Monografia de Conclusão de Curso: ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS ASPECTOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS NO BRASIL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE DIREITO “PROF. JACY DE ASSIS” THAÍS CRISTINA SILVA MOURA

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Uberlândia 2014

THAÍS CRISTINA SILVA MOURA

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia de final de curso apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis como requisito parcial para colação de grau em bacharelado no curso de Direito. Orientadora: Professora Mestra Heloísa de Assis Paiva.

Uberlândia 2014

THAÍS CRISTINA SILVA MOURA

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia de final de curso apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis como requisito parcial para colação de grau em bacharelado no curso de Direito. Orientadora: Professora Mestra Heloísa de Assis Paiva. ____de ____________ de 2014

____________________________________ Professora Mestra Heloísa de Assis Paiva Orientadora

_________________________________ Professor Mestre Thiago Paluma Examinador

__________________________________________ Professora Mestra Maria Terezinha Tavares Examinadora

Aos meus amados pais, Magda Regina e Márcio, À minha amada irmã, Amanda Lívia, aos amigos, aos memoráveis professores e aos bons dedico este trabalho.

AGRADECIMENTOS Agradeço à Professora Mestra Heloísa de Assis Paiva pela atenção dedicada não somente a este trabalho monográfico, como também a todos os trabalhos desenvolvidos no grupo de estudos de Direito Internacional e Humanos. O grupo ajudou-me a crescer academicamente e a manter meu interesse e meu crescente amor pelo Direito Internacional, pelo que lhe sou eternamente grata. Agradeço ao Professor Doutor Luiz Carlos Figueira de Melo que muito gentilmente forneceu-me conteúdo para a parte administrativa do trabalho. Agradeço, outrossim, à Faculdade de Direito Prof. Jacy de Assis, instituição que, com os percalços presentes em todos os entes públicos, forma maravilhosos profissionais, possui excelentes professores e dedicados funcionários. Agradeço, finalmente, a minha família e aos amigos que tanto ouviram sobre esta monografia e tanto me apoiaram neste processo.

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.” Nelson Mandela

RESUMO O estudo das Organizações Não Governamentais Internacionais permite observar a sociedade civil internacional e sua força na realidade das relações globais, bem como a importância do ser humano e seus projetos privados no âmbito mundial, pois, mesmo não tendo personalidade jurídica de direito internacional, há uma influência do indivíduo e seus projetos no contexto global. Os Estados e as OIs são quem tradicionalmente constrói o direito na sociedade internacional atual. A prerrogativa de elaborar e modificar o direito internacional explica-se pelo fato de serem dotados de personalidade de direito internacional público. Ao lado desses sujeitos de Direito Internacional, outros atores despontam no cenário mundial: as Sociedades Empresárias, o indivíduo e as Organizações Não Governamentais. Este trabalho procura fazer uma revisão bibliográfica dos aspectos jurídicos das Organizações Não Governamentais Internacionais, revelando tanto sua dimensão internacional, quanto nacional. Para tanto, essas duas dimensões são abordadas primeiramente sob a ótica de sua trajetória histórica e, após, são desvendados temas pertinentes às duas realidades. Por meio dessa explanação busca-se concluir que a existência das Organizações Não Governamentais transcende qualquer idealização e se mostra como ente inerente à atualidade das relações internacionais; que as redes sociais mundiais são fruto da abstração da sociedade civil global e consagram o conceito de globalização e que as Organizações Não Governamentais tem na sua existência importância fundamental, pois constituem-se em avanço da participação popular nas questões coletivas. PALAVRAS-CHAVE Organizações não governamentais internacionais. Sociedade civil internacional. Interesse público. Fomento. Redes sociais.

ABSTRACT The Non Governmental Organizations are an illustration of how the international civil society concept has strength in the international relations scenario and how humanity and its private projects gains importance in the international system. Despite the fact that they lack of international personality, there is an influence held by individuals and its projects. The international entities are the Sovereign States, International Organizations and the individuals, with some considerations. The International Organizations are a phenomenon of the last century, while the origin of the States goes back to ancient history. Even with this time lapse between the two international actors, these are the ones who have the prerogatives to modify and elaborate the International Public Law. Following these actors, there are others that influence the international agenda, the enterprises and the NGOs. This work aims to make a review of the NGOs juridical aspects, revealing its international dimension, as well as the national dimension. Firstly, to fulfill the present object, these two dimensions are detailed in their historical aspect and, afterwards, pertinent themes are revealed about the two realities. Thus, the meaning is to conclude that the existence of NGOs transcends any doctrine and shows itself as an inherent entity of actual international relations; the global social networks are derived from the abstraction of international civil society and are an expression of the process of globalization, even if it is taken as an obsolete concept, and that NGOs are corollary of integration and popular participation in the collective issues. KEYWORDS: International nongovernmental organizations. International civil society. Public interest. Promotion. Social networks.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIESEC

Association Internationale des Etudiants en Sciences Economiques et Commerciales

Cofins

Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

ECO-92

Conferência

das

Nações

Unidas

sobre

o

Meio

Ambiente

desenvolvimento ECOSOC

Conselho Econômico e Social

FAO

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

ICMS

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IE

Imposto de Exportação

II

Imposto de Importação

IPTU

Imposto sobre a Propriedade predial e Territorial Urbana

IPVA

Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

IOF

Imposto sobre Operações Financeiras

IRPF

Imposto de Renda de Pessoa Física

IRPJ

Imposto de Renda de Pessoa Jurídica

ISSQN

Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

ITR

Imposto Territorial Rural

OI

Organização Internacional

OIT

Organização Internacional do Trabalho

ONG

Organização Não Governamental

ONU

Organização das Nações Unidas

OS

Organização Social

OSCIP

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

Oxfam

Comitê de Oxford de Combate à Fome

TCU

Tribunal de Contas da União

UE

União Européia

UNCTAD

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

WWF

Fundo Mundial para a Natureza

e

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11

1

DIMENSÃO INTERNACIONAL ............................................................................................. 13 1.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA MUNDIAL............................................................................. 13 1.2 QUESTÃO DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL NO PLANO INTERNACIONAL ................................................................................................ 15 1.3 ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES ......................................................................................... 17 1.4 CONCEITOS DE TERCEIRO SETOR, REDES SOCIAIS E SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL .............................................................................................................. 18 1.5 ONGS E PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL .......................................... 20 1.6 SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL E TERCEIRO SETOR ..................................... 22 1.7 ATUAÇÃO DAS ONGS JUNTO AOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS .................. 25 1.8 ATUAÇÃO DAS ONGS JUNTO AOS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS ....................... 27

2

DIMENSÃO NACIONAL .......................................................................................................... 29 2.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA NO BRASIL .......................................................................... 29 2.2 SITUAÇÃO JURÍDICA ATUAL DAS ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS BRASILEIRAS ..................................................................................................................... 31 2.3 FOMENTO E O TERCEIRO SETOR .................................................................................. 32 2.4 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP) ........ 35 2.5 ORGANIZAÇÃO SOCIAL (OS) ......................................................................................... 40 2.6 LICITAÇÃO ......................................................................................................................... 43 2.7 CONTROLE ......................................................................................................................... 46 2.8 TRIBUTAÇÃO ..................................................................................................................... 48 2.9 SITUAÇÃO JURÍDICA DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS INTERNACIONAIS NO BRASIL ....................................................................................... 51

CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 56

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 58

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INTRODUÇÃO As pessoas internacionais atuais, com a pretensão do estabelecimento de um parâmetro teórico, pode-se dizer que são os Estados Soberanos, as Organizações Internacionais e, com muitos pormenores a considerar, o indivíduo. O pensamento de que o Estado seria o único sujeito de direito internacional já está há tempos defasado. As Organizações Internacionais são um fenômeno do século XX, enquanto a origem dos Estados remonta à antiguidade clássica. Ainda que exista esse lapso temporal entre o surgimento dessas entidades na sociedade internacional atual, são os dois primeiros entes citados, o originário (o Estado) e o derivado (as Organizações Internacionais), que constroem o Direito Internacional. São eles os detentores da prerrogativa de elaborar e modificar o direito internacional atual, pois são dotados de personalidade de direito internacional público. Ao lado desses sujeitos de Direito Internacional, outros atores, chamados em classificação binária pela doutrina das Relações Internacionais de não estatais, despontam no cenário mundial reclamando e exercendo importância nas decisões dos Estados e das Organizações Internacionais. São eles as sociedades empresárias, os beligerantes, os insurgentes e as Organizações Não Governamentais. O foco nesse mister é direcionado às conhecidas ONGs. As Organizações Não Governamentais Internacionais são uma ilustração de como a ideia de sociedade civil internacional pode ter força na realidade das relações internacionais. Mesmo não tendo personalidade jurídica de direito internacional, essas pessoas jurídicas de direito interno exercem uma influência significante globalmente e possibilitam a extensão do indivíduo e seus projetos no contexto internacional. Com efeito, o ser humano e seus projetos privados são detentores de importância nesse âmbito, na medida em que suas palavras e ações tem força para impactar e transformar opiniões pelos diversos meios de divulgação do seu trabalho. Mister explicitar questões concernentes às Organizações Não Governamentais, sua influência no meio internacional e seus aspectos no direito interno brasileiro. Portanto, a conceituação, a trajetória histórica, a situação das ONGs no meio internacional atual e a legislação brasileira sobre essas entidades são temas importantes que serão discorridos no desenvolvimento deste escrito. Este trabalho procura fazer uma revisão dos aspectos jurídicos das Organizações Não Governamentais Internacionais, revelando tanto sua dimensão internacional, quanto nacional.

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Tal elucidação constrói uma visão de essencialidade de importância global na existência dessas instituições na contemporaneidade. É imprescindível que se demonstre a desvinculação existencial das ONGs com relação ao neoliberalismo, pois uma ideologia não vincula, por ela somente, a existência de entes personalizados, mesmo quando carregam aspectos originariamente teóricos em sua formação e surgimento fático. Como uma segunda dimensão do conceito, visa-se a apresentação da situação jurídica do Terceiro Setor no sistema normativo brasileiro. Para tanto, a trajetória histórica é mais que adequada para a descrição da atual realidade das ONGs no Brasil. O objetivo é fixar posicionamento de que, apesar de vários problemas decorrentes da ilegalidade de atuação das mesmas, é imprescindível sua existência no ordenamento, tendo em vista sua essencialidade e seus objetivos catalisadores do princípio democrático. Desse modo, pretende-se apresentar dentro do tema um histórico que aponte a trajetória do ente chamado Organização Não Governamental Internacional, afunilando de uma perspectiva global para a perspectiva brasileira, ou seja, a revisão bibliográfica que ora se propõe será feita de forma dedutiva. Em seguida, apresentam-se as questões concernentes à conceituação, à personalidade jurídica internacional, a selecionadas classificações e às formas de atuação junto à comunidade internacional. Como próximo e último passo, segue-se a sequência de revisão ao âmbito do sistema jurídico brasileiro. Apontar-se-á como tal pessoa jurídica nasce no ordenamento nacional e como é feita a organização legislativa e administrativa para que uma Organização Não Governamental estrangeira possa atuar no Brasil.

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1

DIMENSÃO INTERNACIONAL O aspecto internacional das Organizações Não Governamentais está repleto de

caminhos inexplorados e, nesse sentido, os conceitos e formas de atuação são diversos e muitas vezes voláteis. A maioria do conteúdo produzido sobre a matéria é originada das próprias Organizações Não Governamentais que aspiram um destaque cada vez maior no cenário internacional para que possam levar a cabo a execução de seus objetos sociais. O lugar das Organizações Não Governamentais Internacionais na história é recente e, também por esse motivo, as definições de conteúdo são escassas e necessitam de contínua exploração. Tal exploração perpassa pelos aspectos da conceituação, da classificação, da personalidade jurídica e das formas e possibilidades de atuação. Além disso, há adjacências no estudo dessas organizações que da mesma forma devem ser exploradas para melhor compreensão do fenômeno em análise, como o entendimento dos conceitos de Terceiro Setor, Redes Sociais e Sociedade Civil Internacional.

1.1

TRAJETÓRIA HISTÓRICA MUNDIAL

O pensamento que afirma ser o direito público não exclusivo dos poderes-deveres do Estado é recente. A sociedade civil começa a se organizar para realizar tarefas de caráter público com fins não lucrativos a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Esse é um período de reconstrução da Europa e de forte sentimento de solidariedade dos países desenvolvidos pelos países subdesenvolvidos e, por consequência, dos grupos mais afortunados economicamente pelos grupos desafortunados. Inicia-se, portanto, uma nova era para o direito internacional, a qual se reflete no âmbito interno dos países. As formas de auxílio e a estrutura para a realização dessas atividades auxiliadoras modificaram-se ao longo das décadas. O pós-segunda guerra é marcado pela formação de um sistema de cooperação internacional, o qual passa a receber recursos estatais para a realização de ações em prol do que se chamava de desenvolvimento. A ideia de desenvolvimento na época era mensurada apenas pelo tamanho e pelo crescimento da economia, ou seja, qualquer atividade que proporcione esse crescimento é considerada auxílio ao desenvolvimento. Essa doutrina é utilizada pelos primeiros voluntários que se deslocam de seus países e se dispõem a ajudar as nações necessitadas.

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Avançando no tempo, a década de 60 é um período de fortalecimento e estruturação dessas atividades auxiliadoras. Com o pensamento voltado para o crescimento da economia, várias campanhas são feitas e levam temas como a ajuda na venda dos produtos industrializados pelos países de terceiro mundo, a fome e a falta de abastecimento de água.

Entre 1960 e 1965 a Oxfam, angariou sete milhões de libras no Reino Unido para a FAO, através de sua campanha Freedom from Hunger. Tal campanha teve como objetivos não apenas combater a escassez de alimentos, mas também assegurar que as comunidades não ficassem dependentes dessa ajuda e sim auto-suficientes. Em 1965, houve uma campanha para provimento de fontes de água nas cidades da Índia. Na Conferência de 1968 da UNCTAD surgiu a ideia de instalação de lojas da própria organização, que vendiam os produtos industrializados do Terceiro Mundo comprados por preço justo. O número de projetos no Terceiro Mundo cresceu vertiginosamente, assim como o número de pessoas trabalhando em ONGs (REINALDA, 2009, p. 499-500, tradução nossa). 1

Nos anos 70 a juventude dos países desenvolvidos está engajada em modificar uma série de problemas latentes como o regime do apartheid na África do Sul, a falta de direitos civis no Chile e em Angola e várias outras situações específicas de outros Estados, como a guerra no Vietnam. Essa juventude cria suas próprias convicções sobre os rumos da ajuda internacional, as quais vem revolucionar o modo de pensar nas ações de auxílio ao desenvolvimento. A desigualdade entre os países do Centro e os países da Periferia é realçada de tal maneira nos discursos e nos ideais desses jovens, que a velha concepção de desenvolvimento fica obsoleta, tendo em vista a disparidade entre os Estados ter origem no capitalismo voraz e nas ações imperialistas das potências mundiais. O desenvolvimento passa a ganhar a conotação de qualidade de vida e assim, as ações humanitárias e a angariação de recursos mantiveram-se aquecidas. Esse novo conceito fez com que as práticas assistencialistas fossem relegadas a segundo plano, pois o alívio imediato dos problemas causados pela guerra, pela fome ou por desastres naturais não era e nunca foi suficiente para garantir a volta à vida normal, muito 1

Tradução aproximada de própria autoria do trecho: “[...] Between 1960 and 1965 Oxfam raised 7 million pounds in the UK for the Food and Agriculture Organization (FAO) through its Freedom from Hunger collection. The Oxfam and FAO campaign aimed to combat food shortages, but also to ensure that people did not remain dependent on food aid and were able to become self-sufficient. In 1965 there was a campaign for providing village water supplies in India. Out of the UNCTAD Conference of 1968 the idea was born of UNCTAD, or Third World, shops selling Third World-produced goods bought in fair prices. The number of projects in the Third World increased sharply, as did the number of people working there for NGOs.”. fonte: REINALDA, Bob. The routledge history of international organizations: from 1815 to the present day. Routledge: Wiltshire, 2009. p. 499-500.

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menos o desenvolvimento como qualidade de vida. Portanto, uma distinção começa a ser percebida entre as organizações que apenas ofereciam assistência daquelas que combinavam assistência com desenvolvimento2. Essa combinação passa a ser realizada pela disponibilização de recursos e apoio técnico com trabalhos focados na agricultura, nas microempresas, nas questões básicas de saúde, no reflorestamento e no desenvolvimento dos transportes, por exemplo. Outra diferença sensível quanto às Organizações Não Governamentais, a qual vem se avolumando ao passar das décadas, principalmente nos anos 80, quando há um aumento expressivo no associativismo dos países subdesenvolvidos, é aquela que distingue a origem nos países do Sul e a origem nos países do Norte. Esses países, sendo mais afortunados do que aqueles, tem maior potencial para financiamento de suas ONGs e estas, por sua vez, também são dotadas de maior capital, independentemente de seus próprios Estados e, portanto, mais influentes no meio internacional. Dessa forma, as ONGs do Norte passam a ser centros de financiamento e ajuda às ONGs do Sul e hoje praticamente ditam a agenda internacional desse setor. Atualmente são aproximadamente duas mil ONGs que detem mais de oitenta por cento dos recursos no sistema de cooperação internacional, a maioria delas localizadas nos Estados Unidos e na Europa (REINALDA, 2009, p. 501). Com tantos campos e possibilidades de auxílio, as ONGs foram se pluralizando e se especializando em diferentes áreas no intuito de atingir os objetivos os quais se propuseram alcançar. Os distintos temas como meio ambiente, saúde, racismo, fome e direitos da mulher, se, por um lado geram maior precisão nas atividades desenvolvidas pelas organizações, por outro lado, pode fragmentar as ações, levando-as a uma falta de coordenação que limita o seguimento de uma única lógica de desenvolvimento. Por esta razão, é que foram estabelecidas as Redes Sociais, que serão analisadas conceitualmente ainda neste trabalho.

1.2 QUESTÃO DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO GOVERNAMENTAL NO PLANO INTERNACIONAL

NÃO

O termo Organização Não Governamental (ONG) foi inicialmente utilizado em documentos emitidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em referência a entidades 2

Exemplo de ONG assistencial são os Médicos Sem Fronteiras (MSF) e como ilustração das que combinam a assistência com desenvolvimento podem ser citadas a CARE, a Catholic Relief Services e a própria Oxfam.

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que ofereciam consultoria a esse organismo. A elaboração dessa nomenclatura se deu em razão do fato de não serem dotadas de personalidade de direito internacional público, portanto, não constituírem fruto da vontade dos governos dos Estados (NEVES, 2007, p. 50). Entretanto a forma como se utiliza o termo ONG atualmente, abriga muito mais pessoas de direito privado do que a concepção inicial dada pela ONU. Aliás, envolve tantos outros aspectos, que fica difícil englobá-las em um conceito universal. Serão citadas neste texto, algumas das principais conceituações internacionais. Isabelle Soumy (2008, p. 2-3), em tese de doutorado defendida na Université de Limoges, defende que existe um paradoxo na própria existência das Organizações Não Governamentais, que consiste no choque entre seu regime de direito interno e sua realidade internacional de atuação. Citada internacionalidade é intrínseca à própria história do surgimento de tais entidades. Já Fontanel, Bensahel e Corvaisier-Drouart (2009, p. 11-15), listam diversas conceituações diferentes em sua obra Les Organizations non gouvernementales ou l’homme au coeur d’une mondialisation solidaire. Esses autores citam

All (2000 apud

BENSAHEL-PERRIN; FONTANEL;

CORVAISIER-DROUART, 2009, p. 11, tradução nossa), cujo conceito se traduz em “uma organização privada, independente, sem fins lucrativos e que se propõe a limitar o sofrimento humano”

3

e que, portanto foca nos objetivos de cada entidade sem fins lucrativos, que

tenham as características tanto da assistência quanto do desenvolvimento da qualidade de vida. Outrossim, falam de Guillaudis (2003, p. 339 apud BENSAHEL-PERRIN; FONTANEL; CORVAISIER-DROUART, 2009, p. 11, tradução nossa) que apresenta as ONGs como agrupamentos, associações, movimentos, instituições criadas não por uma convenção entre Estados, mas por uma iniciativa privada ou mista, que une pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas, de nacionalidades diversas para buscar uma ação internacional, quer dizer que atinja diversos países, e que não tem um caráter lucrativo4. Esse conceito é mais abrangente envolvendo também as pessoas jurídicas de direito público e privado como membros de tais organizações e que buscam um objetivo internacional, seja ele

3

Tradução própria do texto original: “une ONG est une organization privée, indépendante, sans but lucratif qui se propose de limiter la souffrance humaine.”. 4 Texto original: “une organization non gouvernamentale est um groupement, une association, um mouvement, une institution, créée non par um accord entre États mais par une initiative privée ou mixte, qui rassemble des personnes physique ou morales, privées ou publiques, de nationalités diverses pour mener une action internationale, c’est-à-dire étendue à plusieurs États et qui n’a pás de caractere lucratif.”.

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ligado à assistência e desenvolvimento, seja outro fim que envolva mais de um Estado, bastando não ter fins lucrativos. Segundo a Convenção 124 assinada pelo Conselho da Europa, para efeitos da dinâmica interna do bloco econômico europeu, uma ONG é uma associação, uma fundação ou uma instituição privada que tem um objeto não lucrativo de utilidade internacional, originada do direito interno de um dos membros da União Europeia e exerce atividade efetiva em pelo menos dois Estados. Assim como a UE, outros blocos e organismos internacionais tem definições próprias sobre essas entidades para que sejam utilizadas com fins de atender seus próprios interesses e reger as relações com essas pessoas jurídicas. A variedade desse tipo de instituição faz com que a denominação para estas entidades também possua várias outras designações alternativas como agência voluntária, organização voluntária privada, organização voluntária de desenvolvimento, organização de cidadãos, organização da sociedade civil e, quanto àquelas que atuam no meio global, temos Organizações Não Governamentais Internacionais e Organizações Não Governamentais Transnacionais.

1.3

ALGUMAS CLASSIFICAÇÕES

Neves (2007, p. 60) aponta três maneiras de atuação no meio internacional pelas Organizações Não Governamentais: pressão sobre os Estados, debates e observações na ONU e a organização de fóruns paralelos de discussão por meio das redes. Quanto à forma de atuação, Petras (2001 apud NEVES, 2007, p. 61) faz uma classificação em três tipos: as neoliberais, as reformistas e as radicais. As neoliberais atuam junto ao Banco Mundial e representam o pensamento neoliberal de substituição de algumas atividades estatais. As reformistas estão ligadas ao pensamento socialdemocrata e a governos progressistas e, por último, as radicais estão engajadas nos movimentos sociais de solidariedade e disseminação das políticas e princípios inerentes aos direitos humanos. Laghmani (2007, p. 10) diz que há uma heterogenia entre as ONGs. Aponta que são todas não lucrativas, mas algumas representam interesses lucrativos (chama-as de BINGOS). Diz, ainda, que todas são independentes das autoridades governamentais, mas certas não o são mais que formalmente (chama-as de GONGOS). Nessa esteira, todas são formalmente lícitas e representam interesses lícitos, mas certas são de origem mafiosa e tem o objetivo de defender as máfias que lhes comandam (chama-as de MONGOS).

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Ainda, o mesmo autor (2007, p. 11) destaca seis diferentes papéis que podem ter os atores não estatais internacionais. O primeiro constitui-se em beneficiário do Direito Internacional, pelo qual as entidades tem deveres e prerrogativas assegurados pelo sistema jurídico internacional. O segundo é o papel de parceiro, quando são cooperadores para o desenvolvimento e para a ajuda internacionais. O terceiro é o de “conselheiros do príncipe” quando lhe são requeridas consultas sobre assuntos diversos. O quarto é de grupos de influência, quando se prestam a exercer lobby. O quinto é o de denunciador, quando delatam casos contrários aos direitos humanos e ao sistema jurídico internacional. O sexto, e último, é o papel de adversário, quando há a oposição ferrenha, e até mesmo violenta, a atos que julgam nefastos, mas que no direito positivo são lícitos, nesse caso o autor menciona o Green Peace.

1.4 CONCEITOS DE TERCEIRO SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL

SETOR,

REDES

SOCIAIS

E

Para a compreensão do que uma organização não governamental constitui no meio internacional, é preciso entender conceitos que abrangem a noção dessa instituição, ou seja, Terceiro Setor e Redes Sociais. Ambos os temas dizem respeito ao fenômeno da revisão da dicotomia entre o público e o privado e à criação de uma esfera não estatal que conecta tanto a sociedade civil interna, quanto a sociedade civil mundial, conceito esse também descrito abaixo. A existência da sociedade civil internacional é apoiada por muitos teóricos, e rechaçada por outros. Kaldor (2006 apud NEVES, 2007, p. 60), estabeleceu classificação, pela qual elenca as várias teorias que sustentam essa existência:

A primeira seria a de tradição kantiana, que trabalha com uma ordem cosmopolita; a segunda seria uma visão marxista; a terceira seria a ativista, que percebe o surgimento de um espaço global que pode ser um espaço de cidadania ativa; a quarta visão é a liberal, que abraça o conceito do terceiro setor [...] e, por último, uma visão gramsciana de sociedade civil (KALDOR, 2006 apud NEVES, 2007, p. 60).

Terceiro setor é um termo trazido do direito norte-americano pouco utilizado na doutrina brasileira. O conceito é de cunho sociológico o qual traduz a existência de iniciativas privadas sem fins lucrativos com o olhar voltado às questões públicas. Dentre elas pode-se incluir os partidos políticos, as entidades religiosas sem fins lucrativos e as Organizações Não

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Governamentais, por exemplo. Tais entidades não fazem parte do aparelho estatal e tampouco do comércio e mercado financeiro. Esses atores da sociedade formam respectivamente o Primeiro e o Segundo Setor. O Terceiro Setor, pelo exposto, indica os entes que estão situados entre os setores empresarial e estatal. Há a necessidade de que eles sejam privados, autônomos, não vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não almejam, sobretudo, entre seus objetivos sociais, o lucro. Para Rocha (2003, p. 13) é também característica essencial que prestem serviços de relevante interesse social e público. Os entes componentes desse setor tem sua proliferação devida ao redescobrimento do princípio da subsidiariedade e à crise do Estado enquanto um prestador eficiente de serviços públicos. Esse princípio surge, entre a intervenção total do Estado e o liberalismo clássico, com a Doutrina Social da Igreja Católica (ROCHA, 2003, p. 13). A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII (1891), eleva a dignidade da pessoa humana à peça-chave de toda a Doutrina Social, defende a propriedade privada da ira socialista e o operário da exploração do Liberalismo econômico. Entretanto, o princípio da subsidiariedade encontra seu melhor enunciado na Encíclica Quadragesimo Anno e se baseia numa estrutura hierarquizada da sociedade que permite identificar entidades organizadas em tamanhos e funções diferentes: família, associações, sindicatos, Estado. Seu conteúdo precípuo está em que uma entidade superior não deve realizar os interesses da coletividade inferior quando esta puder supri-los por si mesma de maneira mais eficaz; ou sob uma perspectiva positiva, em que somente cabe ao ente maior atuar nas matérias que não possam ser assumidas, ou não o possam ser de maneira mais adequada, pelos grupos sociais menores. A subsidiariedade eleva a sociedade civil a um patamar de primazia na estrutura organizacional do Estado e trabalha com a cidadania ativa como pressuposto básico para sua atuação, colocando a instância privada a serviço do interesse geral a partir, também, da ideia de solidariedade, que se funda, principalmente, na maior eficiência da ação social sobre a ação estatal junto a grupos menores. Torres (2001, p. 9) aponta o paradoxo inerente ao princípio da subsidiariedade: impõe limites à ação do Estado, mas, ao mesmo tempo, torna indispensável a ajuda e o estímulo estatal quando se afigura impossível à comunidade menor realizar suas próprias necessidades, ou quando tal realização não se mostra eficaz ou satisfatória. O conflito põe-se entre um dever de não-ingerência e um dever de ingerência.

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Já o conceito de Redes Sociais abrange análises diferentes por teóricos (NEVES, 2007, p. 40). Alguns acreditam ser fenômeno da sociedade da informação, a qual se desenvolve por meio de redes de compartilhamento de pensamentos e informações e que podem canalizar ações de acordo com seus ideais e possíveis objetivos traçados. Outros consideram algo à parte da sociedade da informação como uma nova forma de articulação dos movimentos sociais e que, portanto, precisa ser analisada a partir de novos princípios. Tanto um, quanto outro conceito, não prejudica a análise objetiva das conexões que essa estrutura proporciona. Rede é a maneira que as organizações sociais encontraram de se comunicar, oferecer e obter auxílio para realizar seus fins. Neste sentido, as Organizações Não Governamentais se organizam em redes para captação de recursos e coordenação de seus projetos. Um bom exemplo dessa organização é a clara divisão entre as ONGs dos países do Norte e as de origem nos países do Sul. As do Norte suportam financeiramente as do sul, pois estas são menores e com menos recursos, mas, por outro lado estão mais próximas das populações locais e sabem suas principais necessidades. Outro aspecto relevante a ser analisado, quando em foco as Organizações Não Governamentais, é a progressiva tendência a globalizar suas ações, pois as mudanças almejadas por essas entidades (seus objetos sociais) não dependem de apenas um Estado para serem realizadas, mas se conectam ao meio internacional, como é o caso da defesa do meioambiente. Diante dessa perspectiva de característica internacional intrínseca (SOUMY, 2008, p. 3) e de dependência das redes sociais como forma de angariar recursos e trocar informações sobre a atuação de cada núcleo nacional, há uma discussão em aberto se a força da importância internacional dessas organizações ou mesmo o raciocínio jurídico permitem afirmar que as Organizações Não Governamentais possuem status de pessoa de direito internacional público.

1.5

ONGS E PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL

O cenário global, o qual se caracteriza por uma sociedade internacional descentralizada, contempla sujeitos que são dotados de capacidade para estabelecer relações em escala global, bem como a capacidade de estabelecer, derrogar e abrrogar normas internacionais. Diz-se que esses sujeitos possuem personalidade jurídica de direito internacional público.

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Mazzuoli (2012, p. 47), descreve essa relação entre os sujeitos de direito internacional como proveniente de certa suportabilidade pela necessidade de coexistência e de realização de interesses, muitas vezes conflitantes. É nesse diapasão que o citado autor, na página 49, afirma que está longe da sociedade internacional tornar-se uma comunidade, pois essa é fundada no afeto e na emoção e, portanto advém de uma união espontânea e natural. Vê-se, desse modo, que a melhor denominação para o agrupamento mundial é o termo sociedade e não comunidade. E essa sociedade vive em um sistema de coordenação e não de subordinação, por não haver um poder central regulador. O motor das relações internacionais, nesse contexto, é a vontade ou consentimento dos próprios sujeitos. Mazzuoli (2012, p. 54) tem a perspectiva de que a sociedade internacional jamais se tornará idêntica a uma sociedade de pessoas, pela própria característica anárquica que tem o meio internacional. Mazzuoli divide a personalidade jurídica de Direito Internacional Público em passiva e ativa:

[...] a qualificação jurídica de um certo ente como sujeito de direito das gentes guarda, assim, duas conotações: uma passiva – a quem tal Direito é destinado – e outra ativa – que se traduz na capacidade de atuação no plano internacional (v.g., quando um Estado mantém relações com outras potências estrangeiras, ou quando um indivíduo peticiona a uma corte internacional de direitos humanos vindicando os seus direitos violados). (MAZZUOLI, 2012, p. 417).

Dentre os capazes estão em primeiro lugar os Estados Soberanos e deles derivam as outras pessoas que atuam no meio internacional: as Organizações Internacionais. A personalidade jurídica dos indivíduos no meio internacional é limitada à ocorrência de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade e de genocídio, quando o autor desses crimes responde pessoalmente por sua conduta perante uma Corte Internacional. Por essa razão, Scelle (1932, p. 42), afirma ter o indivíduo qualidade de sujeito de direito das gentes. Mazzuoli (2012, p. 70) já diz poderem as pessoas físicas atuar diretamente em tribunais internacionais para reivindicação de seus direitos na órbita internacional. Já as Organizações Não Governamentais, segundo pensamento majoritário, não possuem essa personalidade jurídica de direito internacional público. Elas são fruto de iniciativas privadas reguladas pelo direito interno de algum Estado, ou até mesmo de dois ou mais ordenamentos jurídicos. Tais entidades, para que tenham um espaço na esfera global, atuam junto aos governos e às Organizações Internacionais, mesmo que indiretamente, por meio das redes sociais.

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Diante desse fato, Caresia (2007, p. 1) constrói um conceito que tenta definir o que são as ONGs Internacionais:

ONGs Internacionais são pessoas jurídicas de direito privado, que desenvolvem atividades fora do seu Estado, criada por iniciativa de pessoas privadas de uma ou mais nacionalidades destinadas a uma atividade internacional não lucrativa com personalidade de Direito Interno e não de Direito Internacional Público.

Destaque para a ênfase que a autora coloca no aspecto privado da criação de uma ONG. No Brasil, na Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Lei 9790/99, consagra esse aspecto na proibição de receber a qualificação de OSCIP a organização sem fins lucrativos criada por entes públicos. Alfaia Júnior (2008, p. 73) defende a nomenclatura ONGs transnacionais em tese de mestrado, tendo em vista que a ideia de internacional pressupõe a relação entre os Estados nacionais, enquanto o termo transnacional está lidado à esfera da sociedade civil mundial. Para este trabalho, preferiu-se utilizar o termo Organizações Não Governamentais Internacionais por ser o mais usual e acessível à pesquisa.

1.6

SOCIEDADE CIVIL INTERNACIONAL E TERCEIRO SETOR

A sociedade civil internacional está intimamente ligada à governança global. A mais alta expressão dessas ideias reside na existência da Organização das Nações Unidas. Desde sua criação, a ONU vem lutando para conquistar a visibilidade e o respeito que merece, mas muitas vezes esbarra nos poderes econômicos e políticos e nos interesses particulares de cada Estado. Até mesmo os Estados buscam obter a maior legitimidade possível na execução de suas ações por meio do muitas vezes falho sistema representativo de sua população. Por essa dificuldade de se fazerem legítimas as instituições é que a noção de sociedade civil internacional queda-se ofuscada, mas não se pode negar a existência de fortes vínculos internacionais que a sociedade da informação proporciona a cada dia (MARQUES; MIRAGEM, 2012, p. 19).

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O consumo e a rede mundial de computadores fez com que as pessoas do mundo ficassem muito mais próximas, as distâncias diminuíram através do tempo e isso se faz evidente apenas com uma análise rápida da história mundial. Ainda assim, se o mundo era em muitos aspectos menor, a simples dificuldade ou incerteza das comunicações faziam-no praticamente maior do que é hoje. Não tenho a intenção de exagerar estas dificuldades. O final do século XVIII era, pelos padrões medievais ou do século XVI, uma era de comunicações rápidas e abundantes, e mesmo antes da revolução das ferrovias, eram notáveis os aperfeiçoamentos nas estradas, nos veículos puxados a cavalo e no serviço postal. Entre a década de 1760 e o final do século, a viagem de Londres a Glasgow foi reduzida de 10 ou 12 dias para 62 horas. O sistema de carruagens postais ou diligências, instituído na segunda metade do século XVIII, expandiu-se consideravelmente entre o final das guerras napoleônicas e o surgimento da ferrovia, proporcionando não só uma relativa velocidade – O serviço postal de Paris a Strasburgo levava 36 horas em 1833 – como também regularidade. Porém o fornecimento de transporte de passageiros por terra era pequeno e o transportede mercadorias, também por terra, era vagaroso e proibitivamente caro. Os encarregados dos negócios governamentais e do comércio não se achavam absolutamente isolados: estima-se em 20 milhões o número de cartas que passaram pelo correio britânico no início das guerras com Bonaparte [...]; mas para a grande maioria dos habitantes do mundo as cartas eram inúteis; já que não sabiam ler, e o ato de viajar – exceto talvez o de ir e vir dos mercados – era absolutamente fora do comum. Se eles ou suas mercadorias se moviam por terra, isso era feito na imensa maioria das vezes a pé ou então nas baixas velocidades das carroças, que mesmo no início do século XIX transportavam cinco sextas partes do trânsito de mercadorias na França, a um pouco menos de 20 milhas por dia. Os mensageiros percorriam longas distâncias com despachos; os postilhões conduziam as carruagens postais com mais ou menos uma dúzia de passageiros, todos sacolejando os ossos ou, caso sentados na nova suspensão de couro, sofrendo violentos enjoos. Os nobres locomoviam-se em carruagens particulares. Mas para a maior parte do mundo o que dominava o transporte terrestre era a velocidade do carreteiro caminhando ao lado da mula ou do cavalo (HOBSBAWM, 1977, p. 25-26).

As comunicações evoluíram, mas o consumo desenfreado e a materialização das relações enfraqueceram laços importantes e elevaram o dinheiro à prioridade máxima nas relações humanas. Por mais que se goste de florear a realidade dizendo ser a moeda um meio para a subsistência, o fato é que até mesmo em nossas relações mais preciosas o dinheiro consegue influí-las e mesmo modificá-las drasticamente. O estrago que um endividamento pode gerar apenas ilustra uma parte dessa citada influência na sociedade contemporânea. Esse enfraquecimento coloca em papel secundário o essencial princípio para a integração social que é a solidariedade. Apenas a solidariedade pode conferir à sociedade civil internacional um status de legitimidade além do que se esperava há tempos atrás.

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[...] a riqueza nem sempre foi considerada como um objetivo principal das relações dos homens. Por vezes, foi mesmo proibida ou regulamentada. Atualmente, o desenvolvimento das Organizações Não Governamentais é um sinal de retorno de certa condenação do dinheiro5 (BENSAHELPERRIN; FONTANEL; CORVAISIER-DROUART, 2009, p. 17, tradução nossa).

O neoliberalismo acentuou a percepção individualista e levou a absurdos níveis de desigualdade social muitos países emergentes. Evidência disso é que esse pensamento deixou apenas a cargo das organizações sem fins lucrativos a preocupação com as essencialidades do ser humano. Tal fato apenas confirma a deturpação que esse sistema gerou nas relações sociais. Nesse diapasão, é ingênuo acreditar que a iniciativa privada sem finalidade de lucro é originária do sistema neoliberal ou até mesmo liberal. A caridade e a preocupação com o outro sempre estiveram presentes na sociedade, a história apenas confere diferentes feições e expressões a cada lapso temporal. A sociedade não é composta apenas de uma faceta, um só pensamento que domine todas as pessoas. Pelo contrário, é composta por vários grupos pulsantes e até mesmo totalmente opostos uns aos outros. Acontece que alguns chegam ao poder, agregam mais membros e suas orientações morais e organizações passam a influenciar ou ofuscar os demais. No entanto, esses grupos mais influentes, por suas dimensões, não conseguem infiltrar-se de maneira plena nos pequenos grupos, que adaptam os grandes objetivos às suas necessidades específicas e aos próprios planejamentos. Essa dinâmica ocorre nas grandes redes sociais de organizações não governamentais que funcionam como um sistema de fomento das entidades locais pelas entidades maiores. A atuação dessas pessoas jurídicas visa influenciar cada vez mais o meio internacional, não apenas nos limites em que os Estados permitirem que elas atuem, mas também em um nível de efetivo poder de ação global com reconhecimento de personalidade. Isso se reflete na realidade marcante do Comitê Internacional da Cruz Vermelha ou Crescente Vermelho, que possui prerrogativas há alguns tempos inimagináveis perante a ONU e aos próprios Estados. (situação “CICR” SOUMY) Ainda sobre a atuação internacional, Isabelle Soumy (2008, p. 47-491), em trabalho de doutorado, descreve com minúcias a atuação das organizações não governamentais nas

5

Tradução nossa do trecho: “L’enrichissement n’a pas toujours été consideré comme un objectif prioritaire de l’action des hommes dans leurs rapports avec les autres hommes. Il a même parfois été interdit ou réglementé. Aujourd’hui, le développement des ONG est un signe d’un retour à une certaine condamnation de l’argent.”.

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diversas jurisdições internacionais. Tais jurisdições apenas têm caráter contencioso quando os Estados permitem que isso aconteça. 1.7 ATUAÇÃO DAS INTERNACIONAIS

ONGS

JUNTO

AOS

ORGANISMOS

Cornu (2004 apud SOUMY, 2004, p. 6), define a expressão ONG Internacional com o foco nas relações dessas com a ONU e outras OIs: Organizações internacionais privadas são aquelas que a Carta das Nações Unidas e as convenções de base de certas instituições especializadas oferecem a possibilidade de serem consultadas por essas organizações intergovernamentais (ex. Câmara de Comércio Internacional, Federação mundial dos antigos combatentes, União Interparlamentar).6

Uma relação tradicional é entre as ONGs e a proteção internacional do trabalho. A Associação Internacional para a Proteção Legal dos Trabalhadores, criada em 1900 e extinta em 1919, quando da criação da Organização Internacional do Trabalho, tem um papel importante na publicação, disseminação e harmonização da legislação trabalhista internacional que começa a despontar na época (REINALDA, 2009, p. 137-177). Outras Organizações Não Governamentais que atuaram historicamente para o Direito Internacional do Trabalho foram, dentre outras: International Federation for the Observance of Sunday Rest Societies (1876), Permanent International Committee on Social Insurance (1889), International Congress on Occupational Diseases (1906), International Association on Unemployment (1910) e International Association for Social Progress (1925). Outrossim, as ONGs possuem, no mínimo, poder consultativo no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ECOSOC). Esse conselho possui ligação com várias comissões, fundos, e agências especializadas como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), a OIT (Organização Internacional do Trabalho), a OMS (Organização Mundial da Saúde), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e o recém-criado Conselho de Direitos Humanos substituto da enfraquecida Comissão dos Direitos Humanos.

6

Tradução livre de p. 6 Soumy. Do trecho “ Organisations internationales priveés auxquelles la charte des Nations-Unies et les conventions de base de certaines institutions spécialisées offrent la possibilite d’être consultées par ces organizations intergouvernamentales (ex. Chabre de commerce internationale, Féderation mondiale des anciens combatans, Union interparlementaire)”.

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A possibilidade da participação das ONGs nas Nações Unidas foi garantida pelo art. 71, da Carta da ONU, como uma continuação da tradição da Liga das Nações em garantir voz à iniciativa privada sem fins lucrativos. As ONGs no citado conselho perpassa pelos assuntos econômicos e sociais, mas lhes é defesa a participação em assuntos de segurança internacional. Tais regalias foram conquistadas com muito lobby exercido nas conferências de instituição das Nações Unidas em São Francisco, isso se deve ao fato dos Estados não terem gostado da influência que as ONGs exerceram na conferência sobre o desarmamento da Liga das Nações, ocorrida em 1932. A participação das ONGs no ECOSOC é dividida em 3 (três) categorias: General consultative status, Special consultative status e, a mais inclusiva, Roster. O primeiro grupo reveste-se de requisitos mais rigorosos para admissão, tendo em vista que tem total permissão para participar de e ter a palavra em qualquer reunião do Conselho, submeter declarações escritas de até 2.000 (duas mil) palavras e até sugerir assuntos para a agenda. Já a segunda categoria tem a particularidade de não poder influir na pauta de discussões e o número de palavras de suas declarações escritas reduz-se para 1.500 (mil e quinhentas). O grupo Roster é reservado às demais entidades e essas tem a prerrogativa de participar apenas de reuniões específicas e apresentar, quando convidadas, declarações escritas de no máximo 500 (quinhentas palavras). As ONGs participantes dessa terceira categoria uniram-se em uma entidade que denominaram de CONGO que serve como intermediária nas relações que travam com as Nações Unidas. Para exemplificar, atualmente o os Médicos Sem Fronteiras, o Rotary Internacional, o Greenpeace Internacional e a brasileira Legião da Boa Vontade (LBV) são entidades membros do rol dos que possuem General consultative status. Já o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a AIESEC Internacional estão inseridos no grupo do Special consultative status e, entre as incluídas na categoria Roster, pode-se citar o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (UNITED NATIONS, 2013). As agências especializadas e programas que estão ligadas ao ECOSOC mantém, outrossim, regulamentos internos nos mesmos moldes do sistema normativo do Conselho, permitindo a contribuição das entidades sem fins lucrativos na execução de seus objetos. Com relação ao Direito Humanitário, as ONGs de socorro e, principalmente, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha mantém um contato com as Nações Unidas e os próprios governos no sentido de atuarem em um sistema de três processos simultâneos: a promoção da negociação entre os lados conflitantes, a proteção dos refugiados e a ajuda humanitária

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assistencial. Entretanto, a assistência aos conflitos atuais é estruturada com tal desorganização que a ajuda humanitária é dada de forma precária, sem a segurança necessária aos voluntários e sem a tentativa de levar os beligerantes às mesas de negociação. A maioria das guerras hoje possui causas étnicas e estouram dentro dos limites internos dos Estados (REINALDA, 2009, p. 609).

1.8

ATUAÇÃO DAS ONGS JUNTO AOS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

Os objetivos sociais das diversas ONGs que desejam criar um impacto na sociedade internacional levam-nas a almejar influência nos diversos setores do meio, substancialmente nos mecanismos de aplicação do direito internacional. Com efeito, o fato dessas entidades não gozarem de personalidade jurídica de direito internacional, dificulta seu acesso a esses mecanismos. A realidade é que a verdadeira influência delas está nos atos de pressão e, se gozam de uma boa reputação, nas funções de consultoria que desempenham nos diversos organismos internacionais. Não poderia ser diferente a vontade de participar ativamente nas jurisdições internacionais. A falta de um estatuto jurídico unificador da regulamentação das ONGs internacionais, faz com que toda a participação dessas pessoas jurídicas de direito privado seja fragmentada e apenas na forma de emissão de pareceres, que, por definição, podem ser acatados ou não (SOUMY, 2008, p. 17). Isabelle Soumy (2008, p. 25), parte do pressuposto que não cabe atuação das ONGs nas jurisdições administrativas internacionais, tampouco nas jurisdições arbitrais. A justificativa é que não há nenhum interesse das próprias ONGs em interferir nesses meios, pois nas administrativas há controvérsias relacionadas ao pessoal que compõe as OIs e as diretrizes internas dessas organizações, já nas nas arbitrais há tão somente o caráter convencional e particular das partes envolvidas. Para essa autora (2008, p.27), as jurisdições pertinentes seriam as restantes, ou seja: a Corte Européia dos Direitos Humanos, os Tribunais de Primeira Instância das Comunidades Européias, a Corte de Justiça das Comunidades Europeias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Internacional dos Direitos do Mar, os órgãos dirimidores de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, a Corte Penal Internacional e seus Tribunais Penais Internacionais (da antiga Iugoslávia e de Ruanda).

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Segundo Isabelle Soumy (2008, p. 28), as duas conhecidas vias de acesso das ONG aos tribunais internacionais são quando são partes ou quando se fazem ouvir. As cortes em que podem atuar como partes são apenas a Corte Europeia dos Direitos Humanos, os Tribunais de Primeira Instância das Comunidades Europeias e a Corte de Justiça das Comunidades Europeias. Na Corte Europeia de Direitos Humanos, a capacidade de ser parte é restrita apenas em momento recursal, nas outras não citadas cortes elas somente tem a possibilidade se serem ouvidas. A vontade de serem ouvidas nas Cortes internacionais advém do fato das ONG quererem dar assistência ao magistrado em suas decisões, a alguma das partes envolvidas ou defender uma aplicação que defendem ser correta do Direito Internacional. Ou seja, ou o objetivo é a intervenção ou a assistência. As formas de intervenção são escritas ou orais. A possibilidade de manifestação oral em audiência é prevista nos arts. 74 dos diplomas regulamentares tanto do Tribunal Internacional para Ruanda quanto do Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia. A maioria dos estatutos prevê a intervenção escrita limitada na forma de recurso, o qual não poderá ter lugar nos conflitos entre Estados e/ou Entidades (SOUMY, 2008, p. 198). A título de curiosidade, através do dissídio sobre o amianto na Corte de Apelação na OMC é que as ONGs chegaram a participar mais a fundo na intervenção, pois houve um documento protocolado diretamente na Corte, por meio de um procedimento adicional de nº AB/2000/11, instaurado em 27 de maio 2004, autorizado apenas temporariamente (SOUMY, 2008, p. 207). Já a assistência é advinda da doutrina fundamental do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e traduzido por Isabelle Soumy (2008, p. 35) para a participação das ONGs Internacionais nos processos internacionais. A assistência pode surgir pela voluntariedade da entidade ou por convite a ela feito. A assistência, como auxílio ao juízo, pode ser posta em exercício quando da apresentação de um amicus curiae, é, segundo Soumy (2008, p. 48) um liame forte entre o Juízo e a ONG. A ONG é um amicus curiae quando é chamada a ser ouvida pelos próprios magistrados.

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2

DIMENSÃO NACIONAL A situação das Organizações Não Governamentais Internacionais no Brasil, por outro

lado, ao mesmo tempo em que apresenta avanços na legislação para o fomento, ainda apresenta falhas com relação à regulamentação e licitude da atuação de várias entidades. Muitas organizações atuantes ainda não estão cadastradas no Ministério da Justiça, como ver-se-á no exposto a seguir e tal fato apresenta uma ameaça à soberania do Estado brasileiro. Isso porque a grande extensão territorial do país ainda representa um empecilho para a fiscalização nas áreas remotas e limítrofes onde muitos estrangeiros atuam sem o aval e sem o conhecimento do nosso Governo. Para a compreensão e o estudo dessa questão, é necessário explorar as questões históricas e a origem e tratamento jurídico com relação a essas entidades, não excluindo o estudo do surgimento das entidades do Terceiro Setor que tem a bandeira brasileira, pois o processo também faz parte das possibilidades de se tornar lícita a atuação de uma ONG internacional no Brasil.

2.1

TRAJETÓRIA HISTÓRICA NO BRASIL

O histórico das organizações da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos atrela-se à própria formação societária do país e à trajetória histórica de implementação do associativismo relacionado aos sindicatos trabalhistas. A origem nesses aspectos da história se explica pela característica das ONGs de serem entidades que realizam atividades voltadas para o interesse público mas não estão vinculadas diretamente ao aparato administrativo do Estado, apesar do sindicalismo brasileiro surgir com um forte controle estatal sobre suas ações na Era Vargas. No período pré-independência, as organizações de cunho religioso prestam serviços sem fins lucrativos com caráter assistencial. A caridade é promovida pelas Santas Casas de Misericórdia, cuja estrutura homogênea revela-se, para Avritzer (1996), um começo débil para o associativismo no Brasil. Até a própria maçonaria, ao tempo da independência, apresenta tentativas de conciliação de seus princípios com aspectos religiosos. Além disso, no final do século XIX, inicia-se timidamente um movimento sindical formado por poucos atores e desprovido de pluralidade e autonomia em relação ao Estado. Dentro desse contexto, ainda o caráter religioso persiste por meio da aliança entre as

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oligarquias rurais e o clero católico. Até os anos 30, o coronelismo e a troca de favores são predominantes e mais aparentes. A década de 30 é marcada pela rápida industrialização sob a forma de substituição de importações com mão de obra imigrante. Getúlio Vargas mantém o movimento sindical sob seu controle por meio de legislação rígida, ainda que este regime legal tenha trazido o benefício de introduzir no ordenamento essa instituição de fiscalização dos direitos trabalhistas. Já nesta época as forças militares ocupam um espaço de amplos poderes, tendo em vista o regime ditatorial sob a denominação de Estado Novo. Com a política populista dos anos 50, as forças militares recuam sua atuação principal para os bastidores, mas sempre atentas às circunstâncias civis. A incorporação das massas no acesso ao consumo amortece o movimento sindical, o único mais organizado, tornando-o, silenciosamente, subordinado ao Estado. Segundo Avritzer (1996, p. 12), este movimento ainda está atrelado ao aspecto religioso, reiterando cada vez mais a homogeneização corporativa. A partir dos anos 60, as forças militares passam ao controle principal das atividades do Estado, com o golpe chamado por elas de Revolução de 64. Neste período o governo é baseado na segurança e no desenvolvimento nacionais e coloca-se em posição contrária aos movimentos sociais, ocasionando uma ruptura do Estado em relação aos mesmos. O aspecto não governamental começa a emergir nas organizações civis e já nos anos 70 tais organizações estruturam-se de forma a potencializar iniciativas, como centros de recursos humanos denominados de Centros de Assessoria. A década de 80 é período de florescimento dos movimentos sociais no Brasil. A fase de redemocratização faz com que a sociedade civil aumente e pluralize suas atividades sem fins lucrativos, levando os temas abordados para além das atividades sindicalistas. Os ideais focados em direitos sociais coletivos e nas minorias discriminadas fazem parte da origem da chamada Constituição Cidadã de 1988. Os movimentos sociais passam por uma fase de institucionalização, por meio da qual começam de fato a surgir instituições que se autointitulavam Organizações Não Governamentais. Os anos 90 caracterizam-se como de internacionalização de muitas ONGs brasileiras, pois acontecem conferências internacionais de destaque, principalmente a Conferência das Nações Unidas sobre Meio ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) realizada no Rio de Janeiro e o Fórum Global, do qual participaram 14 mil ONGs de todo o mundo. Além do

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reconhecimento internacional, há também o aumento da notoriedade nacional dessas entidades, devida em muito por parte da mídia (NEVES, 2007, p. 57). A reforma administrativa do Estado brasileiro promovida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, pautada nos ideais neoliberalistas, procura aproximar-se das organizações sem fins lucrativos de modo a financiar suas atividades e pode-se dizer ser uma tentativa de minimizar os danos sociais causados pelo novo projeto de Estado mínimo. No entanto, a criação das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos não necessariamente tem a finalidade de substituir campos de obrigação estatal7. O Estado deve continuar a prover as necessidades da população tal como as diretrizes para um Estado democrático e contemporâneo preceituam. Dito isto, a aproximação pretendida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso é feita através do Conselho da Comunidade Solidária8, o qual recebe a tarefa de estabelecer um novo marco legal para a atuação das entidades sem fins lucrativos. Do trabalho conduzido por esse órgão administrativo origina-se a Lei 9.790/99, a chamada Lei das OSCIPS (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).

2.2 SITUAÇÃO JURÍDICA ATUAL DAS ORGANIZAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS BRASILEIRAS

Não há no direito brasileiro qualquer conceito legal de ONG. Não há uma espécie de pessoa jurídica chamada ONG no Brasil, mas um reconhecimento supralegal, de cunho cultural, político e sociológico que está em vigor mundo afora. Para nascer uma Organização Não Governamental no sistema jurídico brasileiro, ela poderá tomar a forma de fundação ou de associação. As fundações podem ser criadas mediante escritura pública ou testamento. Já com relação às associações, as regras para a constituição dessas pessoas jurídicas sem fins lucrativos não mudaram muito desde o Código Civil de 1916. Há a necessidade de registro no 7

Dizer que as Organizações Não Governamentais são fruto do neoliberalismo é questionável. Pois, ainda que a maioria seja voltada aos princípios desse ideal, há aquelas que procuram sustentar um padrão de fortalecimento da política social, as quais se identificam apenas com os anseios da sociedade civil e não com um modelo de Estado que se despe ao máximo de suas obrigações com o interesse público. Além disso, a existência das organizações não governamentais remete a período anterior à consagração do neoliberalismo. Toda teoria organizacional pode ter um enfoque em certo tipo de entidade, mas isso não significa vinculação total aos ideais dessa teoria. 8

Órgão criado por decreto em 1995, pelo governo FHC, composto por Ministros de Estado e representantes da sociedade com a finalidade de incentivo e fortalecimento do Terceiro Setor.

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Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas mediante apresentação de ata de constituição, estatutos sociais em duas vias e vistados por um advogado, a ata de eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal e a aquisição dos livros fiscais. São muitas exigências de regularização e funcionamento. Apenas três anos após exercício regular de suas atividades é que essas entidades civis sem fins lucrativos podem pleitear os títulos de Utilidade Pública Federal, Estadual ou Municipal, o Certificado de Fins Filantrópicos ou se for uma organizações que atuam nas áreas de assistência social, saúde e educação, o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, conferidos discricionariamente pela autoridade competente. Estas eram as únicas formas de reconhecimento estatal da importância pública das ações desempenhadas por esses entes antes da tentativa para um novo marco legal do Terceiro Setor no Brasil após a reforma administrativa da década de 90.

2.3

FOMENTO E O TERCEIRO SETOR

Carlos Ari Sundfeld (1993, p. 16-17) divide o direito administrativo em um sistema tripartite: o ordenador, o prestacional e o fomentador. O ordenador refere-se ao poder regulamentar e ao poder de polícia, pois estabelece e cuida da obediência aos limites e obrigações imposta a cada indivíduo perante a sociedade e perante o Poder Público. Em seguida, diz que o sistema prestacional está imbuído das ações concretas realizadas pelo Estado em prol da sociedade. Já o caráter fomentador advém das atividades de fomento, ou seja, do incentivo às atividades privadas de interesse geral. Assim, fomento é o oferecimento transitório de subsídios pelo Poder Público ao setor privado, de forma a estimular condutas tendentes a alcançar objetivos traçados pela Administração. Esse instituto tem a vantagem de não expandir a máquina estatal, pois busca realizar os fins de interesse e estratégia públicos sem a necessidade de mobilizar o contingente e a estrutura governamentais para tanto. O fomento, dessa feita, é modo indireto e mediato de atuação estatal. Rocha (2003, p. 19) define o fomento como a ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva sem o uso da coação e sem a prestação (direta) de serviços públicos. O fomento decorre do chamado princípio da subsidiariedade, que, por

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sua vez, decorre da ideia que o Estado não deve desenvolver atividades que possam ser desempenhadas a contento pelos particulares. Souto (2003, p.15) diz que a expressão “estímulos positivos” é mais ampla que a noção de fomento. Enquanto o fomento é incentivo a alguma atividade de interesse do agente fomentador, o estímulo positivo tem por objeto criar um cenário favorável a diversos investimentos e ações. O particular não é obrigado a aderir ao fomento, mas uma vez aceito, deverão ser cumpridas as metas estabelecidas pela Administração em direção à finalidade pretendida com tal auxílio (OLIVEIRA, 2007, p. 17). Ortiz (2001, p. 303-305) confere a essa relação um caráter especial, pois, comprometendo-se o ente privado à atividade promovida pelo Poder Público mediante recebimento de receitas, a Administração detém maior poder de controle sobre os atos realizados por esse. Nesse sentido, há uma afinidade entre o fomento e os princípios da legalidade e da isonomia, pois, se não houvesse qualquer controle sobre aqueles que se beneficiam da atividade fomentadora, configurar-se-ia uma forma de privilégio de uns em detrimento de outros. Outrossim, o fomento é intimamente ligado ao princípio da subsidiariedade em seus dois aspectos positivo e negativo (ROCHA, 2007, p. 21). O fomento é uma atividade persuasiva ou de estímulo, cuja finalidade perseguida é sempre a mesma: convencer para que se faça ou omita algo. A administração, nesse sentido, incentiva ou desestimula ações dos particulares. Esse princípio insere a Administração no campo da administração consensual, tendo em vista que o fomento é instrumento despido de compulsoriedade e subsidiário, porquanto não substitui os administrados nas responsabilidades que lhes são próprias.

Por intermédio da atividade de fomento o Estado deve estimular a atividade desses corpos intermédios – realizando, assim, o princípio da subsidiariedade –, agindo, contudo, dentro de rigorosos limites de razoabilidade e excepcionalidade, sob pena de essa ação tornar-se um privilégio injustificado em favor de alguns grupos sociais e, de outro lado, manter a sociedade sob a dependência constante do Poder Público (ROCHA, 2007, p. 17).

Desse modo, vê-se que a atividade administrativa de fomento obedece a todos os princípios da administração quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, motivação, isonomia e finalidade, pois está submetida ao regime jurídico administrativo. O fomento pode dar-se por diversos meios ou formas. Os diversos meios ou formas de que se pode servir a Administração para realizar sua atividade de fomento têm sido objeto de

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classificações que levam em conta a forma de atuação da Administração sobre a vontade dos particulares e os tipos de vantagens que se outorgam para a proteção ou promoção das atividades. A partir do critério da forma de atuação sobre a vontade do particular, o fomento classifica-se em positivo e negativo. Fomento positivo é aquele que objetiva que os particulares iniciem, prossigam, acentuem ou levem a termo, de maneira determinada, certas atividade, certas atividades, mediante o oferecimento pela Administração de vantagens, prestações ou bens. Fomento negativo é aquele que objetiva obstaculizar ou desalentar os particulares a que desenvolvam atividades que a Administração deseja diminuir ou fazer cessar, por considerá-las contrárias ao interesse geral, sem chegar a proibi-las, como os impostos que oneram as bebidas alcoólicas e os cigarros. Moreira Neto (1993, fl. 16-17) faz uma classificação de acordo com objetivo do fomento, ou seja, se ele é econômico ou social. Quando visa auxiliar a relação de mercado, a qual visa o lucro, o fomento será econômico. Por outro lado, se dá suporte às atividades privadas não lucrativas e de interesse geral, o fomento será social. Nessa linha, Rocha (2007, p. 22) cita de maneira crítica a classificação desse instituto em honorífico, econômico e jurídico. O fomento honorífico tem como instrumento o próprio sentimento de honra ao conferir aos atores privados títulos, distinções, condecorações, como reconhecimento ao trabalho despendido. Com relação ao fomento econômico, o meio pelo qual é realizado se traduz em vantagens patrimoniais, que podem ser reais ou financeiras, essas últimas ainda podendo ser diretas ou indiretas. O fomento econômico real advém da oportunidade de uso ou aproveitamento gratuito da estrutura ou dos serviços disponibilizados pela Administração. No que diz respeito ao fomento econômico financeiro, ele se relaciona com pecúnia, que diretamente é entregue ao particular ou indiretamente liberta o ente privado do pagamento de valor devido à Administração, como subvenção e isenção tributária, respectivamente. Os entes que integram o Terceiro Setor buscam, também, receber do Estado os recursos necessários à realização de suas finalidades que, na maioria das vezes coincidem com os objetivos de interesse público. Essa seara surgiu no direito brasileiro de maneira escorregadia e sem detalhamento legal que a embasasse. Foi nesse contexto que, nos anos 90, estabeleceu-se um novo Marco Legal para o Terceiro Setor, a promulgação das legislações referentes às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e às Organizações Sociais.

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Neste sentido, embora as normas de regência dos termos de parceria e dos contratos de gestão não estabeleçam que é vedada a obtenção da qualidade de organização social ou de organização da sociedade de interesse público por pessoas jurídicas de direito privado que não atendam o disposto no artigo 195, §3º da Constituição Federal, a contratação ou a realização de termo de parceria somente podem ser efetivadas com pessoa jurídica em situação de regularidade para com a seguridade social (OLIVEIRA, 2007, p. 300).

2.4 ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIP)

As relações entre o Terceiro Setor e o Estado passam por um atual aprimoramento. Anteriormente, as relações entre Estado e os particulares eram mais voltadas para as atividades lucrativas, o Segundo Setor, os institutos eram as concessões, permissões, autorizações e convênios. Além dessas relações, existem as possibilidades de atuação em conjunto dos capitais público e privado, sob a forma de sociedades de economia mista. A primeira união de capitais foi celebrada com a criação do Banco do Brasil (OLIVEIRA, 2007, p. 289). A base dessas relações está no princípio da subsidiariedade, advindo da doutrina da Igreja Católica, pelo qual há uma intenção de fortalecimento da sociedade civil, conferindolhe autonomia e poder de atuação em questões consideradas de interesse público e em questões não exclusivamente públicas, mas que o Estado também se configura ator. Com relação ao Terceiro Setor, foco desta exposição, as possibilidades de relação são a constituição de convênios, contratos de gestão e termos de parceria. Os contratos de gestão são celebrados com as Organizações Sociais e os termos de parceria são travados com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, normatizados nas leis federais nº 9.790/99 e nº 9.637/98. Essa legislação adviu do Novo Marco Legal para o Terceiro Setor, arquitetado pelo governo brasileiro e pelo Conselho da Comunidade Solidária na década de 1990 (OLIVEIRA, 2007, p. 266).

faz-se necessário construir um novo arcabouço legal, que (a) reconheça o caráter público de um conjunto, imenso e ainda informal, de organizações da Sociedade Civil; e, ao mesmo tempo (b) facilite a colaboração entre essas organizações e o Estado. Trata-se de construir um novo marco institucional que possibilite a progressiva mudança do desenho das políticas públicas governamentais, de sorte a transformá-las em políticas públicas de parceria

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entre Estado e Sociedade Civil em todos os níveis, com a incorporação das organizações de cidadãos na sua elaboração, na sua execução, no seu monitoramento, na sua avaliação e na sua fiscalização (FERRAREZI, 2007, p. 13).

Quatro foram os grupos de problemas elencados pela discussão sobre esse Novo Marco Legal para o Terceiro Setor, ocorrida em Buenos Aires, no encontro da Esquel (Fundação Grupo Esquel Brasil) e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 1993, como forma de início à uma melhor regulamentação das Organizações Não Governamentais no Brasil e na América Latina. O primeiro grupo de problemas se caracterizava pela falta de instrumentos adequados à existência civil dessas organizações, pois não havia definição legal que identificasse tais organizações. O segundo grupo se ateve à relação de repasse de recursos entre Estado e Organizações Não governamentais e sua falta de regulamentação. O terceiro focou os pesados encargos trabalhistas e previdenciários, uma briga antiga que muitas vezes leva ao encobrimento de verdadeiros vínculos empregatícios por parte das ONGs sob a condição de trabalho voluntário e estágio. Por último, elencou-se os entraves fiscais e tributários. Com o amadurecimento da definição desses problemas, a Esquel entra em contato com o Conselho da Comunidade Solidária para que adotasse o objetivo de criar um novo marco legal para o Terceiro Setor no Brasil. De acordo com esses problemas são convidadas autoridades estatais e 27 representantes de ONGs para que possam fazer parte dos trabalhos (PIRES, 2006, p. 43). Esses trabalhos são divididos em exatamente um grupo para cada complexo de problemas e desses, apenas dois apresentam um projeto final: o da identificação civil e o do repasse de recursos entre o Estado e as ONGs. Esses dois trabalhos apresentam-se unidos em apenas um projeto de lei, o Projeto de Lei 4690/1998, que é encaminhado a três comissões: Comissão do Trabalho, Administração e Serviço Público; Comissão da Seguridade Social e Família e Comissão de Constituição, Justiça e Redação. O posicionamento inicial de rejeição pelos integrantes da oposição nas comissões é fundamentado com discurso anti-neoliberalista. Em meio à rejeição, o deputado Milton Mendes (PT/SC) surge com mudanças no processo de transparência e na prestação de contas as quais são acatadas por não violarem a finalidade do projeto. Em 1999, mediante requerimento de urgência acelera-se o procedimento para aprovação do projeto de lei 4690/1998 em 24 de fevereiro na Câmara dos Deputados. Em 3 de março, vai a plenário e é aprovado. No Senado a aprovação é mais rápida e também com tramitação de urgência, tendo em vista o fechamento das negociações já na Câmara para que

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não houvesse alteração no texto. A sanção presidencial foi dada em 12 de março de 1999 e a promulgação foi feita no dia 24 do mesmo mês. Assim, entrou em vigor a Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, sob número 9.790/99. Até julho de 2006 foi concedido o título de OSCIP a 3.810 ONGs no Brasil todo (PIRES, 2006, p. 59). As finalidades dos objetos sociais mais presentes nesse rol de OSCIPs são as de cunho assistencial e ambiental.

A Lei das OSCIPs foi discutida e elaborada durante as Rodadas de Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária, dedicadas ao tema da Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor, realizadas entre 1997 e 1998. Tais rodadas tinham como objetivo promover o diálogo entre governo e sociedade sobre temas fundamentais e importantes para uma estratégia de desenvolvimento social. Por meio de consultas a uma centena de interlocutores da sociedade civil e governos e de estudos, discussões e proposições, foram identificadas as principais dificuldades e apresentadas várias sugestões sobre como mudar e inovar a legislação relativa às organizações da sociedade civil, à época (OLIVEIRA, 2008, p. 55).

A lei nº 9790/99 não define o que é organização da sociedade civil de interesse público. Ela friza as regras que determinam quais entidades podem se submeter à qualificação, os objetivos que devem ser perseguidos, os meios de controle e fiscalização, entre outros. Regules (2008, p. 139) define as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público como:

As pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas ao cumprimento de serviços de interesse público, colaboradoras da ação estatal nas áreas sociais definidas pela Lei 9790/99, criadas e geridas exclusivamente pelos particulares, qualificadas e continuadamente fiscalizadas pelo estado, sob a égide de regime jurídico especial – adoção de normas de direito privado com as derrogações originárias do regime jurídico de direito público.

Esta parceria poderá ser firmada com o Poder Público federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. Porém nenhum desses entes públicos é obrigado a firmar essas parcerias. Em outras palavras, A qualificação como OSCIP não quer dizer, necessariamente, que a OSCIP irá firmar Termo de Parceria com órgãos governamentais e, portanto, receber recursos públicos (OLIVEIRA, 2008, p. 61).

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É importante ressaltar que não se trata de nova modalidade de pessoa jurídica, é, em realidade, uma qualificação que se soma à natureza jurídica do ente privado, que pode tomar a forma de associação ou fundação (OLIVEIRA, 2008, p. 60). Essa somatória de qualificação também ocorre quando a ONG recebe o CEBAS – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, ou o título de utilidade pública (OLIVEIRA, 2008, p. 61). Para receberem a qualificação, as ONGs deverão conter em seus estatutos, dentre outros requisitos estabelecidos nos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei 9790/99, a previsão do cumprimento de normas de divulgação pública por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal; de apresentação do relatório de atividades e demonstrações financeiras da OSCIP, assim como das certidões negativas de tributos, e do FGTS; e as prestações de contas a serem observadas pela entidade, deverão atender, no mínimo, aos princípios fundamentais da contabilidade e às Normas Brasileiras de Contabilidade (OLIVEIRA, 2008, p. 62). Quanto ao Termo de Parceria, ele deve obrigatoriamente descrever o objeto a ser realizado, clara e especificamente, com a previsão de metas e resultados a serem atingidos e prazos de execução. Deve, outrossim, prever as receitas e despesas para a realização do objeto firmado, estabelecer os critérios objetivos de avaliação e desempenho e fixar a obrigação de a organização apresentar, ao término de cada exercício, relatório final acompanhado de prestação de contas das despesas e receitas efetivamente realizadas. Além disso, há a necessidade de publicação na imprensa oficial do Município, Estado ou União, até 30 (trinta) dias após a assinatura do Termo de Parceria, o regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a compra de bens e a contratação de obras e serviços, cuja cópia também deverá ser enviada ao órgão estatal parceiro. Por sua vez, o órgão estatal tem a obrigação de publicar o extrato do Termo de Parceria (OLIVEIRA, 2008, p. 66).

Conforme o art. 3º da Lei 9790/99, as OSCIPs devem estar voltadas para o alcance de objetivos sociais que tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: promoção da assistência social, sendo a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice ou às pessoas portadoras de deficiência ou a promoção gratuita de assistência à saúde ou à educação ou ainda a integração ao mercado de trabalho; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação,

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não lucrativa, de novos modelos socioeducativos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades supramencionadas. O parágrafo único ressalta que podem ser atividades mediante a execução direta desses objetivos, quanto podem ser pela prestação de serviços intermediários de apoio (OLIVEIRA, 2008, p. 63).

Uma Comissão de Avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a OSCIP, acompanhará as atividades desenvolvidas pela OSCIP e verificará o desempenho global do projeto em relação aos benefícios direcionados para a população (OLIVEIRA, p. 65, 2008). Quando há mais de uma ONG interessada, o órgão estatal pode escolher a OSCIP com a qual irá celebrar um Termo de Parceria por meio de concurso de projetos (Decreto nº 3.100, arts. 23-31), sendo forma democrática, transparente e eficiente de seleção. O edital do concurso deve conter informações sobre prazos, condições, forma de apresentação das propostas, critérios de seleção e julgamento e valores a serem desembolsados. O julgamento é feito por uma Comissão, que avalia o conjunto das propostas das OSCIPs (OLIVEIRA ,2008, p. 65). Nesse contexto, importante aduzir que é possível a vigência simultânea de um ou mais Termos de Parceria, inclusive com o mesmo órgão estatal, de acordo com a capacidade operacional da OSCIP (OLIVEIRA, 2008, p. 66). A própria OSCIP também pode propor uma parceria com o órgão estatal, apresentando seu projeto, o qual será avaliado pelo governo, para verificação de sua relevância para a sociedade e sua conveniência em relação aos programas e políticas públicas (OLIVEIRA, 2008, p. 66). Apesar de também serem uma forma de relação entre Estado e Sociedade Civil como as OS, as OSCIP possuem diferenças essenciais em relação àquelas, como bem aponta Celso Antônio Bandeira de Mello:

Distinguem-se das organizações sociais, entre outros pontos relevantes, pelos seguintes: a) a atribuição do qualificativo não é, como naquelas, discricionária, mas vinculada e aberta a qualquer sujeito que preencha os requisitos indicados; não prevê o trespasse de servidores públicos para nelas prestar serviço; b) não celebram contratos de gestão com o Poder Público, mas termos de parceria, conquanto, tal como neles, seja especificado um programa a cumprir, com metas e prazos fiscalizados, além da obrigação de um relatório final, o que faz mais distintos, entre si, pelo nome que pelo regime; c) os vínculos em questão não são condicionantes para a

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qualificação da entidade como tal, ao contrário do que ocorre com as organizações sociais; d) o Poder Público não participa de seus quadros diretivos, ao contrário do que ocorre naquelas; e e) o objeto da atividade delas é muito mais amplo, compreendendo, inclusive, finalidades de benemerência social, ao passo que as organizações sociais prosseguem apenas atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde (MELLO, 2010, p. 243).

Como se vê, tanto a qualificação como OSCIP quanto a celebração de termos de parceria são realizados de maneira mais livre e simples do que os contratos de gestão. Enquanto as OS são reflexo da desestatização e da administração gerencial, as OSCIP guardam relação com projetos outros inspirados na pura iniciativa privada para a coletividade.

2.5

ORGANIZAÇÃO SOCIAL (OS)

A criação da organização social foi um dos frutos produzidos pela Reforma do Estado, iniciada pelo Governo Collor e continuada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Essa reforma foi fortemente influenciada pelo neoliberalismo, doutrina cujos fundamentos recorrem à desestatização, à privatização e à desregulamentação para reduzir sensivelmente a participação do Estado na atividade econômica e, sobretudo, na prestação de serviços públicos (ROCHA, 2003, p. 81). As funções tradicionais do Estado (de governo, administrativa, legislativa e judiciária) foram reagrupadas em quatro categorias de forma a seguir conceitos da Ciência da Administração e não da Ciência Jurídica. As categorias são o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não exclusivos e o grupo de produção de bens e serviços.

O núcleo estratégico corresponde às funções dos Poderes Legislativo, Judiciário, Executivo e do Ministério Público. É nesse núcleo que as leis e as políticas públicas são definidas. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. As atividades exclusivas correspondem ao grupo de atividades que o Estado pode realizar, como o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Os serviços não-exclusivos correspondem ao grupo de atividades que o Estado exerce simultaneamente com outras organizações públicas nãoestatais e privadas, dada a relevância dessas atividades, via de regra relacionadas a direitos humanos fundamentais, como os de educação e da saúde. São exemplos deste setor as universidades, os hospitais, os centos de pesquisa e os museus.

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O grupo de produção de bens e serviços para o mercado corresponde à área de atuação das empresas estatais do segmento produtivo ou do mercado financeiro. É caracterizado pelo desempenho de atividades econômicas pelo Estado que podem ser exercidas normalmente pela iniciativa privada

(ROCHA, 2003, p. 83). A proposta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado admite a existência, ao lado da propriedade estatal e da propriedade privada, da denominada propriedade pública não estatal de bens e serviços, cujo direito pelas organizações sem fins lucrativos. É no setor de serviços não exclusivos de atuação do Estado que se inclui a propriedade pública não estatal e, por essa razão, bens e serviços de titularidade do Estado são transferidos a organizações sem fins lucrativos e de direito privado por intermédio de um processo denominado de publicização. Nesse contexto insere-se a criação da Lei 9.637/98, a qual versa sobre as Organizações Sociais, um qualidade conferida discricionariamente a uma pessoa jurídica sem fins lucrativos que terá o privilégio de receber tal transferência de bens e recursos públicos em troca do cumprimento do chamado contrato de gestão. A nomenclatura contrato de gestão, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 225 e 226), refere-se normativamente a duas realidades diametralmente distintas. A primeira dá significância à existência virtual de contratos travados com sujeitos integrantes do próprio aparelho administrativo do Estado. A segunda relaciona-se a contratos realizados com pessoas alheias ao Estado, ou seja, com as Organizações Sociais, significado esse mais importante para o texto aqui desenvolvido. Em relação aos contratos travados com entidades da Administração indireta não há definição legal alguma. Mello (2010, p. 225) defende que esses não podem ser contratos, pois seriam juridicamente impossíveis ou inválidos, ao menos no tempo jurídico presente. Acrescenta o autor que tais chamados contratos poderão existir no futuro, a partir da lei prevista no art. 37, § 8º, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional 19, a qual veio a propiciar-lhes virtualidade de existência jurídica. Ao que interessa, para os contratos travados com as organizações sociais há, sim, um conceito legalmente formulado, expresso no art. 5º da Lei 9.637/98. Estabeleceu esse artigo que, para os fins dessa mesma lei, contrato de gestão é o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art.

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1º. Tais atividades são: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, cultura, saúde e proteção e preservação do meio ambiente. O administrativista (2010, p. 236) segue traçando uma crítica em relação à existência de tais contratos, pois permitiu-se a realização de contratos administrativos, sem licitação e qualquer entrave, com particulares, acrescentando-se a transferência de recursos públicos de maneira que esses bens públicos sejam geridos pela própria pessoa jurídica privada. Clama o ilustre autor pela inconstitucionalidade da legislação permissiva, pois há afronta direta aos princípios administrativos da impessoalidade e da licitação.

Enquanto para travar com o Poder Público relações contratuais singelas (como um contrato de prestação de serviços ou de execução de obras) o pretendente é obrigado a minuciosas demonstrações de aptidão, inversamente, não se faz exigência de capital mínimo nem demonstração de qualquer suficiência técnica para que um interessado receba bens públicos custeados pelo Estado, considerando-se bastante para a realização de tal operação a simples aquiescência de dois ministros de Estado ou, conforme o caso, de um Ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela pessoa postulante ao qualificativo de organização social. Tratase, pois, da outorga de uma discricionariedade literalmente inconcebível, até mesmo escandalosa, por sua desmedida amplitude, e que permitirá favorecimentos de toda espécie (MELLO, 2010, p. 240).

Organizações sociais, como está estabelecido na Lei 9.637/98, são entidades privadas, qualificadas livremente pelo Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, desde que, não tendo fins lucrativos, suas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção do meio ambiente, à cultura e à saúde. É preciso que a pessoa jurídica atenda a determinados requisitos formais óbvios e preencha alguns poucos requisitos substanciais, travando contrato de gestão com o Poder Público. Entre estes requisitos substanciais devem ser salientados o fato de não ter fins lucrativos; ter como órgão superior um Conselho da Administração, com atribuições normativas e de controle (arts. 2º, I, “c”, e 3º), em cuja composição 50% dos membros deverão estar repartidos entre representantes do Governo (que serão pelo menos 20%, até 40% do total) e representantes de entidades da sociedade civil, definidos no Estatuto (cuja participação também não poderá ser inferior a 20%, nem superior a 30%), e, em face dos arts. 2º, “f”, 4º, II, e 5º e seguintes, firmar contrato de gestão com o Poder Público (MELLO, 2010, p. 237).

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O Contrato de gestão será elaborado de comum acordo entre o Poder Público e a entidade privada e discriminará as respectivas atribuições, responsabilidades e obrigações (art. 6º). Uma vez contratada e qualificada como organização social, a entidade estará, dessa forma, apta a receber bens públicos em permissão de uso e sem licitação prévia (art. 12, § 3º). Não há restrição quanto à natureza dos bens públicos de que poderá usufruir seja bens imóveis, seja ser beneficiária de recursos orçamentários (art. 12), seja contar com servidores públicos que lhe poderão ser cedidos (art. 14) (MELLO, 2010, p. 239). Caberá ao Poder Público fiscalizar o cumprimento do programa de trabalho proposto no contrato, com suas metas e prazos de execução, verificados segundo critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade (art. 7º, I, c/c art. 8º). Constatado o descumprimento do contrato de gestão, o Poder Público poderá, assegurado prévio processo administrativo com a garantia de ampla defesa, desqualificar a entidade como organização social (art. 16). O Poder Público com o Programa Nacional de Publicização, instituído mediante decreto do Poder Executivo, estabelece diretrizes e critérios para qualificar organizações sociais que, pouco a pouco, absorveram as atividades de órgãos e entidades públicas que foram e continuam sendo extintos se suas atribuições se relacionam com as atividades mencionadas no art. 1º da lei das OS (MELLO, 2010, p. 239). Rocha (2003, p. 105) recomenda cautela no uso dessa discricionariedade, para que ela não se torne uma fontes de desvio de poder. Figueiredo (2001, p. 148) critica intensamente essa discricionariedade, que rompe com a isonomia, facilitando a corrupção.

2.6

LICITAÇÃO

Abduch Santos ( 2007, p. 290) apresenta 3 referentes metodológicos para o estudo das licitações no Terceiro Setor: A interpretação sistemática do ordenamento, o regime jurídico administrativo e a atualização das normas. A interpretação sistemática permite estender os conceitos ao fomento dirigido ao Terceiro Setor. O regime jurídico administrativo, por sua vez e conclusivamente, incide nas relações em que o setor privado sem fins lucrativos trava com o Poder Público e a atualização das normas não significa a edição de novas leis, mas a diacronia das diferentes interpretações ao longo do tempo, adaptando-se ao tempo da aplicação jurídica.

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Não se cogita, entretanto, a submissão absoluta dos entes privados ao regime jurídico peculiar à Administração Pública. O que acontece é a derrogação parcial desse regime privado em prol da incidência do regime jurídico administrativo. Pela essência pública, a realização de atividade de natureza estatal e a gestão de recursos públicos reclamam a atuação dos princípios e normas administrativos (OLIVEIRA, 2007, p. 295). Assim, estando presentes a atividade de natureza estatal e/ou a gestão de recursos públicos, se deve cogitar a aplicabilidade, ainda que parcial, do regime jurídico administrativo. Não é, portanto, apenas a presença da Administração Pública na relação jurídica que impõe a sua subsunção ao regime jurídico administrativo. Esta lógica foi incorporada pelas Leis de regência das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público que expressamente remetem a relação jurídica de parceria aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e economicidade (OLIVEIRA, 2007, p. 295). O princípio licitatório é um dos princípios a serem observados e ao qual está subordinada a conduta dos entes privados quando a gestão de recursos públicos é realizada. Desse modo, deve-se buscar sempre a proposta mais vantajosa e garantir a observância do princípio da isonomia quando houver contratos não apenas na relação entre as entidades sem fins lucrativos e outros particulares, quando envolvidos recursos públicos, mas também na discricionariedade ou vinculação administrativa do fomento dessas entidades sem fins lucrativos (OLIVEIRA, 2007, p. 296).

Dois são os enfoques objeto de consideração no tocante à aplicação do princípio licitatório quando do travamento de relações de colaboração com as Organizações Sociais e com as Organizações Sociais e com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. O primeiro diz respeito à escolha, por parte da Administração Pública, do ente da sociedade civil qualificado como organização social ou como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público para estabelecer o liame jurídico de parceria mediante celebração de termo de parceria ou de contrato de gestão. O segundo enfoque de análise necessária diz respeito às contratações a serem realizadas pelas entidades do Terceiro Setor que tiverem firmado contrato de gestão ou termo de parceria com a Administração, necessárias para dar cumprimento aos misteres administrativos assumidos (OLIVEIRA, 2007, p. 297).

Buscar a proposta mais vantajosa significa instaurar um processo competitivo no qual a proposta vencedora seja a que melhor atende o interesse público, inclusive do ponto de vista da economicidade e da eficiência. Assegurar a observância do princípio da isonomia implica

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proporcionar, a quem tenha legítimo interesse, a oportunidade de travar relações negociais da qual possa auferir legítimos ganhos econômicos em decorrência da gestão de recursos públicos. Com relação ao fomento ao Terceiro Setor, a Administração Pública poderá instituir parceria formal com essas entidades mediante a celebração de convênios, contratos de gestão ou termos de parceria (OLIVEIRA, 2007, p. 293). Os convênios são acordos em que ao menos uma das partes é composta por entidades públicas, ou seja, pode ser entre o próprio Poder Público ou entre esse e as organizações particulares. Essas relações visam a realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. Porém tal possibilidade traz alguns óbices à utilização voltada para as ações permanentes e duradouras, que exigem controle rígido de resultados. Pode-se referir aos seguintes entraves: a) a liberdade de retirada dos partícipes; b) não admissibilidade de sanção ao partícipe denunciante; c) rigor formal excessivo em relação às prestações de contas dos recursos públicos gastos; d) a prestação de contas não leva em consideração decisiva os resultados da ação parceira. Meirelles (2000, p. 371) considera esses convênios uma mera cooperação associativa, livre de vínculos contratuais, e afirma que a instabilidade institucional, aliada à precariedade de sua administração, cria dificuldades insuperáveis para sua execução, principalmente no campo empresarial, que exige pessoas e órgãos responsáveis para as contratações de grande vulto. No caso das OSCIP e das OS, não há a obrigação, em qualquer das hipóteses, de “prestar serviços para a Administração, mas para a comunidade. Isso muito se aproxima de uma concessão de serviços públicos, para sugerir, inclusive que, sendo o caso de licitar, o modelo licitatório deverá ser o básico da Lei 8.987/95” (OLIVEIRA, 2007, p. 298). A relação entre o Poder Público e o ente privado nos contratos de gestão e termo de parceria se reveste de especificidades notáveis, no entanto, elas não autorizam a contratação direta fora das exceções previstas em lei. Destaca-se, nesse contexto, a modalidade licitatória de concurso. O clássico entendimento administrativo, nesse diapasão, é que, se houver pluralidade de sujeitos em situação de competição pela realização de um contrato administrativo, mesmo que esse não busque fins lucrativos, o princípio da isonomia exige a observância de um procedimento seletivo, em que o julgamento deverá fazer-se segundo os princípios administrativos constitucionais, tanto explícitos, quanto implícitos. Não há possibilidade de descumprimento do princípio licitatório em relação a tais contratações. A gestão de recursos públicos torna inafastável esta conduta. No entanto, não se

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sustenta que as entidades do Terceiro Setor estejam subordinadas à lei de licitações, eis que não arroladas no art. 1º da Lei nº 8.666/93 (OLIVEIRA, 2007, p. 301). Nessa esteira, estão as entidades privadas do Terceiro Setor, quando realizarem contratações mediante uso de recursos públicos, submetidas ao princípio licitatório, e deverão, nos prazos estabelecidos em lei, editar regulamentos próprios para selecionar contratantes, objetivando simultaneamente a busca da proposta mais vantajosa e assegurar o princípio da isonomia. Esses regulamentos podem prever mecanismos simplificados e céleres de seleção, contanto que tenham conteúdo compatível com os princípios aplicáveis (OLIVEIRA, 2007, p. 302).

A competência para a edição do regulamento próprio, no caso das Organizações Sociais, é do Conselho de Administração, nos termos do artigo 4º,VII da Lei nº 9.637/98. No caso das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, por conta da inexistência de previsão expressa na Lei nº 9.790/99, a competência para editar os regulamentos próprios será da pessoa ou colegiado a quem os estatutos sociais atribuam poder decisório desta natureza (OLIVEIRA, 2007, p. 302-303).

Percebe-se que a edição de regulamentos próprios para a realização do princípio licitatório é uma possibilidade no mínimo temerosa, pois quando a própria organização estipula as regras de dispêndio dos recursos públicos, é certo que há uma facilitação do desvio de finalidade desses gastos.

2.7

CONTROLE

Na administração gerencial, o foco nos processos, típico da administração burocrática, passa para o foco nos resultados. São indissociáveis os conceitos de Administração Pública gerencial, eficiência administrativa e controle de resultados na análise reformista brasileira. Nos últimos anos, observa-se que as entidades do Terceiro Setor vem mobilizando um volume cada vez maior de recursos destinados às iniciativas sociais, tanto que a descoberta de fraudes perpetradas pelas entidades do Terceiro Setor, quando estouram na mídia, sempre vem acompanhadas de um montante significativo evadido dos cofres públicos. É nesse aspecto que importa uma análise do controle das ações das entidades do Terceiro Setor pelo sistema de controle da Administração, principalmente em relação a sua eficiência e análise de resultados (OLIVEIRA, 2008, p. 164-168).

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O desempenho das ações do Terceiro Setor deve ser avaliado pelo sistema de controle, do contrário abriria-se a oportunidade, sem restrições, das políticas desenvolvidas e dos recursos destinados a estas políticas serem executados ao bel prazer dos dirigentes das entidades quanto daqueles que manejam a ordenação dessas ações. É por esse motivo que para garantir a boa aplicação dos recursos públicos e a efetividade das ações desenvolvidas por essas entidades, o sistema interno de controle deve primar pela implementação de controles e auditorias que busquem, principalmente, a realização do princípio da eficiência.

A execução do Termo de Parceria deverá ser acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes em cada nível de governo. Os resultados deverão, ainda, ser analisados por uma comissão de avaliação composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a OSCIP (OLIVEIRA, 2007, p. 314).

Para o controle da sociedade, deve ser livre o acesso público a todas as informações pertinentes às OSCIP. Internamente, deverá haver a constituição de um conselho fiscal ou órgão equivalente que opinará a respeito do desempenho financeiro e contábil e sobre operações patrimoniais realizadas. Acima de determinado valor, é obrigatória a realização de auditoria, por auditores independentes (OLIVEIRA, 2007, p. 315). O agentes e meios de controle, a saber, o conselho de políticas públicas, a comissão de avaliação, a sociedade, as auditorias o órgão repassador, etc., tem o dever legal de darem imediata ciência às Cortes de Contas e ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade solidária, de qualquer irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública pela organização parceira (OLIVEIRA, 2008, p. 315). Sem prejuízo de tal medida, havendo indícios fundados de desvio ou má aplicação de bens ou recursos de origem pública, é possível a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o sequestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possa ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público. Outra responsabilidade a ser aplicada seria o disposto na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei Complementar nº 64/90, que cuida dos casos de inelegibilidade (OLIVEIRA, 2008, p. 315). O controle externo é exercido pelos Tribunais de Contas, cuja competência é constitucionalmente estabelecida nos arts. 70 e 71. A Lei Orgânica do TCU, no art. 5º, VII, dispõe que a jurisdição daquele Tribunal abrange os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante inclusive outros instrumentos congêneres aos

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acordos, ajustes e convênios (OLIVEIRA, 2007, p. 318). Entendeu-se que os responsáveis particulares devem ser alcançados por essa previsão, mesmo pertencendo à esfera privada, já que os Termos de Parceria envolvem recursos públicos. A atuação direta do TCU sobre os Termos de Parceria poderá ocorrer em virtude de denúncias, Tomadas de Contas Especiais e/ou ações de acompanhamento e fiscalização. Na verdade, qualquer que seja o modelo de organização, com ou sem contrato de gestão; qualquer que seja a natureza jurídica da entidade ou sociedade, com ou sem subvenções governamentais e dotações orçamentárias, todas estão sujeitas à jurisdição e fiscalização do TCU. É na Instrução Normativa nº 12/96 que são estabelecidas as normas de organização e apresentação de processos de tomada e prestação de contas. Na decisão de nº 931/99, ocasião em que foi firmado o entendimento de que as Organizações Sociais prestarão contas diretamente ao TCU, enquanto as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público fá-lo-ão, anualmente, ao próprio Poder Público, isto é, ao órgão repassador de recursos (OLIVEIRA, 2007, p. 317).

2.8

TRIBUTAÇÃO

A tributação das OSCIPS segue basicamente os critérios tributários das associações e, consequentemente, tem na tributação um dos maiores complicadores para esse tipo de instituição, principalmente por não haver indicações claras sobre todos os tributos, pelas várias possibilidades de atuação das associações e pelo fato de muitos tributos terem legislações diferentes nos vários níveis de governo (federal, estadual e municipal). É importante considerar ainda as várias alterações que a legislação tributária vai sofrendo ao longo do tempo. Nas diferentes relações tributárias há as imunidades, a não incidência e a incidência, que, por sua vez, pode ser dividida nas possibilidades de subsunção, livramento legal do pagamento, isenção e incentivos fiscais. A subsunção à norma gera o dever de pagar o tributo. Quanto ao livramento legal, a própria lei se encarrega de eximir certa situação de ser tributada. A isenção, por sua vez, significa que o produto é tributado, mas uma decisão do poder público libera o recolhimento do imposto correspondente. Os incentivos fiscais, enfim, traduz-se no pagamento do tributo pelo próprio Poder Público com o objetivo de fomentar certa atividade.

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A legislação tributária brasileira, como dito anteriormente, difere entre os Estados e Municípios. Os tributos são muitos, mas pode-se listar o Imposto sobre Importação (II), o Imposto sobre Exportação (IE), o Imposto sobre Renda e Proventos de qualquer Natureza (IRPJ), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), todos os Encargos trabalhistas e previdenciários pertinentes, a Contribuição Sobre a Produção Rural, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), etc. O Imposto sobre Importação – II –, o Imposto sobre Exportação – IE –, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto Territorial Rural (ITR), dentre outros tributos, são plenamente devidos quando a entidade preenche faticamente o disposto na hipótese de incidência. Com relação ao Imposto sobre Renda e Proventos de qualquer Natureza – IRPJ – e no caso das associações, ocorre a imunidade (são liberadas pela constituição) desde que cumpram alguns requisitos, especialmente no que se refere: a) à não remuneração de dirigentes; b) à não distribuição de sobras/ganhos financeira para os seus associados; e c) à aplicação de suas rendas e patrimônio na consecução dos objetivos, em território nacional. Cabem também as retenções do imposto na fonte nos pagamentos de salários (de empregados cuja remuneração ultrapasse a tabela de IRPF), recolhidas mensalmente, bem como os recolhimentos correspondentes sobre eventuais ganhos obtidos em aplicações financeiras. Mesmo assim, é obrigatória a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Jurídica. O IPI tem particularidades também com relação às OS e às OSCIP, esse ocorre quando a associação compra algum produto industrializado (o imposto vem implícito no preço). No caso de a associação industrializar e vender algum dos seus produtos dependerá do tipo de produto (há produtos que são isentos) para ocorrer o imposto. A isenção somente poderia ocorrer caso a associação conseguisse a equiparação com o atual regime jurídico da microempresa. Referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), De modo geral, o fisco estadual vem cobrando o ICMS para a circulação de mercadorias (movimentação física de qualquer produto ocasionada por operações realizadas no exercício do comércio, da

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indústria ou da produção de bens econômicos) das associações. Alguns estados estabeleceram percentuais menores ou mesmo isentaram as operações de associações. Em outros, são determinados produtos que são isentos. As associações, ao contrário das cooperativas, não contam com a não-incidência do ICMS nas operações entre associados e a sua entidade. Mas podem ser beneficiadas (como também as outras empresas e cooperativas) por políticas estaduais e locais que desejam incentivar determinada atividade produtiva, como no caso da comercialização de produtos da cesta básica, da venda de artesanato, etc. Sobre os encargos Trabalhistas e previdenciários, Em relação à folha de pessoal (empregados contratados), a associação recolhe aproximadamente 52% de encargos (contribuição patronal, FGTS, férias, 13o. etc). Já a Cofins, nem as associações nem as cooperativas estavam submetidas a esta contribuição nas operações com associados. No entanto, uma Medida Provisória (Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001) recente retirou todas as sociedades civis da isenção da Cofins. Agora é obrigatório o pagamento de 3% sobre a receita bruta proveniente da venda de mercadorias e serviços, sendo que sobre a mesma podem ser aplicadas algumas deduções. Alguns ramos do cooperativismo, seguindo orientações de seus departamentos jurídicos, estão fazendo depósito em juízo dessa contribuição, enquanto aguardam decisão judicial definitiva sobre o caso. Sobre os Termos de Parceria e os Contratos de Gestão não recai a tributação pelo ISSQN (imposto sobre serviços de qualquer natureza). Isso se dá por dois fatores: a inexistência do intuito lucrativo em suas atividades e a existência da relação de coordenação com o Poder Público, o que leva ao princípio da imunidade recíproca (OLIVEIRA, 2008, p. 99). Atuam as OSCIP e as OS como parceiras do Poder Público, não prestando serviços para que este, nem sendo sequer concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Há uma atuação, assim, em coordenação com o Poder Público, e não mediante subordinação. O § 3º do art. 1º da Lei Complementar 116/2003, estabelece que o ISSQN incide sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço (OLIVEIRA, 2008, p. 103). Nesse contexto, as OSCIP e as OS representam uma extensão do Estado, atuando nas suas lacunas, visando cobrir suas dificuldades. Por meio dos Termos de Parceria e dos Contratos de Gestão, Governo e entidade do Terceiro Setor executam inúmeros programas

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sociais, promovendo a continuidade das políticas públicas sociais (OLIVEIRA, 2008, p. 106107). A própria constituição das OSCIP e das OS dá-se mediante formas jurídicas desprovidas da finalidade lucrativa, não se podendo falar nas mesmas como sujeito passivo do ISSQN e nem na execução do Termo de Parceria e do Contrato de Gestão como fato gerador do ISSQN (OLIVEIRA, 2008, p. 115). Para reforçar, há julgados que defendem que a lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 é numerus clausus (OLIVEIRA, 2008, p. 116):

É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpretação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei Complementar 56/87. II- Precedentes do Supremo Tribunal Federal. III – Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87. IV- RE conhecido e provido (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 361829/RJ – Rio de Janeiro, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Julgamento: 13/12/2005. Órgão julgador: Segunda Turma Publicação: DJ 24-02-2006 PP-00051 EMENT VOL-02222-03 PP-00593).

Os programas e projetos sociais executados por meio dos Termos de Parceria e Contrato de Gestão não são atividades passíveis de serem tributadas através do ISSQN, pois não constam na Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e sequer reúnem as características para serem considerados serviços. Além disso, não tem finalidade mercantil a execução das atividades circunscritas ao Termo de Parceria e ao Contrato de Gestão, o que, na verdade, constitui essas atividades em verdadeiros serviços públicos, cuja execução é compartilhada entre o Poder Público e o Terceiro Setor.

2.9 SITUAÇÃO JURÍDICA DAS ORGANIZAÇÕES GOVERNAMENTAIS INTERNACIONAIS NO BRASIL

NÃO

As pessoas de direito privado estrangeiras, desde 1916, com o antigo Código Civil, podem atuar em território nacional. De acordo com o artigo 11, e seu § 1º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei 4657/42, antiga Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.

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§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira (BRASIL, 1942).

Depreende-se da leitura do dispositivo que quaisquer organizações estrangeiras que queiram atuar no Brasil, apesar de obedecerem à lei do país no qual foram constituídas, devem obter aprovação de seus atos constitutivos de forma a incorporar conformidade com a lei brasileira.

[...] Não precisará dessa autorização, convém repetir, para que possa praticar negócios ou para que seja admitida em juízo, ativa ou passivamente, se tiver de pleitear direitos decorrentes de seu funcionamento regular fora do Brasil, já que o direito de estar em juízo constitui consectário jurídico de reconhecimento de sua personalidade jurídica e não ato de exercício de sua capacidade profissional. [...] (DINIZ, 2010, p. 372 a 373).

Cumpre destacar que tal aprovação se dará na competência, não subdelegável, do Ministro de Estado da Justiça para autorização e cassação da autorização de funcionamento, inclusive podendo alterar cláusulas constitutivas, segundo estabelece o Decreto nº 3.441 de 26 de abril de 2000. Assevera-se, no entanto, que não há na legislação brasileira critérios de definição da nacionalidade das pessoas jurídicas. Maria Helena Diniz (2010, p. 364 a 367), estabelece o diferencial em dois eixos: o da constituição e o da sede administrativa de funcionamento da pessoa jurídica. Se a organização é constituída no Brasil e tem sua sede instalada neste país, ela será nacional, independentemente da nacionalidade de seus membros. Se, por outro lado, tal organização deslocar sua sede para outro Estado, ocorrerá o fenômeno da desnacionalização. Desse modo, a organização privada será internacional quando se constituir e/ou tiver sua sede administrativa em outro país. O caso das organizações não governamentais estrangeiras não é diferente do das demais pessoas jurídicas de direito privado estrangeiras que queiram atuar no Brasil. São quatro as opções que tais pessoas jurídicas possuem para exercer suas atividades no território brasileiro de maneira regular. A primeira possibilidade é a de deslocar a sede para o Brasil, constituindo-se de acordo com a legislação brasileira.

A segunda possibilidade é a de

continuar com a sede no estrangeiro e estabelecer no Brasil filiais. Outra admite atividades sem o deslocamento de sede e nem estabelecimento de filiais. Por último, o reconhecimento pode ser dado pelos tribunais brasileiros mediante provocação da tutela jurisdicional.

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No caso de apenas atuar no Brasil, celebrando contratos e acionando o Poder Judiciário, por exemplo, sem a necessidade de instalar filiais, sucursais, agências ou estabelecimentos, Amílcar de Castro afirma que ““(...) não há necessidade de qualquer aprovação ou reconhecimento por parte do governo brasileiro; e continuam a obedecer à lei do Estado em que se constituíram, podendo exercer aqui atividade, desde que não seja esta contrária à ordem pública” (CASTRO, 1999, p. 347). Para o caso de autorização de funcionamento no país, o site do Ministério da Justiça (BRASIL, 2013) informa:

Relação de documentos necessários à autorização para funcionamento de organizações estrangeiras destinadas a fins de interesse coletivo no Brasil. Para fins de autorização de funcionamento no Brasil, devem ser encaminhados os documentos relacionados abaixo [...]: Inteiro teor do estatuto atual da organização estrangeira: O estatuto deverá ser apresentado no idioma de origem devidamente legalizado pelo consulado brasileiro. Deverá, ainda, apresentar a tradução juramentada para o português do estatuto já legalizado perante o consulado brasileiro. Original ou cópia autenticada; Certidão do serviço notarial e de registro no exterior, que comprove estar a organização estrangeira constituída conforme a legislação do país de origem. A certidão deverá ser apresentada no idioma de origem devidamente legalizada pelo consulado brasileiro. Deverá, ainda, apresentar a tradução juramentada para o português da certidão, já legalizada perante o consulado brasileiro. Original ou cópia autenticada; Ata da deliberação que autorizou o funcionamento da organização estrangeira no Brasil. A ata de deliberação deverá ser apresentada no idioma de origem devidamente legalizada pelo consulado brasileiro. Deverá, ainda, apresentar a tradução juramentada para o português da referida ata, já legalizada perante o consulado brasileiro. Original ou cópia autenticada; Ata da eleição da atual diretoria e demais órgãos de administração, acompanhada de uma lista com a qualificação completa, nome, nacionalidade profissão e domicílio, de cada um dos seus diretores e administradores. A ata de eleição deverá ser apresentada no idioma de origem devidamente legalizada pelo consulado brasileiro. Deverá, ainda, apresentar a tradução juramentada para o português da ata de eleição, já legalizada perante o consulado brasileiro. Original ou cópia autenticada; Procuração para demonstrar que a entidade possui representante permanentemente no Brasil, que o representante legal no País possui poderes expressos para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade (art. 1.138 da Lei nº 10.406 de 2002- Código Civil) e poderes especiais para realizar o cadastramento da organização junto ao governo brasileiro. A procuração, por instrumento público ou particular, neste caso, acompanhada de reconhecimento da firma, deverá ser apresentada no idioma de origem devidamente legalizada pelo consulado brasileiro. Deverá, ainda, apresentar a tradução juramentada para o português da procuração, já legalizada perante consulado brasileiro. Original ou cópia autenticada; Declaração informando se há estrangeiros atuando na entidade no Brasil. (em caso afirmativo, enviar documentação que demonstre a regularidade dos estrangeiros em território brasileiro). Original ou cópia autenticada;

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Relatório circunstanciado com especificação da(s) área(s) que pretende atuar no território brasileiro. As áreas de atuação constantes e temporárias devem ser mencionadas. Solicita-se esclarecer se a entidade pretende atuar na Amazônia Legal (Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão). Original ou cópia autenticada; Relatório circunstanciado com descrição das atividades que pretende desenvolver no território brasileiro, com especificação qualitativa das finalidades e atividades que a entidade desenvolverá. Original ou cópia autenticada; Último Balanço. De acordo com o art. 1.134, §2°[1], do Código Civil, todos os documentos redigidos originalmente em língua estrangeira deverão ser autenticados pelo serviço notarial e de registro estrangeiro, legalizados pelo consulado brasileiro no exterior e traduzidos para o português por tradutor juramentado registrado de acordo com a legislação nacional [2]. Para as organizações estrangeiras destinadas à intermediação de adoção internacional de menores – documentos exigidos pelo Departamento de Polícia Federal. Os seguintes documentos deverão ser apresentados à Divisão de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteira do Departamento de Polícia Federal para análise, de acordo com a Portaria n° 815 do Diretor Geral do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, de 28 de julho de 1999: Normas básicas da entidade; Certificado ou autorização para funcionar no campo da adoção, expedida pelo Governo de origem (credenciamento); Dados referentes ao Conselho de Administração e seus contabilistas; Relação nominal, com filiação, identidade e endereço dos representantes legais da entidade; Comprovante de quitação dos débitos fiscais no Brasil e no exterior; Texto(s) da legislação do país de origem que disciplina a adoção; Descrição das atividades a serem realizadas no Brasil; Informação sobre a autoridade, organização, instituição ou pessoa particular no Brasil com quem a organização pretende colaborar; Nome(s) e endereço(s) da(s) entidade(s) brasileira(s), pública ou privada, com a qual a entidade estrangeira mantém acordo ou convênio relacionado com a adoção internacional, indicando o nome e o endereço do responsável pela entidade; Relatório das atividades da organização requerente desde a fundação; Comprovante do recolhimento da taxa no valor correspondente a duzentas UFIR, através da GAR/Funapol; e Comprovante da situação legal, no Brasil, do signatário do requerimento quando se tratar de estrangeiro, cujo visto deve ser compatível com a função. Organizações estrangeiras destinadas à intermediação de adoção internacional de menores – documentos exigidos pela Autoridade Central Administrativa Federal Para credenciamento de organizações estrangeiras destinadas à intermediação de adoção internacional de menores, devem ser apresentados os seguintes documentos: Requerimento de credenciamento, dirigido ao Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Credenciamento pela Autoridade Central do país de origem (devidamente autenticado); Relatório de custos.

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Os documentos serão analisados pela Autoridade Central Administrativa Federal, representada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. (Portaria n° 14 do Secretário de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, de 27 de julho de 2000).

Com todos os requisitos listados e as regras postas, a atuação de muitas ONGs estrangeiras ainda é clandestina. Em 2008, para tentar reverter a situação, foi determinado um recadastramento das organizações que já possuíam autorização de funcionamento, concedendo carta branca para se regularizarem e com o objetivo de chamar atenção até mesmo das entidades que nem autorização tinham. A iniciativa teve efeitos benéficos, eis que anunciado que 50% das 170 organizações estrangeiras que atuam ou tem o desejo de atuar no país, efetivaram o recadastramento, sendo possível auferir, ainda, que nenhuma organização da região Norte se recadastrou e que a maioria tem sede na região Sudeste – 36,5% em São Paulo e 20,6% no Rio de Janeiro (BRASIL, 2009). Hoje, apenas 90 organizações possuem esse tipo de autorização de funcionamento outorgada pelo Ministério da Justiça, pois desejam conservar sua constituição estrangeira, sem estabelecer filiais aqui. Por outro lado, exemplos de ONGs estrangeiras instaladas com filiais no Brasil são: Action Aid Brasil (infância), Childhood Brasil (infância), CARE Brasil (combate à fome), Junior Achievement Brasil (educação de negócios), WWF Brasil (meio ambiente), TechSoup Brasil (inclusão digital) e Médicos Sem Fronteiras (saúde), cada qual com a sede conservada em seu país de origem e filial brasileira. A CARE Brasil é uma das ONGs que recebeu a qualidade de OSCIP. Interessante citar uma organização brasileira que atua no meio internacional que é a Coep (Rede Nacional de Mobilização Social), a qual se define uma rede de redes sociais canalizadora de recursos e promotora de discussões acerca das atividades realizadas no Brasil e a troca de informações com outras redes internacionais. Percebe-se que o status jurídico das ONGs estrangeiras no Brasil ainda deixa a desejar em termos de licitude, pois persiste o problema de organizações clandestinas que, mesmo com toda a regulamentação rígida e com todo o esforço administrativo para que não aconteça, atuam no país. Esse é um problema não apenas pontual, mas sistemático no Brasil, que possui muitas vezes uma excelente legislação, mas há a falta de pessoal, e muitas vezes de integridade moral, nas atividades de fiscalização.

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CONCLUSÃO

A existência das ONG não se prende em definitivo ao ideal neoliberal, tendo em vista a trajetória histórica anterior aos reclames desse pensamento e posterior a qualquer febre organizacional governamental. Atualmente, as redes sociais dinamizam os movimentos sociais no mundo e são o que há de mais moderno, em sua essência, com relação à interação entre os povos e ao respeito recíproco. É prudente pensar que o trabalho de uma ONG não deve substituir as tarefas precípuas do Estado, criando uma falsa impressão de contrabalanceio a um Estado mínimo. É certo que há organizações criadas para esse fim, mas tal fato foge à lógica de que tais entidades fazem parte da sociedade civil e representam seus interesses, pois estes nem sempre coincidem com aqueles que devem ser defendidos pelo Estado em prol de seus cidadãos. Outrossim, a elucidação dos principais pontos com relação às Organizações Não Governamentais toca os sistemas jurídico nacionais, dentre eles o do Brasil. O direito interno é muito influenciado pelo direito internacional, mesmo quando o sistema adotado é muitas vezes o monismo nacionalista. A situação das Organizações Não Governamentais no Brasil passa por temas difíceis de encontrar apenas uma vertente de pensamento. A atuação clandestina de muitas organizações estrangeiras, e mesmo brasileiras, nos deixa com um sentimento de impotência quando, muitas vezes nos deparamos com casos de biopirataria, canais de circulação de drogas ilícitas, desvio de verbas públicas e todo o tipo de ações criminosas que podem ser encobertas sob o título de uma organização que, sem fins lucrativos, atua de forma a atender superficialmente o interesse público. O sentimento de impotência é fomentado pela falta ou pela precariedade do sistema fiscalizatório de que dispõe o aparelho administrativo do Estado, eivado de imoralidade, desmotivação e comodismo. Nesse caminhar, surge sempre a pergunta sobre o que fazer então. Proibir a existência ou a atuação de tais organizações seria um total retrocesso e uma ação nada eficaz sobre os problemas que assolam o país. Como a essência conceitual da existência das Organizações Não Governamentais é de uma pureza e simplicidade sem igual, que deseja levar o princípio

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democrático e a integração adiante e aumentar a participação social nos assuntos de interesse coletivo, nada mais justo que manter a permissão legal para que existam. Os ajustes deverão ser feitos é de modo a melhorar o aparelho administrativo do Estado e conscientizar todo o pessoal administrativo da importância de manterem-se probos, pois carregam alta responsabilidade. Conclui-se que a existência das Organizações Não Governamentais transcende qualquer idealização e se mostra como ente inerente à atualidade das relações internacionais. As redes sociais mundiais são fruto da abstração da sociedade civil global e consagram o conceito de globalização, que para alguns pode estar em obsolescência, porém é efetivo nas relações de integração e assistência. É, por fim, importante a existência dessas entidades, pois é avanço da participação popular nas questões coletivas.

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