Monografia Biodeterioração de Têxteis- FCT/UNL

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Biologia em Conservação

BIODETERIORAÇÃO DE TÊXTEIS Monografia

Milton Raimundo Nº 44655 Valéria Silva Nº 45889

Monte de Caparica 3 de Dezembro 2014

1. Resumo A presente monografia pretende reunir e discutir toda a informação atualmente existente, fruto da pesquisa de microbiólogos, químicos e conservadores, na área da biodeterioração em materiais têxteis. Como tal, foram identificados os agentes biológicos e microbiológicos de deterioração destas cadeias poliméricas, que vão desde enzimas e fungos a insetos e roedores, que atacam preferencialmente fibras orgânicas. São focadas também as questões de preservação dos mesmos, sendo que se tratam da principal medida aquando da prevenção e combate deste tipo de deterioração. 2. Introdução A fiação e a tecelagem são consideradas umas das primeiras profissões e a sua utilização remonta ao início da idade do bronze. Os mais antigos têxteis, resultantes destas atividades, foram descobertos nas turfeiras da Europa Setentrional na Suíça, na Mesopotâmia, na Cordilheira dos Andes e no norte da Escandinávia, existindo também indícios de têxteis na Península Ibérica. Em 2500 a.C., os Egípcios eram mestres na arte de fiar com perfeição e teciam tafetá e sarja [1]. Existia, já na antiguidade, um variado leque de fibras, distinguindo-se de entre elas o linho e o algodão, de origem vegetal, e a seda e a lã, de origem animal. Os têxteis de origem sintética, por sua vez, remontam à Revolução Industrial. São compostos por longas cadeias poliméricas de natureza orgânica ou inorgânica [1]. São então, acima de tudo, fruto de produção industrial partindo de substâncias simples, como por exemplo do petróleo. O processo utilizado é o de extrusão, onde o polímero é dissolvido num solvente apropriado ou fundido fabricando-se, a partir daí, um filamento por passagem forçada do polímero em solução através da fileira, onde se dá a solidificação do material [2]. São então fibras facilmente replicáveis, tornando viável a sua produção. Geralmente são adicionados modificadores de cadeia, que melhoram algumas propriedades das fibras, como a sua plasticidade ou elasticidade [3]. Para além da produção de roupa, os têxteis de natureza sintética são também utilizados por alguns artistas contemporâneos, na realização de obras de arte por se tratarem de materiais relativamente resistentes e fáceis de aplicar. 3. Propriedades e caracterização Sendo desde sempre uma importante atividade ao longo dos tempos, os valores histórico, artístico e cultural dos têxteis urgem a preservação. No entanto estes tratam-se de materiais de extrema suscetibilidade a diversos agentes de degradação. Para além da fotodegradação, que talvez seja o fator mais tido em conta, os têxteis são também bastante vulneráveis à biodeterioração, por ação de fungos, bactérias e insetos. A caracterização dos materiais têxteis é considerada pelos investigadores como o primeiro procedimento para a análise de biodeterioração. Utiliza-se sobretudo a microscopia como principal método. Para se determinar o estado de conservação dos materiais é muito importante que se conheça a natureza do

material e, para isso, deve-se recorrer de seguida a técnicas analíticas que forneçam os dados necessários para essa caracterização [4]. Sabendo ao pormenor as propriedades químicas, físicas e biológicas características de um tipo de têxtil, saber-se-á a sua vulnerabilidade, bem como a as suas reações a agentes externos [5]. 3.1.

Fibras naturais

Os têxteis naturais podem ser de origem vegetal ou animal. Tendo em conta a sua conformação química, as propriedades físicas e químicas de cada tipo de têxtil serão distintas. As fibras de origem vegetal são essencialmente de cadeias celulósicas (como é o caso do linho e do algodão), sendo constituídas essencialmente por monómeros de glucose (Fig. 1). Estes estão ligados uns aos outros, criando ligações de hidrogénio entre si e, consequentemente regiões de cristalinidade elevada. No entanto, algumas zonas da cadeia encontram-se menos ordenadas, resultando num estado amorfo [3]. De acordo com a formação do polímero, no que toca ao grau de cristalinidade, poderão ser produzidas fibras de celulose amorfa ou fibras de celulose cristalina. Outra propriedade a ter em conta é o grau de orientação destas fibras. A suscetibilidade aos processos de degradação decresce se a orientação for elevada. Mais ainda se deve ter em conta todas as outras substâncias não celulósicas que possam estar presentes, que influenciarão sempre o comportamento Fig. 1- Estrutura fundamental de uma cadeia de celulose do têxtil [3]. (www.wikipedia.pt). No caso das fibras de origem animal, a sua base pode ser de dois tipos de polímeros proteicos, cadeias de queratina ou de fibroína (Fig. 2) e sericina, por isso, as propriedades e o seu comportamento serão diferentes entre si e em relação às fibras celulósicas. A queratina, presente nas fibras de lã é uma proteína composta por 21 aminoácidos e que faz ligações de enxofre de forma a criar a cadeia polimérica. Estas ligações são a fonte da resistência da queratina. Geralmente a lã possui ainda muitas impurezas, no entanto passa por alguns processos de limpeza, que diminuem a sua suscetibilidade à biodegradação [3]. Já as cadeias de fibroína e sericina tratam-se de fibras muito sensíveis a fatores de degradação, especialmente à luz. A sericina seria muitas vezes adicionada à fibroína (proteína natural produzida por bichos-daseda) no fabrico industrial de seda por forma a proteger contra a fotodegradação, no entanto esta promove o amarelecimento deste tipo de têxtil [3]. Fig. 2- Estrutura primária da fibroína (Nogueira, 2005)

3.2.

Fibras sintéticas

As fibras sintéticas, para além da sua cadeia de carbonos, muitas vezes contêm grupos amida, éster e éter. Estes grupos funcionais apesar de conferirem alguma resistência mecânica e elasticidade, também tornam estas fibras vulneráveis a degradações. Existem diversos tipos de fibras sintéticas, sendo as mais importantes as fibras tabeladas abaixo. Tabela 1- Fibras sintéticas e os seus principais grupos funcionais.

Fibra Poliéster Poliamida Poliuretano Polipropileno Poliacrilonitrilo Policloreto de vinil

Principal grupo funcional Éster Amida Uretano, éster e ureia Propileno Acrilonitrilo Cloreto de vinil

4. Condições Ambientais Em ambientes com alta humidade relativa, o surgimento de bactérias que atacam as fibras dos têxteis é frequente, podendo ser detetada pelo forte odor e viscosidade no tecido [7]. Este é um dos fatores mais importantes no crescimento microbial que determina a quantidade de água presente para a germinação dos esporos. Muitas espécies de fungos e bactérias começam a desenvolver-se em função da humidade contida num objeto. Ter-se-á que ter em conta também que os microrganismos produzem água, fruto do seu metabolismo durante o seu desenvolvimento, o que aumenta a quantidade de água presente no material e favorece a multiplicação celular [7]. Em ambientes onde existe flutuações de humidade relativa, para além de várias outras mudanças nas propriedades dos materiais têxteis, a biodeterioração pode ser superior a 65% [5]. Ambientes escuros, quentes e de pouca ventilação também promovem o crescimento microbial e a presença de roedores [5]. 5. Principais agentes de biodeterioração Os agentes de biodeterioração são ser variados. Podem agir por si só num material têxtil ou coexistir, sendo que podem ser microrganismos (enzimas, fungos e, mais raramente, bactérias) ou macrorganismos (insetos e roedores). Na maioria das vezes estes agentes utilizam as fibras como fonte de alimento [3], [5]. Para a identificação e caracterização dos agentes de biodeterioração presentes num elemento têxtil, utilizam-se técnicas como a observação microscópica para a localização de produtos metabólicos de insetos, e, no caso de microrganismos realiza-se o cultivo das colónias para posterior caracterização taxonómica entre outros métodos analíticos [4]. Geralmente, o crescimento microbial causa perda de resistência e de elasticidade, descoloração e mudanças na aparência, tudo isto devido a

mudanças na oxidação dos grupos funcionais, grau de polimerização e quebra de estruturas moleculares [3]. Mofo e bolor são as designações mais usadas para identificar a aparência ou a pigmentação na superfície dos materiais têxteis. Apresentam características macro e microscópicas, ciclos de vida diferenciados, condições ambientais específicas e aceleram o processo de degradação dos materiais celulósicos e proteicos. A sua relação com a temperatura ambiente varia segundo a espécie de microrganismo [5]. 5.1.

Fibras naturais

As fibras naturais são prontamente afetadas pelos agentes de biodeterioração. No caso das fibras de natureza celulósica, a degradação ocorre por via de vários agentes devido à sua cadeia rica em carbonos (necessários para o metabolismo dos microrganismos) e especialmente pelas moléculas de glucose. A traça é identificada entre os insetos como o mais frequente e o que mais causa danos aos têxteis. Em climas temperados as suas larvas são as que causam maiores danos pois podem completar seu ciclo de vida sobre o tecido [4]. Para além das traças, outros insetos podem agir com grande gravidade neste tipo de material, as baratas danificam superficies e margens, os Coleópteros e espécies como o Lasioderma serricorne (bicho do fumo) podem causar danos de grande proporção nos acervos, assim como as térmitas [5]. No que toca a microrganismos, as fibras celulósicas podem sofrer hidrólise enzimática de forma a quebrar as ligações glicosídicas da celulose para que a glucose sirva de fonte de carbono para o crescimento de outros microrganismos [3]. Em ambientes com elevada humidade relativa, o surgimento de bactérias que atacam a celulose é frequentemente detectado por um odor forte e textura pegajosa nos tecidos [5]. A orientação das cadeias de celulose também contribui para a presença ou ausência de microrganismos, sendo que um elevado grau de orientação torna o têxtil menos vulnerável ao ataque microbial [3]. De todos os microrganismos envolvidos na degradação dos têxteis celulósicos, os mais ativos são os fungos dos géneros Chaetomium, Myrothecium, Memnoniella, Stachybotrys, Verticillium, Alternaria, Trichorderma, Penicillium e Aspergillus. Os dois últimos são os mais importantes, visto que incluem espécies que se podem desenvolver em condições de baixa humidade relativa [3]. No que toca a fibras de origem animal ambos os tipos de fibras têm como principais agentes macrobiológicos de biodeterioração são os escaravelhos domésticos e as baratas, mas os maiores danos são causados pelas traças da roupa, que produzem furos entre dois a três centímetros de diâmetro [8]. Em questões de biodeterioração microbiológica, a queratina, principal constituinte da lã, é degradada especialmente por fungos dos géneros Microsporum,Trichophyton, Fusarium, Rhizopus, Chaetomium, Aspergillus e Penicillium. A velocidade de degradação destas fibras depende fortemente da composição química, estrutura molecular e o grau de polimerização do substrato. Esta degradação é promovida essencialmente pela elevada humidade relativa e

temperatura e acidez favoráveis. Os primeiros sintomas da sua presença e crescimento são o odor e o surgimento de manchas de diversas cores [3]. As fibras de seda são mais resistentes à biodeterioração, em relação às de lã. Estas apresentam um forte crescimento bacteriano quando encontradas em solos, bem como perda de resistência em seda crua (que contém sericina). Por outro lado, seda que não contém sericina apresenta um crescimento muito limitado, indicando que as bactérias poderão utilizar a sericina como fonte de carbono [3]. 5.2.

Fibras sintéticas

A generalidade dos têxteis sintéticos são bastante resistentes à biodeterioração, no entanto, a presença dos átomos de N e O nos grupos funcionais promove a degradação enzimática. O crescimento de fungos promove um decréscimo nas propriedades estéticas e, consequentemente, a qualidade do produto. No caso das fibras de poliéster, estas serão resistentes à biodegradação se tiverem na sua estrutura polimérica tereftalato, no entanto os poliésteres alifáticos estão mais suscetíveis à ação de agentes de biodeterioração e por isso não são utilizados na indústria têxtil. As poliamidas, por sua vez, apesar de também oferecerem resistência, alguns fungos são capazes de degradar o Nylon de baixo peso molecular, bem como as fibras de polipropileno, após a ação da fotodegradação. Algumas bactérias produzem ainda enzimas que degradam a poliamida 6 (por exemplo Pseudomona Aeruginosa) [3]. Às fibras de poliuretano, são regularmente adicionados outras fibras, de forma a melhorar as suas propriedades mecânicas, nomeadamente fibras de poliéster. No entanto, a existência de fungos e bactérias nas fibras de poliuretano é devido à presença deste polímero, provocando túneis à volta do fungo. As espécies dominantes nas fibras de poliuretano são a Stemphylum, Cladosporium, Aspergillus, Paecilomyces, Penincillium, Alternaria, Chaetomium, Trichoderma e Stachybotrys. As fibras de policloreto de vinil são as únicas, a par das fibras de poliacrilonitrilo que não sofrem biodegradação, mesmo após a ação de outros agentes de degradação [3]. 6. Formas de prevenção e tratamento De forma a diminuir a aceleração grau e tipo de problema é necessário controlar e estudar alguns fatores que contribuem para o aparecimento e crescimento de agentes de biodeterioração, nomeadamente a temperatura, a humidade relativa, do ambiente e a humidade máxima do material, a intensidade da luz e reatividade, a natureza do material e os seus processos de envelhecimento [3]. É fundamental manter a humidade relativa em 55% e uma temperatura de 20ºC para uma boa conservação dos têxteis, fazendo ainda o controlo dessas condições ambientais através da utilização de termohigrómetros, além de desumidificadores [4]. O espaço de reserva deve ser limpo regularmente para evitar futuras contaminações pelo transporte de substâncias que promovem a cultura.

Um método que tem vindo a ser pesquisado, demonstrando alguma eficácia é a ventilação sobre o crescimento microbial para o controlo da biodeterioração de materiais históricos em museus e arquivos. Com este método, é aplicado um número de renovação de ar por hora num espaço fechado, o que inibe o crescimento dos fungos e bactérias, conseguindo diminuir sua atividade tanto ao nível dos ambientes como dos materiais [7]. Os produtos indicados para a erradicação de pragas, foram primeiramente concebidos para erradicação de pragas agrícolas (como naftaleno, lindano, óxido de etileno entre outros) o que os torna demasiado tóxicos para os materiais têxteis, desta forma, é fulcral que a desinfestação seja controlada do ponto de vista das interações com o substrato [7]. No que toca aos métodos de tratamento, uma das hipóteses é a utilização de substâncias aromáticas como tratamento preventivo, a naftalina e o p-diclorobenzeno são as substâncias protetoras consideradas mais eficazes pois os seus vapores concentrados eliminam as larvas e os ovos das traças, mas não devem estar em contato direto com os tecidos. Os inseticidas e biocidas constituem o segundo dos métodos químicos para combater a biodeterioração, no entanto, a sua aplicação deve ser feita com extrema precaução, utilizando por exemplo, p-formaldeído em pastilhas na razão de 3-4 g/m3 de ar [4]. A dissolução de etanol-água a 70% atua como fungicida em muitos fungos tanto celulóticos como proteicos. O etanol elimina os fungos por desidratação, mas o efeito é menor quando aplicado puro. Para aumentar sua eficácia como biocida acrescenta-se-lhe 0.1% de ortofenilfenol. Este preparado aplica-se por pulverização ou imersão. Será, possivelmente, o tratamento mais efetivo e menos tóxico que o com os fungicidas normalmente utilizados [7]. A utilização de métodos não tóxicos será a forma ideal de eliminação dos agentes de biodeterioração. Como os métodos térmicos para a desinfestação, que segue uma tendência para a possibilidade de se utilizar menos inseticidas químicos. Consiste basicamente em submeter as peças a temperaturas extremas para os insetos, normalmente em torno dos 20 - 25ºC. Outro método utiliza moléculas sintéticas que imitam hormonas que bloqueiam o uso das feromonas por parte dos insetos dificultando o encontro dos sexos e evitando assim a sua reprodução. 7. Conclusão A biodeterioração de têxteis trata-se de um problema que engloba variadas questões sendo que se terá sempre que ter em conta a natureza química, física e biológica do material em questão, bem como as questões ambientais onde esse material está inserido. Os mecanismos de deterioração, uma vez diferentes para cada tipo de fibra, torna-se complexa a sua proteção, pelas condições de uso, exposição e reserva. No entanto, dever-se-á sempre refletir acerca do melhor método de proteção, de forma a não prejudicar a condição física e os valores intrínsecos de um têxtil.

8. Referências Bibliográficas [1] da Silva, G. J., Design 3D em tecelagem jacquard como ferramenta para a concepção de novos produtos : aplicação em acessórios de moda, Universidade do Minho, Dissertação de Mestrado, 2005 [2] Pezzolo, D., Tecidos, Senac, 2009 [3] Szostak-Kotowa, J., Biodeterioration of textiles, International Biodeterioration & Biodegradation 53, ELSEVIER, 2004 [4] Rojas, S. et al., La conservación de los tejidos, Revista Arbor Julho-Agosto Espanha, 2001 [5] Coppola, S. Nos caminhos do sagrado: Conhecimento e valorização como conservação dos acervos têxteis arquidiocesanos de Mariana/MG e São Luis do Maranhão, Escola de Belas Artes /UFMG, Belo Horizonte, 2013 [6] Nogueira, G. M. Obtenção e caracterização de membranas de fibroína de seda para aplicação como biomaterial, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia Química, UNICAMP, Campinas, 2005 [7] Valentin, Nieves. El biodeterioro de materiales orgânicos, Instituto del Patrimonio Histórico Español, Espanha, 2004 [8] Yela, J. L., Insetos causantes de daños al património histórico y cultural:

Caracterizacion, tipo de daño y método de lucha, Madrid, 1997.

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