MITO, RITO E SÍMBOLO NO ENSINO SUPERIOR: pressupostos para uma avaliação institucional

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1 MITO, RITO E SIMBOLO NO ENSINO SUPERIOR: Pressupostos para uma avaliação Institucional

Introdução As Escolas de ensino superior confessionais nascem sob a égide de princípios e valores dos seus fundadores, sendo um espaço de interlocução com o mundo acadêmico. A principal fonte de renda dessas instituições é a mensalidade de seus alunos, base de sua sustentação. As leis de mercado, as exigências do governo, a competitividade, a necessidade de agregar ao seu corpo docente profissionais qualificados, não raras vezes faz com que princípios idealizados fiquem relegados a um segundo e até terceiro plano, frente aos problemas de sustentação de estruturas e pela incessante necessidade de atualização de pessoal frente a um mercado dinâmico e competitivo. Some-se a isso o crescimento destas instituições com o distanciamento entre os ideais elaborados pelos fundadores e o cotidiano acadêmico com professores de diversas procedências ideológicas, quando nem sempre a capacidade profissional está alinhada com os ideais destas fundações. A Missão Institucional acaba, em muitos casos, sendo desconhecida por educadores e, conseqüentemente, por educandos. Deve-se, ainda destacar, que pela própria natureza do mundo universitário, muitos dos docentes e coordenadores não comungam, e até mesmo se opõem ideologicamente às crenças e princípios da fundação e, coerentes com seus princípios, acabam por não sublinhar e assumir os aspectos relevantes dos princípios, quando não partem para contestá-los. Para auferir o nível de fidelidade de uma instituição aos seus princípios fundacionais é necessário compreender como os ideais nascem, se institucionalizam e sofrem a erosão do tempo e das circunstâncias. Por que há nas instituições um descompasso entre os ideais da fundação e a pratica do cotidiano, gerando em alguns membros dessas comunidades desalento e descrença? Apresentaremos alguns pressupostos que nos permitem avaliar o nível de fidelidade das fundações aos ideais do fundador.

Da Experiência Fundante à Institucionalização: Mito, Rito e Símbolo O homem se constrói a partir de experiências. Prevalece o conceito aristotélico de que nada está na inteligência sem que por primeiro não tenha passado pelos sentidos. O experimentar faz parte intrínseca da vida, sendo um patrimônio pessoal na construção da personalidade. Em geral, as experiências vividas esgotam-se na temporalidade da própria vida de cada indivíduo. Há experiências, porém, que transcendem o individuo e são apropriadas por outras pessoas que vêm nelas algo de singular e extraordinário e, ainda que vivenciada por outrem, possuem um lastro de sabedoria que passa a ser para muitos um referencial de vida. Essa experiência pessoal de alguém, quando transferida ou apropriada por outras pessoas, denominaremos de experiência fundante. Tal experiência de uma pessoa, assumida por outras, dá ao individuo que a vivenciou a imediata ou crescente consciência de que é “mestre”, “guia” e “fundador” e a "consciência de que tem uma missão” a cumprir. Tal experiência vai aos poucos se desmaterializando e assumindo um halo místico. A experiência fundante, ao perder sua materialidade, se torna um princípio, uma doutrina e uma mística. O fundador atrai discípulos, ou, discípulos mais fervorosos apontam o fundador como exemplo a ser seguido. Os discípulos das primeiras horas são co-fundadores que avalizam a experiência do fundador como referencial e palavra final. Sua morte qualifica esses discípulos que gozam de autoridade porque conviveram com o mestre sendo reconhecidos como intérpretes qualificados. Com o Prof. Dr. Dilson Passos Júnior – [email protected]

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2 tempo a experiência fundante se encaminha para institucionalização que procura organizar e perpetuar o carisma do fundador e dos primeiros discípulos. A imagem, a vida e a ações do fundador são perenizadas. Este caminho se realiza através de três elementos interligados: o Mito, o Rito e o Símbolo. O Mito é a narração da vida, dos ditos e feitos do fundador e seus primeiros discípulos. Não é, porém, uma narração feita uma única vez como numa comunicação, mas é sempre narrada, porque aquele evento fundacional do passado torna-se sempre presente na comunidade que o assume. Os iniciados ouvem com unção muitas vezes a história de como tudo começou. Esse resgate tem não só a função de memorial, mas de entendimento do “agora” da Instituição. Perder esse referencial histórico é perder a própria identidade, pois, os seguidores devem entender que são continuadores do fundador. O mito é um fato do passado que se atualiza pelo Rito. O Rito é a atualização do Mito que “indo” ao passado, atualiza a experiência fundante tornando-a presente aqui e agora no hoje, sendo, portanto, não só evocativo, mas também celebrativo. É a atualização do ontem no hoje, quando “nós” somos a continuação da mesma história. O cerimonial integra e dá unidade ao passado e ao presente quando não somos observadores, mas protagonistas da história. Nas celebrações religiosas, à guisa de exemplo, a divindade sai de sua transcendência e está “aqui” no rito interagindo com seus crentes ouvindo-os e atendendo-os. Em Instituições não religiosas o cerimonial também diz a mesma coisa: os sonhos dos fundadores não ficaram no passado: somos este sonho tornado realidade, não havendo entre o fundador e seus discípulos o vácuo do tempo. O ontem é o hoje em nós. Daí a necessidade de uso de roupas e insígnias que indiquem que o membro da comunidade transcende a sua própria individualidade. O Símbolo é o que nos faz remontar e lembrar a experiência do fundador por sinais. O vestir-se e o envolver-se de símbolos representa conectar o hoje com o ontem. O paramentar-se, não só no sentido religioso, significa dar identidade ao Rito indicando a fonte de onde se vem. O símbolo é um referencial ao Mito inicial. Mesmo as construções são sinais de uma determinada Instituição que procura se impor pela grandeza, esplendor e majestade para assinalar o que representam. O Ideal do fundador, nascido naturalmente ou forjado por seus discípulos, se visualiza no Mito, no Rito e no Símbolo que sintetizam a experiência fundante. Essa experiência precisa institucionalizar-se para organizar o projeto inicial. O impulso inicial vai sendo ordenado por regras, normas, princípios e procedimentos para garantir como a coisa deve ser. Se essa fundação é bem sucedida isso se materializa no reconhecimento social, garantia de status e poder. Os seus gestores têm como missão ser intérpretes dos ideais fundacionais como guardiães zelosos em manterem a “chama sagrada” da experiência fundante. Uma Instituição que se consolida é um atrativo para novos membros, ora por uma clara opção pelos ideais fundacionais, ora pela procura de status, poder ou remuneração. Cria-se tensão entre as dimensões carismática e institucional, entre os ideais do fundador e o cotidiano pouco romântico com sua materialidade prosaica: contas, captação de recursos, remunerações, competições de mercado, captação de clientes, direitos e lutas sindicais, contratação de funcionários alinhados com os ideais do fundador e a demissão dos menos integrados profissional ou ideologicamente. Acontece se ver o retrato de fundadores fixados em paredes de vetustas fundações, antes venerados e amados, hoje, rostos anônimos a assombrar como fantasmas do passado com Prof. Dr. Dilson Passos Júnior – [email protected]

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3 seus ternos antigos, às novas gerações sedentas de modernidade e desejosas de sepultarem nos porões dos prédios esses quadros velhos. Assim como esses retratos, objeto de veneração no passado, também os mitos, ritos e símbolos podem perder sua atualidade apesar de “pendurados” na Instituição. Aqui está diagnosticada a crise profunda de uma fundação onde o Mito deve ser narrado, o Rito deve ser celebrado e o Símbolo deve ser mostrado por funcionários sem paixão, sem emoção, sem adesão afetiva, sem identificar-se com eles. Parecem velhos funcionários de velhas instituições apresentando com voz pastosa e sem brilho nos olhos os “ideais” de fundações das quais recebem o sustento e através das quais esperam com ansiedade a aposentadoria. O Mito fundacional torna-se mera mitologia, estórias do passado; o Rito torna-se ritualismo, suportado com olhares constantes ao relógio conscientes de que está demorando muito e se tem coisa importante a fazer. E os Símbolos não simbolizam mais, sendo relegados às gavetas ou envergados em cerimônias com tédio ou, tornam-se ainda enfeites sem seu significado inicial. Essas coisas só são suportadas porque através delas se tem status ou remuneração. A erosão dos paradigmas fundacionais e institucionais faz com que se mantenha um verniz superficial que apenas se refere ao fundador e à sua experiência fundante. Os discursos tendem a ser vazios e as ações tornam-se pragmáticas até no fingir que se adere aos critérios fundacionais quando se vive, efetivamente, atitudes diferentes das propostas da Instituição. O Mito não narra mais, o Rito não celebra mais e o Símbolo não simboliza mais. O que sobrevive é o simulacro. Esta Instituição está em crise, pois, há uma efetiva ruptura entre o sonhado e vivido. E ainda que sobrevivam em seu comando poucas pessoas apaixonadas pela experiência inicial, efetivamente, porém, não há mais canais entre o impulso inicial repleto de paixão e os destinatários. Numa escola, para concretizarmos essas afirmações, há educadores que não crêem nas propostas dos mantenedores e alunos que não recebem os influxos desta experiência fundante. O destino desta Instituição será ou, a radical presença de vigorosos e violentos reformadores que busquem retomar o espírito da fundação, ou a ruptura com os paradigmas fundacionais substituindo-os por outros ou, ainda, o melancólico encerramento de suas atividades. Considerações finais Seria destino inexorável de que todas as experiências fundantes viriam a viver um período de institucionalização, de apogeu e decadência? Os ideais e princípios educacionais sofreriam erosão inevitável do tempo tornando-se arcaicos e ultrapassados? Seriam, na história, alguns valores apenas sazonais? Teria sentido uma Instituição de Ensino Superior possuir princípios pétreos? São questões que perpassam o suceder histórico e, acima de tudo, o filosófico. Essas mesmas questões deveriam ser equalizadas para uma interpretação filosófica: Existiria o perene? Ou prevaleceria a intuição do velho Heráclito que via no permanente fluir e na mudança em si aquilo que era o mais certo? Certos valores são de momento ou perenes? Os valores fundantes de uma Instituição de ensino não perpassariam o tecido acadêmico por incompetência de seus gestores ou porque seria já um produto fora de linha e, portanto, não interessante aos consumidores? Seriam os gestores de uma fundação como vendedores de loterias que gritam a todos os transeuntes que o “bilhete premiado” está em suas mãos, mas o vendem por um punhado de moedas tidas, então, por mais valiosas? Por que experiências fundantes perdem seu vigor e exuberância? O Iluminismo, o Positivismo, o Capitalismo, o Marxismo foram totens que se erigiram grandiosos nas planícies da história e que conheceram a erosão do tempo. Será que Mito, Rito e Símbolo das instituições educacionais sofreriam a inexorável erosão da descrença: ser um mito que não narra mais, ser um rito que não celebra mais, ser um símbolo que não simboliza mais. São questões que, se Prof. Dr. Dilson Passos Júnior – [email protected]

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4 respondidas, independente de qual seja a resposta, darão um norte no governo nas Instituições de Ensino Superior. Os ideais dos fundadores nas Instituições de Ensino Superior sofreriam crises conjunturais ou estruturais? São questões que necessitam de respostas para que o ideário e a missão das universidades seja uma realidade exeqüível e não uma formalidade nos planos das instituições.

Prof. Dr. Dilson Passos Júnior – [email protected]

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