabiana Werneck Barcinski, Philippe Barcinski e Eugênio Puppo Produção: Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck, Claudia Büschel e Fernando Meirelles Direção de arte: Vera Hamburger Direção de fotografia: Pedro Farkas Duração: 94’ Ano: 2007
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enquanto condição de vida: situações em que se desenvolvem comportamentos influenciados pelo meio: a grande cidade. 1. INDIFERENÇA Em Não por acaso, a indiferença toma conta dos personagens, encontrando seu equivalente, a impessoalidade, na escala da cidade. Muitas são as cenas em que o indivíduo se mistura à multidão, desidentificando-‐se. “Diferentemente do que sucede nas cidades de província, a população que se aglomera nas capitais é heterogênea quanto à sua procedência e multifária quanto às suas atividades, vindo a configurar modos característicos de inter-‐relacionamento em ambiente estranho no qual, afora os estritos círculos familiais, vicinais e profissionais, seus concidadãos não se conhecem. Em contraste com a província – na qual por, de algum modo, todos se conhecerem e se observarem diuturnamente, ignora-‐se o que se veio a ter por vida particular -‐, é, na capital – “onde estranhos se encontram” – que, como na Roma pagã, a vida pública virá a se distanciar da privada.” 4
A citação compara capital e província, no que se refere a modos de vida. Enquanto na província predominam relações próximas e familiares, na metrópole é comum o convívio com estranhos, desconhecidos; o contato humano é evitado em detrimento da privacidade. No longametragem alguns dos personagens não se conhecem e assim permanecem até a conclusão, o que evidencia a condição de anonimato da metrópole. Isto traz ao espectador uma possibilidade de conexão pouco óbvia entre os personagens, que se dá em nível indireto e sensível, a partir de um episódio comum: o acidente que mata Teresa e Mônica. Enio, conforme mencionado, é um sujeito distante e de aparente frieza, a começar pelo fato de não conhecer a filha, já adolescente. No ambiente de trabalho não é diferente: mal sabe o nome dos colegas. Enio pode ser tomado, desta forma, como um abstrato personagem de Baudelaire: “A perspicácia de Baudelaire surpreende, perambulantes nos desvãos da metrópole, variegadas personificações do moderno: o snob, o apache, o flâneur, o dândy e uma passante, que se flagram nos caffés boulevards, cabarets e galeries. A ribalta de Paris apresenta, pois, outros atores, outros figurinos, outros cenários e até outra iluminação. Do cimo da colina, o poeta contempla,
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R. M. Azevedo, Metrópole: Abstração, p.o5.
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arguto, la ville en son ampleur, hôpital, lupanars, purgatoire, enfer, bagne, e detecta plaisirs que ne comprenent pas les vulgaires profanes.”5
Ainda que tenham passado por revisões contemporâneas, estas personificações do moderno começam a surgir no século XVIII. Enio pode ser visto como algo entre o snob e o blasé, características que se encaixam na figura do workaholic melancólico que encarna. E enquanto o personagem é indiferente; a impessoal metrópole: “é tomada, pois, como o situs abstrato da abstração. Se a angústia e o tédio transnudam da indeterminação nadificadora do nada, é lá que tudo se dissolve, fundindo-‐se no fluxo dos eventos: o eu valeriano, mencionado na epígrafe, está solitário em ambiente indiferente.” 6
É válido citar, portanto, também a epígrafe do capítulo A Metrópole7, de Paul Valéry:
“O homem civilizado das imensas cidades retorna ao estado selvagem, isto é, a um estado de isolamento. O mecanismo social lhe permite esquecer a sensação, antes continuamente reavivada pela necessidade, de ligação necessária com a comunidade e com outros indivíduos. Cada aperfeiçoamento desse mecanismo torna inúteis determinados atos, modos de sentir e aptidões para a vida comum.”
Parece adequado, portanto, relacionar Enio ao condicionamento do civilizado que habita a cidade. Seu desligamento com outros indivíduos é evidenciado pouco a pouco até se tornar gritante quando passa a conviver com a filha, relação que desperta um sentimento de proximidade, de laço, a despeito da distância física e afetiva que tenta manter. Este fato é evidenciado na cena do primeiro encontro com Bia. Há apenas uma poltrona na sala, significando que o morador não tem o hábito de receber visitas. A outra cadeira serve de apoio para uma pilha de livros. É onde Enio se senta, desajeitadamente.
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R. M. Azevedo, Metrópole: Abstração, p.14. idem, p.14. 7 Ibidem, p. 09. 6
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figura 01: Enio recebe Bia em seu apartamento. Frame do DVD. (00:45:25)
A configuração espacial do apartamento, portanto, denuncia seu modo de vida, assim como a presença da cidade através da janela. É como se fosse uma companheira: a única com quem se sente à vontade, e que pode invadir seu espaço privado. Há uma espécie de namoro na cena em que se olham mutuamente; o plano parte do ponto de vista da cidade, olhar que é devolvido por Enio, de sua janela. Também é para a cidade que Enio desvia o olhar, ao se sentir constrangido com a presença da filha.
figura 02: Enio, em sua janela, “é observado” pela cidade. Frame do DVD. (00:09:58)
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figura 03: Enio olha a cidade. Frame do DVD. (00:10:11)
2.CONTROLE “Engraçado, né? A gente se esforça tanto para prever as coisas, mas uma coisa acontece agora e a gente não sabe onde vai dar.”8
O trabalho de Enio é, em parte, monitorar o trânsito de São Paulo, cidade mais populosa do país, onde congestionamentos e tráfego intenso fazem parte do cotidiano: uma atividade de responsabilidade e controle.
figura 04: Enio na central de controle de tráfego, na mesa de trabalho. Frame do DVD. (00:07:49)
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transcrição da fala de Enio. 00:56:36
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Programar a coordenação de semáforos, mudar sentidos de vias, planejar operações que interferem na vida de milhares de pessoas. Apesar de ser um trabalho invisível e pouco conhecido, faz parte de um sistema de ordenação da cidade – este sim idealizado e implantado, ainda que primitivamente, no século XVIII: “Correlatamente, enquanto no campo – no qual a duração das atividades é pontuada pelas estações do ano, pela incidência solar nos dias, pelas fases lunares, pelos ciclos das chuvas -‐, os fluxos temporais variam; nas cidades – desde que ordenações dos mosteiros, como o repicar e o replicar dos sinos, são transplantadas para a vida citadina -‐, a regulagem do tempo é crescentemente condicionada pela impessoalidade da marcação rígida: horários de trens, abertura e encerramento de comércio e serviços, trocas de guardas e turnos, fechamentos de periódicos, programação de espetáculos, encontros acordados, enfim, pontualidades, compromissos (…)9
Assim, nesta descrição poderia figurar, sem dúvida, a engenharia de tráfego como forma de controle do tempo, já que as vias públicas são pontuadas pela métrica dos semáforos -‐ verdadeiros regentes da mobilidade urbana – interferindo no cotidiano de qualquer um que transita pela cidade, do pedestre ao usuário de transporte público; do motorista do automóvel ao ciclista. Esta forma de controle é mencionada por Enio quando fala à filha sobre sua profissão. A “onde verde”10 dos semáforos oferece uma bela imagem mental, conferindo ao trânsito, tema
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R. M. Azevedo, Metrópole: Abstração, p.11.
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Transcrição do diálogo entre Bia e Enio. 00:53:14 -‐ 00:54:32 Bia: No que que você tá pensando? Enio: Eu tô contando. Bia: Contando? Enio: O tempo do semaforos, que ver? Ó, vai mudar agora, 38, 39, 40! Bia: Nossa! Enio: Não, é que eu vi o do outro bloco abrindo, é como se fosse uma onda verde, entende? É assim: um semáforo abre 40 segundos depois do outro. Aí o motorista não precisa ficar parado o tempo todo no vermelho. E é uma rede, tem três blocos, três cruzamentos: aquele que passou, esse aqui e o próximo. Bia: É isso que você faz no trabalho? Enio: É, mais ou menos… Bia: Então você manda no tempo dos sinais. Enio: Bom, se deixar as pessoas resolverem sozinhas, aí é que não funciona. O trânsito é uma negociação de prioridades. Bom, pelo menos eu gostava de pensar assim.
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pesado e difícil, certa leveza e fluidez. Com o mesmo otimismo, desvenda o mecanismo de interdição da via elevada11, para uso de lazer, aos finais de semana12. Um outro aspecto do controle é a vigilância: a metrópole, conforme mencionado, é monitorada por câmeras com a finalidade de manter as vias fluindo. No entanto, estes dispositivos possuem também a função de vigiar e espreitar a fim de prevenir ocorrências. Neste sentido, as câmeras são utilizadas como meio de policiamento, algo que também surge a partir de necessidades da cidade do século XVIII: “À concepção isotrópica do espaço corresponde a formulação de dispositivos panópticos, a partir dos quais se exerce a espreita constante e impessoal. A polícia – na acepção que os séculos XVII e XVIII conferiram à palavra -‐ , nas cidades cosmopolitas, esmera-‐se em arremedar, de certo modo a ordem impositiva da empresa capitalista. Numa e noutra, o imponderável e o aleatório devem ser expurgados; as expectativas necessitam se subordinar a um dado grau de previsibilidade; as marginalidades, quando não excluídas, precisam ser controladas; a regra e a regularidade são impostas; os fins explicitam os meios e tudo há de ser estimado e contabilizado.” 13
Assim, a polícia tem a função de tornar o cotidiano das cidades o mais previsível possível, afastando o aleatório, o acaso. No filme, Enio pode ser visto como uma espécie de voyeur da vida metropolitana, se valendo das câmeras para exercer mais do que vigilância e proteção: mantém uma câmera apontada para a livraria onde trabalha sua filha a fim de monitorar sua vida, utilizando de forma privada um instrumento público. Assim como Enio, Pedro é obsessivo por controle. Jogador de sinuca, passa desenvolver séries de jogadas, simulando possibilidades. Diz, ao ensinar o amigo a jogar: “não adianta sair matando. O segredo deste jogo é controlar a branca.” O que pode ser encarado como um treino esconde uma necessidade de controlar o acaso. A namorada o critica: “Pra que treinar uma série inteira se não sabe o que o outro vai jogar?” Ela, vítima do acidente fatal, mostra de uma forma triste que Pedro não é capaz de controlar o destino. 11
Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Transcrição do diálogo entre Bia e Enio. 00:53:35 – 00:53:55 Enio: Aqui, por exemplo: essa via durante a semana, a prioridade é dos carros. Hoje é das pessoas, do lazer. A gente que fecha isso aqui. Bia: É, né. Enio: Essa operação chama Vari-‐17. Vari é de variação. 13 R. M. Azevedo, Metrópole: Abstração, p.13. 12
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figura 05: Pedro estuda jogadas de sinuca. Frame do DVD. (00:31:36)
figura 06: Pedro estuda jogadas de sinuca. Frame do DVD. (00:32:59)
3. FLUIDEZ Afora a sinuca, o outro tema central do filme está relacionado à mobilidade urbana, apresentada com mais ênfase na forma do tráfego de veículos. Na ficção, foi tema da monografia de final de curso de Enio, em que relaciona que o modelo matemático do trânsito à mecânica dos fluidos: “Somos todos partículas. Átomos, elementos químicos, células, pessoas. Nos locomovemos. É isso que as partículas fazem, são atraídas e
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repelidas. O ar vai do quente para o frio. As cargas elétricas do positivo para o negativo. Os planetas se atraem. E nós, os indivíduos? Pra onde vamos? Temos o livre arbítrio. Vamos pra onde queremos, o que torna nossos fluxos bem mais complexos de se organizar. O modelo matemático do trânsito é o mesmo da mecânica dos fluidos, da água correndo pelos canos. Cada carro é como se fosse uma molécula d’água. O espaço entre eles é a pressão. Poucos carros, pouca pressão: o trânsito flui bem. Se a água é represada, muitos carros, pouco espaço entre eles, maior pressão. Só que a cidade não é apenas um cano. É um emaranhado de canos com água correndo para diferentes direções.”14
No roteiro original, Enio finaliza a explicação dizendo: “Nossa missão aqui é não deixar o sistema estourar, os canos romperem (…)”. Trata-‐se então de monitorar a pressão entre os veículos, e assim manter o sistema fluindo, como a água pelas tubulações. Sob este ponto de vista, justifica-‐se a fixação por controle de Enio como parte da atividade que exerce. Assim, o controle advém como medida necessária para manter o fluxo. É interessante então elencar algumas cenas em que a fluidez se faz presente no comportamento e nas ações dos personagens. A primeira delas é quando Enio decide mudar de apartamento, mas contenta-‐se em pesquisar nos classificados. É Bia quem o leva para visitar imóveis, incentivando-‐o a trazer para a ação o que era apenas um plano de mudança. Aqui, enquanto Enio bloqueia o fluxo, Bia o faz fluir, assim como quando o influencia a trocar o automóvel pela bicicleta, um convite a se relacionar de uma outra maneira com a cidade.
figura 07: Bia e Enio andam de bicicleta no Minhocão. Frame do DVD. (01:33:08)
14 transcrição da fala de Enio. 00:10:11 -‐ 00:11: 20.
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Da mesma forma, a fluidez está presente na figura de Lucia, quando aceita a obscura proposta de Pedro, deixando-‐se levar sem destino certo; em Teresa, ao trocar a vida em um confortável apartamento pela humilde casa de Pedro. A estas três personagens está relacionado, além do deslocamento, o espaço: Bia quer morar com o pai em uma nova casa, Lucia permite ser conduzida a um lugar desconhecido, Teresa se muda para onde já vive Pedro. Como conclusão, Não por acaso, apresenta inúmeras cenas que despertam a discussão sobre a vida nas cidades e sobre o homem contemporâneo. Uma das leituras possíveis é a de que por mais que se busque o controle e um grau de previsibilidade, por mais que se estime e vigie, por mais que se evite e sufoque o acaso, há algo na cidade –e em tudo o que é vivo -‐ que foge ao controle e à razão, como a água que precisa fluir, ocupando espaços. Esta metáfora cabe também à uma das cenas finais, em que Pedro simula com Lucia uma cena que viveu com Teresa. Ao perceber o quanto foi desagradável, parte atrás dela, descontroladamente. A moça, no entanto, está em um taxi, presa no congestionamento. Pedro chega a seu destino, o apartamento de Lucia, antes dela, onde, ajoelhado no hall de entrada, tira da bolsa uma toalha sobre a qual posiciona cuidadosamente uma canequinha de vidro e uma garrafa térmica de café.
figura 08: Pedro deixa o café na porta do apartamento de Lucia. Frame do DVD. (01:30:55)
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Grande intenção em pequena atitude, trazendo a dimensão sensível para primeiro plano, que se dá a ver também na cena em que Bia presenteia o pai com uma camisa colorida, como que para trazer novas e alegres vibrações à cinza figura de Enio.
figura 09: Bia compra uma camisa colorida para o pai em um camelô. Frame do DVD. (01:04:58)
Ambas as cenas colocam em xeque a racionalidade extrema, o controle, a indiferença e tantos outros valores do homem moderno que foram apresentados ao longo da trama. A ideia do homem universal, que traz a noção de abstração também para a metrópole, foi fator fundamental para a formação do mundo em que se vive hoje. Entretanto, na contemporaneidade há diversas revisões deste conceito, lançando um olhar também para o que é peculiar, único e modesto, como mostra Wenders: “o que é pequeno desaparece. Em nossa época, só o que é grande parece poder sobreviver. As pequenas coisas modestas desaparecem, bem como as pequenas imagens modestas ou os pequenos filmes modestos. Esta perda de tudo o que é pequeno e modesto é um triste processo, do que hoje somos testemunhas dentro da industria cinematográfica. E para as cidades, esta mesma perda das coisas modestas é ainda mais manifesta e, sem dúvida, de maior relevância.”15
Em Não por acaso, os recomeços de vida dos personagens passam por um difícil mas transformador processo de humanização, aos poucos, a partir de pequenos gestos. A São 15 Win Wenders, A paisagem urbana, p. 184.
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Paulo da ficção, tão dura nas primeiras cenas, segue o mesmo processo na medida em que se aproxima a conclusão, tornando-‐se mais gentil e humana. Espelhamento em que todos parecem ganhar, não apenas na ficção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Ricardo Marques. Metrópole: abstração. São Paulo: Perspectiva, 2006. NÃO POR ACASO. BARCINSKI, F. W., BARCINSKI, P., PUPPO, E. e Eugênio Puppo. São Paulo: Produtora: O2 Filmes, (2007), 1 DVD (90 min), NTSC, son, COR. WENDERS, Wim. "A paisagem urbana". In: Revista do Patrimônio histórico e artístico nacional, no. 23, 1994. Crítica do longametragem Não por acaso: Disponível em: . Acesso em 07. maio. 2015
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