MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PRESOS: A INTEGRAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E CORPO COMO MECANISMO DE BIOPODER

June 2, 2017 | Autor: Vinícius Leão | Categoria: Technology, Transhumanism, Michel Foucault, Biopower and Biopolitics, Transumanismo, Body-net
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Descrição do Produto

DIREITO À SEGURANÇA: PERSPECTIVA DE ESTADO, DIREITO E SOCIEDADE

CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VALFREDO DE ANDRADE AGUIAR FILHO Coordenador de Política Editorial do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO Adilson Rodrigues Pires Adolpho José Ribeiro Adriana Maria Aureliano da Silva Ana Carolina Gondim de Albuquerque Oliveira André Karam Trindade Alana Ramos Araújo Bruno Cézar Cadê Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Cláudio Simão de Lucena Neto Daniel Ferreira de Lira Elionora Nazaré Cardoso Ely Jorge Trindade Ezilda Cláudia de Melo Fernanda Isabela Oliveira Freitas Gisele Padilha Cadé Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra

Herry Charriery da Costa Santos Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jeremias de Cássio Carneiro de Melo José Flôr de Medeiros Júnior Karina Teresa da Silva Maciel Laryssa Mayara Alves de Almeida Ludmila Douettes Albuquerque de Aráujo Marcelo Alves Pereira Eufrásio Maria Cezilene Araújo de Morais Phillipe Giovanni Rocha Martins da Silva Raymundo Juliano Rego Feitosa Rodrigo Araújo Reül Rômulo Rhemo Palitot Braga Samara Cristina Oliveira Coelho Suênia Oliveira Vasconcelos Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Filho

JOSÉ GODOY BEZERRA DE SOUZA, LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA, VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO E YULGAN TENNO DE FARIAS LIRA ORGANIZADORES

DIREITO À SEGURANÇA: PERSPECTIVA DE ESTADO, DIREITO E SOCIEDADE

1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB CAMPINA GRANDE – PB 2015

©Copyright 2015 by Organização do Livro JOSÉ GODOY BEZERRA DE SOUZA, LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA, VINÍCIUS LEÃO DE

CASTRO E YULGAN TENNO DE FARIAS LIRA Capa PHILLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA Editoração LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA, PHILLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diagramação LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores.

Data de fechamento da edição: 10-12-2014

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D597

Direito à segurança: perspectiva de Estado, direito e sociedade/ José Godoy Bezerra de Souza(Org.); Laryssa Mayara Alves de Almeida (Org.); Vinícius Leão de Castro (Org.); YulganTenno de Farias Lira (Org.). – Campina Grande: AREPB, 2015. 151p.

ISBN 978-85-67494-08-1 1. Direito e sociedade 2.Segurança I.Título. CDU323.4

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.

O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito. A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais. Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural. Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa.

Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br e confira E-Books gratuitos.

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................................................................... 8 Laryssa Mayara Alves de Almeida, Vinícius Leão de Castro e Yulgan Tenno PREFÁCIO ........................................................................................................................................................................................ 9 José Godoy Bezerra de Souza CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NA PARAÍBA: O DEVER CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL DO ESTADO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À SEGURANÇA CIDADÃ ............................................................................................................................................................. 13 Yure Tenno e Yulgan Tenno MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PRESOS: A INTEGRAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E CORPO COMO MECANISMO DE BIOPODER ................................................................................................................................ 36 Laryssa Mayara Alves de Almeida e Vinícius Leão de Castro TRÁFICO DE PESSOAS E AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SOCIEDADE MODERNA .................................... 45 Elis Formiga Lucena e Milena Barbosa Melo ANÁLISE VITIMOLÓGICA DA LEI MARIA DA PENHA, SOB A PERSPECTIVA DAS MULHERES QUE SOFREM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA CIDADE DO RECIFE ............................................................................... 64 Flávia Roberta de Gusmão Oliveira e Gilliard Jeronimo de Oliveira AS GRADES (IN) VISÍVEIS: USOS DA EDUCAÇÃO DENTRO DE PENINTENCIÁRIAS NA RESSOCIALIZAÇÃO DAS PRESAS ....................................................................................................................................... 79 Tomires Costa OS VETORES DA VIOLÊNCIA: UMA ANÁLISE SOCIOECONÔMICA E COMPORTAMENTAL SOBRE O AUMENTO DA CRIMINALIDADE E DA IMPUNIDADE NO BRASIL PÓS-DITADURA ............................... 90 Phillipe Giovanni Rocha Martins da Silva VIOLÊNCIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS POSTA À PROVA NO AGRESTE PARAIBANO .............................................................................................................107 Alan Jones Andreza Silva DESCORTINAMENTO DA VÍTIMA: ESTUDO CRITICO SOBRE AS TIPOLOGIAS VITIMAIS ..................136 Ana Clara Montenegro Fonseca

APRESENTAÇÃO O E-book intitulado Direito à Segurança: perspectiva de Estado, Direito e Sociedade foi construído em parceria com o Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Estado da Paraíba e fruto do acordo de cooperação acadêmica nº. 001/2014. Esta parceria tem por escopo o estabelecimento de mecanismos que permitam a comunicação efetiva e permanente entre o meio científico e a prática jurídica, visando à realização de estudos, pesquisas e intercâmbio de informações. A consolidação dessa parceria traz novos ventos para o cenário jurídico paraibano, com olhares e reflexões inovadoras no âmbito do Direito. Além do presente E-book, estão por vir edições especiais de periódicos, bem como outros empreendimentos acadêmicos vinculados ao Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito (CIPED).

Campina Grande – PB, 13 de julho de 2015.

Laryssa Mayara Alves de Almeida Vinícius Leão de Castro YulganTenno Organizadores

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PREFÁCIO O Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Estado da Paraíba, a partir do compromisso de defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana estabeleceu cooperação acadêmica nº. 001/2014 com a Revista Jurídica e Cultural A Barriguda. Tal Cooperação vem a colaborar com a ampliação do debate em torno do tema segurança pública, de modo a possibilitar a criação de canais de comunicação entre poder público e sociedade civil com o aporte de pesquisas acadêmicas. Na sociedade atual segurança é aspecto multifacetado, logo as abordagens devem responder as indagações e insatisfações que atravessam as relações sociais. Tratar de direito à segurança é imperativo, logo enfrentar as perspectivas de Estado, direito e sociedade revelou-se atitude com grande importância. Vale destacar que no Brasil o debate sobre segurança pública tem sido privativo dos órgãos e agentes de segurança pública, e democratizar este debate, para que toda a sociedade possa participar e decidir sobre o tema é fundamental. A presente obra inaugura a colaboração entre o Ministério Público Federal e o Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, representando o objetivo de concretizar diálogos, experiências e ações. Sobre o assunto, segurança pública, o MPF instaurou o inquérito Civil Público nº

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1.24.000.002944/2014-38, que entre outras propósitos pretende democratizar e abrir as discussões sobre segurança para que vários outros atores possam participar de forma relevante, qualificando o debate. Nesse sentido o debate é aberto com o capítulo “Controle judicial das políticas de segurança pública na paraíba: o dever constitucional e internacional do estado na efetivação do direito social à segurança cidadã”, de autoria de Yure e YulganTenno trazendo o alicerce das decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal a respeito das políticas públicas na área de segurança para investigar a sua concretização no âmbito da segurança cidadã refletindo sobre o contexto internacional e paraibano. Encontra a frente “Monitoramento eletrônico de presos: a integração entre tecnologia e corpo como mecanismo de biopoder”, da lavra dos pesquisadores Laryssa Almeida e Vinícius Leão. O capítulo discute o instrumento jurídico do monitoramento eletrônico através de uma interpretação filosófica que pretende ir além dos discursos postos e destacar as relações de poder presentes na sociedade. Nesse ínterim, a discussão centra-se em formas de delitos penais que ameaçam a segurança. Esta especificidade é garantida pelos capítulos “Tráfico de pessoas e as consequências para a sociedade moderna”, de Elis Formiga Lucena e Milena Barbosa Melo e “Os vetores da violência: uma análise socioeconômica e comportamental sobre o aumento da criminalidade e da impunidade no Brasil pós-ditadura” de Phillipe Martins. Comparar realidades é ampliar a discussão e consolidar observações, desse modo, traz-se à baila a pesquisa elaborada por Flávia Roberta de Gusmão Oliveira e 10

Gilliard Jeronimo de Oliveira com o tema “Análise Vitimológica da Lei Maria da Penha, sob a perspectiva das mulheres que sofrem violência doméstica na cidade do Recife”. Para além do direito a sociedade também deve ser observada, afinal não é nova a demanda por interdisciplinaridade de maneira que as práticas sociais ofereçam maior abertura aos debates jurídicos. Em relação à segurança pública a interdiciplinariedade com outras políticas públicas se mostra essencial, pois não é crivel que os órgãos de segurança pública consigam resolver todas as questões envolvendo segurança em comunidades paupérrimas, com altos déficits de moradia, estrutura urbana, saúde e educação. Dessa maneira apresentam-se o capítulo, “As grades (in) visíveis: usos da educação dentro de penitenciárias na ressocialização das presas”, de Tomires Costa, partindo da experiência baseada em Campina Grande-PB com o objetivo de discutir políticas públicas e métodos educacionais na perspectiva do sujeito. Passa-se da abordagem do paradigma para o enfoque empírico no agreste da Paraíba na perspectiva do Estado que se transforma em promotor de direitos e colaborador na efetivação do direito à segurança, assim, Allan Jones Andreza Silva contribui com o capítulo “Violência e desenvolvimento humano: a efetivação dos direitos fundamentais posta à prova no agreste paraibano”. Encerrando esta publicação encontra-se “Descortinamento da vítima: estudo crítico sobre as tipologias vitimais”, de autoria da pesquisadora Ana Clara Montenegro Fonseca, com análise a respeito do conceito relacional da vítima, afastando-o do 11

senso comum e trazendo-o para perto de conceitos bem fundamentos a partir de uma perspectiva crítica. Por último cabe destacar que este e-book se alinha ao que o MPF propõe em termo de segurança pública, ou seja, democratizar o debate, acrescentando a interdisciplinariedade na discussão, sem dúvida temos um longo caminho pela frente, que este trabalho estimule o surgimento de outras obras com estes propósitos.

João Pessoa – PB, 13 de julho de 2015.

JOSÉ GODOY BEZERRA DE SOUZA

Procurador da República Procurador Regional dos Direitos do Cidadão na Procuradoria da República no Estado da Paraíba

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DIREITO À SEGURANÇA: PERSPECTIVA DE ESTADO, DIREITO E SOCIEDADE

MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PRESOS: A INTEGRAÇÃO ENTRE TECNOLOGIA E CORPO COMO MECANISMO DE BIOPODER Laryssa Mayara Alves de Almeida1 Vinícius Leão de Castro2

1 INTRODUÇÃO O ser humano, durante toda a história da sociedade, sempre buscou punir as pessoas que apresentassem comportamento desviante do estabelecido. Com isso, além de determinar quais condutas são corretas, a punição aparece como meio de persuasão, pois, pretende vincular práticas sociais a castigos, logo, atravessando instituições atinge-se o controle de corpos. Nesse sentido é importante observar que a aplicação do monitoramento eletrônico não está fundamentada a priori nas ciências biológicas, mas trata-se de construções de poder, ou seja, constatou-se que as relações de poder e os seus efeitos são potencializados a partir de certas tendências de punição e controle. Assim, a punição pode ser descrita como elemento catalisador de transformações sociais de modo que a transição entre a sociedade penal e a sociedade disciplinar é marcada pelo distanciamento dos suplícios e das exposições públicas que se concentravam no corpo do infrator para centrar-se nas suas virtualidades, aquilo que eles ainda podem fazer e em razão deste fato a prisão é introduzida como novo tipo de punição. Entretanto, a utilização dos diversos tipos de punição não serviu ao ajustamento social pretendido a não ser pelo fato de corroborar discursos em torno do equilíbrio social e da ressocialização, por causa disso, vozes que defendem a humanização do sistema penitenciário apareceram cada vez em maior número. Este acontecimento deve ser entendido como transformação dos mecanismos de poder que se deslocam do indivíduo à população ressiginificando o corpo em processos biológicos de conjunto a fim de ampliar o controle sobre a vida em seu sentido mais amplo e consequentemente evitar com maior eficiência os desvios. 1

Advogada. Especialista em Direito. Pesquisadora nas áreas de Processo constitucional; Direitos e Garantias fundamentais e Remédios Constitucionais. Diretora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito CIPED. E-mail: [email protected]. 2 Aluno do Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisador nas áreas de Filosofia do Direito; Teoria do Estado e da Decisão Judicial. Diretor do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED. E-mail: [email protected]. 36

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Desse modo o paradigma3 do panóptico é progressivamente substituído por formas de controle alternativas nas quais os indivíduos não precisam estar encarcerados para serem controlados, como reflexo dos mecanismos de biopoder que passam a ser empregados. Neste espaço está inserida a discussão em torno do monitoramento eletrônico como nova forma de controle daqueles que se desviam, por isso, pretende-se analisá-lo como novo significado para punição no qual corpo e tecnologia recebem unissonamente os efeitos do biopoder ao mesmo tempo em que as relações sociais sofrem alterações. Destacar novo ponto de vista a respeito da alternativa encontrada pelas vozes que pretendem humanizar tudo e todos é trazer a observação das transformações que ocorrem na sociedade, isto é, defender a crítica em relação às realidades que estão postas, tentar com isso ampliar a relação de auto-observação que é necessária ao pesquisador. Este é o contexto no qual se indaga sobre onde o direito à segurança esbarra na vigilância e transforma-se na segurança pública para o controle? Em outros termos, como o monitoramento eletrônico enquanto mecanismo de biopoder reflete um controle que é para toda sociedade? Vale salientar que a preocupação desta pesquisa se distancia de prós ou contras em termos de políticas públicas a fim de trazer o foco para os arranjos entre relações de poder na sociedade da informação a partir do monitoramento eletrônico de presos assim como da dicotomia segundo a qual existem coisas boas ou más, exclusivamente. Este trabalho caracteriza-se por seu caráter teórico, com posição crítica e interdisciplinar, utilizando do método observacional com o intuito de explicar as relações do fenômeno (monitoramento eletrônico de presos) com outros contextos (biopoder). 2 PUNIÇÃO E ESTRATÉGIAS DE PODER A pena é a punição político-jurídica adotada pelo Estado para adequar os comportamentos desviantes. O direito penal possui como um dos seus objetos de estudo a finalidade em empregar tal instrumento, declarando-o como um fim em si mesmo ou um meio para prevenção de novos acontecimentos desviantes.

A legislação brasileira4 declara que a pena serve a ambas as funções, estabelecendo quais são as condutas aceitáveis de tal maneira que, em tese, pune os desvios e previne as virtualidades. 3

Nesta pesquisa utiliza-se o conceito de paradigma de Thomas Kuhn (1970, p. viii): “[...] These I take to be universally recognized scientific achievements that for a time provide model problems and solutions to a community of practitioners”. Em uma tradução livre: “[Considero „paradigmas‟] as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. 37

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Certamente que a sanção por si mesma já demonstra a atuação do Estado em face do delito praticado, porém a prevenção do crime é algo mais complexo, tendo em vista que não é suficiente a ameaça de punição para impedir que crimes sejam praticados. Dessa maneira é essencial questionar se as respostas fornecidas pelo Estado e pelo direito são suficientes para evitar a prática delituosa, em outras palavras, como estas respostas estão inseridas em uma estratégia de poder? Em torno do aprisionamento como resposta é visível o ajustamento da lei penal em torno do sujeito como movimento da sociedade disciplinar a fim de controlar suas virtualidades, desse modo, a pena não funciona para concretizar o bem comum, contudo para ampliar o controle sobre o comportamento das pessoas. Então, o instrumento punitivo concretiza-se ao funcionar por meio de diversas instituições (escola, hospital, polícia etc.) que objetivam vigiar e corrigir os indivíduos “do que são capazes de fazer, do que estão sujeitos a fazer, do que estão na iminência de fazer”5. Nesse ínterim a gênese da prisão já está atrelada ao seu “insucesso” e a respostas insuficientes e inadequadas do Estado e do direito quando relacionadas a elementos como ressocialização ou prevenção, por motivos, como, por exemplo, aumento da criminalidade, reincidência, contribuição à organização criminosa e estigmatização daquele que cumpre a pena. Mas, caso a questão seja deslocada destas finalidades para esmiuçar a prisão dentro de uma estratégia de poder observa-se que o “fracasso” do sistema carcerário é propositalmente construído e mantido pelo fato da pena constituir uma forma de “[...] gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles”6. Por essas razões a prisão alcança seu sucesso ao produzir a delinquência-objeto7 porque as causas para o seu “insucesso” são reflexos da ampliação do controle sobre as pessoas, em outros termos, a lei penal ao determinar as condutas aceitáveis restringe os crimes a práticas específicas com o propósito de constituir esta gestão das ilegalidades. A improbidade administrativa é exemplo de proibição legal que promove o aparecimento de práticas ilegais, como caixa dois e licitação fraudulenta, as quais são controladas pelo direito e organizadas em torno de regras legais que disciplinam a contribuição privada para campanhas políticas e a própria licitação assim como de costumes ilegais, quais sejam a lavagem de dinheiro e 4 Cf. Artigo 59 do Código Penal Brasileiro de 1940. 5 FOUCAULT, 2009, p. 85. 6 Id., 2007, p. 226. 7 Forma política e econômica mais utilizável e menos perigosa da ilegalidade, por isso dominada, que produz o

delinquente enquanto sujeito patologizado (Ibid.).

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a utilização de terceiros nos procedimentos de legalização (“laranjas”), como resultado encontrase lucro ilícito que pode ser usado. O monitoramento eletrônico também pode ser enquadrado dentro deste arcabouço ao passo que os casos de crimes de menor potencial ofensivo e regressão de regime possibilitam a saída temporária e a prisão domiciliar (hipóteses de aplicação) que produz por sua vez área propícia a práticas ilegais, tais como corrupção de servidores públicos no presídio, fuga, exercício de outros crimes e falsificações nos registros as quais serão controladas pelo direito e organizadas através do monitoramento eletrônico com o objetivo de permitir a utilização do lucro ilícito que consiste na ampliação da vigilância e do controle em conjunto com efeitos políticos e econômicos ressignificados nos discursos de humanização, descarcerização, redução de gastos e da população carcerária. Nesta seara o aparecimento do monitoramento eletrônico para a prisão domiciliar e saída temporária durante a execução penal8 significa ampliação de vigilância e controle ao contrário de uma medida alternativa à punição representada pela prisão. Este é o sentido no qual se afirma que a resposta do Estado e do direito é adequada a uma estratégia de poder que estabelece a pena e o monitoramento eletrônico como elementos da gestão de ilegalidades. Não é objetivo desta ossatura político-jurídica evitar o aumento nos índices de criminalidade através de políticas públicas, todavia o é consolidar o controle sobre as pessoas lançando mão dos mecanismos de biopoder. Na realidade de alterações sociais presente na atualidade o monitoramento eletrônico insere-se como um dos arquétipos destas estratégias. O monitoramento eletrônico, então, não deve ser visto como política pública descarcerizante ou humanizadora, afinal o que ocorre é a ressiginificação do instrumento punitivo, que é jurídico-político, para adequar-se as exigências do biopoder, assim, ao contrário de encontrar soluções onde elas não existem deve se perceber que o locus através do qual os efeitos do poder são transmitidos são outros. 3 CORPO E TECNOLOGIA: MECANISMOS DE BIOPODER NA SOCIEDADE DE CONTROLE

Com o objetivo de analisar o monitoramento eletrônico como mecanismo de biopoder é essencial destacar o processo de integração que ocorre entre corpo e tecnologia no sentido de identificar o instrumento punitivo com a expansão do controle sobre as pessoas.

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Cf. Seção VI, do Capítulo I, da Lei n. 7.210/84. 39

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No primeiro momento o corpo relaciona-se com as instituições, por isso, percebem-se as prisões como campo de visibilidade para o exercício da vigilância hierarquizada, ou seja, na disciplina o corpo é individual, dessa maneira, a partir do adestramento a eficiência deles é maximizada. As transformações sociais do século XVIII impuseram mudanças no direito, o contrato que se estabelecia a partir do direito do soberano de matar seus súditos se desloca para a vida e é neste prisma que surgem os direitos fundamentais, porquanto as pessoas passam a ser vistas em conjunto, na forma da população, por consequência o corpo transforma-se em corpo espécie e a estratégia de poder passa a regulamentar a probabilidade dos eventos e compensar seus efeitos9. O elemento que concretiza este processo é o mecanismo que deve monitorar, registrar e reconhecer os fatores que determinam esses fenômenos para que as eventualidades e acidentes sejam evitados de modo que todos os detalhes da vida são inseridos na estratégia de poder e manifestam-se por meio dos efeitos políticos e econômicos vistos na sociedade, nesse contexto se declara que os mecanismos de biopoder estão intimamente presentes em todas as relações visto que são o efeito e a causa delas10. Destarte, se vê a transição da anátomo política do corpo humano para a biopolítica da espécie humana e nesta as alterações provocadas pela sociedade da informação trazem a integração entre corpo e tecnologia constituindo o body-net. Na assunção da vida pelo poder aparece novo objeto de saber, sistemas de informação, com o alvo de controle direcionado à informação, pretendendo esquemas de intervenção em fenômenos globais através de mecanismos de biopoder para a manutenção de o próprio poder. Logo, os corpos que estavam anatomicamente separados e vigiados por técnicas de disciplina são agrupados em um conjunto denominado população em razão das suas semelhanças enquanto espécie e os mecanismos passam a controlar a todos por meio do conjunto. O gap que permite o aparecimento do body-net é a superação dos processos biológicos pelos avanços tecnológicos11 em uma interpretação que sustenta a substituição da pessoa individual, membro da espécie, por um login e senha por intermédio dos quais encontra a sua vida e o seu corpo, ou seja, o conjunto é desfeito e interligado por uma rede.

9 FOUCAULT, 2005. 10 Id., 2008. 11 O transumanismo, por exemplo, é uma filosofia que reconhece a superação dos processos biológicos e as

possibilidades de avanço para a espécie humana através de várias tecnologias tais como neurociência, ultrainteligência artificial, expansão da vida humana, neurofarmacologia, engenharia genética e nanotecnologia em conjunto com uma postura racional e um sistema de valores (MORE, 2013). 40

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Figura 1 – Integração entre corpo e tecnologia Fonte: elaborado pelos autores

Este é o cenário em que é proposta a utilização de aparelhos de monitoramento eletrônico por aqueles, no caso brasileiro, que estão em prisão domiciliar ou tem concedida a saída temporária. Entender a ressignificação e a consequente integração do corpo significa deixar para trás debates em torno de elementos que não promovem o aparecimento de novas verdades e permanecem batendo cabeças em torno de detalhes que não conseguem escapar ao senso comum teórico. Portanto perceber o monitoramento eletrônico de presos como mecanismo de biopoder é partir desta integração associando-a ao avanço do instrumento punitivo em direção ao controle e nesse aspecto destacar que o biopoder se desenvolve em sua plenitude na sociedade de controle, na qual os confinamentos disciplinares são substituídos por controles marcados por eternos recomeços que não encontram nenhum final12. Assim, o controle é estendido para fora das instituições em redes flexíveis e flutuantes, associando pluralidade e singularização, enraizando-se no âmago das pessoas, por seus corpos e cérebros, por intermédio de sistemas de comunicação e bem-estar, redes de informação e atividade monitoradas13. Aqui é cabível utilizar a Internet14 como exemplo de diagrama do biopoder na sociedade de controle, afinal a cada conta em uma nova plataforma se dá um novo começo que não encontra fim, pois os dados ali depositados permanecem em uma central física ou na nuvem; 12 DELEUZE, 1992. 13 NEGRI; HARDT, 2001. 14 Deleuze falando acerca da imaginação de Guattari descreve uma cidade onde cada pessoa deixa sua residência, rua,

bairro, cidade graças a um cartão eletrônico que abre ou impõe barreiras através de um computador que detecta a posição de cada um, lícita ou ilícita, operando uma modulação universal (DELEUZE, 1992). Hoje o cartão físico ainda não existe, porém a Internet através das redes wi-fi já realiza esta função. 41

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empresas, escolas e judiciário estendem-se à rede de tal maneira que demissões, fiscalizações e provas processuais de lá são retiradas; a pluralidade das redes sociais consegue conviver com a singularidade do login; por fim, a distinção entre a pessoa real e a virtual se torna cada vez mais difícil. Nesse contexto, privacidade e controle são ressignificados. O emprego de satélites para a observação da Terra, a criação de bancos de dados genéticos por meio da bioinformática, a consolidação da Internet como registro de todos os fluxos de informação impuseram novo paradigma de privacidade diante do qual o uso dos aparelhos de monitoramento eletrônico pelos presos não constitui ofensa a este direito, ao contrário, reflete justamente este novo paradigma, o qual transforma a punição em controle. Esta transformação consiste na ampliação do instrumento punitivo utilizado pelo Estado e pelo direito. Os bancos de dados retratam esta realidade, neles a vida está sendo monitorada, registrada e reconhecida, a localização do preso fora da instituição carcerária por meio dos equipamentos de monitoramento eletrônico e a localização de todas as pessoas através do dispositivo GPS instalado nos celulares e das compras de cartão de crédito, por exemplo. Concretiza-se, dessa maneira, um diagrama em que todos estão interligados por uma rede que é atravessada por autoestradas da informação, onde nada que acontece permanece do lado de fora15. O monitoramento eletrônico é exemplo de como o instrumento punitivo com o discurso em torno da segurança pública alcança todas as pessoas, quanto mais informação maior será o controle. Aspecto que merece destaque é a função dos mecanismos de biopoder na sociedade de controle no que se refere à classificação das pessoas, porque a informação é o sangue que corre nas veias deste diagrama, então, se percebe o aparecimento de novas subjetividades, os que estão cumprindo condenação judicial em âmbito penal, os endividados, os pesquisadores, os infratores de trânsito, os consumidores entre muitas outras que oferecem consistência a rede. Por último volta-se aos efeitos políticos e econômicos produzidos pelo monitoramento eletrônico enquanto mecanismo de biopoder para destacar o discurso de verdade que sustenta sua aplicação. Nesta ocasião se realiza o caminho inverso, em razão desse fato, destaca-se que o discurso de segurança pública nos últimos anos no Brasil gira em torno do termo crise, pois são prisões que parecem masmorras medievais e, por conseguinte, não promovem reinserção social em

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BAUMAN, 2007. 42

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conjunto com os demais fatores que apontam para o “insucesso” e aumentam as estatísticas de criminalidade. Esta verdade, como dito alhures, participa de uma estratégia de poder por isso utiliza-se de vários instrumentos, entre eles o monitoramento eletrônico, para regulamentar as probabilidades e compensar os efeitos dos fenômenos globais que são aleatórios e imprevisíveis, mas atingem a todos de forma seriada. Para além da obviedade da manutenção dos objetivos da classe dominante, em todos os níveis, faz-se referência à distribuição de recursos públicos, manutenção na postura de parlamentares e meios de comunicação de comunicação de massa e aceitação das pessoas da maximização do controle (em detrimento da liberdade?) a fim de que o Estado e o direito continuem a conduzir a vida de todos que estão na rede. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O monitoramento eletrônico como mecanismo de biopoder reflete a integração entre corpo e tecnologia fazendo parte de uma estratégia de poder que amplia o instrumento punitivo na sociedade de controle. Estes fatos não podem representar apenas as letras que os refletem, ao contrário, devem demonstrar a responsabilidade da pesquisa em apontar questionamentos a partir de um aspecto específico da realidade. Sabendo que esta discussão está localizada preliminarmente no campo do direito à segurança é pertinente ressaltar a associação entre a construção da delinquência-objeto e o aparecimento deste direito. Sem voltar a cenários jusnaturalistas e fazendo uso da concepção de poder usada aqui em conjunto com as mudanças sofridas pelo capitalismo ao longo do tempo fica claro afirmar que assim como os funcionários se tornaram gerentes e os estudantes pesquisadores foram necessários a criação da delinquência, das prisões e da classificação de comportamento para ampliação contínua da vigilância e do controle ou como muitos preferem direito à segurança. Por isso, como o objetivo do pesquisador é a permanente inquietação deve-se perguntar onde o direito à segurança esbarra na vigilância e transforma-se na segurança pública para o controle? O monitoramento eletrônico como mecanismo de biopoder reflete um controle que é para toda sociedade? REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Tradução por Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 43

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BRASIL. Lei n. 12.258, de 15 de junho de 2010. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Disponível em: . Acesso em maio de 2015. ______. Lei n. 7.210, de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: . Acesso em maio de 2015. ______. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: . Acesso em maio de 2015. DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Tradução por Peter Pal Pelbart. São Paulo: Editora 34, 1992. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Tradução por Raquel Ramalhete. Petropólis: Vozes, 2007. ______. A verdade e as formas jurídicas. Tradução por Roberto Machado e Eduardo Morais. Rio de Janeiro: NAU, 2009. ______. Segurança, território, população. Tradução por Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. ______. Em defesa da sociedade. Tradução por Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1970. MORE, Max. The Philosophy of Transhumanism. In: MORE, Max; VITA-MORE, Natasha. The Transhumanist Reader: Classical and Contemporary Essays on the Science, Technology,and Philosophy of the Human Future. Hoboken: John Wiley & Sons, 2013. NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Empire. Cambridge: Harvard University Press, 2001.

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