MONTANO, Pedro Fontes. Análise Psicológica do Filme Senhor das Moscas

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Instituto de Psicologia

Pedro Fontes Montano

Análise do Filme “Senhor das Moscas”, sob o enfoque da Psicologia.

Rio de Janeiro 2015

RESUMO

Esse estudo tem como finalidade relacionar trechos do filme aos conceitos psicológicos sobre grupos, comunicação, poder e liderança.

GRUPOS

No início do filme é possível observar a formação do primeiro grande grupo. Isso fica claro pelo fato de todos terem se unido para remar até a ilha. Esse grupo maior contava com todas as crianças e foi formado para que as crianças conseguissem chegar o mais rápido possível na ilha. Depois, ele se manteve unido por um tempo por questões de sobrevivência. Pois, essa união era crucial para que conseguissem vencer aquela situação adversa. Inicialmente, o grupo contava com todas as crianças e elas trabalhavam em harmonia entre si. A união se manteve até que conflitos internos fizeram com que o grupo se divide em dois outros: um liderado por Ralph e outro pelo Jack. O grupo liderado por Jack era composto basicamente por crianças que preferiam se divertir, caçar e inventar lendas. Esse grupo simboliza no filme a irracionalidade e o lado mal do espírito humano. Já, a outra equipe cujo capitão era Ralph era formada pelas crianças mais sérias e racionais, as quais gostavam mais da conversa intelectual e o trabalho organizado. Esses últimos são o estereotipo da ciência, do Estado e do lado bom do ser humano. Portanto, os jovens seguidores de Ralph simbolizam a razão e civilidade de uma sociedade, opostamente, os outros simbolizam a violência e a desordem das sociedades. Essa dualidade da racionalidade versus a irracionalidade permeia o filme todo em várias cenas. Por exemplo, Ralph e cia agiram de maneira sensata e racional por querer salvar o adulto enfermo sobrevivente, enquanto o Jack, irracional, queria deixalo morrer o mais rápido possível. Em outra cena, Ralph teve a ideia de acender a fogueira com as lentes dos óculos do seu amigo (racional), enquanto Jack queria acender primitivamente com as mãos e despreza esse amigo (irracional). A irracionalidade pode ser percebida também na cena em que Jack e seus comparsas mataram o camaleão de estimação de uma das crianças sem motivo algum. A racionalidade os garotos leais a Ralph é evidente na cena em que uma das crianças impede que duas outras comam carne de porco crua. Esse menino argumenta racionalmente a eles que o porco poderia estar contaminado com vermes e isso poderia causar uma doença neles. A diferença entre os grupos pode ser vista também pela estética adotada após a divisão. Jack e seus membros mostravam não verbalmente que não pertenciam ao outro grupo pintando os seus rostos com sangue e passando lama no corpo. Além

disso, nos momentos finais, o bando ligado a Jack corria de um lado para o outro da ilha com lanças afiadas na mão aterrorizando os meninos rivais. Essa é uma demonstração clara de uma organização cuja a hostilidade predomina sobre outros aspectos. Ao contrário de Ralph e seus colegas que andavam lentamente praticamente indefesos pela floresta. Mais ainda, os rituais de cada um dos conjuntos eram diferentes. Um trecho do filme apresenta, de um lado, os amigos de Jack empalando cabeças de javalis pela ilha como oferenda aos “monstros”. E logo depois mostra os parceiros de Ralph passando o tempo sentados, conversando e brincando na areia da praia.

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E ORGANIZACIONAL

Durante as primeiras partes do filme, não houve muita comunicação entre as crianças. Mas sim um movimento quase que instintivo de união para que pudessem sobreviver. Eles começaram a trabalhar juntos para conseguir água e comida sem se comunicar muito entre si. Essa situação muda, a partir do momento em que Ralph começa a assoprar uma concha. Ele teve a ideia de usar o som da concha para tentar organizar o grupo. As crianças logo percebem intuitivamente que ao ouvirem o som da Concha era sinal que iria acontecer uma reunião. Nessa situação, o som da concha passou a ser uma forma de comunicação organizacional, como se fosse um “megafone” ou uma sirene. Nas organizações do mundo real esse tipo de comunicação também acontece. Um exemplo disso são as reuniões/eventos que são anunciados através de chamadas por telefone, avisos em papel, mensagens pela internet etc. A comunicação interpessoal entre as crianças era feita de diversas formas no filme. Primeiro através da conversa informal que era a princípio livre, mas nas assembleias só aqueles que tivessem a concha nas mãos poderiam falar em nome do grupo. Segundo, há uma cena que mostra também que eles costumavam cantar enquanto marchavam de um lugar a outro. Psicologicamente, o canto grupal serve para aumentar a motivação e a união de todos integrantes de um grupo. Outra forma de comunicação era em forma de lendas. Elas eram contadas principalmente por Jack em torno da fogueira. As histórias inventadas por ele viraram um tipo de cultura organizacional. Elas eram tão marcantes para as crianças que com o passar do tempo, alguns passaram acreditar cegamente nelas. Por conta disso, certas crianças achavam que os monstros das lendas eram reais. Muitas delas evitavam sair sozinhas pela floresta porque pensavam que poderiam encontrar esses tais monstros. Isso mostra como de fato como as lendas exercem uma influência psíquica ilusória muito forte, principalmente naqueles que se deixam enganar por elas.

Algumas das conversas informais durante a rotina do dia-a-dia acabavam virando discussões. Como por exemplo, quando um dos garotos não concordou com o outro e mandou-o parar de falar. Jack não aceitou ficar quieto e revidou xingando-o e apelidando o garoto de “Porquinho”. Outros que nem estavam na discussão começaram a apoiar o Jack durante a briga, enquanto Ralph apoiou o garoto xingado por Jack. A comunicação pode servir de instrumento para desencadear sérios conflitos, como no conflito que dividiu os jovens em dois grupos. Ele começou quando Jack e seus seguidores foram caçar e esqueceram de manter a fogueira acessa. Durante o tempo que ela ficou apagada, um helicóptero passou bem perto da ilha. Se a fogueira estivesse acesa, a fumaça poderia ter sido avistada pelo helicóptero e consequentemente todos eles poderiam ter sido salvos por uma equipe de resgate. Ralph ficou furioso ao perceber isso e descobrir que a fogueira ficou apagada por causa da desobediência de Jack. A raiva dela era por causa de além de não terem sido salvos, Jack descumpriu a regra de não apagar a fogueira. Ralph foi tirar satisfações com o Jack através da conversa. Ele por sua vez se defendeu dizendo que não iria mais obedecer às ordens dele. Jack, então, declarou que não faria mais parte daquela organização. No mesmo momento, comunicou que montaria um novo acampamento para aqueles que ele considerava caçadores. Por conta dessa separação, ambos os grupos pararam de se comunicar amistosamente. Após a ruptura, a comunicação entre as facções passou a ser apenas para satisfazer os interesses de cada grupo e não pelo companheirismo. A aliança governada por Jack passou amedrontar os aliados de Ralph através de mais histórias de possíveis monstros na ilha. Essa forma de comunicação tem como finalidade de enfraquecer o adversário através do medo. Paralelamente, Jack e sua gangue começaram a extorquir verbalmente os rivais em troca de bens materiais. Os bens mais disputados foram as lentes dos óculos de um dos garotos, pois quem possuísse os óculos poderia acender fogueiras facilmente. Como a quadrilha de Jack não conseguiu o objeto através das palavras, eles resolveram partir para força física. Essa disputa de interesses foi caminhando para uma tentativa desesperada de diplomacia que acabou culminando na tragédia final: a violência física entre as tribos. Isso simboliza bem a o que acontece quando o diálogo não ocorre eficientemente entre as organizações. Os conflitos entre as entidades geralmente surgem de comunicações ineficientes.

PODER E LIDERANÇA

Dois dos protagonistas do filme podem ser considerados líderes e por consequência exercem um poder sobre os outros: Ralph e Jack. Isso pode ser

observado e demostrado ao longo do filme inteiro, sendo esse um dos principais enfoques do filme. A liderança exercida por ambos pode ser demostrada primeiramente pelo caráter fisiológico. De maneira geral, qualquer pessoa com o corpo mais desenvolvido impõe um certo tipo de autoridade natural numa criança menos desenvolvida. E como ambos, Ralph e Jack, são visivelmente mais altos e mais atléticos que a maioria, eles já começam o filme exercendo uma autoridade inconsciente nos menores do grupo. Isso já é observável pelas primeiras falas do filme, as quais mostram os garotos menores usando o pronome de tratamento “senhor” antes de iniciar a fala com eles. O uso do pronome “senhor” nessa situação demostra um sentimento de inferioridade dos menores em relação aos maiores. Isso ocorre antes mesmo que os dois protagonistas fossem nomeados formalmente líderes. Em geral líderes podem ser divididos em dois tipos democráticos ou autoritários. O personagem de Ralph possui os traços de personalidade os quais se é possível identificar um líder democrático. Por outro lado, o personagem Jack mostra traços de liderança de um viés autoritário de sede por poder. Como um quer liderar democraticamente e outro autoritariamente, há uma disputa constante pelo poder. Essa disputa de poder deles já pode ser percebida antes mesmo do grupo se dividir. Isso fica evidente logo no começo na cena em que os dois começam a lutar de brincadeira na praia. O brilhantismo do filme está em justamente mostrar a disputa constante de poder entre o grupo democrático contra o grupo autoritário como uma forma de metáfora dos conflitos de sociedades reais Diversas cenas espalhadas no filme demostram esses dois traços de liderança. A primeira cena é aquela quando o grupo reunido achou um bastão luminoso no chão da ilha. Durante essa cena, uma das crianças menores perguntou assustada se havia mais algum ser vivo na ilha. Jack responde de maneira autoritária que não e que eles com certeza estavam sozinhos na ilha. Todos continuaram assustados após essa resposta. De maneira oposta e democrática, Ralph motivou a todos que estavam com sede e fome, dizendo que era mais vantajoso pararem de reclamar e irem dormir para que no dia seguinte pudessem pensar direito no que iriam fazer. Ralph passa a ser formalmente o líder do primeiro grande grupo durante a assembleia inicial do filme. Apesar de democrático, o papel dele de líder é imposto por ele próprio através da primeira regra da organização: só quem tiver a concha pode falar. O que ele quis dizer a todos com isso, era que ele agora passava a ditar as regras porque ele tinha o poder da concha. E que todos deveriam obedecer ao que ele diz. Ele justificou essa autoridade por ter uma concha capaz de fazer todos se reunirem. Todos aceitaram a auto nomeação dele naquele momento, provavelmente, porque acreditavam na capacidade dele em fazer com que eles escapassem da ilha. Na segunda assembleia do filme, Ralph reuniu o grupo para reclamar que alguns só pensavam em se divertir e não estavam trabalhando direito. A reunião logo se torna uma confusão e todos começaram a falar, apesar da “regra da Concha” ainda estivesse valendo. Jack afirmou que todos deveriam gastar mais tempo caçando, mas Ralph não concordou. Esse jogo de poder resultou que aqueles que queriam caçar

ficassem do lado do Jack. Autoridade de Ralph foi questionada e posta de lado mesmo ele ainda sendo formalmente o líder. Depois, um garoto amedrontado pergunta a Ralph se eles seriam salvos algum dia. Ralph, como um bom líder deveria fazer sempre, tentou transmitir confiança ao garoto, dizendo que assim que alguém avistasse o sinal de socorro, eles seriam salvos. Jack interrompeu e disse exatamente o oposto, afirmando que não seriam salvos nunca. Houve claramente um conflito de liderança entre os dois nessa cena. Após a segregação, a facção de Jack impõe uma autoridade imensa aos demais garotos. Jack passou a querer mandar no grupo rival também, mas Ralph não se intimidou com isso e continuou a confronta-lo. Essa é a situação ilustrada pela cena em que os dois grupos rivais se reúnem a noite em volta da fogueira. Apesar a concha pertencer a tribo de Ralph, Jack ignorou a regra democrática e autoritariamente quis ditar suas próprias regras. Nessa mesma cena, para deixar bem claro aos outros o seu poder totalitário, Jack comandou os outros a perseguirem uma das crianças como se fosse um porco. A desordem se instalou logo em seguida. Os guerreiros sob as ordens sanguinárias de Jack entraram num estado de frenesi e acabaram matando Simon, um garoto totalmente inocente do outro grupo. O trecho anterior é uma alusão de exércitos reais que sob o comando de governos ditatoriais acabaram matando pessoas indefesas. O totalitarismo no filme é evidente também quando elas começam a punir todos aqueles que são contra o regime autoritário de Jack. Um dos garotos é chicoteado sem piedade na frente de todos por conta disso. Dizendo de outra forma, aqueles que não fossem subordinados ao governo tirânico seriam pegos e castigados como escravos. Como de fato ocorreu com todos, menos com o Ralph que conseguiu escapar nos momentos finais. Jack enganava seus subordinados constantemente para que com isso conseguisse manter seu poderio sob eles. Isso fica evidente nas cenas em que ele mentia dizendo que existia um monstro na ilha. Ele fazia isso com intuito de deixar todos amedrontados para que eles passassem a jurar lealdade a ele. Pois assim, ele faria que os comandados acreditassem cegamente na ilusão que ele defenderia os da suposta besta. Besta essa que no final das contas nem existia e era só pretexto para toda a crueldade de Jack. Esse controle psicológico diabólico exercido por Jack através da mentira talvez seja a origem do título “Senhor das Moscas”. Uma vez que a expressão “Senhor das Moscas” é a tradução literal da palavra Beelzebub que significa diabo ou demônio. A sede de poder é tanta que Jack e os outros acabam colocando fogo na ilha inteira para tentar eliminar o último membro da oposição: o Ralph. Na cena final, ele tenta fugir desesperamente dos outros que antes eram amigos. Os quais, agora, saem correndo pela ilha com lanças afiadas para mata-lo de qualquer maneira. Felizmente, Ralph sem querer acaba encontrando um homem do exército que perplexo ao ver a situação pergunta as crianças: “O que vocês estão fazendo? ”. Nesse momento do filme, é possível observar que o cineasta quis fazer uma reflexão final. O jogo de cena mostra as crianças todas pintadas com suas lanças prontas para matar um semelhante. Por comparação, essa é a imagem do lado selvagem do ser humano.

Mais especificamente, essa é a caricatura da espécie humana de quando ela entra em guerra contra ela mesma.

REFERÊNCIAS

Filme Senhor das Moscas (1990) Direção: Harry Hook

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