Mobiliário infantil - Estudo da sua adequação à criança e à sustentabilidade

June 15, 2017 | Autor: Cristina Salvador | Categoria: Sustainable Development, Child Development, Furniture Design, Product Design
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Descrição do Produto

ISBN 978-989-98185-2-1

MOBILIÁRIO INFANTIL Estudo da sua adequação à criança e à sustentabilidade

Cristina Salvador José Vicente João Paulo Martins CIAUD – Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa [email protected] [email protected] [email protected]

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Resumo Esta investigação em Design foca-se no bem-estar da criança e no mundo material envolvente. Temos como objectivo, promover a adequação do mobiliário à criança, especificamente de uma cadeira infantil, potenciando a extensão do ciclo de vida do produto e contribuindo para a sustentabilidade. Importa explorar também, a potencialidade que estes objectos têm como ferramentas pedagógicas e lúdicas, criando uma maior afectividade da criança com o objecto. Após a contextualização histórica e teórica através de crítica literária, estudo de casos (encabeçado pela cadeira Tripp Trapp®) e entrevistas exploratórias a progenitores e crianças, apercebemo-nos de problemas de segurança, conforto e comunicação/identificação com o objecto, bem como das lacunas que o mercado apresenta. Concluímos assim que faz todo o sentido avançar para a componente aplicada nesta investigação - o projecto. Numa segunda fase, serão realizadas entrevistas a especialistas e uma pesquisa junto de empresas produtoras de mobiliário infantil em Portugal. Na terceira fase, propomos a prototipagem/projecto de uma cadeira para crianças dos 6 meses aos 7 anos, garantindo-lhes maior conforto físico e psicológico, resolvendo os problemas identificados, que seja mais viável em termos comerciais e apresente um menor impacte ambiental.

Palavras-Chave Design de produto, Mobiliário infantil, Desenvolvimento da criança, Sustentabilidade.

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Introdução As questões que pretendemos explorar nesta investigação em Design, que se materializa num projecto de cadeira infantil, abordam a possibilidade de desenvolver soluções que garantam maior bem-estar à criança dos 6 meses (idade média em que autonomamente se senta) aos 7 anos, acompanhando o seu desenvolvimento, e que sejam menos dispendiosas do que as existentes no Mercado. E em que medida tais soluções contribuirão para um aumento do tempo útil de vida do produto e sustentabilidade. A metodologia proposta é mista, de base qualitativa, embora com alguns dados quantitativos. Após crítica literária, entrevistas exploratórias e estudo de casos, segue-se uma fase empírica de entrevistas a especialistas e pesquisa na indústria. Uma terceira fase, também empírica, de projecto prevê a prototipagem de um modelo de cadeira infantil. Os resultados obtidos serão avaliados por um painel de especialistas e por um grupo de amostra de utilizadores directos e indirectos (crianças de várias idades e progenitores), de modo a identificar falhas e/ou lacunas para que possam ser feitas eventuais reformulações, chegando assim às conclusões. Posteriormente, pretende-se criar condições para que seja possível uma introdução nos mercados nacional e internacional, desta cadeira infantil, ao nível de parcerias com unidades produtoras. A escolha deste público-alvo prende-se com a firme convicção de que a criança é a génese da sociedade, o princípio de tudo e a semente do futuro da Humanidade. A valorização da criança como indivíduo é um fenómeno crescente em toda a sociedade ocidental. O desenvolvimento de uma criança pode e deve ser acompanhado e promovido por equipamentos que lhe garantam conforto e apoio, com os quais possa criar laços afectivos e possam ser uma referência no universo material que a envolve.

A criança e o mobiliário Pelas representações artísticas desde a Idade Média, podemos constatar que o mobiliário infantil era quase miniatura de mobiliário para adultos. Não existia preocupação em adequar o mobiliário à criança, exceptuando na escala (Von Vegesack, 1997, p. 17). Os quartos de criança, só aparecem representados no séc. XVIII, em cenários mais abastados, muitas vezes localizados em zonas menos nobres da casa, mantendo as crianças fora do espaço social – a sala de estar. Esta distância entre adultos e crianças, numa relação baseada em educação autoritária, não era alheia aos níveis de mortalidade infantil da época - na sociedade ocidental, 75% das crianças baptizadas pela religião católica morriam até aos 5 anos (Von Vegesack, 1997, p. 15). A despreocupação com as crianças era comum (Weber-Kellerman, 1989, p. 29). Já em meados do séc. XX, a esfera autoritária da ditadura e a influência do catolicismo contribuiram para o cultivo das mentalidades da altura em Portugal, com baixa escolaridade e altos índices de analfabetização. O pai, a força principal de trabalho, era o elemento mais importante da casa, assumindo a mãe, um papel subalterno (Nunes de Almeida, 2011, p. 9). A população nos meios rurais, em 1960, ultrapassava os 75%. As condições de habitabilidade baseavam-se num ambiente doentio, escuro e austero, onde adultos e crianças partilhavam camas diminutas em poucos metros quadrados de chão, sem saneamento básico (Pereira, 2011, pp. 16-20). As crianças trabalhavam na rua e na lavoura ou em casa, tratando também dos irmãos mais novos. As desigualdades e o contraste entre classes 88

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sociais eram marcantes.

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Acentua-se o exôdo rural, tentando escapar à fome causada por uma agricultura de subsistência estagnada. As cidades crescem mas as condições de vida são precárias, muitas vezes acumulando bairros de lata ou construções clandestinas sem saneamento. A rua era o “quarto de brincar” das crianças, como podemos ver no filme Aniki Bobó (Oliveira, 1942). Alguns centros industriais acolhem parte dessa população rural que procura na indústria a sua salvação. A C.U.F. (Companhia União Fabril), no Barreiro, é um dos exemplos mais marcantes, através do desenvolvimento de uma comunidade migrante em ambiente industrial autoritário e paternalista (Costa, 2008). Este exemplo, em conjunto com a Vista Alegre em Ílhavo ou a Oliva em S. João da Madeira, parece-nos preponderante na evolução da qualidade de vida nos lares portugueses. Com a criação de bairros operários, as crianças urbanas começavam a distanciar-se das condições precárias vividas até então. Nos anos 70, a saída da mulher do lar para o mercado de trabalho, a decadência da ditadura, a perda gradual da influência da religião e as pressões externas de emancipação, a família altera-se drasticamente (Policarpo, 2011, p. 49). O planeamento familiar leva ao decréscimo do número de crianças no seio familiar e a criança ganha centralidade na vida do casal. A autonomia e realização pessoal de cada membro da família são objectivos claros na busca de felicidade familiar (Aboim, 2011, p. 89). Inicia-se uma crescente valorização da criança (Beck, 1992, p. 118), que deixa a rua como sítio de brincadeira, para passar a usufruir mais da casa. Ganha direitos reconhecidos internacionalmente (UNICEF, 2013) e protecção governamental, com políticas de amparo social. Ao nível do desenvolvimento físico, foram criados percentis de crescimento aceites internacionalmente (W.H.O., 2014), onde verificamos que nos primeiros anos o crescimento das crianças é vertiginoso. Nos primeiros 2 anos, o bebé dobra o seu comprimento. A partir desse momento até aos 13 anos, o crescimento é contínuo, ocorrendo depois uma desaceleração até aos 20 anos. Ao nível do desenvolvimento cognitivo, Jean Piaget (1896 – 1980) identifica-o na Teoria Cognitiva em 4 estágios, sendo o primeiro, sensório-motor dos 0 aos 2 anos e o segundo, pré-operacional até aos 7 anos. Neste estágio, a criança aprende técnicas de representação e torna-se mais proficiente em comunicação, partilha e autonomia (Lueder e Rice, 2008). Para Piaget a construção do conhecimento faz-se pela interacção entre a experiência sensorial e a razão (Kamii, 2003, p. 14). A idade dos 6-7 anos é um marco importante na vida da criança, um momento de mudança com um desenvolvimento cognitivo consequente da entrada para o ensino básico e a alfabetização. Compreender o simbolismo que um equipamento pode ter através da observação da interação da criança com o mesmo, é essencial. Uma cadeira pode ser encarada como um “colo afectuoso”, um brinquedo ou um castigo.

Mercado e sustentabilidade

! Figura 1: Grafismo com imagens das cadeiras presentes no estudo de casos. Lisboa, Portugal.

De modo a conhecer melhor o mercado de cadeiras evolutivas, foi realizado um estudo que, a partir dos casos que inicialmente identificámos (Tripp Trapp® da Stokke® - Noruega, Ovo da Micuna® Espanha e Rinki da Seimi® - Finlândia), alargou o universo a mais cinco exemplos - Leander High Chair da Leander® - Dinamarca, Signet High Chair da Svan™ - Suécia, Multi+ da marca Trama®/Bébécar® - Portugal, Pretzel High Chair da Cosatto – Reino Unido e a Woodline da Bébéconfort®/Dorel® - Canadá (Fig. 1).

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Apenas as cadeiras Tripp Trapp®, Woodline, Ovo e Multi+, estão disponíveis em loja ao consumidor nacional. Os restantes produtos estão apenas disponíveis em lojas online, mas a percentagem deste tipo de compras é mínima, no que toca o mobiliário (DECO, 2014, p. 18), não sendo sequer considerada. Comparando esta oferta com as dezenas de cadeiras tradicionais, que só servem até aos 2 anos, disponíveis em todas as lojas com produtos para criança, observamos que existe pouca oferta de cadeiras evolutivas. As pessoas não parecem estar devidamente informadas quanto aos benefícios deste equipamento em detrimento de uma cadeira tradicional de bebé e compram as que são mais disponíveis em termos de preço e distribuição. Os preços de venda ao público variam entre os 140 e os 407 euros (dados de 2013) – diferenças grandes e montantes elevados para este tipo de produto. Quanto aos componentes extra, 50% dos exemplos não têm sistema de segurança extra e o exemplo português não tem sequer sistema de segurança básico. Identificamos assim duas dimensões do problema: além do preço e da deficiente rede de distribuição, falham na segurança, que é um factor importantíssimo quando falamos em crianças. A Tripp Trapp®, entre estes exemplos, é das mais dispendiosas mas tem todos os componentes disponíveis para aquisição, exceptuando a bandeja - foi desenhada para estar à mesa, promovendo a inclusão da criança na refeição familiar (Opsvik, 2009). Segundo um estudo feito com 56 crianças, registámos problemas com esta cadeira em relação ao conforto do assento e à comunicação/falta de identificação com o objecto (Salvador, Vicente e Martins, 2014, p. 5484). Se não existe identificação com o objecto, não será possível uma ligação emocional ao mesmo (Mugge, 2007). Embora esta cadeira seja um best seller, não pareceu ser tão apelativa às crianças. Parece-nos necessário criar uma solução que mereça a empatia de todas as faixas etárias no universo do seu público-alvo. O desenvolvimento sustentável, definido pelos economistas como a não perda de riqueza de uma geração para a geração seguinte, em quantidade e qualidade, requer uma perspectiva a longo prazo, onde seja possível criar boas condições de vida, preservando recursos ambientais, com critérios de eficiência dentro de um sistema ecológico global “saudável” (Turner, 1998, p. 2). Quando falamos em produção e consumo sustentável de objetos, falamos não só dos materiais utilizados mas também do processo de fabrico (Papanek, 1995, p. 31), que pode por em causa a eficácia de todo o processo. Pretende-se criar uma cadeira eficiente no aproveitamento de matéria prima e de energia, com menor custo para produtor e consumidor, cujos atributos formais e simbólicos e a sua performance em termos de conforto físico e psicológico, garantam a utilização durante mais tempo. Do ponto de vista psicológico, algumas teorias de Theodor Lipps (18511914) acerca da empatia estética, ligam a relação emocional ao objecto com a nossa projecção no mesmo. Sendo um processo não cognitivo, esta experiência estética é uma “auto-satisfação objectificada” (Lipps, 2012, p. 127). A posse de um objecto faz com que o sujeito “incorpore” os significados que o mesmo dá ao sujeito (Fromm, 2005, p. 40). A ligação emocional aos objectos, através de um processo de identificação, pode ser mais uma chave para o desenvolvimento sustentável, sendo o “desperdício” um resultado de relações falhadas (Chapman, 2005). Maiores ciclos de vida não têm a ver apenas com resistência e desempenho duradouro, mas também com a criação de objectos aos quais as crianças se possam ligar emocionalmente porque o afecto pode ser a mais importante variável nesta equação. A ligação emocional ao 90

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produto é uma condicionante à sustentabilidade. O prazer no uso é um afecto e desenvolver produtos apelativos pode potenciar maior ligação entre utilizador e objecto (Borjesson, 2009). Além da experiência sensorial, o contexto (ambiente social e cultural, que pode mudar) também influencia o prazer, portanto uma ligação durável ao produto é difícil de conseguir (Jordan, 2000). Mas falando de significado, se comunicações visuais e verbais forem combinadas, diferenças culturais podem desaparecer (Pöppel, 2007).

Conclusão Conseguimos nesta fase da investigação tirar algumas conclusões, a partir das entrevistas exploratórias, crítica literária e estudo de casos. A oferta e disponibilidade deste tipo de equipamentos, em termos de quantidade e qualidade, não é grande no nosso país. Dos poucos equipamentos disponíveis, alguns falham na segurança e são no geral, dispendiosos e pouco acessíveis ao público em geral, que não parece estar informado acerca dos benefícios de uma cadeira evolutiva. O nosso principal caso de estudo, a cadeira Tripp Trapp® da Stokke®, revelou problemas ao nível do conforto físico e da comunicação/identificação com o objecto. Explorámos também aspectos que concernem a identificação e a ligação emocional ao objecto como condicionante para uma sustentabilidade afectiva. Parece-nos assim, fazer todo o sentido o desenvolvimento do nosso projecto de cadeira infantil, mais adequada à criança, em termos físicos e psicológicos, menos dispendiosa e mais disponível aos consumidores.

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