Moçambicanidade Imaginada

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Ver www.ces.uc.pt/estilhacos_do_imperio/comprometidos/media/Mo%C3%A7ambique%20e%20a%20LQ%20pdf%20%282%29.pdf
Ver conceito em http://www.unesco.org/new/en/social-and-human-sciences/themes/international-migration/glossary/nation-state/
"Black nationalism: political and social movement prominent in the 1960s and early '70s in the United States among some African Americans. The movement, which can be traced back to Marcus Garvey's Universal Negro Improvement Association of the 1920s, sought to acquire economic power and to infuse among blacks a sense of community and group feeling. Many adherents to black nationalism assumed the eventual creation of a separate black nation by African Americans." In http://global.britannica.com/event/black-nationalism
Ver SUMICH, 2008
Ver subcapítulo seguinte.
Ver SUMICH, 2008
1


Antropologia
Nacionalismos e Identidade
2015/2016
Docente: Maria de Fátima Amante


Moçambicanidade Imaginada

Joana Sá Couto Batista
216561










Índice
Introdução…………………………………………………………………………………………………………………………..…2
Moçambicanidade Imaginada……………………………………………………………………………………………….3
Uma olhadela pela História…………………………………………………………………………..…………3
Alguns Conceitos……………………………………………………………………………………………………….4
Construindo uma Nação……………………………………………………………………………..…………….5
Importância dos Media………………………………………………………………………………………………8
Tradições Inventadas: Criação de Herois………………………………………………………………….9
As Elites e a Importância do Ensino…………………………………… ……………..….………………..10
Conclusão……………………………………………………………………………………………………………………………….12
Referências Bibliográficas…………………………………………………………………………………………………...…13






















1.Introdução
Este trabalho tem como objectivo uma análise da construção da identidade nacional e consequente nacionalismo em Moçambique, antiga colonia portuguesa, apesar de todas as suas diferenças etnias.
Para tal, irei descrever alguns factos históricos, de modo a elucidar o leitor do contexto dos acontecimentos. Posteriormente, será feita alguma conceptualização de conceitos relevantes que irão servir de pilares para este ensaio.
Doravante, irei descrever o processo levado a cabo pelas elites com vista a construir uma consciência colectiva fundamental para a criação de uma Nação. Tentarei desta forma argumentar, com a necessária base teoria argumentar o título do ensaio: que a moçambicanidade é imaginada.
Com efeito irei apoiar-me na obra de Benedict Anderson, nomeadamente no seu livro "Imagined Communities" , demonstrando que o estado de caso moçambicano enquadra-se na perfeição na sua visão de nação, conceptualizada no segundo subcapítulo.
A ideia para este tema veio da minha curiosidade pessoal em compreender como é que se transforma uma população tão diferente num Estado-Nação. Iremos perceber, contudo, que Moçambique não é um Estado-Nação, apenas uma Nação.












2. Moçambicanidade Imaginada
2.1. Uma Olhadela pela História
Foi na descoberta do caminho marítimo para a Índia que Portugal anexou ao seu Império, na costa este africana o território que hoje designamos de Moçambique, no século XVI. Contudo, só no século XIX é que conseguiu, de facto, controlar todo o território ainda com algumas dificuldades. Houve sempre muita resistência ao povo colonizador, que em si não tinha força militar nem civil para controlar um território tao grande. De modo a manter a sua soberania, outorgou diferentes concessões de território com empresas privadas cujo objectivo era de controlar o território impondo a vontade da metrópole. Moçambique dividiu-se entre uma parte controlada por Portugal e outras duas controladas pela empresa Niassa e, outra, Zambezi. (SELETI, 2015)
Falamos de um território altamente heterogéneo a nível cultural. Englobava diferentes povos, com diferentes padrões culturais e línguas. Nesta fase, com a colonia ainda algo separada não havia grande sentimento de pertença nem preocupações com a criação de uma identidade comum.
Com o Estado Novo, porém, liderado por António Salazar, o território de Moçambique ficara todo controlado pelo Estado português. A partir do Acto Colonial de 1930, as colónias tornar-se-iam províncias ultramarinas, parte do território português como qualquer distrito em Portugal continental.
"The legal standing of Mozambicans refuted the myth of colonies being provinces that enjoyed all the privileges enjoyed in Portugal itself. The civil liberties and property rights of Mozambicans were no longer guarenteed by the Act. New identities were given to the colonised, those that were assimilated (assimilados), were accorded citizenship and enjoyed civil and property rights. Then there were those called, indígenas, 'the uncivilised', not covered by any judicial framework." (SELETI, 2015)
Neste contexto, qualquer invocação de identidade nacional a não ser a portuguesa, ou e identidade étnica eram combatidos e reprimidos pela força. As políticas de assimilação contribuíram para a perda das identidades étnicas em detrimento de uma nova identidade ainda algo latente. Através do ensino e dessas mesmas políticas criou-se também a classe dos assimilados como vemos na citação acima, classe essa que se tornaria a elite de que iremos falar mais à frente.
"The main feature of this colonial system was assimilationg Africans into Portuguese culture, making sure that we natived hated our own culture. This hegemonic process of imposing alienation can be illustrated by Mozambicans returning to their villages after living briefly in the city: they can no longer identify with their community (Couto, 2003). During the colonial era alienation resulted from being forced to abandon out local languages. Throufhout the country we had kids speaking only the local language of their region forced to use Portuguese in the science classroom, a language that many teachers had poor facility with. Learning Portugese at school meant learning to cross a cultural borde rinto na alien world that didn't respect local community. After Independence (in 1975) Portuguese language became part of our cultural capital and, most importantly, the language of national unity." (CUPANE 2010)
O grupo heterogéneo de nativos moçambicanos, para além da língua, também tinha outro factor comum: estavam contra a subordinação a um colonizador.
No dia 25 de Junho de 1962, constitui-se a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Com Eduardo Mondlane, como chefe, os objectivos da Frente era tornar o território independente, o que viria a acontecer após uma terrível guerra colonial. (http://40anos-dev.portaldogoverno.gov.mz/por/Movimentos/Fundacao-da-FRELIMO)
A 25 de Junho de 1975 dá-se a proclamação da independência, após uma guerra iniciada pela Frelimo em 1964 com Samora Machel como primeiro presidente (www.publico.pt/mundo/noticia/dataschave-da-historia-de-mocambique-independente-1672885).
"Alguns afirmavam que no tempo de Samora (a presidência de Samora Machel) as coisas eram melhores, que pelo menos havia ordem, um objectivo claro e pouca criminalidade; outros, mais cínicos, contrapunham que a criminalidade era rara porque não haveria nada para roubar. Outros ainda defendiam essa espécie de solidariedade negativa do período socialista, afirmando que, pelo menos nessa altura, todos (a elite e a população em geral) eram igualmente pobres ao contrário do que se verifica no presente, dominado por elites abastadas que tudo monopolizam. Porém, mesmo os mais fervorosos defensores do tempo da revolução admitiam que, apesar da solidariedade e da euforia em torno da construção da nova nação, os tempos eram muito difíceis e a maioria das pessoas passava fome." (SUMICH, 2008)
Mas a vitória de Machel durou pouco tempo. Os regimes ditatoriais ainda vigentes na Rodésia e na África do Sul tentaram perturbar a nova paz por motivos económicos e políticos. Financiaram e criaram a RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana a partir do Central Intelligence Office rodesiano. (www.ces.uc.pt/estilhacos_do_imperio/comprometidos/media/Mo%C3%A7ambique%20e%20a%20LQ%20pdf%20%282%29.pdf)
Dá-se assim um novo conflito armado, uma verdadeira guerra civil que só iria terminar a 4 de Outubro de 1992 quando é assinado em Roma um acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo, que põe fim a 16 anos de guerra que fizeram um milhão de mortos e obrigaram à deslocação de milhões de pessoas (www.publico.pt/mundo/noticia/dataschave-da-historia-de-mocambique-independente-1672885).
2.2. Alguns Conceitos
Uma vez que este trabalho se foca no nacionalismo, parece-me pertinente em primeiro lugar desconstruir a ideia de nação e de estado-nação, neste estudo de caso que é a antiga colonia portuguesa de Moçambique. Como foi referido anteriormente, trata-se de um território heterogéneo, que engloba em si diferentes culturas que têm em comum apenas um passado colonial.
De facto, quando nos referimos a Moçambique devemos referir-nos a uma Nação em detrimento a um Estado-Nação, que tem como pressuposto uma identidade étnica e cultural única dentro das suas fronteiras políticas. Nação é algo muito difícil de conceptualizar.
"As Nodia puts it, a 'a nation is a community of people organized around the idea of self-determination' (1994, 11, italics in orginal). Some take this idea of self determination to mean control of a state. In another review article, for example, Haas proposes that the nation is 'a socially mobilized body of individuals, beliving themselves to be United by some set of characteristics that differentiate them (in their own minds) from outsiders, striving to create or maintain their own state' (1986, 726). While others might not agree that the nation must pursue its own state, idea of territory is crucial to understanding national identity." (BARRINGTON, 1997)
Barrington dá especial atenção a ideia de Estado e de uma população unida a volta dessa estrutura politica. Contudo, como iremos ver, o meu objectivo com este trabalho é perceber como é que a Nação de Moçambique se tornou uma comunidade imaginada, como conceptualizada por Benedict Anderson. Vejamos:
"In an anthropological spirit, then, i propose the following definition of the nation: i tis na imagined political community – and imagined as both inherently limited and sovereign.
It is imagined because the members of even the smallest nation will never know most of their fellow-members, meet them, or even hear them.
The nation is imagined as limited because even the largest of them encompassing perhaps a billion living human beings, has finite, if elastic, boundaries, beyond which lie other nations.(…)
It is imagined as sovereign because the concept was born in an age in which Enlightenment and Revolution were destroying the legitimacy of the divinely-ordained, hierarchical dynastic realm.
(…) i tis imagined as a community, because, regardless of the actual inequality and exploitation that may prevail in each, the natio nis always conceived as a deep, horizontal comradeship." (ANDERSON,1983)
Igualmente relevante é a ideia de identidade nacional que irá suportar o nacionalismo. A conceptualização da identidade nacional não é fácil. Temos alguns pressupostos comuns a diferentes conceptualizações do conceito. A identidade nacional implica a capacidade do individuo de pensar-se e falar como parte integrante de uma comunidade com a qual se está envolvido física, legal, social e emocionalmente. "To understand the concept of national identity, we must look for reasons why people identify with their nations in habits of social life. As aptly put by Michael Billing, ' to have a national identity is to possess ways of talking about nationhood'. (SELETI, 1997)
Num contexto histórico de independências no continente negro, de exaltação da negritude, e luta contra a escravatura e segregação, há vários trabalhos sobre o afro-nacionalismo. Não é o meu objectivo com este trabalho explorar este tema. Contudo, é neste contexto que invoco o conceito de moçambicanidade em comparação com o contexto histórico referido, pela visão de Mia Couto:
"Na mesma entrevista, o autor refere a distinção entre o que é lutar pela moçambicanidade no país e o que é lutar pela Negritude. O Movimento da Negritude teve fundamental importância histórica na afirmação da identidade africana através da representação ficcional da realidade do elemento maioritariamente deste continente. (…) Afirmar a moçambicanidade no contexto contemporâneo, equivale a afirmar por identificação ou mapeamento uma cultura que represente o mosaico nacional, não apenas no seu elemento racial, como também nas dimensões multiculturais iniciadas pela empresa colonizadora e que hoje formam o mosaico de culturas, raças e línguas que é Moçambique. Mia Couto escreve o multiculturalismo de um país que se assume heterogéneo e que preserva a diversidade de vozes e valores sem afrontar as normas de coesão e unidades nacionais. Logo, quando Mia Couto afirma: "em moçambique está-se a lutar pela moçambicanidade e não pela Negritude", está respondendo a esse posicionamento ortodoxo que imprime ao ser africano a afirmação de sua negritude." (PEREIRA, 2008)
2.3. Construindo uma Nação
A criação de uma identidade nacional em detrimento da identidade étnica foi um processo longo e subtil, nos quais foram essenciais os papéis dos media, das tradições e da escolaridade – ainda que, com muitas falhas -, como iremos ver, individualmente, mais à frente.
Segundo Yonah Seleti (1997), "The process of creating a national history and collective memory envolves a dialectical process of forgetting and remembering as a nation goes through the chores of daily life. It is in this period of transition that the process of selective forgetting and recalling is intense, as the stakeholders compete to influence the character of the nation-state. In the pursuit of a national identity, politicians, academic, civil society and the media creatively remember ideologically convenient facts of the past while at the same time forgetting the discomfiting facts."
Esta ideia da escolha de certos factos e histórias e esquecimento de outras está presente principalmente, como veremos, nas tradições e construções culturais dos heróis. Por outro lado, a ideia explícita dos símbolos e construções da ideia de nação no dia-a-dia são essenciais para a criação de uma nação e de uma identidade nacional, que advém de uma memória colectiva, no que era um estado-nação construído. De acordo com William Bloom (1990), o cidadão deve experienciar o estado em primeiro lugar, e esta experiencia deve evocar uma identificação do cidadão com o Estado. Essa experiência pode advir de símbolos, rituais, ou indivíduos em si.
No fundo, o inicio desta construção começou com a luta independentista. a FRELIMO era a única força que lutava contra o inimigo comum, o colonizador. Nessa fase, tornou-se logo directa a ligação, a empatia, os laços entre os futuros cidadãos e o futuro estado. Desde cedo se criaram mitos de modo a estabelecer uma ligação e um passado comum, como o exemplo do herói Ngungunhame.
"A construção da nação, dependia, em boa medida, da eficácia da dicotomia nós , os moçambicanos, em oposição a eles, os colonialistas, fundada na experiencia da opressão colonial que unia todos os povos que vivam sob o domínio português em Moçambique. Conquistada a independência, a construção da nação prosseguiu através da consolidação das estruturas jurídico-administrativas e da produção de discursos identitários orientados para o enraizamento da ideia de pertença a um colectivo nacional, capaz de integrar e subordinar as diferenças fundadas na etnia, na língua e na religião (ver Chabot s.d.:120)." (RIBEIRO,2005)
Por outro lado, com a independência, a FRELIMO sofreu algumas divisões.
"Grande parte da liderança baseada na FRELIMO mantém-se unida através de laços de lealdade mútua, de amizade e por vezes de parentesco, bem como por meio de um sentdo de identidade partilhada resultante de experiencias similares e reforçada por uma base ideológica. Embora as fissuras internas sejam muito reais, a elite de Maputo tem conseguido apresentar ao mundo exterior uma frente mais ou menos unida." (SUMICH, 2008)
Como referido, os seus membros e apoiantes focavam-se apenas na luta pela independência, que, agora alcançada, dava espaço para novas questões – como por exemplo, como gerir politica e economicamente o país – em que os seus membros tinham diferentes opiniões. Uns com uma ideologia mais marxista, outros com uma ideologia mais capitalista.
Estas clivagens dentro da FRELIMO, e entre a FRELIMO e a RENAMO tiveram consequências no plano que era a construção de uma identidade nacional. A morte de alguns indivíduos conhecidos do povo, no contexto dos conflitos dentro do partido, também não ajudou. A propaganda estatal utilizada nesta altura, apesar de exaltar a identidade nacional, acabava por criar clivagens entre o povo, ao demonizar o inimigo. Por outro lado, não nos podemos esquecer que as autoridades tradicionais dos grupos étnicos continuaram muito fortes (SELETI, 1997).
"Como nas teorias de Frantz Fanon, pensava-se também que a participação na luta de libertação e o combate ao jugo colonial através de actos de violência "purificadora" pudessem ajudar a criar um homem novo (…) os líderes da FRELIMO procuraram criar os alicerces de uma nova cidadania, enfrentando desse modo um problema que aflige frequentemente os movimentos nacionalistas. O nacionalismo é legitimado através de um sentido do caracter único da nação; porém, não é invulgar que os modernizadores nacionalistas pareçam de certo modo emular aqueles que anteriormente os oprimiam." (SUMICH , 2008)
É neste sentido que o líder da FRELIMO, Samora Machel, terá seguido uma política que envolveria matar a tribo para construir uma nação, isto é, era necessário destruir as autoridades tribais e as identidades étnicas, que deveriam ser substituídas pela soberania do Estado e a identidade nacional.
Documento 1: A Bandeira de MoçambiqueDocumento 1: A Bandeira de MoçambiqueContudo estas a tribo não se conseguiu matar, e a guerra entre a FRELIMO e a RENAMO apenas mantiveram em stand-by este processo de criação de uma identidade nacional. "Para que esta existisse não bastavam, como bem perceberam os principais responsáveis políticos moçambicanos, a disseminação de uma língua comum, inevitavelmente a do colonizador, e a exaltação de uma história, inevitavelmente a da luta contra o colonialismo. Era necessário também que se procurassem, na tradição, símbolos 'nacionalizáveis', como os heróis, com os quais os indivíduos se pudessem identificar e o Estado produzir discursos de alteridade (Zonabend 1980:310)." (RIBEIRO, 2005)
Documento 1: A Bandeira de Moçambique
Documento 1: A Bandeira de Moçambique
Contudo, "With the virtual disintegration of the state, the ruled no longer recognized the rulers as their legitimate rulers. The weakening of the state as a consequence of the militar conflict, meant that the state's capacity to regulate public political life was also weakened. The space left by the weakening state allowed for new social forces to coalesce into civil society. The demands of civil society, the stalemate in the militar conflict couplde with the pressure from the international community, produced a settlement in October 1992." (SELETI, 1997) No mesmo ano, aboliu-se a censura, e promulgou-se a liberdade de imprensa e livre acesso aos media . Estava também na altura de criar símbolos nacionais.







Documento 3: Hino de MoçambiqueDocumento 3: Hino de MoçambiqueDocumento 2: Emblema Oficial MoçambiqueDocumento 2: Emblema Oficial Moçambique
Documento 3: Hino de Moçambique
Documento 3: Hino de Moçambique
Documento 2: Emblema Oficial Moçambique
Documento 2: Emblema Oficial Moçambique

Note-se a importância que os dois símbolos (Documentos 1 e 2) dão ao estudo- representado como um livro -, a produção e a defesa do Estado Moçambicano. No hino nacional (Documento 3), igualmente um símbolo relevante, temos também presente o anticolonialismo, a exaltação de uma nação unida, e, novamente, a referencia a produção e à defesa
Invoco aqui a importância do nacionalismo banal na construção da identidade nacional moçambicana. Como referi, é importante a relação entre o cidadão e o Estado no dia-a-dia para que se possam pensar como parte de um Estado. Através de celebrações, rituais, e da existência e propagação dos símbolos presentes nos documentos 1,2 e 3, dá-se essa relação e surge algum sentimento de pertença.
Michael Billing fala do nacionalismo banal, principalmente nos Estados Unidos da América. Contudo, faz sentido aqui também, no sentido em que existe um nacionalismo presente no dia-a-dia, embutido em práticas rotineiras, crenças, hábitos e representações. "The metonymic image of banal nationalism is not a flag which is being consciously waved with fervente passion; i tis a flag hanging unnoticed on the public building." (BILLING, 1995)
Como veremos o nacionalismo banal está presente nos media, nos heróis, e nas escolas. Tal como argumentado por Billing, são as elites que criam este nacionalismo de modo a unir a nação.
2.4. Importância dos Media
Os media são instrumentos fundamentais para a construção e proliferação de uma identidade nacional, uma vez que são condutores dos discursos e promulgações politicas durante um por um vasto território. Contudo, os media não são necessariamente instrumentos directos de um Estado. Podem ter este objectivo por sua própria agenda.
Durante a luta ela independência, o rádio tinha um papel fundamental, pois era o único meio de comunicação que chegava a maioria das comunidades. Nesse sentido, a FRELIMO nacionalizou um canal de radio, criando a Radio Moçambique em 1975, com o objectivo de servir como meio para a propaganda do Estado. Este, controlava também o jornal Notícias, de Maputo, e Diário de Moçambique da Beira. Através desta e de outras estratégias, verdade é que ganhou popularidade e conseguiu destruir de algum modo a reputação da RENAMO: " Renamo was stripped of any nationalist motivation for the war. It was presented as a sell-out, a killing machine with no political motives. In short it had no business worth fighting for in Mozambique." (SELETI,1997)
Como referido anteriormente, com a paz entre a RENAMO e a FRELIMO dá-se a liberdade de imprensa e o acesso livre aos media. Durante as eleições de 1994 houve um equilíbrio entre o tempo de antena da Frelimo e da renamo o que comprova a liberdade promulgada.
A imprensa começara assim a ter um discurso bastante crítico e denunciador, da corrupção, ao mesmo tempo que incitava a existência de um sistema democrático saudável. A liberdade de associação politica permitiu igualmente o surgimento de outros movimentos políticos. A sociedade civil começara a unir-se: "The widespread rise in political actiism has enabled the previously silenced voices to express themselves. What has occurrd in Mozambique has been the redefining of the new state and the abandonment of the old one. The new belongs neither to Frelimo or Renamo, i tis a product of a complex processo f competing and conflicting world views." (SELETI, 1997)
Os media tornam-se assim importantes actores no que toca a construção de uma identidade nacional. Os esforços da FRELIMO na criação de uma identidade única, tendo como pilar a luta pela independência, perdeu muito com a guerra civil. Mas a partir de 1992, surgem novas visões da identidade nacional, uma identidade que é plural com a liberdade de imprensa e de expressão torna-se claro que não existe uma identidade apenas, mas uma identidade nacional criada a partir de diferentes identidades. Identidades essas que têm todas tempo de antena.


2.4.Tradições Inventadas: Criação de Heróis
De acordo com Fernando Ribeiro (2005), " O trabalho de heroificação é inseparável da produção de uma memória colectiva de dimensão nacional por parte do Estado e dos seus agentes."
A exaltação de personagens importantes, transformados em heróis, é essencial na criação de uma consciência colectiva, de um passado que se deve pensar como comum, de modo a unir um povo heterogéneo como é o caso de Moçambique. Essas personagens devem ser sempre ligadas ao processo da construção da Nação em si, como a luta contra o poder colonial e a independência, e, tornados símbolos nacionais, estes heróis tem como têm como "(…) função primordial (…) dar resposta `interrogação lancinante sobre o 'caracter' da nação (…)" (RIBEIRO, 2005)
Ngungunhane fora o ultimo imperador de Gaza, que sempre demonstrou grande resistência à colonização portuguesa. Apenas em 1894 é que foi derrotado, e o território de Moçambique 'ficou completo'. A vitória dos portugueses sobre Ngungunhane foi exaltada no território português, fazendo parte do património cultural no Minho, especialmente. Contudo, acabaria por se tornar também património cultural moçambicano de uma forma muito diferente. As elites conseguiram transformá-lo num grande símbolo da luta contra o nacionalismo, e no primeiro herói nacional.
Para tal, contudo, foi necessário eliminar os aspectos mais negativos do caracter de Ngungunhane, sobrevalorizando as características como a coragem, a inteligência e a capacidade de liderança. A FRELIMO acaba por utilizar a sua figura ainda durante a luta independentista, argumentando que foi a falta de unidade dos moçambicanos que conduzira a vitória por portugueses. De facto, "(…) a elite dirigente tentou fazer de Ngungunhane um símbolo colectivo que pudesse ser apropriado pelas populações. Em suma, estava finalmente fabricado o primeiro dos grandes heróis do Estado moçambicano. Talvez aquele que mais obedece aos cânones clássicos, de perfeita compatibilidade com os interesses de liderança do regime e o contexto político então muito difícil, dominado por um a guerra sem fim à vista." (RIBEIRO, 2005)
Eduardo Mondlane, nascido numa pequena aldeia no sul de Moçambique, no seio de uma família tradicional, consegue estudar nos Estados Unidos, conseguindo posteriormente um emprego nas Nações Unidas. É conhecido, porém, pelo seu trabalho como chefe da FRELIMO. Com um papel de excelência na independência de moçambique, a sua morte acaba por dar apenas o ultimo salto para que Mondlane se transformasse no herói mais falado de Moçambique.
"Mondlane está presente em toda a parte (…) Herói nacional, é também um herói da Frelimo, talvez o mais consensual dos ligados à luta armada, cujos dirigentes se têm encarregado, juntamente com os historiadores e outros configuradores da memória colectiva, de amplificar a sua heroicidade estreitamente vinculada a valores populares, ao contrário do que acontece com Ngungunhane. Nos discursos e nos textos sobre Mondlane encontramos de forma regular os elementos que a moldam, como a sobrevalorização das origens humildes e da ligação ao povo, a sublimação do papel da mãe, considerada a responsável pela inculcação da cultura da revolta contra o colonialismo, e a exaltação da sua personalidade como homem honesto, afável e trabalhador." (RIBEIRO, 2005)
É neste âmbito que invoco o conceito de tradições inventadas de Hobsbawn: " (…) a set of practices, normally governed by overtly or tacitly accepted rules and of a ritual or symbolic nature, which seek to inculcate certain values and norms of behaviour by repetition, which automatically implies continuity with the past. In fact, where possible, they normally attempt to establish continuity with a suitable historic past." (HOBSBAWN, 1983)
De facto, as tradições das histórias contadas destes dois heróis, e os rituais em que se celebram e comemoram a existência e práticas destas personagens são, de algum modo, inventadas. Foram escolhidas e transformadas pelas elites de modo a incitar uma consciência e cultura comum.

2.5. As Elites e a Importância do Ensino
A nação e a identidade nacional não surgiram por acaso. Foi um projecto criado pela elite nacionalista de moçambique, através do nacionalismo banal, das tradições, e, em algum modo, educação escolar.
Como percebemos anteriormente, o primeiro objectivo era destruir os modos de vida tradicionais – matar a tribo para criar uma nação. Através das leis escritas, combateu-se aquilo que chamavam de obscurantismo, na busca pela racionalidade do Estado.
Paralelamente, procurava-se educar as crianças das novas gerações nesse modo de vida mais 'moderno'. A educação, como vimos através dos símbolos nacionais moçambicanos, é valorizada, devido a , segundo Sumich, à pobre educação tornada disponível pelos colonizadores. Desde modo, quando a FRELIMO subiu ao poder, investiu muito neste âmbito, não só pela sua agenda nacionalista, mas também pelo bem do povo e da economia nacional.
"De início, a revolução social da FRELIMO, visava modernizar toda a nação e a educação era a pedra angular dessa política. Contudo, este ambiciosíssimo plano tinha de ser posto em prática com recursos mínimos e muito pouco pessoal habilitado. Aquilo que começou por ser um grande esforço em benefício de toda a nação em breve começaria a ser restringido à população urbana, em geral, e à elite, em particular." (SUMICH, 2008)
Devo admitir que, apesar do objectivo de levar a educação a toda a população, a verdade é que, se criou grandes clivagens, mesmo dentro do 'homem novo' – um cidadão, racional e nacionalista - que as elites criam criar. As estruturas tradicionais deram lugar a uma estratificação social difícil de combater.
Não nos podemos esquecer, contudo, que aqueles que iam a escola – crianças e adultos – eram educados a respeitar a nação, aprendiam a sua história, cuidadosamente escolhida pelas elites, e estavam rodeados de símbolos nacionais – mais uma vez aqui a importância do nacionalismo banal – que ajudaram a educa-los como os tais homens novos. Estes iriam depois ensinar os seus irmãos e os seus pais, acabando assim por promover uma consciência colectiva.
E quem são as elites de que falamos?
Desde cedo que a classe privilegiada foram os assimilados, uma classe criada pelo colonizador. Nativos, uma verdadeira minoria, tinham uma relação privilegiada com o Estado colonial, à educação e à riqueza, e tinham os mesmos direitos legais que os portugueses. Eram, no fundo, cidadãos – ainda que abaixo, hierarquicamente, dos colonos. "Muitos sentiam uma forte atração pelos aspectos do progresso que o colonialismo afirmava representar; porém, devido às restrições do sistema, a modernidade à qual aspiravam parecia estar sempre para lá seu alcance." (HALL, 1997)
Descontentes, estes assimilados uniram-se a outras classes com um objectivo: a independência do seu país, Moçambique. Isto não significa, contudo, que a FRELIMO seja constituída por assimilados. De facto, alguns uniram-se a FRELIMO, mas existia alguma tensão entre ambos.
De qualquer modo, unidos, a FRELIMO e as elites dos assimilados tinham, após a independência, um projecto: criar um homem novo. Este projecto começara ainda durante a guerra pela independência, nos territórios controlados pela Frente. Este homem, seria "um ser universal, bem como a encarnação da emergente personalidade e cidadania moçambicana." (SUMICH, 2008)
Como vimos, as dificuldades de acesso a educação apenas fortaleceram o papel das elites que usaram as suas habilitações como argumento para se manterem no poder. Essa superioridade é ainda demonstrada pela sua apresentação com base no consumo de bens de prestígio.
"Poderíamos argumentar que a nação independente de moçambique é uma criação da ideologia da modernidade da FRELIMO (…) ou (…) que a elite (…) se vê a si própria como nação e tenta remodelar o resto da população à sua imagem mediante um processo de opressão uniformizadora (…). Parece existir uma visão mais ampla da nação, (…)o que permite ao partido utilizar o seu papel enquanto criador dessa visão para fazer uma forte afirmação de legitimidade moral. Contudo, a ideologia da modernidade da elite é também uma afirmação de diferenciação e de desigualdade social. A asserção de que, dentro da nação, alguns são mais modernos do que outros, constitui também a base da hierarquia social." (SUMICH, 2008)


























3. Conclusão
A Nação de Moçambique, como grupo unido, com uma consciência colectiva, foi sendo construída pelas elites moçambicanas e pela Frente de Libertação Moçambicana, como forma de unir as diferentes etnias contra o poder colonizador. Após a independência, a FRELIMO chega ao poder, e, aliada às elites, continua o projecto de criar o homem novo.
Contudo, com a guerra civil, este processo teve muitos problemas, contudo, face as dificuldades económicas e políticas durante e após a guerra civil, a própria população, com identidades étnicas diferentes uniram-se pela sua moçambicanidade. Aqui entrou também o papel importante dos media que, livres, denunciavam a corrupção e exaltavam a população, incitando a uma democracia, com ideais de modernidade que encontramos também na elite. Também que Benedict Anderson compreendeu a importância da imprensa, actor essencial para a construção da comunidade imaginada.
Igualmente importante fora a criação de símbolos nacionais, que, espalhados pelo território, incitavam a consciência colectiva e o sentimento de pertença. Esse nacionalismo banal torna-se importante ainda hoje.
Por outro lado, a construção de heróis como Ngungunhane e Mondlane, hoje presentes no Panteão Nacional também serviram para ilustrar o caracter daquilo que as elites queriam que a Nação fosse. A verdade é que, estas tradições inventadas, só funcionaram porque a história destas duas personagens é muito querida ao coração dos moçambicanos, os quais se revêm nestes heróis.
A moçambicanidade é portanto imaginada na medida em que corresponde exactamente à noção de comunidade imaginada por Anderson. A ideia da Nação ser criada por uma elite, contudo, é algo redutora e tira a importância do resto da população que não são apenas fantoches. Sim, a educação, o nacionalismo banal, as tradições inventadas são importantes mas não são o suficiente para mudar a fundo a opinião publica. Isto explica as dificuldades que algumas antigas colonias estão a ter, devido a sua grande diversidade étnica e é um tema que deve ser explorado: as comunidades imaginadas como Nação, podem falhar a longo prazo.










Referências Bibliográficas
http://40anos-dev.portaldogoverno.gov.mz/por/Movimentos/Fundacao-da-FRELIMO acedido a acedido a 26/Novembro/2015
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