Morfologia do Português
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Alina Villalva
Morfologia do Português Universidade Aberta 2007
CAPÍTULO 1. SOBRE MORFOLOGIA Objectivos 1.1 Definições de Palavra 1.2 Análise Morfológica e Formação de Palavras 1.2.1 Composicionalidade e lexicalização 1.2.2 Palavras possíveis, existentes e atestadas 1.2.3 Produtividade e bloqueio 1.3 A Morfologia na Gramática 1.4 Os Estudos de Morfologia Tópicos de Recapitulação Geral Exercícios Leituras Complementares
7 9 10 1 22 26 27 29 31 32 35 36
CAPÍTULO 2. O LÉXICO DO PORTUGUÊS Objectivos 2.1 Herança Latina, Substratos e Superstratos 2.2 A Neologia 2.3 Recursos Não-morfológicos na Formação de Palavras 2.4 Os Empréstimos 2.5 Sobre Arcaísmos e Dialectalismos Tópicos de Recapitulação Geral Exercícios Leituras Complementares Para Consulta
37 38 40 1 44 56 64 64 66 68 68
CAPÍTULO 3. UNIDADES LEXICAIS E CONSTITUINTES MORFOLÓGICOS Objectivos 72 3.1 Unidades lexicais: tipos e propriedades 74 3.1.1 Propriedades inerentes 75 3.1.2 Propriedades de selecção 81 3.2 Radicais 84 3.2.1 Propriedades dos radicais nominais 87 3.2.1.1 Propriedades morfo-semânticas 87 3.2.1.2 Género 89 3.2.1.3 Classes temáticas 93 3.2.2 Propriedades dos radicais adjectivais 98 3.2.3 Propriedades dos radicais verbais 99 3.2.4 Propriedades dos radicais adverbiais 102 3.3 Afixos 102 3.3.1 Sufixos especificadores 103 3.3.1.1 Sufixos temáticos 103 3.3.1.2 Vogal de ligação 107 3.3.1.3 Sufixos de flexão 108 3.3.2 Sufixos derivacionais 111 3.3.3 Afixos modificadores 119 3.3.3.1 Afixação avaliativa 120 3.3.3.2 Prefixação 122 3.4 Assinatura Categorial 126 3.5 Relações lexicais 127 3.5.1 Famílias de palavras 128 3.5.2 Paradigmas lexicais 131 Tópicos de Recapitulação Geral 132 Exercícios 134 Leituras Complementares 136
70
Para Consulta CAPÍTULO 4. A ESTRUTURA MORFOLÓGICA Objectivos 4.1 Vazios morfológicos 4.2 Flexão 4.2.1 Sobre a variação em género 4.2.2 Sobre a variação em grau 4.2.3 Flexão em número 4.2.4 Flexão verbal 4.2.4.1 A flexão em tempo-modo-aspecto 4.2.4.2 A flexão em pessoa-número 4.3 Análise fonológica de processos morfológicos 4.3.1 Formação do plural dos nomes e adjectivos 4.3.2 Análise fonológica da flexão verbal 4.3.2.1 Supressão da vogal temática 4.3.2.2 Harmonização vocálica 4.3.2.3 Abaixamento da vogal do radical 4.3.2.4 Alterações da vogal temática 4.3.2.5 Verbos irregulares ANEXO – Lista de Verbos Irregulares Tópicos de Recapitulação Geral Exercícios Leituras Complementares
136 138 140 146 150 151 154 155 162 162 168 172 172 174 175 177 179 180 182 184 185 188 190
SUGESTÕES DE RESOLUÇÃO PARA AS ACTIVIDADES PROPOSTAS192 Capítulo 1 194 Capítulo 2 196 Capítulo 3 200 Capítulo 4 205 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
212
Nota Prévia Este manual trata de aspectos básicos da análise das palavras, quer no que diz respeito à descrição da sua estrutura morfológica, quer quanto à caracterização lexical dos seus constituintes. As questões fundamentais aqui tratadas são, pois: • • •
•
a distinção entre palavras simples e palavras complexas a distinção entre palavras complexas com uma estrutura composicional e palavras complexas lexicalizadas a identificação das principais propriedades dos constituintes morfológicos, ou seja, dos radicais (adjectivais, nominais e verbais) e dos afixos (temáticos, derivacionais e modificadores). a descrição da flexão
Complementarmente, apresenta-se uma breve síntese da história do léxico do Português e faz-se uma ligação à fonologia, olhando para os casos em que a flexão desencadeia a intervenção de processos dessa natureza. Esta matéria, apresentada na secção 4.3, é da autoria de Maria Helena Mateus.
Siglas e Abreviaturas ADJ ADV CT F FLEX IT N P PN PP RAD RADJ RADV RN RV SN SP SUF SUFADJ SUFADV SUFN SUFV T TADJ TMA TN TV V VT
adjectivo advérbio constituinte temático frase flexão índice temático nome palavra pessoa-número particípio passado radical radical adjectival radical adverbial radical nominal radical verbal sintagma nominal sintagma preposicional sufixo sufixo de adjectivalização sufixo de adverbialização sufixo de nominalização sufixo de verbalização tema tema adjectival tempo-modo-aspecto tema nominal tema verbal verbo vogal temática
[± ac] acentuável / inacentuável [± animado] animado / inanimado [± anterior] anterior / não-anterior [± comum] comum / próprio [± contável] contável /massivo [± fem] feminino / não-feminino [± graduável] graduável / não-graduável [± grego] helenismo / não-helenismo [± humano] humano / não-humano [± I] primeira [± II] segunda [± inacabado] inacabado / acabado [± latino] latinismo / não-latinismo [± N] nominal / não-nominal [± necessário] necessário / não-necessário [± passado] passado / não-passado [± plu] plural / singular [± possível] possível / não-possível [± presente] presente / não-presente [± V] verbal / não-verbal [1ª conj] 1ª conjugação [2ª conj] 2ª conjugação [3ª conj] 3ª conjugação
Capítulo 1. Sobre Morfologia
7
8
Objectivos Neste capítulo inicial pretende-se mostrar o que fundamenta a consideração da morfologia como um domínio da linguística, identificando: • • •
o seu objecto de conhecimento o modo como se articula com os demais domínios da linguística o caminho percorrido pela análise morfológica
No final desta unidade, o aluno deverá: • • •
• • • •
conhecer diversas definições de palavra e a especificidade deste conceito em morfologia compreender o que distingue a análise morfológica da descrição dos processos de formação de palavras saber identificar: o palavras simples e complexas o palavras variáveis e invariáveis o palavras complexas composicionais e lexicalizadas o palavras possíveis, existentes e atestadas entender o conceito de produtividade saber caracterizar alguns fenómenos de bloqueio compreender o lugar da morfologia na gramática conhecer as principais características de alguns modelos de análise morfológica
9
Morfologia não é um termo exclusivo dos estudos linguísticos: a botânica, a zoologia ou a geografia são algumas outras ciências que compreendem estudos desta natureza. Em sentido lato, morfologia remete para o conhecimento das formas, cabendo a cada domínio científico a explicitação de quais são as formas que constituem o seu objecto de estudo: a botânica poderá, então, reclamar para si, por exemplo, o estudo da ‘morfologia das fanerógamas’, a zoologia tratará, entre outras, da ‘morfologia das aranhas’ e a geografia ocupar-se-á, por exemplo, da ‘morfologia urbana’. No âmbito dos estudos linguísticos, a morfologia dedica-se apenas ao conhecimento de um tipo específico de formas, que são as palavras. Mas dizer que a morfologia se ocupa do conhecimento da forma das palavras é, simultaneamente, dizer pouco e dizer demais: há aspectos da forma das palavras, como a sua realização fonética, que competem, não à morfologia, mas sim à fonologia ou à prosódia. E, inversamente, também não se pode afirmar que a morfologia se ocupa apenas da forma das palavras, dado que a morfologia também trata das relações que se estabelecem entre a forma, a função e o significado das palavras. O que constitui então o objecto de estudo da morfologia? Dois domínios distintos, embora fortemente inter-relacionados: o primeiro é o da análise da estrutura interna das palavras existentes e o segundo é o da descrição dos processos morfológicos de formação de novas palavras. Comecemos, então, por reflectir sobre o conceito de palavra, dado que a definição técnica exigida pela análise linguística se distingue do entendimento próprio do senso-comum e, ainda, porque uma definição técnica não é independente do subsistema da gramática que a propõe.
1.1 Definições de Palavra As palavras não ocorrem isoladamente, ocorrem integradas em frases, ou seja, em contínuos sonoros que podem (embora não tenham de) ser interrompidos por pausas. É o que sucede numa sequência como: (1)
Inesperadamente, o ministro-sombra convocou uma conferência de imprensa e no final demitiu-se.
Para um falante do Português, a identificação das palavras da sua língua só é problemática num número relativamente pequeno de casos, como ministro-sombra, conferência de imprensa ou demitiu-se, que a contagem do número de palavras presentes em cada uma destas sequências 10
poderá suscitar dúvidas. Esta margem de dúvida é suficiente para concluir que a intuição dos falantes não oferece um grau de fiabilidade razoável, devendo a análise linguística enunciar critérios rigorosos que permitam identificar qualquer palavra de qualquer língua, ou seja, que permitam explicitar o conhecimento intuitivo dos falantes nativos e esclarecer as suas dúvidas neste domínio.
A etimologia de palavra relaciona-a com a forma grega PARABOLE, que também está na origem do cognato parábola. Do significado original (i.e. ‘comparação’) só a segunda será herdeira, pela comparação verbal que estabelece com uma dada sequência de factos, mas há outros cognatos, como parola, parolar, parlar ou palrar que mostram uma maior proximidade do actual valor semântico de palavra. Curiosamente, a correlata forma masculina (i.e. parolo) adquiriu um valor depreciativo que terá estado relacionado com um modo de falar menos prestigiado, mas a actual interpretação já perdeu essa memória.
Mas a definição de palavra é, ainda assim, uma questão complexa e tem dado origem a variados debates, dado que os diversos níveis de análise linguística usam critérios e procuram respostas não necessariamente coincidentes. Antes de mais, deve compreender-se que o contínuo sonoro pode ser segmentado de várias formas, de acordo com o conhecimento que os falantes possuem do sistema linguístico a que esse enunciado pertence. A canção Joana Francesa1, cuja letra inclui versos em Francês e em Português, mostra que uma mesma sequência fonética pode receber diversas interpretações, consoante ela é identificada como uma sequência de uma ou da outra língua. (2)
Tu ris, tu mens trop Vem molhar meu colo Tu pleures, tu meurs trop Vou te consolar Tu as le tropique Vem mulato mole Dans le sang et sur la peau Dançar dans mes bras Vem moleque me dizer Geme de loucura e de torpor Onde é que está Já é madrugada Ton soleil, ta braise Accord’accord’accorda Quem me enfeitiçou Mata-me de rir O mar, marée, bateaux Fala-me de amor Tu as le parfum Songes et mensonges De la cachaça e de suor Sei de longe e sei de cor Geme de preguiça e de calor Geme de prazer e de pavor Já é madrugada Já é madrugada Accord’accord’accord’accord’accord’accord’accord’acorda
11
Esta transcrição respeita a grafia usada pelo autor, mas a grafia não condiciona a interpretação do oral: na sequência do verso dans le sang et sur la peau, geme pode ser compreendido como j’aime; tal como a sequência d’accord que sucede a já é madrugada não pode deixar de poder ser ouvida como acorda; e marée, bâteaux permite o reconhecimento como m(e) arrebatou. A segmentação do contínuo sonoro exige, pois, a identificação da língua em que é gerado, ou seja, é preciso reconhecer o sistema linguístico a que um dado contínuo sonoro pertence para conseguir identificar as palavras que o constituem. É claro que a ambiguidade fonética também pode afectar sequências pertencentes a um único sistema linguístico2. Rodrigues Lapa (1945, 1977: 61, 64) apresenta dois exemplos de equívocos de segmentação, sendo que o primeiro se apresenta como um caso de manipulação política e o segundo como uma pequena anedota: (3)
No tempo das guerras liberais, por ocasião do cerco do Porto, os pregadores miguelistas diziam ao povo ignorante das aldeias que o liberal D. Pedro comia crianças assadas. E para prova desse crime abominável liam do alto do púlpito um número da Crónica Constitucional, onde se referia que Sua Majestade comia a cada jantar um pequeno assado. Faziam por sua conta e com fins de propaganda política o trocadilho, alterando a natureza gramatical e o sentido dos dois elementos: pequeno, de adjectivo passava a substantivo, com a significação de criança; assado, de substantivo passava a adjectivoparticípio. - Minha senhora, eu queria a mala. - Que diz?! – exclama a senhora cheia de indignação. O senhor é muito atrevido. - Não sei porquê: desejo a mala, de que me ía esquecendo. - Ah! A mala... Está bem: tem-na ali ao canto. Leve-a.
Estes exemplos servem ainda para mostrar que a segmentação não é uma mera operação mecânica, exigindo a intervenção de instrumentos de análise provenientes dos diversos subsistemas da gramática. Para que uma única sequência fonética possa ser ambígua é necessário mais do que uma simpes homofonia – é preciso que as propriedades gramaticais das diversas interpretações em jogo sejam compatíveis com o seu contexto de ocorrência, como se verifica nos exemplos de (4): (4)
jantar um pequenoAdj assado N jantar um pequeno N assado Adj queria [a mala]SN queria [amá-la]F
12
Vejamos, então, que saberes requer a operação de segmentação de um enunciado. Para a fonologia, um tipo de unidades resultantes da segmentação do contínuo sonoro é definido como um domínio para a atribuição do acento principal de palavra. Os processos fonológicos que afectam os segmentos que se encontram no início ou no final desse domínio são, por vezes, distintos dos que afectam os segmentos no interior desse domínio, o que justifica a existência deste tipo de segmentação3. Retomando a sequência apresentada em (1), constata-se que os segmentos que os falantes geralmente reconhecem como palavras não coincidem sempre com os segmentos que constituem palavras fonológicas ou palavras prosódicas: (5)
inesperada
[inɨʃpɨˈɾɑdɐ]
mente o ministro sombra convocou uma conferência de imprensa e no final demitiu-se
[ˈmẽtɨ] [umɨˈniʃtɾu] [ˈsõbɾɐ] [kõvuˈko] [umɐkõfɨˈɾẽsjɐ] [dĩˈpɾẽsɐ] [inufiˈnal] [dɨmiˈtiwsɨ]
Do ponto de vista da sintaxe, as palavras são as unidades que ocupam posições terminais na estrutura sintáctica, que são posições de núcleo de uma categoria sintagmática4. À semelhança de Di Sciullo e Williams (1987: 47-48), pode afirmar-se que as palavras são, pois, átomos sintácticos, ou seja, são unidades sintacticamente inanalisáveis: a sintaxe não tem acesso a qualquer informação sobre a sua estrutura interna e não pode operar sobre os seus constituintes. Considerando, de novo, a frase apresentada em (1) constata-se que, a esta luz, as sequências registadas em (6a) constituem inquestionavelmente palavras, que a sequência de (6b) integra mais do que uma palavra e que as sequências em (6c) ocupam uma única posição sintáctica terminal mas são formadas por várias palavras: (6)
a.
inesperadamente o convocou uma e final demitiu se
13
b.
no = em o
c.
ministro-sombra conferência de imprensa
A sequência de (6b) é uma contracção5 desencadeada por razões de natureza fonética, que ocupa mais do que uma posição terminal na estrutura sintáctica. Note-se que, em alguns casos, as contracções fonéticas não são consagradas pela ortografia. Por exemplo, para a maioria dos falantes do Português, em de imprensa, a preposição está amalgamada com a palavra seguinte, mas a ortografia não dá conta desse fenómeno. Noutros casos, a grafia suscita dúvidas: (7)
o facto de o / do apresentador não ter identificado todos os convidados 6 deixou-me preocupada gostei deste ensaio e também gostei daquele artigo. Não sei se gostei mais dum / de um se doutro / de outro / do outro
Quanto à existência de grupos de palavras que ocupam uma única posição sintáctica terminal, ela deve-se à intervenção de dois tipos de fenómenos que os casos de (6c) exemplificam: ministro-sombra é um composto morfo-sintáctico, ou seja, é uma palavra gerada a partir de uma expressão sintáctica; conferência de imprensa é uma estrutura sintacticamente analisável, mas a sua interpretação semântica exige que ela ocupe uma única posição terminal, constituindo-se como uma expressão sintáctica lexicalizada7. A definição semântica de palavra é ainda mais complexa do que as anteriores, dado que, por um lado, a semântica identifica o valor referencial das unidades linguísticas e, por outro, trata de operações sobre esse valor, como a determinação ou a quantificação. Esta distinção não coincide necessariamente com aquela que é dada pela delimitação das palavras fonológicas, nem com a identificação produzida pela análise sintáctica, mas permite estabelecer um contraste entre lexemas e operadores gramaticais: copo, por exemplo, é um segmento do contínuo sonoro a que está associado um lexema que garante a sua interpretação como ‘recipiente geralmente utilizado para beber’ e um operador que o quantifica como ‘singular’. A identificação dos lexemas recorre frequentemente à chamada forma de citação das palavras (que é a forma utilizada nos verbetes dos dicionários para identificar todo um paradigma flexional), grafando-a frequentemente em maiúsculas, de modo a evidenciar a distinção entre lexemas e palavras. Assim, voltando à sequência (1), pode considerar-se que os segmentos em (8a) identificam os lexemas presentes e que (8b) 14
regista os operadores: (8)
a.
INESPERADAMENTE MINISTRO-SOMBRA CONVOCAR CONFERÊNCIA DE IMPRENSA FINAL DEMITIR-SE
b.
O UMA E EM SINGULAR PRETÉRITO PERFEITO 3ª PESSOA-SINGULAR
A não coincidência do conceito de palavra nos domínios da análise fonológica e sintáctica pode ser observada numa palavra como ameixa, cuja forma é o resultado da intervenção de um processo de metanálise. Na definição de Mattoso Câmara (1956: 166), a metanálise é “um fenômeno que consiste em decompor mentalmente um vocábulo ou uma locução de maneira diversa do que determina a sua origem”. Com efeito, ameixa é uma palavra proveniente do adjectivo latino DAMASCEA (que ocorria na expressão PRUNA DAMASCEA), uma forma que pode ser traduzida pelo adjectivo damascena ou pela expressão de Damasco. Na evolução para o Português, a forma DAMASCEA foi provavelmente analisada como D’AMASCEA, ou seja, como uma sequência de duas palavras – preposição e nome. Só a segunda foi considerada na apropriação ao Português, pelo que a forma resultante é ameixa. A situação inversa também está atestada: a palavra alarme é o resultado de uma metanálise da expressão italiana all(e) arme ‘às armas’, ocorrida no Francês, mas transmitida a muitas outras línguas, nomeadamente ao próprio Italiano em formas derivadas como allarmare e allarmista. A definição de palavra em morfologia não coincide com nenhuma das anteriores. Para a morfologia, as palavras são estruturas, ou seja, são formas analisáveis em unidades menores a que se dá o nome de constituintes morfológicos8. No Português, por exemplo, para que uma dada estrutura seja reconhecida como uma PALAVRA é necessário que ela contenha um RADICAL (simples ou complexo, como veremos em seguida), um especificador morfológico, chamado CONSTITUINTE TEMÁTICO9, e um (ou dois) especificador(es) morfo-sintáctico(s), que realiza(m) a FLEXÃO 10 MORFOLÓGICA . Por outro lado, estes constituintes morfológicos são unidades lexicais, às quais estão associadas propriedades que condicionam 15
as suas possibilidades de ocorrência nas configurações aceites pelas condições sobre hierarquização dos constituintes, segundo as quais o constituinte temático deve associar-se ao radical para formar um tema e os sufixos de flexão devem associar-se ao tema para formar uma palavra. No Português, a estrutura morfológica básica11 pode, então, ser representada da seguinte forma12: (9)
PALAVRA
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
RADICAL
CONSTITUINTE TEMÁTICO
bel maravilh]os
o
s
PALAVRA
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
RADICAL
CONSTITUINTE TEMÁTICO
livr livr]eir
o
s
PALAVRA
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
RADICAL
lig des]lig
CONSTITUINTE TEMÁTICO
a
va
mos
Note-se que, para a análise morfológica, as palavras são, obrigatoriamente, formas flexionadas e cada forma flexionada é uma palavra diferente. As formas não flexionadas não são palavras – são temas ou radicais, ou seja, são constituintes da palavra. Retomando a sequência (1), pode, então, afirmar-se que, para a morfologia, as palavras aí presentes são as seguintes:
16
convocou
convocou
demitiu-se
e no final
de imprensa
se
demitiu
final
o
em
e
conferência de imprensa
uma
ministro-sombra
sombra
uma conferência
o
inesperadamente
ÁTOMOS SINTÁCTICOS
o ministro
mente
inesperada
PALAVRAS FONOLÓGICAS
DEMITIR-SE
FINAL
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
CONVOCAR
MINISTRO-SOMBRA
INESPERADAMENTE
LEXEMAS
demitiu-se
final
no
e
imprensa
de
conferência
uma
convocou
ministro-sombra
o
inesperadamente
ESTRUTURAS MORFOLÓGICAS
(10) inesperadamente o ministro-sombra convocou uma conferência de imprensa e no final demitiu se
A comparação do que pode ser considerado palavra em cada nível de análise linguística mostra que não existe coincidência absoluta de critérios em nenhum caso, justificando a necessidade de clarificar o conceito de palavra no que diz respeito à morfologia:
17
Do ponto de vista da ortografia, as palavras são sequências semanticamente interpretáveis e delimitadas por espaços em branco ou sinais de pontuação. Estas unidades podem coincidir com algumas das unidades que os diversos níveis de análise linguística identificam como palavras, mas também existem muitos casos de discordância. No que diz respeito à relação com a fonologia, pode observar-se a ortografia das sequências verbo-clítico. Note-se que a convenção ortográfica é distinta nos casos de próclise e de ênclise, reconhecendo graficamente duas unidades onde a fonologia identifica apenas uma: (i)
lhe disse
[ʎɨˈdisɨ]
disse-lhe [ˈdisɨʎɨ]
Mas a inversa também é verdadeira no que diz respeito a algumas palavras complexas onde a ortografia reconhece uma única palavra e a fonologia encontra duas: (ii)
claramente
[ˈklaɾɐ] [ˈmẽtɨ]
geofísica
[ˈʒɛɔ]
[ˈfizikɐ]
Quanto às discordâncias entre a sintaxe e a ortografia, por um lado, dizem respeito a todos os já referidos casos de contracção: (iii)
de+outro em+uma
doutro numa
Por outro, há casos em que a sintaxe encontra uma única palavra e a ortografia distingue várias, recorrendo ou não ao uso de um sinal gráfico específico (i.e. o hífen) para dar conta da atomicidade sintáctica: (iv)
copo de água (no sentido de festa de casamento) livre-trânsito
Quanto à variação na ortografia de sequências que a morfologia reconhece como palavras, ela diz particularmente respeito ao uso do hífen em palavras complexas, frequentemente motivada pela lexicalização de algumas destas palavras: (v)
previsão pré-campanha sociologia sócio-cultural
1.2 Análise Morfológica e Formação de Palavras Na secção anterior ficou estabelecido que a morfologia se dedica ao estudo das estruturas morfológicas, e que todas as palavras do Português são instâncias da configuração (9), seguidamente retomada:
18
(11)
PALAVRA
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
RADICAL
CONSTITUINTE TEMÁTICO
A existência de uma posição chamada FLEXÃO MORFOLÓGICA não deve ser entendida como uma exigência de realização morfológica de flexão, mas sim como uma restrição quanto ao lugar que a flexão pode ocupar na estrutura morfológica: a haver flexão, ela ocorre na sua posição canónica, que é a posição final. Com efeito, só há flexão morfologicamente realizada nos casos em que ela é solicitada pela categoria sintáctica do radical: os nomes e os adjectivos exigem flexão em número, os verbos flexionam em tempo-modo-aspecto e pessoa-número. Por outro lado, a existência de flexão não pode ser confundida com a existência de variação. Também nem todas as palavras admitem variação - há palavras variáveis e palavras invariáveis - mas a variação pode ser realizada pelo constituinte temático, como se verifica em alguns contrastes de género (cf. 12a), ou por flexão, como sucede com o contraste nominal de número (cf. 12b) e os contrastes verbais de tempo-modo-aspecto pessoa-número (cf. 12c): (12)
a.
bel]RADJ o bel]RADJ a mestr]RN e mestr]RN a doutor]RN Ø doutor]RN a
b.
belo]TADJ belo]TADJ s mestre]TN mestre]TN s
c.
canta]TV canta]TV canta]TV canta]TV
va va sse sse
s mos s mos
A variação realizada por flexão é inerente a cada categoria sintáctica, e a variação temática é idiossincrática, ou seja, é lexicalmente determinada por cada radical.
19
A configuração (11) descreve plenamente a estrutura das palavras simples (e.g. claro, sistema ou ligar), palavras em que a relação entre a forma, o significado e as propriedades gramaticais que lhes estão associadas é uma relação arbitrária e imprevisível. Estas palavras possuem um único radical, que é uma unidade lexical inanalisável, e sufixos que o especificam morfológica e morfo-sintacticamente, variando nas suas categorias de flexão: (13)
clar sistem lig
RADICAIS SIMPLES
o a a
s r
ESPECIFICADORES MORFOLÓGICOS
ESPECIFICADORES MORFO-SINTÁCTICOS
cf. claro cf. sistemas cf. ligar
No caso das palavras complexas, a posição do radical domina uma nova estrutura morfológica, que pode integrar um radical e um afixo (cf. clar-ificar, des-ligar) ou dois radicais (cf. ec-o-sistem-as), sendo que cada um dos radicais encaixados pode, por sua vez, ser uma nova estrutura morfológica (cf. clar-ifica-dor, re-des-ligar, micro-ec-o-sistema). Nestes casos, a configuração é expandida por ramificação do RADICAL: PALAVRA
(14)
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
CONSTITUINTE TEMÁTICO
RADICAL COMPLEXO
As palavras que possuem um RADICAL complexo são estruturas de afixação e de composição: as primeiras, predominantes no Português, resultam da concatenação de um afixo (prefixo ou sufixo) a um radical, um tema ou uma palavra; as segundas são geradas por concatenação de dois ou mais radicais: (15)
PALAVRA
TEMA RADICAL DERIVADO
BASE
clar clar ific a
FLEXÃO MORFOLÓGICA
CONSTITUINTE TEMÁTICO
SUFIXO
ific dor
a Ø
r
20
PALAVRA
FLEXÃO MORFOLÓGICA
TEMA
RADICAL MODIFICADO
PREFIXO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
BASE
des re
lig des-lig
a a
r r
PALAVRA TEMA
RADICAL COMPOSTO
RADICAL
ec micr
FLEXÃO MORFOLÓGICA
CONSTITUINTE TEMÁTICO
RADICAL
o o
sistem a ec-o-sistem a
As palavras complexas são (ou foram) geradas pela intervenção de processos de formação de palavras, cujo conhecimento constitui um segundo objecto de estudo da morfologia. Assim, de uma forma esquemática, pode dizer-se que a morfologia se ocupa, por um lado, da especificação (morfológica e morfo-sintáctica) do radical e, por outro, dos processos de formação de radicais complexos: (16)
ESPECIFICAÇÃO MORFOLÓGICA (FORMAÇÃO DO TEMA) ESPECIFICAÇÃO DE RADICAIS
ESPECIFICAÇÃO MORFO-SINTÁCTICA = FLEXÃO (FORMAÇÃO DA PALAVRA)
MORFOLOGIA
DERIVAÇÃO AFIXAÇÃO MODIFICAÇÃO
FORMAÇÃO DE RADICAIS COMPLEXOS
MORFOLÓGICA COMPOSIÇÃO MORFO-SINTÁCTICA
21
Nas palavras complexas, a relação entre a forma, o significado e as propriedades gramaticais que lhe estão associadas é uma relação motivada e previsível. Pelo menos no momento em que são geradas, já que a permanência no léxico pode afectar qualquer um destes aspectos, alterando apenas um deles ou uma combinação de vários. Consequentemente, é importante referir que os processos de formação de palavras disponíveis numa dada língua se baseiam no modelo das estruturas morfológicas existentes nessa língua, mas não em todas. A distinção crucial faz uso do conceito de composicionalidade: apenas as estruturas composicionais podem ser consideradas como base dos algoritmos de formação de palavras que possuem um índice de produtividade significativo.Vejamos, então, no que consiste esta propriedade de composicionalidade e como se caracterizam as estruturas que a não possuem, passando, seguidamente à distinção entre palavras possíveis, existentes e atestadas, ao cálculo da produtividade e à intervenção de factores de bloqueio na formação de palavras.
1.2.1 Composicionalidade e lexicalização A distinção entre palavras simples e complexas estabelece uma divisão fundamental no domínio das estruturas morfológicas, a que se deve associar uma segunda, que traça um contraste entre palavras complexas com uma estrutura composicional e palavras complexas lexicalizadas. Composicionalidade é um princípio estabelecido para a semântica, segundo o qual o significado de um todo é uma função do significado das partes. Em morfologia, composicionalidade é um princípio de análise das palavras complexas, que identifica aquelas cujas propriedades são integralmente determinadas pela sua estrutura e pelas propriedades dos seus constituintes. Por outras palavras, a composicionalidade é uma propriedade das palavras cujas forma e interpretação são funções directas da forma e da interpretação dos seus constituintes. Vejamos os seguintes exemplos: (17)
[ [ [ [gord] [ur] ] [os] ] [o] ] [ [ [janel] [inh] ] [a] ] [ [ [ [in] [ [ [evit] [a] ] [vel] ] ] [ment] ] [e] ]
Estas palavras são estruturas composicionais: gorduroso, por exemplo, é um adjectivo masculino, derivado do radical do nome gordura, por intermédio do sufixo de adjectivalização denominal –os(o/a), que forma adjectivos parafraseáveis pela expressão ‘que contém X’, em que X identifica a forma derivante; gordur- é o radical nominal de gordura, que,
22
por sua vez, deriva do radical do adjectivo gord(o/a), por intervenção do sufixo –ur(a), que gera nomes de qualidade parafraseáveis pela expressão ‘nome da propriedade do que é X’, e X, uma vez mais, remete para a forma derivante. São as palavras composicionais que permitem identificar as propriedades dos constituintes morfológicos e estabelecer configurações gramaticais para a formação de novas palavras. Quanto à lexicalização, trata-se de um processo de perda da composicionalidade, que actua de forma aleatória e imprevisível, sempre que pelo menos um dos constituintes morfológicos sofreu alterações semânticas ou formais ou é desconhecido para os falantes. A lexicalização pode, pois, afectar a interpretação da palavra, a sua forma, as suas propriedades gramaticais ou uma conjugação destes factores. A lexicalização semântica, que pode ser exemplificada por formas como sombrinha ou obrigação, consiste na intervenção de operações de extensão ou substituição do significado original da palavra: sombrinha, que corresponde a um diminutivo de sombra, é lexicalizado quando passa também a referir um ‘objecto cuja utilização produz uma pequena sombra’ e que acaba por referir um instrumento de protecção da chuva; obrigação, para além de referir ‘o acto ou efeito de obrigar’, designa um ‘título de dívida’ – neste sentido, é uma palavra lexicalizada. A lexicalização formal pode afectar qualquer uma das propriedades dos constituintes da palavra. A situação mais frequente diz respeito a palavras complexas, reconhecíveis como tal, mas cujos constituintes (ou algum deles) não correspondem a formas atestadas no Português. É o que se verifica com um grande número de palavras formadas noutras línguas e introduzidas no Português por empréstimo13. Os exemplos seguintes mostram as formas atestadas, a base disponível e a potencial forma composicional, que é agramatical14: (18)
agressão
agredi(r) cf. fundir
>
*agredição > fundição
construção
construi(r) cf. destruir
> >
*construição destruição
governamental govern(o) cf. teatro inimigo surrealismo
amig(o) cf. verdade realismo cf. casaca
> > >
*governal teatral
> *inamigo inverdade > >
*sobre-realismo sobrecasaca
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Uma palavra como portuguesmente exemplifica um outro tipo de lexicalização. Neste caso, tanto a base (i.e. português) quanto o sufixo (i.e. –mente) são formas atestadas no Português. O que aqui se verifica é a violação de uma restrição de selecção do sufixo: -mente selecciona adjectivos invariáveis e a forma feminina dos adjectivos variáveis. Sendo português um adjectivo variável (cf. português / portuguesa), a forma composicional deveria ser *portuguesamente. Esta, que é uma forma possível, não existe porque é bloqueada pela existência de portuguesmente, um advérbio formado muito provavelmente num momento em que os adjectivos em –ês eram invariáveis (o que ainda se verifica em alguns casos, como cortês). A lexicalização morfológica pode ainda afectar a totalidade de um paradigma flexional15. É o que se verifica, por exemplo, com os chamados verbos irregulares. Por outro lado, a lexicalização pode afectar uma dada forma flexionada, conduzindo à perda do vínculo com o seu paradigma flexional, o que se verifica com palavras como costas ou óculos, que permitem duas interpretações: ou se trata do plural composicional de costa e óculo; ou se trata de formas que não dispõem de uma contrapartida singular e às quais se associa um valor semântico completamente distinto: costas designa o ‘lado posterior do tronco’ e óculos refere uma ‘prótese ocular’. A lexicalização formal pode ainda afectar a realização fonética das palavras. É o que se verifica em casos como: (19)
a.
bondoso caridoso maldoso
cf. bondad(e) > cf. caridad(e) > cf. maldad(e) >
*bondadoso *caridadoso *madadoso
b.
previsão
[pɾɨviˈzɐ̃w̃ ]
cf. [pɾɛviˈzɐ̃w̃ ]
ecologia
[ekuluˈʒia]
cf. [ɛkɔluˈʒia]
corrimão
[kuʀiˈmɐ̃w̃ ]
cf. [kɔʀɨˈmɐ̃w̃ ]
matacão
[mɐtɐˈkɐ̃w̃ ]
cf. [mɑtɐˈkɐ̃w̃ ]
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Em (19a) O processo de lexicalização não afecta verifica-se a intervenção apenas estruturas morfológicas, como as de um processo de palavras complexas que acabam de ser haplologia que consiste referidas. Pode também afectar unidades na supressão de uma das sintácticas como aquelas que estão na base sílabas de um afixo que é de expressões como brincos de princesa, foneticamente idêntica pés de galinha ou velho mundo. A ou muito próxima da lexicalização é, nestes casos, estritamente semântica, mas se se considerarem palavras sílaba seguinte ou da como demão, fidalgo, aguardente ou anterior. (cf. clarabóia, conclui-se que que a femini(ni)smo, lexicalização de expressões sintácticas gratui(ti)dade, pode também afectar a sua realização (cf. her(da)deiro, de mão, filho de algo, água ardente, clara inven(ta)tivo ou bóia, mal me quer). tragi(co)comédia). A Estes são casos tradicionalmente tratados forma de base destas como compostos, mas estas formas não são palavras truncadas (i.e. geradas por formação de palavras, resultam bondad-, caridad- e da intervenção de um processo de registo maldad-) é mais difícil no léxico de uma convenção particular de reconhecer do que nos entre uma forma, um significado e uma função gramatical. A lexicalização de casos em que a sua expressões sintácticas também está forma não sofre presente em casos como maria vai com as modificações (cf. outras, esticar o pernil, levar a água ao cuidadoso). Em (19b), a seu moinho, para lá do sol posto ou lugar lexicalização é ao sol, que são, por vezes, designadas desencadeada pelo como expressões idiomáticas. desaparecimento de um domínio de acentuação: é o que se verifica nos casos de previsão, ecologia, corrimão ou matacão mas não em casos equivalentes como précampanha, ecossistema, corre-corre ou mata-ratos. Algumas palavras são objecto cumulativo de lexicalização formal e semântica. Veja-se, por exemplo, o caso de idoso, onde, para além da supressão de uma sílaba (cf. idad+oso), se verifica que o significado não é paralelo ao de bondoso ou cuidadoso: idoso não é uma ‘propriedade de quem tem idade’, mas sim de quem tem ‘muita idade’. As palavras são, pois, lexicalizadas quando a relação entre uma sequência de sons e o seu significado se torna uma relação arbitrária, o que é também uma característica das palavras simples. Pode, assim, concluirse que a lexicalização é um processo de transformação de estruturas complexas em simples, por intervenção de operações de mudança fonológica, morfológica ou semântica, que obscurecem ou impedem
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mesmo o reconhecimento da palavra complexa a partir do conhecimento dos seus constituintes morfológicos. Em suma, trata-se de um fenómeno de mudança linguística. A análise morfológica permite tornar explícito o grau de composicionalidade, ou, inversamente, a lexicalização das palavras complexas. Como o nome indica, o processo de lexicalização sugere o registo das palavras no léxico. Assim, as palavras composicionais são estruturas transparentes que podem mas não precisam de estar registadas no léxico. As palavras lexicalizadas, tal como as palavras simples, são estruturas opacas, obrigatoriamente registadas no léxico.
1.2.2 Palavras possíveis, existentes e atestadas Para se saber se uma dada palavra existe, é necessário verificar se se trata de uma estrutura bem-formada e se está devidamente associada a um valor semântico preciso. Sequências como suna, gratificagem ou preduzir, por exemplo, são interpretadas, por um falante do Português, como inexistentes nesta língua. As operações desencadeadas para produzir este tipo de juízo são operações diversas. No caso de suna, é a impossibilidade de interpretação semântica que origina o juízo de agramaticalidade; quanto a gratificagem, a identificação das sequências gratific– e –agem e o conhecimento da incompatibilidade da sua coocorrência, por um lado, e da compatibilidade da associação entre gratifica– e –ção (cf. gratificação), por outro, permitem a sua exclusão; à forma preduzir, e apesar de ser possível identificar as sequências pre– e – duzir que ocorrem em formas como preferir e produzir, não está associada qualquer interpretação semântica, o que, de novo, leva à sua exclusão. Mas não basta verificar se estão cumpridas as condições de boaformação. Os algoritmos de O léxico de uma língua é uma entidade formação de palavras, distinta da que constitui o léxico de um construídos exclusivamente falante. O léxico de uma língua é uma sobre estruturas entidade abstracta, que regista a morfológicas totalidade das palavras possíveis nessa composicionais, têm uma língua, sem fronteiras de tempo, espaço capacidade de geração de ou registo. O léxico de um falante, que é novas palavras muito maior frequentemente designado como léxico do que o que a realidade mental, corresponde à apropriação que requisita. Estes algoritmos esse falante faz do léxico da sua língua e é constituído pelas palavras existentes geram palavras potenciais, para esse falante. que, na sua totalidade,
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dificilmente são reconhecidas pelos falantes de uma língua como palavras existentes. Todas as palavras que correspondem a formações legítimas de um qualquer processo de formação de palavras recebem o nome de palavras possíveis. Palavras existentes são aquelas que formam um subconjunto das palavras possíveis porque são usadas ou reconhecidas pelos falantes. O juízo dos falantes é, pois, uma condição fundamental para a existência das palavras. Todas as palavras possíveis são estruturas morfológicas complexas bem-formadas. Quanto às palavras existentes, trata-se de palavras simples e complexas bem-formadas, mas também de estruturas complexas tornadas agramaticais pela intervenção de fenómenos de lexicalização. Note-se que muitas das palavras que os falantes reconhecem como palavras existentes não estão registadas na generalidade dos dicionários. Veja-se, por exemplo, o caso dos diminutivos: formas como bolinha, dedinho ou florinha são certamente palavras existentes, mas não estão dicionarizadas. Pode então recorrer-se ao conceito de atestação para traçar uma distinção mais clara entre palavras possíveis e palavras existentes: palavras possíveis são palavras não atestadas e palavras existentes são palavras atestadas, podendo a atestação de uma palavra pode vir de fontes escritas ou de registos orais: por outras palavras, a atestação decorre do uso e a dicionariazação decorre do uso do lexicógrafo, ou dos usos que o lexicógrafo acolhe.
1.2.3 Produtividade e bloqueio A produtividade é uma propriedade dos processos de formação de palavras que diz respeito à medida da frequência do seu uso. Se um dado processo de formação de palavras é muito frequentemente usado, então esse é um processo muito produtivo, se, pelo contrário, um processo de formação de palavras for raramente usado, então será um processo muito pouco produtivo. A identificação do grau de produtividade de um processo de formação de palavras não é uma operação fácil de definir, menos ainda de realizar e, no que diz respeito à morfologia do Português, está absolutamente por fazer. Com efeito, há diversos parâmetros de medida e a escolha de um ou de outro pode produzir resultados muito diferentes. O primeiro parâmetro é o da intuição dos falantes: para qualquer falante do Português, a formação de advérbios em –mente é sentida como muito
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produtiva; o mesmo se verifica com a formação de avaliativos em –inho ou –inha. No entanto, tanto um quanto o outro conhecem restrições (cf. *gordamente, *peruinho). Este é um parâmetro de avaliação subjectivo e inquantificável. Se a avaliação for feita em função do número de palavras possíveis, o resultado é virtual – nada obriga a que as palavras possíveis venham a tornar-se palavras existentes. A produtividade também pode ser medida por contagem das palavras formadas por um dado processo de formação de palavras e reconhecidas como palavras existentes. Este é um parâmetro de avaliação quantificável, mas não mede a produtividade potencial. Se, no entanto, a contagem for feita com intervalos temporais regulares, a curva dos resultados obtidos é a que melhor se aproxima da avaliação da produtividade do uso. A produtividade dos processos de formação de palavras pode ser afectada por diversos factores. O primeiro diz respeito ao tipo e ao número de restrições que o processo impõe sobre a sua base e à existência de afixos concorrentes. A formação de nomes de qualidade, por exemplo, dispõe, no Português, de diversos recursos: (20)
escass-ez rebeld-ia podr-idão debil-idade doç-ura
A existência de tantos sufixos concorrentes, já que todos têm idênticas propriedades de selecção, associando-se a formas adjectivais, enfraquece a produtividade de cada um, havendo razões que levam ao favorecimento de alguns e razões que levam ao enfraquecimento de outros. O sufixo –idade, por exemplo, beneficia do facto de ser potenciado por um outro sufixo que é –vel16: (21)
aceitabil-idade aplicabil-idade culpabil-idade infalibil-idade navegabil-idade
Em contrapartida, a produtividade de um sufixo como –ez não pode deixar de ser afectada pelo facto de este sufixo dispor de um alomorfe (-eza) e da distribuição das duas formas ser sensível a uma propriedade prosódica da base, relacionada com a sua extensão17:
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(22)
altiv-ez avid-ez limpid-ez pequen-ez
clar-eza dur-eza fri-eza riqu-eza
Um segundo factor que pode perturbar a produtividade é o da utilidade ou necessidade de formação da nova palavra. Este tipo de restrição, que tem sido referido na literatura por bloqueio (cf. Aronoff 1976: 43-45), é definido como um fenómeno que impede a ocorrência de uma palavra devido à existência de uma outra. É de admitir que seja por bloqueio que a forma *portuguesamente não faz parte do léxico do Português. No entanto, este fenómeno de bloqueio tem uma intervenção frequentemente aleatória. Note-se que, num caso paralelo ao de portuguesmente, como o da formação de nomes em –ção a partir de verbos como construir ou destruir, o bloqueio intervém para impedir a ocorrência do nome *construição, mas não interfere na formação do nome destruição. Assim, e à semelhança de Di Sciullo e Williams (1987), deve concluir-se que o bloqueio não é um princípio geral, mas sim a expressão de uma tendência para a economia no léxico, que consiste em evitar situações de sinonímia. Evitar situações de sinonímia não significa, porém, impedi-las. Assim, e ainda que a tendência seja para a especialização de significados, é possível encontrar casos de sinonímia absoluta: (23)
congelação / congelamento chavinha / chavezinha livrinho / livrito
Um último factor de perturbação da produtividade dos processos de formação de palavras está relacionado com um fenómeno de moda ou popularidade do uso. Veja-se o caso de super- que tende a bloquear a formação do superlativo ou, mais notoriamente, a do aumentativo em –ão (cf. super-caro vs. caríssimo; super-carro vs. carrão).
1.3 A Morfologia na Gramática A descrição das estruturas morfológicas e dos processos de formação de palavras são tarefas que cabem à morfologia num dado quadro teórico de análise gramatical. Tomemos como referência um modelo de gramática constituído por módulos com funções próprias e distintas, inspirado nas propostas da teoria generativa, cujos pressupostos e programa são assim formulados em Chomsky (1986: 3-4):
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The generative grammar of a language (where ‘generative’ means nothing more than ‘explicit’) is a theory that is concerned with (...) those aspects of form and meaning that are determined by the ‘language faculty’, which is understood to be a particular component of the human mind. [...] The nature of this faculty is the subject matter of a general theory of linguistic structure that aims to discover the framework of principles and elements common to attainable human languages; this theory is now often called ‘universal grammar’ (UG).
Este quadro permite conceber a morfologia como o subsistema da gramática que contém o conjunto de princípios responsável por uma boa parte dos processos de formação de palavras. Este subsistema da gramática que é a morfologia relaciona-se com outros subsistemas e, em particular, com o léxico, a fonologia e a sintaxe. O léxico, porque se trata de um repositório de unidades linguísticas aonde as estruturas morfológicas vão buscar as suas unidades terminais e porque é no léxico que a morfologia deposita o resultado das suas capacidades neológicas. Dado que a relação entre a morfologia e o léxico é uma relação multifacetada e de grande proximidade, dela se ocupará o capítulo 2. Por outro lado, a morfologia e a sintaxe são módulos de construção de expressões linguísticas: a morfologia gera palavras; a sintaxe gera frases. A relação entre a morfologia e a sintaxe assenta no facto de as unidades produzidas pela morfologia, ou seja, as palavras, serem as unidades terminais das estruturas sintácticas. (24)
Estrutura sintáctica …
Palavra= Núcleo sintáctico
Tema Radical = Núcleo morfológico
… …
Quanto à fonologia, trata-se de um módulo que determina a realização fonética das unidades que constituem os enunciados linguísticos, em função das suas propriedades fonológicas inerentes e da sua integração em sequências. Consequentemente, a fonologia opera sobre as unidades geradas pela morfologia e pela sintaxe, mas também fornece informação necessária ao processamento morfológico, como, por exemplo,
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a que se relaciona com os fenómenos de alomorfia18.
1.4 Os Estudos de Morfologia Durante séculos, os estudos de morfologia ocuparam um largo espaço na descrição gramatical, mas o grande número de páginas que lhes era dedicado era também quase exclusivamente utilizado para a apresentação dos paradigmas regulares de variação das palavras (os verbos regulares da primeira conjugação, a flexão dos substantivos ou o grau dos adjectivos) e a exaustiva enumeração das chamadas ‘excepções’ (os verbos irregulares da terceira conjugação ou o plural dos compostos). Pelo contrário, o conhecimento da formação de palavras, por afixação ou por composição, recebia, quase sempre, uma sumária atenção. A situação é assim referida por Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1913, 1946: 45, 47-49), na introdução a uma das suas Lições: A história da sufixação, prefixação e composição portuguesa está por escrever. Há, isso sim, em cada gramática portuguesa destinada ao ensino secundário oficial, um capítulo sobre derivações e composição, com listas dos sufixos e prefixos que servem actualmente para a formação de substantivos, adjectivos e verbos, ordenados ora alfabeticamente, ora segundo as funções que eles exercem. Mas os fins práticos e restritos dessas obras não admitem que a matéria seja tratada exaustivamente, nem mesmo com certa extensão e intensidade. Na Gramática de Jules Cornu (...) os sufixos figuram apenas como material comprovativo das regras fonéticas. Nas obras de glotólogos portugueses (…) há bastantes informações acerca de processos de derivação e de composição. Mas só pormenores soltos. Nenhum estudo sistemático, como o exige a colheita abundante que se pode extrair dos textos arcaicos, dos dialectos, do idioma galego e dos seus congéneres em Leão e Astúrias; e em especial da linguagem portuguesa familiar, com os seus modos variadíssimos de acumular sufixos, ora segundo normas tradicionais, ora sem se importar com padrões preexistentes. (...)
Esta terá sido uma lição propedêutica, já que termina com um apelo. Quase um século mais tarde, a situação não é muito diferente e que o convite pode ser reiterado: Não dizemos que alguém possa desde já fazer um trabalho completo, definitivo. Há muito que coleccionar e apurar ainda. (...) Os estudantes desta cadeira muito embora não queiram ser filólogos romanistas, aprenderiam praticamente algo de metodologia, se na sua carteira assentassem, não direi dia a dia, mas oportunamente, as formações familiares espontâneas, bem ou mal inventadas, que lêem, ouvem ou enunciam, e que lhes pareçam ser neologismos ou vulgarismos. (...) Coleccionações e análises morfológicas são relativamente fáceis,
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interessantes e compensadoras. E eu teria prazer e orgulho em ter discípulos que nos ajudassem a resolver problemas ainda pendentes.
No século XX, o modelo de descrição da gramática tradicional, a que Hockett (1958) viria a dar o nome de Palavra e Paradigma, por privilegiar o conhecimento extensional dos paradigmas de flexão, vai encontrar alternativas. Talvez por reacção à posição central que a flexão ocupou nas gramáticas de modelo latino, a atenção dada à morfologia pelos estudos linguísticos foi quase nula até aos anos 80, diluindo-se nos estudos de fonologia e sintaxe. No domínio da fonologia, surge o chamado modelo Item e Arranjo, que procede à segmentação das palavras em morfemas e descreve o modo como estes morfemas se organizam linearmente, ou seja, quais são as suas relações de precedência. O terceiro modelo de análise surge para tentar resolver os problemas da chamada morfologia não-concatenativa, ou seja, dos casos em que se pretende estabelecer uma relação morfológica entre palavras, mas essa relação não pode ser descrita por adição, subtracção ou substituição de material morfológico. Este modelo, que opera por substituição de uma forma abstracta (como os lexemas, por exemplo) por uma palavra flexionada, é chamado Item e Processo. O contributo da teoria generativa, particularmente com Aronoff (1976), Selkirk (1982), Williams (1981) e Lieber (1992) consistiu em adoptar os métodos da análise sintáctica à análise morfológica. É neste quadro que surgem as propostas de análise X-barra em morfologia e a discussão acerca do conceito de núcleo morfológico, e é neste quadro de referência que se inscreve a presente descrição da morfologia do Português.
Tópicos de Recapitulação Geral A morfologia trata de palavras e, neste domínio da análise linguística, as palavras são definidas como estruturas que nascem da especificação morfológica e morfo-sintáctica de um radical, respectivamente pelo constituinte temático e pelos sufixos de flexão, como veremos nos capítulos seguintes. PALAVRA
TEMA
RADICAL
FLEXÃO MORFOLÓGICA
CONSTITUINTE TEMÁTICO
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Esta é a estrutura morfológica que descreve plenamente as palavras simples do Português, ou seja, as palavras cujo constituinte temático é formado por um único constituinte morfológico. A gramática das línguas naturais dispõe, no entanto, de diversos processos de formação de palavras, responsáveis pelo aparecimento de novas palavras. Alguns desses processos têm uma natureza morfológica, gerando palavras complexas. Neste caso, o radical é formado por mais de um constituinte morfológico, que pode ser uma base (radical, tema ou palavra) e um afixo (prefixo ou sufixo), se se tratar de uma estrutura de afixação (derivação ou modificação), ou dois (ou mais) radicais, se for uma estrutura de composição (morfológica ou morfo-sintáctica).
MORFOLOGIA
especificação de radicais
formação do tema por especificação morfológica
formação de radicais complexos afixação derivação modificação
formação da palavra por especificação morfo-sintáctica = flexão
composição morfológica morfo-sintáctica
Os processos morfológicos de formação de palavras geram palavras composicionais, ou seja, palavras cuja estrutura e interpretação respeitam todas as propriedades dos constituintes presentes e do processo em questão. Todas as palavras que um processo morfológico pode gerar, independentemente do seu grau de produtividade, são palavras possíveis, ou seja, são palavras resultantes da intervenção de um processo morfológico disponível, mas nem todas são palavras existentes, ou seja, nem todas chegam de facto a ser usadas pelos falantes. A existência de uma palavra depende, pois, da sua boa-formação, da inexistência de qualquer factor de bloqueio ao seu aparecimento e da sua atestação.
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A existência de uma palavra complexa é frequentemente afectada por fenómenos de natureza formal ou semântica, como as assimilações fonéticas, o desrespeito pelas propriedades gramaticais dos constituintes ou as alterações do significado. A intervenção de um ou mais destes fenómenos provoca um efeito de erosão na palavra complexa, conduzindo à sua lexicalização, ou seja, à perda da informação sobre a sua estrutura interna, e, em última análise, à sua progressiva transformação em palavra simples. As palavras lexicalizadas podem ser analisadas morfologicamente, mas não podem determinar padrões de formação de palavras. A análise morfológica, quer no que diz respeito à descrição das estruturas existentes quer no que toca à caracterização dos processos de formação de palavras, não pode ser feita fora de um modelo de análise linguística global, nomeadamente no que diz respeito ao léxico, à sintaxe e à fonologia. Ao léxico, a morfologia vai buscar as unidades lexicais que são os seus constituintes morfológicos terminais e que são portadores de um conjunto de informações determinantes para a sua ocorrência numa estrutura morfológica. À sintaxe, a morfologia entrega as palavras e a especificação que é sintacticamente relevante. E, por último, à fonologia a morfologia entrega uma estrutura abstracta que precisa de ser fonologicamente processada, de modo a poder vir a ser foneticamente realizada.
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Exercícios 1. O que é uma palavra? 2. Como se define palavra em morfologia? 3. As estruturas morfológicas podem ser simples ou complexas. Dê cinco exemplos de palavras simples (com três ou mais sílabas) e cinco exemplos de palavras complexas. 4. Como classifica as seguintes palavras do Português no que diz respeito à complexidade da sua estrutura morfológica: abre-latas cantássemos clareza esclarecer livralhada
mini-prato mordomia olhos reavaliação sintoma
5. Como se distingue uma palavra composicional de uma palavra lexicalizada? 6. Impressão, solúvel e persecutório são palavras lexicalizadas. Que forma precisariam de ter para ser composicionais? 7. Indique cinco palavras complexas composicionais e cinco palavras complexas lexicalizadas. 8. Considerando que –ção é um sufixo que forma nomes a partir de temas verbais (e.g. continua-ção), indique cinco casos que correspondam a palavras bem-formadas por este sufixo, mas nãoatestadas no Português Europeu contemporâneo. 9. As palavras imprimição, solvível e perseguitório são estruturas morfológicas bem-formadas, mas não são palavras existentes. O que impede o seu aparecimento? 10. Tanto o sufixo –ção quanto o sufixo –mento se associam a temas verbais para formar nomes de acção (cf. continuação, fortalecimento). Procure avaliar a produtividade de cada um deles, tendo em conta os valores potenciais.
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Leituras Complementares ARONOFF, M. E ANSHEN, F. 1998 Morphology and the lexicon: productivity Spencer e Zwicky (1998: 237-247)
lexicalization
and
BASÍLIO, M. 2004 Formação e Classes de Palavras no Português do Brasil São Paulo: Contexto ROSA, M. C. 2000 Introdução à Morfologia São Paulo: Contexto SPENCER, A. E ZWICKY, A. 1998 The Handbook of Morphology Oxford: Blackwell VILLALVA, A. 1994 Estruturas Morfológicas. Unidades e Hierarquias nas Palavras do Português 2000 Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
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Capítulo 2. O Léxico do Português
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Objectivos Neste segundo capítulo pretende-se apresentar os aspectos do conhecimento do léxico do Português. Aqui se inclui: • • •
uma breve descrição da história do léxico do Português uma explicitação dos conceitos de neologismo, arcaísmo, dialectalismo a identificação de recursos não-morfológicos para a formação de palavras
No final desta unidade, o aluno deverá conhecer: •
• •
as principais características históricas do léxico do Português o base latina o substratos o superstratos o conceito de neologismo alguns recursos não-morfológicos para a formação de palavras, como: o invenção de palavras o onomatopeia o redobro o amálgama o eponímia o extensão semântica o truncamento o acronímia o formação de siglas o abreviação o empréstimo
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A identificação do conjunto de palavras que constitui o léxico de uma língua é uma tarefa difícil de cumprir. Num livro intitulado Catalogue des Idées Reçues sur la Langue, Marina Yaguello (1988: 87) afirma o seguinte1: Les mots de la langue constituent (...) un ensemble aux contours incertains. On ne peut pas dénombrer les mots d'une langue. Tout au plus peut-on donner un ordre d'idée. La diversité des registres, l'abondance des argots et jargons spécialisés, le fait que certains mots tombent en désuétude tandis que de nouveaux mots sont crées tous les jours rendent tout décompte arbitraire.
É certo que para a maioria das línguas conhecidas existem dicionários, vocabulários e outros inventários de palavras, que recobrem partes mais ou menos extensas do léxico2, mas também é sabido que nenhum destes objectos é exaustivo e que a informação que facultam é seleccionada pelos seus autores e é frequentemente assistemática, variando de entrada a Existem muitas espécies de dicionários, que entrada. É, pois, variam em função da cobertura que oferecem e do difícil alcançar tipo de informação que disponibilizam. Quando se uma fala em dicionários, pensa-se quase sempre em caracterização dicionários monolingues, que registam o léxico global do léxico geral de uma língua e veiculam uma informação de uma língua a gramatical sumária e paráfrases das diversas partir da consulta significações. De fora ficam, em geral, arcaísmos, deste tipo de dialectalismos e neologismos, ou seja, palavras objectos, devendo consideradas como desvios à norma. Usos o conhecimento particulares podem, no entanto, recorrer a dicionários de outros tipos, como os dicionários do léxico em plurilingues, os dicionários inversos ou dicionários extensão dar lugar especializados, como os etimológicos ou os a um dicionários técnicos dedicados a uma dada língua conhecimento de especialidade. qualitativo. Mais A vulgarização dos chamados dicionários do que a electrónicos tem vindo a tornar possível a enumeração das concentração de informação num único objecto, o palavras que o que constituía um obstáculo inultrapassável para compõem, a os dicionários apresentados em suporte-papel. caracterização do léxico exige o reconhecimento das suas principais propriedades históricas e sincrónicas, o que constitui o objecto de estudo da lexicologia. Vejamos, então, como se apresenta o léxico do Português. No presente capítulo começaremos por fazer uma breve descrição da evolução do léxico do Português, para, em seguida, identificar alguns dos fenómenos de perdas e ganhos no léxico desta língua, apresentando
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conceitos como neologismo e arcaísmo. Dado que os capítulos seguintes se dedicam exclusivamente às questões morfológicas, veremos aqui que também existem recursos não-morfológicos de formação de palavras, sendo o empréstimo um dos mais relevantes.
2.1 Herança Latina, Substratos e Superstratos Tal como a própria língua, o léxico do Português está ancorado no léxico latino e, em particular, no léxico do Latim falado no noroeste da Península Ibérica durante a vigência do Império Romano3, que, segundo Piel (1976), se começa a diferenciar do Latim falado noutras regiões por volta do século V d.C. Nem as línguas faladas nesta região antes da ocupação romana conseguiram subsistir à colonização linguística latina, nem as línguas dos posteriores ocupantes foram capazes de suplantá-la. Palavras como as de (1) exemplificam a monumental herança lexical latina e permitem observar algumas das alterações fonéticas que acompanharam a passagem do Latim ao Português: (1)
CAPILLUM CLAMARE DOLORE FILIUM LACTE LUNA PLACERE REGINA
> > > > > > > >
cabelo chamar dor filho leite lua prazer rainha
Há, no entanto, alguns vestígios das línguas pré-romanas existentes na Península Ibérica até ao século II a.C., habitualmente designadas por substratos: Castro (1991) refere as palavras camurça, esquerdo e chaparro, como exemplos dos substratos mediterrânico, proto-basco e ibero, respectivamente. Os superstratos, ou seja, as línguas faladas pelos ocupantes da Península Ibérica findo o domínio romano, também deixaram vestígios no Português4. Segundo Castro (1991: 151), as palavras registadas em (2) constituem verdadeiras formas de superstrato germânico na Península Ibérica, dado que não ocorrem fora deste território: (2)
GASALJA SPITUS GANS LOFA RAUBA
companheiro espeto ganso palma da mão despojos tomados ao inimigo
> > > > >
agasalhar espeto ganso luva roupa
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Os vestígios lexicais do superstrato árabe são mais abundantes. Os exemplos seguintes mostram que estes empréstimos incorporam frequentemente um determinante com a forma al- (cf. 3a) ou esta mesma forma modificada por assimilações fonéticas desencadeadas pela palavra que precede, ocorridas na língua de origem (cf. 3b, 3c e 3d), ou outros tipos de alteração fonética (cf. 3f e 3g): (3)
a.
AL-QATIFA AL-QUFFA
> alcatifa > alcofa
b.
AR-RUZZ AR-RABAD
> arroz > arrabalde
c.
AS-SUTEYHA AS-SUKKAR
> açoteia > açúcar
d.
AT-TUNN
> atum
e.
AL-MAHAZÉN AL-GULLA
> armazém > argola
f.
AD-DAYHA AD-DAHÁ'IM
> aldeia > andaime
Os arabismos que não são precedidos pelo determinante são menos numerosos e podem ter sido integrados no Português de um modo diferente dos anteriores, nomeadamente em fase posterior ou por intermédio de uma terceira língua5. (4)
a. HANBAR WA XÁ,LLÁH XARÁB
b. MISKIN HAXXÍXÍN SUFFA
6
1256 e queira Deus, 1495 bebida, poção, séc. xiii
> âmbar > oxalá > xarope
pobre, infeliz, do Castelhano consumidor de haxixe, do Italiano esteira; coxim, do Francês
> mesquinho > assassino > sofá
Cronologicamente, segue-se a constituição do Português como língua, facto localizável entre o século IX e o século XIII7. Mas a caracterização histórica do seu léxico não termina aqui. Dos contactos com outras línguas, ao sabor de alianças políticas, lutas pela preservação das fronteiras e da nacionalidade, ou desejos de conquista do mundo, surgem novas palavras a que se dá o nome geral de empréstimos e nomes particulares determinados pela designação na língua de origem8.
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A etimologia é uma disciplina que procura informação acerca da história das palavras, até encontrar o seu étimo, que é a forma mais antiga da palavra, de que há conhecimento. O confronto da palavra com o seu étimo mostra, por vezes, alterações que não são meramente linguísticas. O nome de alguns meses do ano, por exemplo, preserva a memória de calendários já abandonados: é o caso de Setembro, o sétimo mês do ano romano, Outubro, o oitavo, Novembro, o nono e Dezembro, o décimo.Noutros casos, a distância fonética entre o étimo e a forma contemporânea só se compreende à luz de uma qualquer reinterpretação. Esse pode ser o caso de alfinete, proveniente do Árabe AL-HILÂL, mas talvez contaminado pela forma de fino, que é uma das suas propriedades (note-se que em Castelhano a forma cognata é alfiler). Etimologia popular é o nome dado a hipóteses etimológicas fantasiosas, geralmente associadas a uma história curiosa e plausível, mas que não encontra confirmação na observação dos dados conhecidos. É o que se verifica, por exemplo, com a filiação do adjectivo sincero na expressão SINE CERA (‘sem cera’), que aludiria a um episódio sobre a qualidade de vasos em cera. Esta hipótese não é confirmada por etimologistas respeitados como Ernout e Meillet, autores de um dicionário etimológico do Latim.
2.2 A Neologia As palavras que não fazem parte do léxico de uma língua desde a sua fundação como língua são ou foram neologismos. Neologismos são, pois, palavras que, num dado momento da existência de uma língua são consideradas palavras novas, como telemóvel, cujo aparecimento no final do século xx motivou a integração da palavra no léxico do Português. É fácil constatar que muitas das palavras que integram o léxico de uma língua foram, no passado, neologismos – basta olhar para a data da sua primeira atestação. Veja-se, por exemplo, a definição de Cunha (1996) para a palavra penicilina: (5)
penicilina Substância formada no crescimento de certos fungos, com acentuada acção antibiótica, descoberta pelo inglês A. Fleming, em 1928, e obtida em 1941, pelo australiano Howard Florey e pelo alemão Ernst Chain. XX. Do lat. cient. penicillina, do nome científico do fungo Penicillium notatum.
O aparecimento da palavra não pode ser anterior ao aparecimento da substância que ela refere. Com efeito, o Dicionário Houaiss data a palavra de 1929, filiando-a na palavra inglesa penicillin, por sua vez
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formada a pertir do radical latino PENICILL(IUM) e –in, um sufixo semelhante ao sufixo português –ina, responsável pela formação de nomes como propriedade de substância (cf. acromatina, dextrina), ou como efeito da substância (cf. morfina, ocitonina, narcotina, pepsina). Alguns dicionários registam justamente a data da primeira atestação de palavras que, nesse momento, eram neologismos. É o que se verifica no Oxford English Dictionary, que indica a primeira ocorrência das palavras, como se exmplifica em (6). O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Cunha (1996), atribui às palavras portuguesas equivalentes datações bastante diferentes. Isto não significa que estas palavras tenham entrado no léxico do Português muito mais tarde do que os seus equivalentes ingleses no léxico do Inglês, mas indicia a fragilidade da lexicografia portuguesa9. Com efeito, as datas que ocorrem não referem necessariamente o documento que encerra a primeira atestação da palavra, embora tal possa suceder, mas, mais frequentemente, a data do primeiro registo lexicográfico da palavra10. (6)
OED
Cunha (1996)
Houaiss (2001)
temperature
1531
temperatura
1813
temperatura
1813
logarithm
1615
logaritmo
1813
logaritmo
1676
neurosis
1776
neurose
1899
neurose
1899
oxygen
1790
oxigénio
XIX
oxigénio
1836
metabolism
1878
metabolismo
1899
genetics
1901
genética
XX
metabolismo 1877 genética
1939
Independentemente do momento em que surgem, os neologismos devem ser analisados quanto à sua génese. Não existe uma só maneira de gerar neologismos, existem diversas: alguns neologismos são palavras inventadas ou criadas, de forma mais ou menos aleatória, a partir de palavras já existentes, outros são palavras introduzidas na língua por empréstimo a outras línguas e outros ainda são palavras formadas a partir dos recursos morfológicos disponíveis na língua. A criação de neologismos encontra na morfologia uma potente ferramenta, que tem como fortes aliados a sistematicidade e previsibilidade, mas não se esgota aí.
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2.3 Recursos Não-morfológicos na Formação de Palavras Nesta secção, o propósito é mostrar alguns fenómenos de criação de palavras que por vezes são apresentados também como domínio da morfologia, mas que, em rigor, não o são. Formas como bezidróglio, que teve uma vida efémera num concurso de televisão dos anos 70 do século XX, ou como escanifobético, podem ser inventadas, sendo o produto da criatividade dos falantes, basta que a sequência fonética resultante seja reconhecível como uma palavra dessa língua e que a sua categorização sintáctica seja plausível. Este tipo de invenção de palavras, totalmente imotivado, é um processo por vezes utilizado na criação literária. É o que se verifica nos seguintes textos: Ditirambo, de Mário Cesariny meu maresperantotòtémico minha màlanimatógrafurriel minha noivadiagem serpente meu èliòtròpolipo polar meu fiambre de sol de roseira minha musa amiantulipálida meu lustrefrenado céu grande minha afiàurora manhã minha fôgoécia de estátuas minha labrioquimia cerrada minha ponta na terra meu arsgrima meu diamantermita acordado!
Urânia, de Jorge de Sena Purília amancivalva emergidanto, imarculado e rósea, alviridente, na azúrea juventil conquinomente transcurva de aste o fido corpo tanto... Tenras nadáguas que oculvivam quanto palidiscuro, retradito e olente é mínimo desfincta, repente, rasga e sedente ao duro latipranto. Adónica se esvolve na ambolia de terso antena avante palpinado. Fímbril, filível, viridorna, gia em túlida mancia, vaivinado. Transcorre uníflo e suspentreme o dia noturno ao lia e luçardente ao cado.
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Estórias Abensonhadas, de Mia Couto (…) Estava já eu predisposto a escrever mais uma crónica quando recebo a ordem: não se pode inventar palavra. (...) Siga-se o código e calendário das palavras, a gramatical e dicionárica língua. Mas ainda, a ordem era perguntosa: 'já não há respeito pela língua-materna?' Não é que eu tivesse a intenção de inventar palavras. (...) Mas a ordem me deixou desesfeliz. (...) sou um homem obeditoso aos mandos. Resumo-me: sou um obeditado. [...) Nunca ponho três pontos que é para não pecar de insinuência. (...) Agora acusar-me de inventeiro, isso é que não. Porque sei muito bem o perigo da imagináutica. Às duas por triz basta uma simples letra para alterar tudo. (...) Entijole-se o homem com tendência a imaginescências. Voltando à língua fria: não será que o português não está já feito, completo, made in e tudo? Porquê esta mania de usar os caminhos, levantando poeira sem a devida direcção? Estrada civilizada é a que tem polícia, sirenes serenando os trânsitos. Caso senão, intransitam-se as vias, cada um conduzindo mais por desejo que por obediência. (...) Por causa dessas contribuições dispérsicas que chegam à língua sem atestado nem guia de marcha. (...) E montavam-se postos de controlo, vigilanciosos.(...) Uma espécie de milícia da língua, com braçadeira, a mandar parar falantes e escreventes. (...) E mesmo antes da resposta, eu, arrogancioso: - Não pode passar. Deixa ficar tudo aqui no posto. (...) a vida é uma grande fábrica de imagineiros e há muita estrada para poucos vigilentos.
Ainda que todos estes casos possam ser considerados como invenções, a verdade é que nem todas estas invenções correspondem a criação completamente original. O leque abre-se com a suposta motivação sonora da onomatopeia, e desvenda-se na utilização mais ou menos aleatória e assistemática de dados da própria língua, como se verifica nos casos de amálgama, eponímia ou de operações semânticas sobre as palavras. Vejamos, com um pouco mais de atenção, o que se passa em cada um destes domínios. As palavras onomatopaicas11 são formadas por uma sequência de sons da fala que pretende reproduzir um dado estímulo sonoro não-verbal. No Português Europeu, a criação de palavras onomatopaicas é muito pouco frequente e as formas atestadas também não são muito numerosas: (7)
atchim ou atxim chio trás zás
nome masculino nome masculino interjeição interjeição
Em geral, estas palavras são usadas em registos particulares, como o da banda desenhada ou a interacção verbal com crianças, por exemplo, na designação de alguns animais ou das suas ‘vozes’:
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(8)
cocorócocó cricri gluglu piopio miau
nome masculino nome masculino nome masculino nome masculino nome masculino
= voz do galo = voz do grilo = voz do perú = ave = gato e voz do gato
Excepcionalmente, a sequência fonética que reproduz o som é formada por uma expressão linguística: é o que se verifica com a designação informal do colibri como bem-te-vi, ou da galinha de angola como (es)tou-fraca (ambas atestadas no Português do Brasil). Note-se que estas redobro (também chamado palavras integram uma O reduplicação) é um processo de criação de onomatopeia mas também. frequentemente, palavras que consiste na repetição de uma palavra já existente e que é frequentemente os constituintes uma forma verbal, como cai-cai ou dóimorfológicos exigidos dói. pela sua integração numa Aparece frequentemente associado a outros dada categoria (cf. miar, processos de criação de palavras, como a piar, zumbir, zurrar). As onomatopeia (cf. zunzum) e o truncamento formas onomatopaicas (cf. vóvó), e particularmente na formação podem também servir de de hipocorísticos, que são a versão base à formação de carinhosa de palavras existentes (cf. Nônô). palavras, mas o formato é quase sempre aleatório, com inserção de sons que tornem a sequência fonética plausível, ou fazendo uso dos mecanismos de redobro: (9)
clique → clicar popó tautau tlim → tilintar tique-taque toctoc
Em muitos casos, as formas onomatopaicas são empréstimos de outras línguas, inclusivamente do Grego Antigo e do Latim: •
Gr. MU ‘gemido’ Lat. SUSSURRARE Fr. froufrou Ing. ping-pong
Lat. MURMURARE
Pt. murmurar Pt. sussurrar Pt. frufru Pt. pingue-pongue
A existência de empréstimos não impede que diferentes línguas recorram à onomatopeia para formar palavras com um idêntico valor referencial, mas diferentes realizações fonéticas, o que mostra como a motivação física da onomatopeia é frágil e menos motivada do que se esperaria. No exemplo seguinte pode ver-se que ou os cães latem de forma
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diferentes em diferentes países, ou a onomatopeia é tão convencional e arbitrária quanto qualquer outro signo linguístico: (11)
Portugal Brasil França Alemanha Estados Unidos da América
ão ão au-au whou whou vow vow ruf ruf
A amálgama é um processo de combinação aleatória de segmentos de palavras, que consiste, geralmente, na justaposição da primeira parte da primeira palavra à última parte da segunda (cf. 12a), mas outras combinações são possíveis (cf. 12b): (12)
a.
fidalgo você (vossemecê, vomecê)
filho + de +algo vossa + mercê
b.
modem posat telex
modulator demodulator portuguese sattelite teleprinter exchange
Algumas destas formas estão plenamente integradas no léxico do Português (cf. 12a), outras são sentidas como neologismos mais ou menos familiares e mais ou menos efémeros (cf. 13a e 13b): (13)
a.
analfabruto camurso nim franglês portunhol
analfabeto + bruto camelo + urso não + sim francês + inglês português + espanhol
b.
barrigordo bebemorar borbotixa catastróica cavaquistão showmício teatreca
barrigudo + gordo beber + comemorar borboleta + lagartixa catástrofe + perestróica Cavaco + (X)istão show + comício teatro + biblioteca
Este recurso é frequentemente utilizado na construção de nomes de empresas: (14)
Petrogal Portucel
petróleo + Portugal Portugal + celulose
E é também um recurso muito usado por alguns criadores literários. Retomando os exemplos de Cesariny, Sena e Mia Couto, constata-se a existência de casos de amálgama em todos eles:
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(15)
diamantermita insinuência nadáguas noivadiagem palidiscuro suspentreme vigilentos
diamante + térmita insinuação + insolência nádegas + águas noiva + vadiagem pálido + escuro suspende + treme vigilantes + lentos
Algumas das formas geradas por amálgama são empréstimos de outras línguas, incusivamente do Latim, o que atesta a sua antiguidade: (16)
freguês cyborg metrossexual
filius + ecclesiae cibernética + organismo metropolitan + heterossexual
A eponímia (palavra que em Grego significava ‘que dá o seu nome a uma coisa’) consiste na formação de um adjectivo, de um nome comum ou de um verbo a partir de um topónimo ou de um antropónimo: (17)
acaciano - ‘ridículo pela sua forma de ser ou de falar’, de Conselheiro Acácio, personagem de O Primo Basílio, romance de Eça de Queirós almeida - ‘varredor de ruas’, de Almeida, lugar de origem de uma brigada de limpeza das ruas de Lisboa, constituída pelo Barão de Almeida jaquinzinho - ‘carapau pequeno’, de um desconhecido Joaquim sebastianismo - ‘crença de que a resolução dos problemas políticos nacionais será alcançada com a vinda de um salvador misterioso’, de Sebastião, rei de Portugal morto na batalha de Alcácer-Quibir zé-pereira - ‘tocador de bombo’, de um desconhecido Zé Pereira
Muitos dos epónimos disponíveis no Português são empréstimos, ou são formados sobre um nome próprio estrangeiro, podendo a sua origem ser mais ou menos conhecida e remota: (18)
afrodisíaco - ‘que excita o desejo sexual’, de Afrodite, deusa da mitologia grega que representava o amor alfarrábio - ‘livro antigo’, do Árabe FARABI, nome de um filósofo do Turquestão, que viveu nos séculos IX e X algoz - ‘carrasco, executor da pena de morte ou de outras penas corporais’, do Árabe gozz, nome da tribo onde geralmente eram recrutados os carrascos benjamin - ‘o filho mais novo’, do hebraico biniamin 'filho da mão direita e, na Bíblia, filho mais novo e preferido de Jacob’
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diesel - ‘derivado do petróleo’, de Rudolf Diesel, engenheiro alemão que inventou o motor alimentado por este combustível hamburguer - ‘bife de carne picada’, do Alemão Hamburguer, proveniente de Hamburgo Janeiro - ‘primeiro mês do ano civil nos calendários juliano e gregoriano’, de Janus, deus da mitologia romana que protege as entradas e as saídas, o interior e o exterior sanduiche - ‘fatias de pão com carne’, do título do Conde de Sandwich (1718-1792), cujo cozinheiro inventou uma refeição própria para ser consumida à mesa de jogo saxofone - ‘instrumento de sopro’, de A. J. Sax, seu inventor tangerina - ‘citrino’, de Tânger, cidade marroquina
Frequentemente, a eponímia dá origem não a uma forma mas a um conjunto de formas, que podem, ou não, estar morfologicamente relacionadas entre si: (19)
boicotar, boicote - de Boycott, nome de um capitão irlandês, que, em consequência de exigências excessivas, suscitou uma recusa geral de trabalhar sob as suas ordens chauvinismo, chauvinista - de Nicolas Chauvin, soldado de Napoleão que inspirou peças teatrais em que aparecia como patriota exagerado, de uma lealdade totalmente cega linchar, linchamento - de Lynch, nome de um norte-americano autor de um tipo de punição sumária determinada por um tribunal judicial autocriado maquiavélico, maquiavelismo - de Machiavelli, estadista florentino, célebre pelas suas teorias políticas pasteurizar, pauteurizado, pasteurização - de Pasteur, nome do cientista francês que inventou este processo tácito, tacitamente – de Tácita, deusa do silêncio, na mitoloogia romana
Vejamos, por último, a extensão semântica, que consiste na atribuição de um novo significado a uma palavra já existente: papel (do Latim PAPÝRUS, nome de uma planta), por exemplo, começa por referir uma ‘substância formada por matérias vegetais ou de trapos reduzidos a massa, e disposta em folhas, para se escrever, embrulhar, etc’. Posteriormente, passou a ser usado como sinónimo de ‘obrigação, dever’, mas também passou a referir a ‘parte de uma peça teatral que cabe a cada actor’. Actualmente, acumula todos estes valores semânticos e pode ainda significar ‘dinheiro em notas’. Por outro lado, usos específicos da matéria-
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prima que é o papel receberam nomes distintos, como carta, que começa por designar uma ‘folha de papel preparada para receber a escrita’, mas ganha novos significados, de sinónimo de ‘missiva, mensagem’, a documento de identificação de uma qualidade, como se verifica em carta de condução. Nesta última acepção é o aumentativo cartão (cujo significado original é o de folha de papel mais espessa) que ganha relevo, surgindo na denominação de documentos, como o cartão de crédito, cartão de eleitor, cartão de utente ou cartão de contribuinte. Mas se a carta recebe uma marca que prova a autenticidade de uma proveniência passa a ser um bilhete, como o bilhete de identidade que exibe um selo branco; se vinha dobrado em dois era um diploma, e se autorizava o exercício de uma actividade passava a chamar-se alvará. A mudança semântica também pode ser exemplificada por uma palavra como virtude, cujo étimo latino (i.e. VIRTUS, -UTIS) referia ‘qualidades (físicas e morais) que distinguem o homem, força própria dos homens’, e que, no Português significa ‘disposição habitual para a prática do bem’, tanto por homens como por mulheres. O mesmo se verifica com virtual ou com virilha, palavras que em Latim derivavam da forma VIR, que significavam ‘homem’, e cuja interpretação contemporânea não conhece essa restrição semântica. Para além destes processos de criação de palavras, há outros recursos, igualmente não–morfológicos, que não se propõem criar novas palavras, mas sim formas mais ágeis de utilizar palavras ou sequências de palavras já existentes. Trata-se de processos como o truncamento, a acronímia e a formação de siglas e abreviaturas, cujos principais traços característicos serão seguidamente apresentados. Truncamento é um processo de redução de uma palavra, que elimina uma sequência, geralmente no final da palavra12, e pode associar à sequência truncada um índice temático geralmente distinto do índice temático da base, sendo imprevisivelmente -a ou -o, como se pode constatar nos seguintes exemplos: (20)
analfa china cusca emigra monga reaça
analfabeto chinês coscuvilheiro emigrante mongolóide reaccionári{o; a}
facho agito
fascista agitação
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Note-se que, de um modo geral, os nomes assim criados são masculinos e não admitem contraste de género (cf. um china / ?uma china), ou admitem a existência desse contraste, mas só permitem que seja realizado sintacticamente (cf. um comuna / uma comuna). Nos restantes casos, o truncamento não é seguido de qualquer alteração formal e preserva o valor de género da forma de base (cf. um heli(cóptero) / uma manif(estação)): (21)
def expo heli manif prof
deficiente exposição helicóptero manifestação professor(a)
Por vezes, o truncamento parece reconhecer uma estrutura de composição morfológica, preservando o primeiro radical (que é geralmente um radical neoclássico) e a vogal de ligação: (22)
foto metro micro [-fem] micro [+fem] moto13 porno quilo zoo
fotografia metropolitano microfone micro-radiografia motocicleta pornográfico/a quilograma zoológico
Regra geral, as formas truncadas e as suas bases são sinónimas (cf. otorrino vs. otorrinolaringologista), limitando-se as formas mais curtas a facilitar o uso dessas palavras. Algumas outras, porém, são utilizadas exclusivamente em registos linguísticos menos formais, e, em alguns casos, podem mesmo ter uma carga pejorativa. (cf. comuna vs. comunista ou prof vs. professor). O resultado de um processo de truncamento pode ainda não ocorrer como forma livre, mas sim como um formativo de um composto. É o que se verifica com a forma tele- que ocorre em telejornal não com o mesmo valor com que ocorre em televisão, mas sim como sinónimo truncado de televisão – um telejornal é um jornal apresentado na televisão. O mesmo se verifica com auto- em autoestrada, onde retoma o valor de automóvel, pelo que uma autoestrada não permite o trânsito de bicicletas ou veículos de tracção animal. Muitos hipocorísticos de antropónimos são formados por truncamento, processo que pode afectar quer um segmento inicial (mais frequente no Português Europeu), quer final (preferido pelo Português Brasileiro), quer ambos, com eventuais alterações fonéticas:
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(23)
Quim Nando Zé
= Joaquim = Fernando = José
Lena São Tina
= Helena = Conceição = Cristina
Alex Edu Rafa
= Alexandre = Eduardo = Rafael
Bia Carol Isa
= Beatriz = Carolina = Isabel
Tó
= António
Bia
= Maria
A acronímia é também um processo de redução, mas o seu domínio de intervenção é uma sequência de palavras. Em termos práticos, a acronímia consiste na criação de uma palavra a partir do(s) grafema(s) que se situa(m) no início das palavras que integram um título ou uma frase. A forma resultante é foneticamente realizada como um contínuo, e não como uma sequência de sons independentemente articulados: (24)
IVA PREC
imposto sobre o valor acrescentado processo revolucionário em curso
De um modo geral, as propriedades gramaticais dos acrónimos são herdadas das propriedades da palavra que constitui o núcleo sintáctico da expressão que está na sua base: palop é um nome masculino porque país é um nome masculino; Pide é um nome feminino porque polícia é um nome feminino. TAC é um dos casos em que o uso não respeita essa condição: TAC é uma tomografia – tomografia é um nome feminino, mas TAC é geralmente usado como um nome masculino. Este desencontro pode ser causado pela perda da identidade entre a expressão de base e o acrónimo, mas também pelo facto do masculino ser o valor de género não-marcado. Muitos dos acrónimos disponíveis em Português são empréstimos14 e especialmente anglicismos: (25)
faq laser pin sonar yuppie
frequently asked questions light amplification by simulated emission of radiation personal identification number sound navigating and ranging young urban professional
Este processo de criação de palavras é frequentemente utilizado para a denominação de empresas, instituições e organizações, embora não ocorra exclusivamente neste domínio lexical: (26)
EPAL FIL ICEP PIDE REFER
Empresa Pública das Águas de Lisboa Feira Internacional de Lisboa Instituto de Comércio Externo de Portugal Polícia de Intervenção e Defesa do Estado Rede Ferroviária Nacional
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SIC SOREFAME VARIG
Sociedade Independente de Comunicação Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas Viação Aérea Rio Grandense
Também neste caso se encontram denominações formadas noutras línguas, mas utilizadas no Português, por se tratar de empresas ou organizações internacionais ou estrangeiras relevantes em Portugal: (27)
FIAT FNAC CIA UEFA UNICEF
Fabbrica Italiana di Automobili di Torino Fédération Nationale d’Achats des Cadres Central Inteligence Agency Union of European Football Associations United Nations International Children’s Emergency Fund
Muitas das organizações internacionais ou fenómenos globalizados cujo nome é formado por acronímia com base numa expressão gerada numa língua que não o Português, podem ser designadas por esse acrónimo original ou por um outro acrónimo, formado com base na tradução portuguesa da expressão inicial. É o que se verifica nos seguintes casos: (28)
AIDS SIDA
acquired immunodeficiency syndrome síndrome de imunodeficiência adquirida
NATO OTAN
Northern Atlantic Treaty Organization Organização do Tratado do Atlântico Norte
Na passagem de língua para língua há, por vezes, siglas que se transformam em acrónimos, mas o mesmo se verifica no interior de um único sistema, como o Português, onde uma mesma sequência pode ser realizada como acrónimo (cf. ONG de Organização Não-Governamental) ou como sigla (cf. O.N.G.): (29)
VIP
very important person
UN ONU
United Nations Organização das Nações Unidas
A formação de siglas também é um processo de redução de uma sequência de palavras, de novo um título ou uma frase, consistindo na sequencialização do primeiro grafema de cada uma dessas palavras ou radicais, separados ou não por um diacrítico (cf. a.C. vs BD). A sua realização fonética é soletrada. Tal como os acrónimos, as siglas identificam frequente, mas não exclusivamente, empresas, instituições e organizações: (30)
a.C. BD BI
antes de Cristo banda desenhada bilhete de identidade
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d.C.
depois de Cristo
PJ RTP TVI
Polícia Judiciária Radiotelevisão Portuguesa Televisão Independente
Algumas das siglas usadas no Português são empréstimos. Neste domínio há que distinguir os empréstimos que resultam da adaptação da base ao Português (cf. 31a), dos casos em que a base original é preservada (cf. 31b), ainda que a preservação da soletração da língua original seja mais rara (cf. DVD vs VIP). (31)
a.
b.
ADN DNA
ácido desoxirribonucleico desoxirribonucleic acid
IMF FMI
International Monetary Fund Fundo Monetário Internacional
OAU OUA
Organization of African Unity Organização de Unidade Africana
BBC BMW CD CNN DVD IBM SOS TNT WC www
British Broadcasting Corporation Bayerische Motorenwerke compact disk Cable News Network digital video disk International Business Machines save our souls trinitrotolueno water closet world wide web
Note-se que as siglas podem ser ambíguas. PS, por exemplo, pode significar post scriptum ou Partido Socialista, PC remete para Partido Comunista e também para computador pessoal (personal computer), APL pode significar Administração do Porto de Lisboa, Associação dos Produtores de Leite ou Associação Portuguesa de Linguística e PSP tanto identifica a Polícia de Segurança Pública como a PlayStation Portable. A polissemia é uma propriedade de muitas palavras, geralmente resolvida pelo contexto, mas a proliferação do uso das siglas não deixa, em muitas circunstâncias, de ser geradora de situações de dificuldade de comunicação. Vejamos, por último, a abreviação, que gera uma forma com menor extensão, mas sinónima de uma palavra existente na língua. Tratase de um processo exclusivamente utilizado na escrita, já que a produção oral desenvolve obrigatoriamente a abreviatura15: (32)
A/c
ao cuidado de
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obs. p&b
observação preto e branco
Estes exemplos mostram que a constituição das abreviaturas é aleatória, podendo basear-se na ortografia das palavras que toma como base (cf. l para ‘litro’), procurar grafemas foneticamente próximos do alvo (cf. Kg para ‘quilograma’) ou convencionalmente equivalentes (cf. m2 para ‘metro quadrado’), e pode usar sinais de pontuação (cf. ex. ‘exemplo’, c/ ‘com’) ou não (cf. q# ‘que’, tb ‘também’). Como a abreviação é um processo muito ligado a uma dada norma ortográfica e as normas ortográficas variam de língua para língua, não é fácil encontrar empréstimos, excepção feita às abreviaturas de expressões latinas: (33)
etc. e.g.
et caetera exempla gratia
A abreviação é frequentemente utilizada em referências toponímicas, registando-se, em alguns casos, divergências de uso: (34)
Av. Av.ª
Avenida Avenida
Pç. Pç.ª
Praça Praça
R.
Rua
Nas abreviaturas que referem títulos pessoais ou profissionais pode haver grafemas que distinguem o valor de género da forma plena: (35)
Dr. Dr.ª Sr. Sr.ª Ex.mo Ex.ma Il.mo Il.ma V.ª Exª
doutor doutora senhor senhora excelentíssimo excelentíssima ilustríssimo ilustríssimo vossa excelência
Os numerais ordinais são frequentemente grafados com recurso ao cardinal correspondente e um º ou ª, que marcam concordância de género, em posição de expoente: (36)
1º 1ª 100º 100ª
primeiro primeira centésimo centésima
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A expansão da comunicação electrónica é responsável pelo aparecimento de um grande número de abreviaturas, ainda que muitas vezes se trate da abreviação de expressões de outras línguas: (37)
bjs fds LOL
beijos fim de semana riso (de ‘laughing out loud’)
2.4 Os Empréstimos A introdução de palavras de uma língua de origem numa línguaalvo é um processo antigo e frequentemente atestado. A recepção destas palavras estrangeiras é que nem sempre é idêntica. Não é raro encontrar gramáticos e falantes que criticam ou rejeitam o uso de palavras nãovernáculas, tendo até termos como estrangeirismo, decalque ou galicismo uma certa conotação pejorativa16. Assim se explica que o uso de uma palavra como detalhe (do Francês détail) ou gafe (do Francês gaffe) seja desaconselhado por puristas, que recomendam, em sua substituição, pormenor e deslize, respectivamente. Por vezes, a introdução de empréstimos suscita mesmo polémica, dado que se trata de um processo relacionado com a história social da comunidade linguística que os veicula e daquela que os acolhe. Veja-se, por exemplo, como o seu uso é irónico na letra de uma canção de José Afonso, intitulada Década de Salomé. O conjunto de estrangeirismos identificáveis na transcrição seguinte não é um conjunto homogéneo: algumas destas formas integram pacificamente o léxico do Português (cf. bidé, do Francês bidet, e bricolage, que também é uma palavra de origem francesa), ainda que a forma gráfica mais consensual nem sempre seja aquela que aí se apresenta (cf. trousses, que também é um galicismo, e champon, anglicismo de origem Hindu). Outras são um pouco estranhas, mas ainda assim reconhecíveis (cf. bi-camion, de novo um galicismo) e o terceiro conjunto é formado por palavras que caricaturam o dialecto dos emigrantes portugueses em França (cf. mariage, termo francês sinónimo de casamento; maison, palavra francesa que pode ser traduzida por casa; e patron, que é uma palavra francesa cognata de patrão).
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(38)
Vai terminar esta prosa estamos na década de Salomé será o apocalipse ou a torneira a pingar no bidé? É meio-dia, dia de feira mensal em Vila Nogueira Estamos na década do bricolage Diz um jornal que um emigra morreu afogado em Mira antes da data do mariage Estamos na Europa Civilizada já cá faltava uma maison Pour la Patrie plo Volkswagen acabou-se a forragem Viva o Patron! Já tem destino esta terra vamos mudar para o marché aux puces o tempo das ceroilas está no fio agora só de trousses Saem quarenta mil ovos moles Vilar Formoso é logo ali Faz-se um enxerto com mijo de gato sola de sapato voilà Paris! Aos grandes Super-Mercados chega a cultura num bi-camion Camões e Eça vendem-se enlatados lavados com "champon" A fina flor do entulho largou o pêlo ganhou verniz Será o Christian Dior o manageiro a mandar no País? Estamos na Europa do "estou-me nas tintas" Nada de colectivismos Chacun por si, meu e chacun por soi
A ocorrência de empréstimos é, no entanto, um fenómeno incontornável e muitas vezes difícil de evitar, dada a inexistência de léxico autóctone com idêntico valor referencial17. A sua introdução pode ocorrer por via directa ou pode ser mediada por uma outra língua; e pode ser objecto de (maior ou menor) conformação fonética e morfológica ao
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Português tomando como base a realização fonética da palavra na língua de origem ou a sua forma gráfica. Os empréstimos que transitam directamente são empréstimos directos, como os seguintes: (39)
Castelhano: mantilla Francês: fantoche
Português: mantilha Português: fantoche
Os que são introduzidos na língua de chegada por intermédio de uma outra língua são empréstimos indirectos. É o que se verifica nos seguintes casos: (40)
Grego: pharmakéia Germânico: garten Germânico: werra Neerlandês: *aenmarren Neerlandês: bakboord
Latim: pharmacia Frâncico: jardin Frâncico: guerre Francês: amarrer Francês: bâbord
Português: farmácia Português: jardim Português: guerra Português: amarrar Português: bombordo
Note-se que a conformação dos empréstimos às propriedades morfológicas e fonológicas do Português e, consequentemente, a sua realização fonética e o modo como são grafados, não são sistemáticas. Verificam-se hesitações tão mais frequentes quanto mais recente for a introdução do empréstimo, relacionadas com o facto de a adaptação poder privilegiar a sonoridade da palavra de origem (alterando-se a grafia na forma de chegada) ou a sua forma gráfica (alterando-se a pronúncia e fazendo apenas alguns ajustes na grafia da forma de chegada): (41)
a.
b.
Inglês - lunch Inglês - beef
> >
lanche bife
Francês - chauffeur Francês - haut-bois
> >
chofer oboé
Inglês - club
>
clube
As propriedades gramaticais das palavras, nomeadamente o género dos nomes, também podem ser modificadas. É frequente que o género atribuído a um empréstimo seja o masculino, mesmo que na língua de origem essas palavras tivessem género feminino (cf. 46a), mas também se regista o caso inverso (cf. 46b): (42)
a.
Francês - une robe > Francês - une enveloppe >
um robe um envelope
b.
Francês - le courage
a coragem
>
Vejamos agora que origens têm os empréstimos existentes no Português. O uso do Latim na liturgia, no ensino, na diplomacia e na ciência constituiu, durante séculos, um factor de contacto entre estas duas
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línguas. Por esta razão, e ainda porque a matriz estético-ideológica o propiciava, o recurso ao Latim para a adopção de novas palavras, os chamados latinismos, particularmente durante o Renascimento18 é muito visível no léxico do Português. Esta estratégia é responsável pela ocorrência de palavras cuja forma não é muito distinta da do seu étimo latino e pela modificação na forma de palavras já anteriormente presentes no léxico do Português: (43)
a.
aluno aplauso infinito reduzir vicioso
< < < < <
b.
ocupar adversário adquirir abundar digno elefante
ALUMNUAPPLAUSUINFINITUREDUCERE VITIOSU-
substitui substitui substitui substitui substitui substitui
acupar adversairo aquirir avondar dino alifante
< < < < < <
OCCUPARE ADVERSARÌUADQUÍRÈRE ABÚNDÁRE DIGNUELEPHANT-
Este processo de relatinização do léxico do Português é ainda responsável pelo aparecimento das chamadas palavras divergentes, ou seja, de palavras que têm o mesmo étimo, mas uma realização fonética e um conteúdo semântico diferentes. Os exemplos seguintes mostram formas que transitaram do Latim para o Português, ab initio, sujeitando-se a todos os efeitos da mudança linguística que caracterizaram este processo, e as palavras cognatas tomadas de empréstimo ao Latim depois de terminado esse período de transição19: (44)
CATHEDRA-
cadeira (952) cátedra (séc. XIV)
DIRECTU-
direito (1277) directo (1836)
INTEGRU-
inteiro (1093) íntegro (séc. XIV)
-
MAGICU
meigo (1175) mágico (séc. XIV)
OCULU
-
PLANU-
20
olho (séc. XIII) óculo (1649-1666) chão (1264) plano (séc. XIV)
PLENU-
cheio (séc. XIII) pleno (1708)
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Encontra-se frequentemente uma classificação das formas divergentes que caracteriza a sua entrada no Português como tendo ocorrido por via popular ou por via erudita. Esta caracterização pode induzir em erro. Na verdade, o que ela pretende captar são localizações temporais distintas: as palavras que entram na língua por via popular são as palavras que fazem parte do léxico do Português desde a formação desta língua, ou antes do Renascimento, grosso modo até ao século XIII; as palavras que se considera terem entrado por via erudita são empréstimos tomados ao Latim a partir do Renascimento. O recurso ao léxico do Latim continua a estar disponível, em particular na formação de compostos pertencentes a terminologias científicas e técnicas, como fratricida ou piscicultura. Mais frequente, neste domínio, é, porém, o recurso ao léxico do Grego Antigo, com empréstimos que recebem o nome de helenismos: (45)
dentalgia electrotecnia ergonomia fotografia hidrocefalia idolatria sociometria teleologia
As línguas antigas não são, porém, a única fonte a que o Português tem recorrido para a importação de palavras. Os exemplos seguintes mostram empréstimos de diversas proveniências, introduzidos no Português em diversos momentos da sua história e aqui apresentados por ordem cronológica considerando as atestações de Houaiss (nos casos em que a sua atestação é conhecida): (46)
a.
Castelhanismos 21 chiste airoso moreno neblina palito lantejoula guerilha bandarilha cabecilha boina cavalheiro
1543 1552 1561 1660 1720 1789 1836 1871 1881 1899
chiste airoso (de aire ‘ar’) moreno (de moro ‘mouro’) neblina palito (de palo ‘pau’) lentejuela guerrilla banderilla (de bandera ‘bandeira’) cabecilha boina caballero (de caballo ‘cavalo’)
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b.
Provençalismos e Galicismos abandonar dama jóia monge franja chefe bilhete comboio crêpe terrina blusa croquete fétiche governamental montra soutien lingerie tailleur envelope palmier maquilhar liseuse boîte croissant filete réveillon
c.
XIII XIII XIII XIII
1507 1545 1611 1654 1704 1764 1871 1871 1873 1881 1899 XX
1931 1933 1938 1938 1941 1949 1961
abandonner (de bandon ‘poder’) dame joyau monge frange chef billet (de bille ‘bola’) convoi (de convoyer ‘ir pela estrada’) crêpe terrine de terre blouse croquette (de croquer ‘estalar’) fétiche gouvernemental (de gouvernement) montre (de montrer ‘mostrar’) soutiens-gorge lingerie tailleur enveloppe (de envelopper ‘envolver’) palmier maquiller 'pintar (o rosto)’ liseuse boîte croissant filet (de fil ‘fio’) réveillon
Italianismos balcão tenor piloto fachada grotesco contralto sentinela soneto aguarela charlatão ópera bússola terceto atitude pitoresco piano violoncelo fiasco pizaria
1360 XV
1438 1548 1548 1573 1571 1587 1615 1643 1698 1712 1789 1817 1833 1858 1858 1872 XX
balcone tenore piloto facciata (de faccia ‘face’) grottesco (de grotte) contralto sentinella sonetto (de son ‘som’) acquarella ciarlatano (de ciarlare ‘falar’) opera 'obra' bussola terzetto attitudine pittoresco ‘relativo a pintor’ pianoforte violoncello fiasco 'frasco de vidro' pizzeria
61
d.
Empréstimos provenientes de línguas africanas banana berimbau cacimba carimbo cubata samba senzala zumbi
e.
f.
de uma língua falada na Guiné do Quimbundo, língua falada em Angola do Quimbundo do Quimbundo do Quimbundo do Quimbundo do Quimbundo do Quimbundo
Empréstimos provenientes de línguas ameríndias canoa
1533
chocolate tomate cacau xícara alpaca
1726 1721 1675 1706 1836
condor amendoim mandioca tapioca
1727 1618 1549 1587
do Aruaque, língua falada entre as bacias do Amazonas e do Oiapoque do Náuatle, língua falada no México do Náuatle do Náuatle do Náuatle do Quíchua, língua falada na Argentina, Bolívia, Equador e Peru do Quíchua do Tupi, língua falada no Brasil do Tupi do Tupi
Empréstimos provenientes de línguas asiáticas leque bengala haraquiri quimono chá pagode bule chávena ketchup xaile
1600 1543 1874 1897 1565 1516 1649 1649 XX
1789
do Chinês do Hindu do Japonês do Japonês do Mandarim do Malaio do Malaio do Malaio do Malaio do Persa
Por último, mas apenas por se tratar do tipo mais relevante na actual sincronia do Português, chegou a vez de falar dos empréstimos com origem no Inglês, aos quais se dá geralmente o nome de anglicismos: (47)
este oeste bolina pudim bife lanche bluff futebol
XV XV
1416 1799 1836 1858 1899 1889
est west bou(e)line pudding beef lunch bluff football
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líder golo flirt craque check-up marketing andebol know how lobby must penalti
1900 1904 1909 1913 1921 1960 XX XX XX XX XX
leader goal flirt crack checkup marketing handball know-how lobby must penalty
A prevalência de anglicismos, que não se verifica apenas no Português e muito menos ainda apenas no Português Europeu, é satirizada por Zeca Baleiro e Zeca Pagodinho, no Samba do Approach: (48)
Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferry-boat Eu tenho savoir-faire Meu temperamento é light Minha casa é high-tec Toda hora rola um insight Já fui fã do Jethro Tull Hoje me amarro no Slash Minha vida agora é cool Meu passado é que foi trash Venha provar meu brunch Saiba que eu tenho approach Na hora do lunch Eu ando de ferry-boat Fica ligado no link Que eu vou confessar, my love Depois do décimo drink Só um bom e velho Engov22 Eu tirei o meu green card E fui para Miami Beach Posso não ser pop star Mas já sou um nouveau riche Eu tenho sex appeal Saca só meu background Veloz como Daemon Hill Tenaz como Fitipaldi Não dispenso um happy end Quero jogar no dream team De dia um macho man
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E de noite drag queen
2.5 Sobre Arcaísmos e Dialectalismos O léxico de uma língua é uma entidade dinâmica, sensível à passagem do tempo e ao efeito das circunstâncias, e de contornos variáveis em resultado de processos de perdas e ganhos das unidades que o constituem. Arcaismos são as palavras que, num dado momento da história de uma língua, deixaram de ser utilizadas pela comunidade linguística falante dessa língua. Trata-se de palavras que já fizeram parte activa do léxico da língua, mas que, por variadas razões, caíram em desuso. É o que se verifica nos seguintes casos: (49)
antanho ADV coita N[+fem] fiúza N[+fem] igualdança N[+fem] luscar V velido ADJ
= no ano passado = dor, desgosto = confiança, fé = igualdade = brincar, jogar, divertir-se = belo
Geralmente também são excluídas as palavras cujo uso só é frequente em dialectos ou em sociolectos não prestigiados. Quando registadas, estas palavras são referidas como dialectalismos ou provincianismos. Em relação ao dialecto de Lisboa, integram esta categoria palavras como: (50)
caço carapins ervilhana liteiro porca-sara saltarico xerém
= concha de sopa = sapatinhos de dormir, botinhas de bébé = amendoim = coberta de trapo = bicho de conta = gafanhoto = papas de milho
Tópicos de Recapitulação Geral O léxico do Português tem como base o léxico latino, particularizado por alguma resistência das línguas existentes na Península Ibérica no período anterior ao da permanência do Latim e alguns vestígios das línguas supervenientes. Nos seus cerca de sete séculos de existência, o léxico do Português não ficou, porém, imóvel, estando os processos de perdas e ganhos de
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palavras em permanente tensão. Ou seja, o léxico do Português integra, sistematicamente neologismos e, também sistematicamente, converte algumas palavras em arcaísmos. Neste capítulo foram referidos alguns processos não-morfológicos de formação de palavras, bem como a importação de palavras que dá origem a diversos tipos de empréstimos.
ibero mediterrâni co camurça
protobasco esquerdo
germâni co
matriz latina
chaparro
ganso
substrato s
árabe
alcatifa
LÉXICO DO superstrato PORTUGUÊ s S arcaísmos coita neologismo s dialectalismo s
processos morfológicos de formação de palavras afixação composiçã o
ervilhana
latinismo empréstim os
óculo
helenism o idolatria
castelhanism o processos nãomorfológicos de formação de palavras invenção amálgama bezidróglio analfabruto
onomatop eia miar
eponímia jaquinzinh o
truncamen to manif
acroními a prec
siglação adn
abreviação obs.
neblina
italianism o sentinela
galicism o envelope
anglicism o
línguas africanas senzala
línguas ameríndia s chocolate
línguas asiáticas xaile
pudim
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Exercícios 1. Dê cinco exemplos de palavras de origem latina que não sejam latinismos introduzidos no Português após o Renascimento. 2. Procure encontrar três palavras portuguesas de origem pré-latina. 3. Identifique cinco formas caracterizáveis como vestígios dos superstratos linguísticos do Português. 4. Caracterize etimologicamente cada uma das seguintes palavras: abacate alcunha alecrim alfaiate alfândega almofada ananás background bandido biombo burlesco cachimbo canja clube
cobarde diletante fatia ganadaria granizo jasmim javali maionese queque robe tanga tertúlia vagão zero
5. Identifique dez anglicismos correntemente utilizados no Português Europeu contemporâneo. Comente a sua forma fonética e ortográfica, propondo, se assim o entender, formas alternativas, novas pronúncias ou novas grafias. 6. Identifique dez empréstimos de diferente origem linguística. 7. Indique cinco neologismos recentes, bem como a paráfrase que considera adequada a cada um deles. 8. Procure escrever um pequeno texto em que use três palavras inventadas por si (certifique-se de que não estão atestadas, consultando diversos dicionários). Dê esse texto a ler a outras pessoas e pergunte-lhes se conhecem essas palavras, se sabem o que significam. Se a resposta for negativa, peça-lhes que procurem adivinhar um significado. 9. Classifique as seguintes palavras quanto à sua formação: algarismo AVC chupa-chupa fã flagra
freudiano lipo radar rádio stôr
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10. Encontre cinco epónimos, cinco palavras formadas por amálgama, cinco acrónimos, cinco siglas, cinco palavras formadas por truncamento, cinco palavras onomatopaicas. Procure explicar como se formou cada uma destas palavras. 11. Que hipocorístico corresponde ao seu nome próprio? E na sua família que outras palavras deste tipo são geralmente usadas? Procure identificar o processo de formação de cada uma dessas palavras. 12. Como caracteriza a relação entre as palavras traição e tradição. Identifique cinco outros casos do mesmo tipo. 13. Identifique cinco arcaísmos. 14. Procure um significado lexical que seja transmitido dialectalmente por diferentes palavras.
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Leituras Complementares CORREIA, M. E LEMOS, L. S. P. 2005 Inovação Lexical em Português Lisboa: Colibri PIEL, J.M. 1976 1986
Origens e estruturação histórica do léxico português Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa (9-16) Lisboa: Imprensa-Nacional – Casa da Moeda www.instituto-camoes.pt/CVC/hlp/biblioteca/origens_lex_port.pdf
Para Consulta ACADEMIA DAS CIÊNCIAS 2001 Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea Lisboa: Verbo AURÉLIO ET AL. 2004 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio Rio de Janeiro: Positivo CUNHA, A.G. 1996 Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa Rio de Janeiro: Nova Fronteira HOUAISS ET AL. 2001 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro: Objetiva PRIBERAM INFORMÁTICA E PORTO EDITORA 1996 Dicionário da Língua Portuguesa Porto Editora VAZA, A. E AMOR, E. 2006 Novo Dicionário da Língua Portuguesa Lisboa:Verbo
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69
Capítulo 3. Unidades Lexicais e Constituintes Morfológicos
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Objectivos Este terceiro capítulo dedicará particular atenção à descrição dos constituintes morfológicos que são unidades lexicais. Para tal, procederemos previamente à caracterização das unidades lexicais, identificando-as e identificando as suas propriedades, quer inerentes quer combinatórias. Em seguida, partindo da distinção básica entre radicais e afixos (que são os dois tipos de constituintes morfológicos terminais disponíveis no Português), faremos uma descrição das principais propriedades das suas diversas subclasses. No que diz respeito aos radicais, começaremos por estabelecer um contraste entre vernáculos e neoclássicos, para prosseguir com a caracterização dos radicais nominais, adjectivais, verbais e adverbiais. Quanto aos afixos, confrontaremos a abordagem clássica que reconhece os afixos com base na posição que ocupam na estrutura da palavra (e que permite distinguir os prefixos dos sufixos), com uma abordagem gramatical que caracteriza os afixos a partir da função que desempenham nas estruturas morfológicas, o que permite isolar os afixos especificadores, os predicadores e os modificadores. Por último, observar-se-ão alguns tipos de relações lexicais, nomeadamente aquelas que são relevantes para a análise morfológica. No final desta unidade, o aluno deverá: •
saber caracterizar as unidades lexicais, identificando as suas propriedades inerentes e as suas propriedades de selecção
•
conhecer as principais propriedades dos: o radicais § nominais § adjectivais § verbais § adverbiais o afixos § especificadores § derivacionais § modificadores
•
conhecer e saber utilizar os conceitos de: o família de palavras o paradigma lexical
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O léxico1, que é uma das componentes da gramática das línguas naturais, pode ser caracterizado como uma base de dados onde se armazena toda a matéria-prima que vai dar corpo a qualquer expressão linguística e nomeadamente às estruturas morfológicas. Mas de que matéria-prima se trata? Como são as unidades lexicais? E como é feito o seu registo? A resposta mais imediata é a de que as unidades lexicais são palavras, mas, como veremos em seguida, esta é uma resposta que não basta à análise morfológica. Com efeito, considerando os requisitos da formação de palavras, facilmente se conclui que uma boa parte das unidades lexicais é provavelmente formada por radicais e afixos de diversa natureza. Mas também é provável que o léxico inclua todos os produtos da lexicalização2, quer se trate de palavras, quer se trate de expressões sintácticas. Assim, todos os radicais simples (cf. 1a), todos os afixos (cf. 1b), todas os radicais complexos lexicalizados (cf. 1c), todas as formas flexionadas lexicalizadas (cf. 1d) e todas as expressões sintácticas lexicalizadas (cf. 1e) estão listados no léxico: (1)
a. braçbelbeb-
Radical de braço Radical de belo / bela Radical de beber
b. -o
Índice temático dos nomes de tema em –o (cf. braço) Sufixo de nominalização deadjectival (cf. estupidez) Vogal de ligação (cf. sócio-cultural)
-ez -o-
3
c. sapiencicomplexrejuvenesc-
Radical de sapiência 4 Radical de complexo / complexa 5 Radical de rejuvenescer
d. (dói-me as) costas (esse teu) olhar
Plural lexicalizado de costa Conversão nominal do verbo olhar
e.
brinco de princesa cabeça de alho chocho
Como a análise morfológica e a descrição dos processos de formação de palavras assentam no conhecimento das unidades lexicais que ocorrem nas posições terminais das estruturas morfológicas, ou seja, dos radicais e dos afixos, é a estes dois tipos de unidades lexicais que daremos seguidamente uma maior atenção. A cada unidade lexical está obrigatoriamente associado um conjunto de informações que determina o modo como as unidades lexicais
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se relacionam entre si, o que condiciona a sua integração em estruturas morfológicas e controla a sua projecção em estruturas sintácticas, restringindo os possíveis contextos de inserção. Esta informação é idiossincrática, ou seja, não pode ser derivada nem calculada a partir de nenhuma outra informação e inclui, pelo menos, propriedades sintácticas, morfológicas, semânticas e fonológicas. Note-se que esta distinção é precária, dado que as informações associadas às unidades lexicais têm frequentemente uma natureza compósita, combinando propriedades de diferentes tipos. Vejamos, então, como se caracterizam as unidades lexicais, distinguindo as suas propriedades inerentes, ou seja, as propriedades com que cada unidade lexical se integra numa dada estrutura, das suas propriedades de selecção, ou seja, das propriedades que determinam o tipo de estrutura que pode acolher cada unidade lexical. Na descrição que se segue, e sempre que possível, as propriedades das unidades lexicais serão codificadas através de uma notação formal que utiliza traços binários, em que o valor negativo especifica a forma nãomarcada6. O termo que tradicionalmente designa as unidades de análise das palavras é morfema. Sabe-se, no entanto, que a definição clássica de morfema como a menor unidade portadora de significação, que é a definição de Hockett (1958), é problemática para a análise morfológica (como foi assinalado, por exemplo, por Aronoff 1976), dado que nem todas as unidades que integram as palavras são unidades portadoras de significado. É o que se verifica, por exemplo, com a vogal temática que integra a generalidade das formas verbais (e.g. cantar, bebêssemos, fugira), ou com a vogal de ligação (e.g. insecticida, insectólogo). A redefinição do conceito de morfema como qualquer elemento que participa na construção de uma palavra, por exemplo, poderia resolver o problema, mas é uma solução equívoca, porque mantém o nome, alterando a definição. É por essa razão que se torna preferível chamar constituinte morfológico a cada uma das unidades que integram uma estrutura morfológica.
3.1 Unidades lexicais: tipos e propriedades A comparação entre palavras é uma operação fundamental para proceder à sua segmentação e subsequente identificação das unidades que as constituem, ou seja, dos seus constituintes morfológicos. Vejamos os seguintes exemplos: (2)
teatr-o
teatr-al
teatr-inho
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A sequência comum a estas três palavras é teatr-; o que resta (i.e. – o, –al, –inho) são sequências recorrentes em muitas outras palavras do Português, como gat–o, invern–al e ded–inho, que, por sua vez, vêem esta segmentação confirmada por comparação com outras palavras parcialmente idênticas, como gat–a, invern–ia e ded–ada: (3)
teatr-o teatr-al teatr-inho
gat-o invern-al ded-inho
gat-a invern-ia ded-ada
Antes de continuar, é necessário referir que nem todos os constituintes morfológicos são idênticos: alguns são unidades lexicais, outros são sequências de unidades lexicais. Numa palavra como teatralizável, teatr–, –al, –iz, –a e –vel são as unidades lexicais que constituem a palavra, mas as relações que estabelecem entre si variam em função das relações estruturais que mantêm. Assim, teatr– e –al combinam-se para gerar um novo constituinte (i.e. teatral), ao qual, por sua vez, se associa –iz na formação de um novo constituinte (i.e. teatraliz), que requer a formação de um novo constituinte (i.e. teatraliza) para, finalmente, chegar à palavra inicialmente considerada (i.e. teatralização): (4)
teatr teatral teatraliz teatraliza
→ teatral → teatraliz → teatraliza → teatralizável
Este capítulo diz respeito apenas à caracterização dos constituintes morfológicos que são unidades lexicais; os restantes, que são estruturas morfológicas, serão estudados no capítulo seguinte. Os constituintes morfológicos que são unidades lexicais ocupam, pois, as posições terminais das estruturas morfológicas, mas também aqui há lugar para distinções. A primeira é a que separa os radicais dos afixos. Retomando os exemplos acima considerados, radicais são formas como teatr–, gat–, invern– ou ded–, enquanto que –a, –ad, –al, –o,–i, –inh-o, –iz ou –vel são afixos. Vejamos, então, como se caracterizam globalmente as unidades lexicais.
3.1.1 Propriedades inerentes A categorização das unidades lexicais está intimamente relacionada com a classificação sintáctica7, que determina a sua distribuição frásica8, o tipo de variação morfo-sintáctica em que podem participar9 e ainda a gama de possibilidades da sua participação em
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processos de formação de palavras10. As categorias sintácticas que aqui consideraremos, por serem as únicas que permitem a formação de novas palavras, são adjectivo (ADJ), nome (N) verbo (V) e advérbio (ADV). Utilizaremos a codificação11 que faz uso dos traços [±N] e [±V], excepto no que diz respeito aos advérbios, categoria que esta classificação não contempla: (5)
ADJECTIVO
NOME
VERBO
+ +
+ -
+
N V
O segundo tipo de propriedades das unidades lexicais diz respeito à categorização morfológica que as distribui por duas grandes classes, os radicais (R) e os afixos (AF), que, por sua vez, se distribuem por três classes determinadas pela posição relativa que ocupam na estrutura morfológica: prefixos (PREF) se ocorrem à esquerda de uma base; sufixos (SUF) se se encontram à direita; e interfixos se se encontram entre duas bases12. A classificação dos afixos não se esgota, porém, nesta caracterização posicional, requerendo uma caracterização funcional que tenha em conta o papel gramatical que o afixo desempenha na estrutura da palavra. Esta caracterização permite distinguir os afixos especificadores, os afixos derivacionais e os afixos modificadores. As propriedades específicas de cada um destes tipos de afixos serão apresentadas nas secções 3.3.1, 3.3.2 e 3.3.3, mas pode, sucintamente, caracterizar-se cada um deles do seguinte modo: •
Os afixos especificadores explicitam informação de natureza morfológica, como os constituintes temáticos (cf. 6a), ou de natureza morfo-sintáctica, como os sufixos de flexão (cf. 6b);
•
Os afixos derivacionais são responsáveis pela formação de novas palavras, determinando as suas propriedades gramaticais e semânticas (cf. 6c); Os sufixos modificadores também são responsáveis pela formação de novas palavras, mas intervêm apenas na sua dimensão semântica e nunca na gramatical (cf. 6d).
•
(6)
a. gat[o] gat[a] com[e]r dorm[i]r b. gato[s] cantá[va] [mos]
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c. treatr[al] bebí[vel] d. ded[inh]o [re]começar
O diagrama seguinte mostra, esquematicamente, as diversas subclasses de afixos existentes no Português: (7) PREFIXO
MODIFICADOR
ESPECIFICADOR AFIXO
SUFIXO
DERIVACIONAL
CONSTITUINTE TEMÁTICO
ÍNDICE TEMÁTICO VOGAL TEMÁTICA
FLEXÃO
MODIFICADOR
INTERFIXO (VOGAL DE LIGAÇÃO)
A pertença a uma dada categoria sintáctica é um privilégio dos radicais e dos sufixos derivacionais (os afixos modificadores e os sufixos especificadores não possuem esta propriedade). A combinação das duas especificações categoriais (sintáctica e morfológica) permite, então, estabelecer as seguintes categorias: (8)
RADICAL ADJECTIVAL RADICAL ADVERBIAL RADICAL NOMINAL RADICAL VERBAL
(RADJ) (RADV) (RN) (RV)
e.g. clare.g. cede.g. porte.g. fal-
cf. claro/a cf. cedo cf. porta cf. falar
SUFIXO DE ADJECTIVALIZAÇÃO SUFIXO DE ADVERBIALIZAÇÃO SUFIXO DE NOMINALIZAÇÃO SUFIXO DE VERBALIZAÇÃO
(SUFADJ) (SUFADV) (SUFN) (SUFV)
e.g. –ose.g. –mente.g. –isme.g. –ific-
cf. gostoso/a cf. claramente cf. idealismo cf. clarificar
Uma outra das propriedades a ter em conta diz respeito à subcategorização morfológica dos radicais, sufixos derivacionais e constituintes temáticos. Os radicais verbais, os sufixos de verbalização e as vogais temáticas são especificados quanto à conjugação: (9) 1ª CONJUGAÇÃO 2ª CONJUGAÇÃO 3ª CONJUGAÇÃO
RADICAIS VERBAIS
SUFIXOS DE VERBALIZAÇÃO
VOGAIS TEMÁTICAS
fal- (ar) beb- (er) fug- (ir)
(clar) -ific- (ar) (escur) -ec- (er) -----
(fal) -a- (r) (beb) -e- (r) (fug) -i- (r)
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Os restantes radicais, afixos derivacionais e índices temáticos são especificados quanto à classe temática. (10) TEMA EM -a TEMA EM -o TEMA EM -e TEMA ∅ ATEMÁTICOS
(11)
RADICAIS ADJECTIVAIS
RADICAIS ADVERBIAIS
nov- (a) nov- (o) lev- (e) maior- (∅) ruim-
acim- (a) ced- (o) tard- (e) devagar- (∅) já-
SUFIXOS DE ADJECTIVALIZAÇÃO TEMA EM -a TEMA EM -o TEMA EM -e TEMA ∅
TEMA EM -a TEMA EM -o TEMA EM -e TEMA ∅
fal- (a) ded- (o) pent- (e) sal- (∅) cháSUFIXOS DE NOMINALIZAÇÃO
(gost) -os- (a) (gost) -os- (o) (urge) -nt- (e) (amá) -vel- (∅)
----(emergê) -nci- (a) ----(segui) -ment- (o) (clara) -ment- (e) (ambigu) -idad- (e) ----(limpid) -ez- (∅) (aterr)-agem
ÍNDICES TEMÁTICOS ADJECTIVAIS
ÍNDICES TEMÁTICOS ADVERBIAIS
ÍNDICES TEMÁTICOS NOMINAIS
(nov) -a (nov) -o (lev) -e (maior) -∅
(acim) -a (ced) -o (tard) -e (devagar) -∅
(fal) -a (ded) -o (pent) -e (sal) -∅
ATEMÁTICOS
(12)
SUFIXOS DE ADVERBIALIZAÇÃO
RADICAIS NOMINAIS
Na caracterização dos radicais nominais, dos índices temáticos adjectivais e nominais e dos sufixos de nominalização, a classe temática conjuga-se com o género13, o que, no Português, implica uma distinção entre masculino e feminino e a consideração de um valor subespecificado, dado que lexicalmente não é possível determinar o género destas formas: (13)
14
cas- RN [+fem] livr- RN [-fem] artist- RN [ fem] ±
Uma outra propriedade de natureza morfológica diz respeito à variabilidade temática dos radicais adjectivais e dos sufixos de adjectivalização, que distingue aqueles que têm formas diferentes consoante concordam com formas masculinas ou femininas, dos que possuem uma única forma para o masculino e para o feminino:
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(14)
RADICAIS ADJECTIVAIS
TEMA EM -a TEMA EM -o
VARIÁVEIS
INVARIÁVEIS
VARIÁVEIS
grossa grosso
careca
perigosa acolhedora perigoso
TEMA EM -e TEMA ∅ ATEMÁTICOS
SUFIXOS DE ADJECTIVALIZAÇÃO
bom
grande útil ruim
-----
acolhedor -----
INVARIÁVEIS
abafante amável -----
A informação semântica associada a cada unidade lexical também difere de categoria para categoria. Aos lexemas (radicais simples ou complexos lexicalizados) estão associadas paráfrases do significado literal e a explicitação de eventuais significados figurados e acepções particulares, pertencentes a vocabulários de especialidade. Esta é a informação que está habitualmente presente nas descrições lexicográficas15: (15)
Papel 1. substância constituída por elementos fibrosos de origem vegetal, os quais formam uma pasta que se faz secar sob a forma de folhas delgadas, para diversos fins: escrever, imprimir, embrulhar etc. 2. um pedaço ou uma folha de papel escrita Ex.: este p. autoriza a entrega da encomenda 3. parte que cada ator ou atriz representa no teatro, cinema, televisão etc. Ex.: ela tem um bom p. na novela 4. a personagem representada por cada ator ou atriz Ex.: no seu último filme, ele fez o p. de um escritor 5. dever, obrigação legal, moral, profissional etc. ou atribuição, função que se desempenha ou cumpre Ex.: o p. dos pais é educar os filhos 6. m.q. papelão ('procedimento') Ex.: mas que p. você fez na frente de todos! 7. dinheiro em notas Ex.: não aceitam ouro, só p. 8. ação, título de crédito, letra de câmbio, nota promissória ou outro documento negociável que represente um determinado valor
Para além de paráfrases deste ou de outro tipo, os lexemas são caracterizáveis em termos de traços semânticos a que diversos processos gramaticais são sensíveis. A caracterização dos radicais nominais como [± contável] é morfológica e sintacticamente relevante (cf. 3.2.1). Aos afixos derivacionais e modificadores também estão associadas paráfrases que identificam a alteração semântica que o afixo provoca na base e que geralmente fazem uso de uma variável (i.e. X) para a representar:
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(16)
Xvel = ‘que pode ser Xdo’ reX = ‘voltar a X’
e.g. bebível = ‘que pode ser bebido e.g. refazer = ‘voltar a fazer’
Quanto aos afixos especificadores, é necessário distinguir os constituintes temáticos dos sufixos de flexão. Os constituintes temáticos não possuem qualquer informação de natureza semântica: o significado dos verbos não depende da conjugação a que pertencem, nem a interpretação dos nomes é determinada pela classe temática em que se integram. Os sufixos de flexão, por seu lado, estão associados a traços morfo-semânticos (como [± plural], [ ± passado] ou [± primeira pessoa]) que se destinam prioritariamente à verificação da boa-formação das configurações sintácticas e subsidiariamente à fixação da interpretação semântica das frases, dado que a determinação nominal, por exemplo, ou a expressão do tempo assentam em muito mais informação do que aquela que é veiculada pela flexão morfológica. As propriedades semânticas com relevância morfológica serão apresentadas na caracterização dos radicais e dos afixos, em 3.2 e 3.3. A informação fonológica associada a uma unidade lexical mostra as suas representações fonológica e morfemática. Assim, o radical de casa é representado como /#kaz+/, o sufixo que forma a palavra teatral é representado como /+al+/ e o prefixo que ocorre em desligar é representado como /#des+/. A representação da estrutura morfemática mostra a possibilidade de ocorrência de uma dada unidade lexical em início ou final de palavra (i.e. #), e mostra onde se encontram as fronteiras de morfema (i.e. +), o que é particularmente relevante quando as unidades lexicais em causa são radicais complexos lexicalizados: (17)
/#sombr+iɲ+/ /#id+oz+/
e.g. sombrinha e.g. idoso
Por outro lado, a informação fonológica explicita eventuais idiossincrasias de natureza fonológica, como, por exemplo, a circunstância de a última vogal de um radical ser inacentuável. A notação geralmente utilizada para marcar a impossibilidade de acentuação de uma vogal é o traço [-ac], que pode marcar radicais adjectivais e nominais e sufixos de adjectivalização e de nominalização: (18)
/# f a s i l +/
e.g. fácil
[-ac]
/# f a b r i k +/ /+ v ɛ l +/
e.g. fábrica
[-ac]
e.g. amável
[-ac]
/+ n s i +/
[-ac]
e.g. tolerância
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As unidades lexicais são ainda portadoras de informações idiossincráticas de outra natureza, como a etimológica, que permite identificar radicais neoclássicos, codificndo-os, por exemplo, do seguinte modo: (19)
duz [+latino] antrop [+grego]
e.g. conduzir e.g. antropologia
A informação que diz respeito a acidentes de flexão deve também ser associada à unidade lexical afectada. Os verbos irregulares, por exemplo, quer a irregularidade diga respeito à realização das formas flexionadas, quer à sua ausência, quer à sua duplicação (o que permite dar conta dos casos de supletivismo, defectividade ou abundância), vêem inscritas no léxico todas as formas flexionadas que não podem ser geradas pelos processos de flexão regular: (20)
sou, era, fui chove elegido, eleito
3.1.2 Propriedades de selecção Os enunciados linguísticos são expressões formadas por diversas unidades que estabelecem entre si diversos tipos de relações. Neste sentido, as expressões linguísticas, nomeadamente as frases, mas também as palavras, podem ser analisadas como predicações, construídas em torno de um núcleo – a que se dá o nome de predicador - e descritas através da explicitação da sua estrutura argumental, ou seja, dos elementos que esse predicador requisita para dar origem a uma expressão bem-formada. Estas restrições de coocorrência ou propriedades de selecção dizem, de novo, respeito aos diversos níveis de informação gramatical: sintáctico, semântico, morfológico e fonológico. Quanto às restrições de selecção de natureza sintáctica, veja-se o caso dos predicadores verbais, aos quais está obrigatoriamente associada uma estrutura argumental que classifica os verbos em função do número de argumentos que exigem16: (21)
Verbos com 0 argumentos (impessoais) Verbos com 1 argumento (intransitivos) Verbos com 1 argumento (inacusativos) Verbos com 2 argumentos (transitivos directos) Verbos com 2 argumentos (transitivos indirectos) Verbos com 2 argumentos (transitivos oblíquos) Verbos com 3 ou mais argumentos
e.g. chover e.g. gritar e.g. nascer e.g. encontrar e.g. gostar e.g. morar e.g. dar, trazer
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Uma outra restrição de natureza sintáctica diz respeito à estrutura de selecção categorial, que permite especificar a categoria sintagmática dos argumentos seleccionados por uma unidade lexical: (22)
17
a.
amar [ ___ SN]
b.
gostar [ ___ SP]
c.
fumar [ ___ (SN)]
d.
sorrir [ ___ ]
e.g. O Romeu amava a Julieta e.g. O Romeu gostava da Julieta
18
e.g. O Pedro fuma (cachimbo) e.g. O Pedro sorriu
Aos argumentos seleccionados por um predicador está também associada informação sobre a sua função temática, ou seja, sobre a relação semântica que estabelecem com o predicador. Há diversas propostas sobre o elenco de funções temáticas e respectivas definições que melhor se adequam à análise linguística. A que se segue é a de Eliseu (2007): (23)
Agente: entidade (dotada de volição, mesmo que involuntariamente) que desencadeia a acção expressa pelo predicador e.g. A Rute partiu o vidro (sem querer). Instrumento: entidade (não controladora) que causa a acção expressa pelo predicador ou o objecto com o qual se efectua um acção e.g. O vento fechou a porta. Tema: entidade que é afectada pela acção, movida, percebida ou experienciada e.g. O vento fechou a porta. Experienciador: entidade que sente ou se apercebe dos acontecimentos e.g. A professora gosta de desenhos animados. Beneficiário: entidade que beneficia da acção expressa pelo predicador e.g. O António comprou estas flores para a namorada. Alvo: entidade / lugar em relação à qual é dirigida a acção (concreta ou abstracta) expressa pelo predicador e.g. O António vendeu o carro à Margarida. Origem: entidade / lugar a partir da qual uma coisa é movida devido à acção expressa pelo predicador e.g. A Margarida comprou o carro ao António. Locativo: espaço em que se situa a situação expressa pelo predicador e.g. A vizinha do ministro está em casa.
Os argumentos seleccionados por um dado predicador podem ainda ser especificados por informações de natureza sintáctico-semântica, codificada por traços como [± animado] e [± humano], que permitem distinguir as entidades pertencentes à espécie humana dos restantes seres vivos e todos estes de qualquer matéria inerte:
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(24)
a. morrer
e.g. O Pedro morreu A tartaruga morreu 19 *O relógio morreu
b. construir
e.g. O Pedro construiu uma casa O Pedro construiu *um rato O Pedro construiu *um amigo
c. conversar
e.g. O Pedro conversou com a Maria O Pedro conversou *com o disco O Pedro conversou *com o rato O Pedro conversou *com a flor *O livro conversou com a Maria *O rato conversou com a Maria *A flor conversou com a Maria
d. encomendar e.g. O Pedro encomendou um carro O Pedro encomendou um rato O Pedro encomendou *um amigo
Passemos agora às restrições de selecção de natureza morfológica, que afectam exclusivamente os afixos, indicando, por um lado, a posição que ocupam na estrutura morfológica e, por outro, qual o tipo de unidades a que podem associar-se. O sufixo –ção, por exemplo, associa-se a temas verbais; o sufixo –idade associa-se a radicais adjectivais: (25)
-ção [[X]
TV
e.g. continua ]TV ção
]
habitua]TV ção irrita]TV ção competi]TV ção -idade [[X]
RADJ
]
e.g. etern]RADJ idade cumplic]RADJ idade ambigu ]RADJ idade idone]RADJ idade
Quanto às restrições de selecção de natureza fonológica, elas dizem respeito a questões de alomorfia20. O sufixo –vel, por exemplo, assume esta forma quando ocorre em posição final de palavra (cf. amável); nos restantes contextos a sua forma é –bil (cf. amabilidade). A representação deste sufixo deve, pois, tornar explícita a sua distribuição: (26)
[vɛl#] [bil+]
Um outro caso de alomorfia é o que diz respeito ao sufixo –ez. De um modo geral, este sufixo ocorre associado a radicais adjectivais que contêm duas ou mais vogais (e.g. altivez, estupidez, invalidez, timidez).
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Nos restantes casos, a forma do sufixo é –eza (e.g. beleza, dureza, pureza, riqueza). A representação do sufixo deve integrar essa informação: (27)
[[[≥2V]RADJ [ez]]RN [∅]]TN [[[1V]RADJ [ez]]RN [a]]TN
Concluída esta caracterização geral das unidades lexicais, vejamos agora, com mais atenção, como se caracterizam os diversos constituintes morfológicos terminais, ou seja, os radicais (nominais, adjectivais, verbais e adverbiais) e os diversos tipos de afixos (especificadores, derivacionais e modificadores).
3.2 Radicais Poder-se-ia definir radical como o constituinte núcleo de uma palavra simples, ou seja, como o constituinte que define o conteúdo semântico e as propriedades gramaticais básicas da palavra que integra21. Escola, por exemplo, é um nome feminino porque escol– é um radical nominal feminino; grave é um adjectivo invariável porque grav– é um radical adjectival invariável; pedir é um verbo da terceira conjugação porque ped– é um radical verbal de terceira conjugação. Mas nem todos os radicais podem ocorrer em palavras simples e nem todas as palavras são palavras simples. Há um relevante contingente de radicais que só podem ocorrer em palavras complexas. É o que se verifica com formas como pisc– ou icti–, semanticamente equivalentes ao radical peix–, mas que nunca surgem em palavras simples: (28)
peix–e pisc–i–cultura pisc–i–forme pisc–í–voro icti–ó–fago icti–ó–lito icti–ose
= criação de peixes = que tem forma de peixe = que se alimenta de peixe = que se alimenta de peixe = fóssil que contém um peixe ou pedaços de peixe = dermatose que torna a pele escamosa
Os radicais que não ocorrem em palavras simples são frequentemente radicais neoclássicos (por oposição aos restantes, que podem ser identificados como radicais vernáculos), ou seja, são latinismos ou helenismos disponíveis apenas para a formação de palavras e em particular para a formação de alguns tipos de palavras, como os compostos morfológicos e alguns tipos de derivados (como os derivados
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em –ose). A distinção entre radicais vernáculos e radicais neoclássicos permite, pois, distinguir os radicais que podem ocorrer quer em palavras simples (e.g. peix(e)), quer em palavras complexas (e.g. peix(ada)), dos radicais que só podem ocorrer em palavras complexas (e.g. pisc(icultura), icti(ofobia)). Os radicais neoclássicos podem ser caracterizados como um subléxico do Português, criado a partir de empréstimos do Grego Antigo e do Latim, muito frequentemente por intermédio de uma língua contemporânea, como o Inglês ou o Francês. Não ocorrendo livremente em qualquer tipo de contexto sintáctico, é difícil identificar as suas propriedades gramaticais. Note-se que um radical como vor-, proveniente de um verbo latino (i.e. VORO, VORARE), ocorre, no Português, integrado no verbo devorar (também herdado de um verbo latino - DEVORO, DEVORARE, lexicalizado no Português), no adjectivo voraz (do Latim, VORAX, igualmente lexicalizado no Português) e em compostos como carnívoro, que pode ser um adjectivo ou um nome. Esta conjugação de dados explica a impossibilidade de atribuir ao radical vor-, tal como a qualquer outro radical neoclássico, uma categoria sintáctica. Mas há outras diferenças relevantes: o género, por exemplo, é uma propriedade inerente dos radicais nominais vernáculos (peix– é um radical nominal masculino), enquanto que os radicais nominais neoclássicos não possuem qualquer especificação deste tipo (pisc– ou icti– não têm género feminino nem masculino); por outro lado, os radicais neoclássicos não possuem a especificação temática que para os radicais vernáculos é uma propriedade crucial (peix– é um radical nominal de tema em –e, pisc– ou icti– não se integram em qualquer classe temática). Pode, assim, concluir-se que a definição de radical inicialmente proposta, e que vai ao encontro da intuição dos falantes, é insuficiente para a análise morfológica, mas a sua discussão permite-nos compreender que a caracterização dos radicais, em particular no confronto com os afixos, exige que os radicais neoclássicos e os radicais vernáculos sejam independentemente considerados. Centremo-nos, então, na descrição destes últimos. Nem todas as informações que estão associadas às unidades lexicais são relevantes para a sua integração em estruturas morfológicas – algumas, como a impossibilidade de acentuação de vogais em posição acentuável (veja-se, por exemplo, a penúltima vogal de abóbora), ou a etimologia são geralmente irrelevantes. A relação de pertença a uma categoria sintáctica, pelo contrário é primordial, dado que dela depende toda a restante classificação.
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Como vimos há pouco, a categoria sintáctica dos radicais vernáculos22 é determinada pela categoria sintáctica das palavras simples em que ocorrem, qualquer que seja a forma flexionada considerada: (29)
boc RN
gord RADJ
boca N bocas N
gordo ADJ gordos ADJ gorda ADJ gordas ADJ
com RV como V comes V come V comemos V comeis V comem V
coma V comas V coma V comamos V comais V comam V
comerei V comerás V comerá V comeremos V comereis V comerão V
comi V comeste V comeu V comemos V comestes V comeram V
comesse V comesses V comesse V comêssemos V comêsseis V comessem V
comeria V comerias V comeria V comeríamos V comeríeis V comeriam V
comia V comias V comia V comíamos V comíeis V comiam V
comer V comeres V comer V comermos V comerdes V comerem V
comendo V comido V comer V
comera V comeras V comera V comêramos V comêreis V comeram V
Dados como os de (30) poderiam levar-nos a admitir que alguns radicais pertencem a mais do que uma categoria sintáctica: (30)
solt-
solto ADJ / soltar V
velh-
velho N / velho ADJ
troc-
troco N / troca N / trocar V
fabric-
fabrico N / fábrica N / fabricar V
sec-
sec(o,a) ADJ / seco N / seca N / secar V
Ainda que, foneticamente, estes radicais sejam idênticos, trata-se de unidades lexicais distintas, que, para além de pertencerem a diferentes categorias sintácticas, são portadoras de distintas propriedades fonológicas (cf. 31a), morfológicas e morfo-sintácticas (cf. 31b): (31)
a.
[‘seku]ADJ
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[‘sɛku]V b.
troco N–o, [-feminino]
troca N–a, [+feminino]
Estabelecida a distinção categorial básica, vejamos, então, como se caracterizam os radicais nominais, os radicais adjectivais, os radicais verbais e os radicais adverbiais.
3.2.1 Propriedades dos radicais nominais Foi já dito que as unidades lexicais caracterizáveis como radicais nominais são os constituintes que ocupam a posição de radical de um nome simples (cf. [ [ros]RN [a]IT ]TN [ ][-PLU]] N[-PLU]), mas a descrição que se segue não diz respeito apenas aos radicais nominais simples, diz respeito a todos os radicais nominais, simples ou complexos. Ora, se o estatuto categorial de um radical simples lhe advém da natureza categorial da palavra simples em que ocorre, o que se passa com os radicais complexos? São duas as situações a ter em conta. Nas palavras complexas, o núcleo é um radical complexo: o radical simples que o integra pode ser o núcleo dessa estrutura, se se tratar de uma estrutura de modificação, como rosinha, ou não, se se tratar de uma estrutura de derivação, como roseira: (32)
[ [ros]núcleo de rosinh- [inh] ]núcleo de rosinha [ [ros] [eir]núceo de roseir- ]núcleo de roseira
[a] [a]
Para a análise morfológica, a especificação lexical dos radicais nomnais mais relevante diz respeito a algumas propriedades morfosemânticas, ao género e à classe temática. Igualmente relevante é a informação de que flexionam em número.
3.2.1.1 Propriedades morfo-semânticas Aos radicais nominais está associada informação relativa à distinção entre nomes próprios e comuns, animados e inanimados, humanos e não-humanos e contáveis e massivos. A distinção entre nomes próprios e nomes comuns é justificada por contrastes sintácticos como o seguinte23: (33)
Lisboa é uma cidade antiga *A Lisboa é uma cidade antiga *Lisboa que está muito poluída é uma cidade antiga *Lisboas
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O professor é um homem velho *Professor é um homem velho O professor que chegou hoje é um homem velho professores
A especificação dos nomes relativamente a este contraste morfosemântico faz uso do traço [±comum]: (34)
Lisboa [-comum] professor [+comum]
Esta é uma informação morfologicamente relevante. Os sufixos que formam adjectivos gentílicos, como –ense, por exemplo, seleccionam obrigatoriamente um radical [-comum]. É o que se verifica no caso de setubalense, adjectivo derivado do nome próprio (topónimo) Setúbal. O traço [± animado] distingue entre a subclasse de nomes que refere seres vivos (ainda que seres vivos, nesta visão do mundo, sejam apenas pessoas e animais), da subclasse que refere entidades inanimadas e conceitos: (35)
Maria [+animado] rato [+animado] pinheiro [-animado] disco [-animado] prazer [-animado]
Os radicais nominais animados requerem uma outra distinção semântica que indica se o nome ao qual está associado refere ou não um ser humano e usa, habitualmente, o traço [±humano]: (36)
Maria [+humano] rato [-humano] disco [-humano]
Note-se que entre estas duas propriedades (i.e. [±animado] e [±humano]) há implicações lógicas que permitem simplificar a especificação de alguns nomes: (37)
[+humano] ⇒ [+animado] [-animado] ⇒ [-humano]
A análise morfológica faz uso desta informação, por exemplo, para dar conta da formação de contrastes de género por composição morfosintáctica. Só os radicais nominais [+ animado, - humano], que são os radicais dos nomes epicenos, podem usar esse recurso: (38)
águia-macho águia-fêmea
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Os nomes comuns são ainda caracterizáveis como contáveis ou massivos, distinção que também encontra justificação em contrastes morfo-sintácticos24, como os seguintes (39)
a.
uma cadeira / duas cadeiras um vinho / *dois vinhos
b.
*preciso de cadeira / preciso de cadeiras preciso de vinho / *preciso de vinhos
c.
*não tenho muita cadeira / não tenho muitas cadeiras não tenho muito vinho / *não tenho muitos vinhos
A sequência precedida de asterisco em (39a) só não é agramatical se significar diferentes qualidades de vinho, ou se for considerada como elipse de uma sequência do tipo garrafas de vinho. Na entrada lexical de cada uma destas palavras constará, assim, informação sobre o valor do traço [± contável]: (40)
cadeira [+contável] vinho [-contável]
Para além da relação com a flexão em número, este tipo de informação é solicitada por alguns processos de formação de palavras. Os sufixos que formam nomes colectivos, por exemplo, seleccionam nomes contáveis e formam obrigatoriamente nomes não-contáveis. (41)
folh(a) [+contável] vasilh(a) [+contável]
folhagem [-contável] vasilham(e) [-contável]
3.2.1.2 Género No Português, o género25 é uma propriedade inerente dos radicais nominais. Todos os radicais nominais possuem, pois, informação de género gramatical e esta informação é sintacticamente relevante, dado que desencadeia mecanismos de concordância. (42)
Este bolo está delicioso Esta tesoura precisa de ser afiada
Com foi já referido, são três os valores de género disponíveis no Português: masculino, feminino e um valor subespecificado, que caracteriza os radicais nominais cujo valor de género não é lexicalmente determinado e a que habitualmente se dá o nome de comuns-de-dois:
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masculino
Este bolo está delicioso. Este aluno está reprovado. Este problema é fácil de resolver. Este polícia multou-me. Este pente está partido. O Infante D. Henrique nasceu no Porto. Este bar está aberto até tarde. O professor atrasou-se. Este chá está muito forte. O avô está a chegar.
feminino
Esta tribo vive em total isolamento. Esta tesoura precisa de ser afiada. Esta menina está muito crescida. Esta lente está riscada. Esta vampe é a minha filha. Esta paz foi conseguida com grande esforço. Esta pá está partida. A avó está a chegar.
subespecificado
(43)
Este / esta modelo já fez duas capas da mesma revista. Este / esta paisagista faz projectos de grande qualidade. Este / esta agente já multou dois condutores. Este / esta furriel merece um louvor.
A sintaxe pode ou não fixar um valor de género para os nomes formados a partir de radicais nominais subespecificados quanto ao género, o que indicia que semanticamente essa informação não é indispensável. (44)
Este agente foi convidado a sair. Esta agente foi convidada a sair. Atletas assim é que dá gosto treinar.
É importante referir que, no Português, a relação entre um dado radical e um dado valor de género é, na generalidade dos casos, aleatória. Com efeito, essa relação só pode ser motivada quando os nomes denotam entidades animadas, mas mesmo neste domínio registam-se variadíssimos casos que mostram a fragilidade dessa hipótese de generalização. O género é uma propriedade que guarda memória de uma semântica relacionada com a repartição das entidades em animadas e inanimadas, e a distinção, no primeiro caso, dos subconjuntos de entidades que referem seres de sexo masculino e seres de sexo feminino. Este sistema é herdado das línguas em que o Português se filia, mas já aí conhecia alguma instabilidade: a relação arquetípica dos nomes inanimados com o neutro também já estava comprometida em Latim, dado que já nessa língua se encontram nomes inanimados com género feminino (cf. LUNA > lua) ou masculino (cf. SOL > sol). O desaparecimento do valor neutro na formação
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da generalidade das línguas românicas (à excepção do Romeno26) acabou por torná-lo extremamente precário, dado que todos os nomes que referem entidades inanimadas tiveram de inscrever-se ou na classe dos nomes que referem entidades de sexo feminino, ou na classe dos nomes que referem entidades de sexo masculino27. Comecemos por observar os radicais nominais inanimados. Nestes casos, a atribuição de um valor de género é estritamente acidental. Considerem-se os seguintes exemplos: (45)
sofá leito chinelo o moral o lente
poltrona cama chinela a moral a lente
Apesar de terem valores de género distintos, sofá e poltrona referem dois objectos com formas e funções muito semelhantes, leito e cama são sinónimos com alguma distribuição complementar (cf. o leito / *a cama do rio vs. comprei uma cama / *um leito de casal) e chinelo e chinela são sinónimos de distribuição equivalente. O valor de género destes radicais é tão imotivado e imprevisível que requer aprendizagem específica, explicando a ocorrência de contrastes entre variedades do Português (cf. 46a), entre palavras cognatas do Português e outras línguas românicas (cf. 46b) e hesitações no interior de um único dialecto do Português (cf. 46c), algumas das quais historicamente atestadas (cf. 46d): (46)
a.
Português Europeu Português do Brasil
cataplasma[-fem] cataplasma[+fem]
entorse[+fem] entorse[-fem]
b.
Português Castelhano
leite[-fem] leche[+fem]
árvore[+fem] árbol[-fem]
Português Catalão
lume[-fem] llum[+fem]
ponte[+fem] pont[-fem]
Português Francês
planeta[-fem] planète[+fem]
imagem [+fem] image[-fem]
Português Italiano a/os diabetes a/o ênfase
vale[-fem] valle[+fem] a/o laringe a /o síndrome
margem [+fem] màrgine[-fem]
PLANETA[+fem] /[-fem]>[+fem] LAC, LACTIS[neutro] FOLIA[neutro plural] MARE, -IS[neutro] VALLIS, -IS[+fem] DOLOR, -ORIS[-fem]
> > > > > >
c. d.
planeta[-fem] leite[-fem] folha[+fem] mar[+fem] > [-fem] vale[-fem] dor[+fem]
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Em relação aos radicais de nomes animados, convém distinguir os que referem seres humanos de todos os outros. Regra geral, a referência a entidades humanas distingue o género masculino do feminino, estabelecendo um nexo entre o primeiro e sexo masculino e entre o segundo e sexo feminino: (47)
aluno doutor monge homem conde cônsul papa vendedor
aluna doutora monja mulher condessa consulesa papisa vendedeira
Esta relação entre género gramatical e sexo não é, porém, universal. Como é sabido, e apesar de não serem casos frequentes, há radicais nominais masculinos que referem mulheres (cf. um mulherão) e radicais nominais femininos que referem homens (cf. uma bicha). Menos raros são os radicais nominais chamados sobrecomuns que referem indistintamente homens e mulheres, embora tenham um único valor de género – é o caso de cônjuge, ídolo, testemunha ou criança. E menos raros ainda são os já referidos radicais nominais comuns-de-dois, que podem ser sintacticamente especificados como femininos ou masculinos, dado que, lexicalmente, o seu valor de género está subespecificado: (48)
diplomata modelo adolescente
Note-se que a subespecificação de género constitui, no Português contemporâneo, a estratégia preferencialmente utilizada para a obtenção de denotação não-ambígua a referentes masculinos e femininos: uma mulher que, na hierarquia militar, ocupa a patente de soldado será referida como a soldado X, do mesmo modo que muitas magistradas preferem ser designadas por a juiz e muitas criadoras literárias renunciam à forma poetisa, preferindo ser chamadas a poeta. Esta preferência pela subespecificação deve-se a uma conjunção de factores: por um lado, nem sempre é fácil encontrar uma forma adequada ao feminino (cf. um capitão, uma capitona? capitã? capitoa?), por outro, as potenciais formas do feminino (cf. sargenta, generala) parecem referir não as mulheres que detenham as patentes de sargento ou general, mas sim, caricaturalmente, mulheres com características geralmente atribuídas aos militares com essas patentes. Esta especialização do significado está consagrada, por
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exemplo, no contraste entre a designação da função de embaixadora e o título atribuído à mulher do embaixador, que é a embaixatriz. Quanto aos radicais nominais que referem entidades animadas não humanas, ainda que aqueles que referem animais domésticos ou familiares (pelo menos no nosso imaginário) possam dispor de formas próprias para o feminino e para o masculino (cf. gato, gata; leão, leoa), os casos mais frequentes são os dos radicais nominais, masculinos ou femininos, que referem indistintamente os machos e as fêmeas de cada espécie, e que são chamados epicenos: (49)
chimpanzé elefante gafanhoto javali leopardo tigre
cobra girafa lontra mosca pantera zebra
Por último, pode referir-se que os radicais nominais derivados têm uma relação mais motivada com o género, dado que todos os radicais formados por um mesmo sufixo derivacional possuem idêntico valor. Por exemplo: •
todos os radicais nominais derivados pelo sufixo –idade são femininos (cf. animosidade, especificidade, particularidade, etc.);
•
todos os derivados em –ismo são masculinos (cf. amadorismo, presidencialismo, terrorismo, etc.)
•
todos os derivados em –nte são subespecificados (cf. assistente, acompanhante, presidente, etc.).
Note-se, porém, que esta sistematicidade assenta na relação aleatória que cada sufixo de nominalização mantém com o género, ou seja, não existe qualquer motivação para que –ção forme radicais nominais femininos, ou para que –mento forme radicais nominais masculinos, ou para que –nte forme radicais nominais subespecificados.
3.2.1.3 Classes temáticas Aos radicais nominais está geralmente associada informação sobre a classe temática a que pertencem28, e que, em Português, é definida pela natureza do índice temático que seleccionam29 (-a, -o, -e, -Ø) ou pela sua
93
ausência ( )30, em combinação com o seu valor de género (masculino, feminino ou subespecificado): (50)
tem RN[ -a, - FEMININO ] folh RN[ -o, - FEMININO ] dentRN[ -e, - FEMININO ] tractor RN[ -Ø, - FEMININO ] chapéu RN[ ╤, - FEMININO ]
e.g. tema e.g. olho e.g. dente e.g. tractor e.g. chapéu
pern RN[ -a, + FEMININO ] trib RN[ -o, + FEMININO ] estant RN[ -e, +FEMININO ] luz RN[ -Ø, + FEMININO ] mãe RN[ ╤, + FEMININO ]
e.g. perna e.g. tribo e.g. estante e.g. luz e.g. mãe
artist RN[ -a, FEMININO] model RN[ -o, FEMININO] agent RN[ -e, FEMININO] furriel RN[ - Ø, FEMININO]
e.g. artista e.g. modelo e.g. agente e.g. furriel
±
±
±
±
A identificação dos radicais de tema em –o, em –a e em –e não coloca especial dificuldade: trata-se de radicais de nomes que, no singular, exibem esse radical e o respectivo índice temático e, no plural, exibem o radical, o índice temático respectivo e o sufixo de flexão adequado: (51)
folh-o pern-a dent-e
folh-o-s pern-a-s dent-e-s
A distinção entre radicais de tema em –e e radicais de tema Ø é um pouco mais complexa, dado que as palavras de tema Ø se caracterizam pelo facto do índice temático não ter realização fonética no singular (embora em alguns casos se produza um [ɨ] final) e ser realizado como [ɨ] no plural. Mas esta caracterização também se adequa às formas de tema em –e, que graficamente terminam sempre em , no singular: (52)
tractor dente
[tra’tor] [‘dẽtɨ]
tractores dentes
[tra’torɨʃ] [‘dẽtɨʃ]
Aparentemente a distinção entre estas duas classes temáticas de radicais nominais é, pois, meramente ortográfica31, sendo mesmo possível encontrar pares de palavras em que não há diferenças visíveis na realização fonética (nem no singular, nem no plural), nem contrastes de outra natureza, nomeadamente morfológicos, por exemplo, na formação de avaliativos:
94
(53)
gar -e lugar-Ø halter -e mister-Ø estor -e motor-Ø
gares lugares halteres misteres estores motores
garezinha lugarzinho halterezinho misterzinho estorezinho motorzinho
Há, porém, dois tipos de radicais que justificam a postulação destas duas classes temáticas: trata-se dos radicais terminados em /l/ e dos radicais terminados em /z/: (54)
bas–e cabaz–Ø gaz–e gás–Ø tes–e tez–Ø dos–e tardoz–Ø
val–e enxoval–Ø pel–e papel–Ø móbil–e móbil–Ø desfil–e perfil–Ø gol–e mongol–Ø bul–e azul–Ø ['bazö] [kÃ'baS ] ['gazö] ['gaS ] ['tEzö] ['teS ] ['d zö] [tÃr'd S ]
vales enxovais peles papéis móbiles móbeis desfiles perfis goles mongóis bules azuis bases cabazes gazes gáses teses tezes doses tardozes
As formas do plural dos radicais de tema em –e terminados em /l/ não apresentam qualquer característica relevante – o plural é obtido por simples adjunção do sufixo relevante, ou seja –s (cf. vale – vales). Já as formas do plural dos radicais terminados em /l/ e tema Ø são geradas por adjunção do sufixo relevante e a intervenção de um processo morfofonológico de semivocalização dessa consoante (cf. enxoval – enxovais – *enxovales32). Quanto aos radicais de tema em –e terminados em /z/, não é nas formas do plural que se encontra o argumento para a distinção (aliás, neste caso, o plural dos dois tipos de radicais é idêntico: bases e cabazes, doses
95
e tardozes). A distinção vem da realização fonética da consoante final do radical que, no caso dos nomes de tema -Ø, mostra que o /z/ está em final de palavra, sendo realizado como [S], como em [kÃ'baS],['gaS], ['teS] ou [tÃr'd S], e no caso dos nomes de tema em –e mostra que o /z/ não o está, sendo realizado como [z], como em ['bazö], ['gazö], ['tEzö] ou ['d zö]. Vejamos, por último, os radicais atemáticos. Esta classe terá começado por englobar radicais com um comportamento marginal, quer por se tratar de empréstimos de línguas menos presentes na etimologia do léxico do Português, quer por apresentarem ‘acidentes’ diacrónicos, responsáveis pela ausência de qualquer um dos índices temáticos que caracterizam as restantes classes temáticas. O que impede a consideração desta classe temática como estritamente marginal é o facto de nela se integrarem alguns tipos de palavras derivadas, como os radicais nominais formados por sufixação em –ugem, em –ão ou em –ção: (55)
pen]RN ugem]N chor]RV ão]N aprova]TV ção]N
Pode admitir-se que estes sufixos não formam radicais atemáticos se se considerar que a realização fonética que assumem no singular é derivada de uma representação subjacente, que nos casos em análise seria talvez /+uZin+e#/, /+on+e#/ e /+cion+e#/, mas há análises alternativas, como as que estipulam alomorfes do radical, que talvez sejam menos gravosas do ponto de vista do processamento lexical. De um modo geral, as palavras formadas a partir de radicais atemáticos terminam em vogal oral tónica33 (cf. 56a), vogal nasal tónica (cf. 56b), ditongo oral tónico (cf. 56c) ou ditongo nasal tónico (cf. 56d), embora também possam terminar em vogal ou ditongo átonos34 (cf. 56e) ou até mesmo em consoante (cf. 56f). Note-se que nas palavras que integram radicais atemáticos não está presente qualquer índice temático, pelo que a forma do radical é idêntica à do singular e o plural é realizado como uma sequência de radical e sufixo –s. Por outro lado, os radicais atemáticos só podem ser modificados por sufixos z-avaliativos (cf. *alvarainho, *neoninho): (56)
a. Árabe Tupi Francês Caraíba Francês Francês Francês
AL-BARÁÂ YAKA'RE CACHET KOLIBRIS TRAÎNEAU TRICOT BAHUR
alvará-s jacaré-s cachê-s colibri-s trenó-s tricô-s baú-s
[alvÃ'Ra] [ZÃkÃ'RE] [ka'Se] [k li'bRi] [tRö'n ] [tRi'ko] [ba'u]
alvara-zinho jacare-zinho cache-zinho colibri-zinho treno-zinho trico-zinho bau-zinho
96
b. Latim AVELLANA Francês ÉCRAN 35 sel(a)-im Latim DÓNUM Grego NÉON bod(e)-um
avelã-s ecran-s selim-s dom-s néon-s bodum-s
[Ãvö'lÃ)] [E'kRÃ)] [sö'li)] ['do)] [nE'o)] [bu'du)]
avelã-zinha ecran-zinho selin-zinho don-zinho neon-zinho bodun-zinho
c. Neerl. Latim Latim Japonês Latim Latim Grego
?
bacalhau-s réu-s liceu-s bonsai-s rei-s boi-s herói-s chui-s
[bÃkÃ'´aw] ['{Ew] [li'sew] [bo)'saj] ['{Ãj] ['boj] [e'R j] ['Suj]
bacalhau-zinho reu-zinho liceu-zinho bonsai-zinho rei-zinho boi-zinho heroi-zinho chui-zinho
CABBELIAU REUS, REI LYCEUM BONSAI REX REGIS BOS,BOVIS HEROS
•
Latim Árabe
GERMÁNUS HARAM
irmão-s harém-s
[iR'mÃ)w)] [a'RÃ)j)]
irmão-zinho harem-zinho
•
Inglês Inglês Latim Francês
JURY JOCKEY BENEDÍCTIO PAYSAGE
júri-s jóquei-s bênção-s paisagem-s
['ZuRi] ['Z kÃj] ['be)sÃ)w)] [paj'zaZÃ)j)]
juri-zinho joquei-zinho bênção-zinha paisagem-zinha
•
Grego Latim Árabe Grego Grego Latim Inglês Inglês
ÍRIS LÁPIS AR-RÁ'IS ÁTLAS HUPHÉN SÌLEX SCRIPT LINK
íris-s lápis-s arrais-s atlas-s hífen-s sílex-s script-s link-s
['iRiS] ['lapiS] [Ã'{ajS] ['atlÃS] ['ifÃnö] ['silEksö] ['skRiptö] ['li)kö]
iris-zinha lapis-zinho arrais-zinho atlas-zinho hifen-zinho silex-zinho script-zinho link-zinho
Nem sempre é fácil distinguir as palavras de tema -Ø das palavras atemáticas, dado que a distinção é lexicalmente estabelecida. Compreende-se, assim, a dificuldade e as hesitações de alguns falantes na flexão plural de palavras como arroz ou filhó. Ainda que as formas aceites sejam arrozes e filhós, não é difícil encontrar ocorrências de um plural com a forma arroz (cf. são dois arroz de peixe, por favor), como se se tratasse de um radical atemático (i.e. arroz]RN ]TN), e filhoses, formada sobre um inexistente radical de tema -Ø (i.e. filhos]RN Ø]TN). Note-se por último, que, excluindo os que terminam em fricativa palatal (e.g. íris, lápis, arrais ou atlas), os radicais atemáticos terminados em consoante tendem a comportar-se como radicais de tema –Ø, pelo menos na formação do plural (cf. ['ifÃnS] vs. ['ifÃnöS]; ['silEksS] vs. ['silEksöS]; ['skRiptS] vs. ['skRiptöS]; ou ['li)kS] vs. ['li)köS]), apesar da ortografia não o consagrar.
97
3.2.2 Propriedades dos radicais adjectivais Aos radicais adjectivais está associada informação relativa à classe temática, que, tal como nos radicais nominais, é definida pela natureza do índice temático que seleccionam (-a, -o, -e, -Ø) ou não (╤), e pela sua variabilidade, que distingue os radicais adjectivais variáveis em género, ou seja, aqueles que possuem formas distintas para a concordância com formas femininas e masculinas, e radicais adjectivais invariáveis, que possuem uma única forma, qualquer que seja o valor de género da forma com a qual concordam. Os adjectivos variáveis têm formas distintas para o masculino e o feminino, mas partilham o mesmo radical: todos os adjectivos masculinos têm uma forma morfologicamente relacionada para o feminino e todos os adjectivos femininos têm uma forma morfologicamente relacionada para o masculino: (57)
bel RADJ[ -o, - FEMININO ] bel RADJ[ -a, + FEMININO ]
cf. belo cf. bela
devedor RADJ[ -A, + FEMININO ] devedor RADJ[ -Ø, - FEMININO]
cf. devedora cf. devedor
mau RADJ[ ╤, - FEMININO] má RADJ[ ╤, + FEMININO ]
cf. mau cf. má
Os adjectivos invariáveis36 têm uma única forma para concordância com o masculino e com o feminino. (58)
lorp RADJ[ -a, FEMININO] livr RADJ[ -e, FEMININO] polar RADJ[ -Ø, FEMININO] comum RADJ[ ╤, FEMININO] ±
±
±
±
cf. lorpa cf. livre cf. polar cf. comum
Aos radicais adjectivais está ainda associada informação sobre graduabilidade, ou seja, sobre a possibilidade ou impossibilidade de os adjectivos indicarem o grau de presença da propriedade que denotam37. Os radicais adjectivais graduáveis, como interessant-, exprimem qualidades que podem ser medidas numa escala de dimensão ou de valor. Estes radicais adjectivais podem ser morfologicamente modificados por afixos avaliativos, como o sufixo –íssimo que é responsável pela formação do superlativo absoluto sintético, o sufixo –inho que forma um atenuativo da base e o prefixo super- que forma um intensificador da base38. Os radicais adjectivais não-graduáveis, como sulfuric-, não podem ser modificados porque as propriedades que denotam não podem ser avaliadas: ou estão
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presentes ou ausentes. Esta informação pode ser formalizada pelo traço [± graduável]: (59)
car [+GRADUÁVEL] e.g. caríssimo, carozinho, super-caro sulfuric [-GRADUÁVEL] e.g.*sulfuriquíssimo,*sulfuricozinho, *super-sulfúrico
3.2.3 Propriedades dos radicais verbais Como já vimos, aos radicais verbais está associado um traço que indica a conjugação (primeira, segunda ou terceira) a que pertencem39. A relevância desta informação é estritamente morfológica, e apenas porque, em alguns casos, determina a realização da flexão40. Pode, aliás, considerar-se que esta classificação dos radicais verbais obscurece o contraste morfologicamente mais relevante que opõe a primeira conjugação ao conjunto das segunda e terceira: à excepção do infinitivo e do gerúndio (cf. 60a) e da forma que ocorre como base de alguns derivados (cf. 60b), toda a restante flexão (cf. 60c) e todas as restantes bases derivacionais (cf. 60d) se organizam de forma bipartida41: (60)
a. domin RV[1ª CONJ] reg RV[2ª CONJ] confer RV[3ª CONJ]
dominar reger conferir
dominando regendo conferindo
b. domin RV[1ª CONJ] reg RV[2ª CONJ] confer RV[3ª CONJ]
dominador regedor conferidor
c. domin RV[1ª CONJ] reg RV[2ª CONJ] confer RV[3ª CONJ]
dominava regia conferia
domine reja confira
d. domin RV[1ª CONJ] reg RV[2ª CONJ] confer RV[3ª CONJ]
dominância regência conferência
dominável regível conferível
dominado regido conferido
Para além da conjugação, os radicais verbais incluem informação relativa ao tipo de flexão, que pode ser regular42 ou irregular43. Os radicais de verbos irregulares devem conter indicação sobre o tipo de irregularidade que os afecta e que pode ser de natureza fonológica, morfológica ou semântica. A defectividade é um dos tipos de irregularidade que pode afectar os radicais verbais, havendo vários tipos de defectividade. Muitos verbos da terceira conjugação, como, por exemplo, falir, são defectivos por razões de natureza fonológica, nas formas rizotónicas (ou seja, que são formas acentuadas no radical), como
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as do singular e da terceira do plural do presente do indicativo, todas as formas do presente do conjuntivo e a segunda do imperativo44: (61)
*falo *fales *fale falimos falis *falem
*fala *falas *fala *falamos *falais *falam
fali, falisse … faliste, falisses … faliu, falisse … falimos, falíssemos … falistes, falísseis … faliram, falissem …
*floro *flores *flore florimos floris *florem
*flora *floras *flora *floramos *florais *floram
flori, florisse … floriste, florisses … floriu, florisse … florimos, floríssemos … floristes, florísseis … floriram, florissem …
Defectivos por razões semânticas são os verbos que referem vozes de animais e fenómenos meteorológicos. Embora usos particulares possam legitimar a ocorrência de todas as formas flexionadas, os primeiros são geralmente defectivos na primeira e na segunda pessoas (cf. 62a) e os verbos meteorológicos, como chover ou nevar, só são flexionados na 3ª pessoa-singular (cf. 62b). (62)
a.
? ladro, ladrei, ladrava ? ladras, ladraste, ladravas ladra, ladrou, ladrava ? ladramos, ladrámos, ladrávamos ? ladrais, ladrastes, ladráveis ladram, ladraram, ladravam
b.
? chovo, choves, chovemos,chovem chove ? nevei, nevaste, nevámos, nevaram nevou
Também de natureza semântica é a defectividade dos verbos recíprocos, que só flexionam nas formas do plural porque o sujeito não pode ser singular:
100
(63)
(nós) cumprimentamo-nos (vós) cumprimentais-vos (vocês, eles) cumprimentam-se
Por último, há defectividade provocada por acidentes de natureza diacrónica. Alguns destes verbos recorrem ao supletivismo, ou seja, usam radicais morfologicamente distintos para suprir a ausência das formas defectivas. É o que se verifica com verbos como ser (é, era, fui, fosse) ou ir (vai, vá, foi, fosse), cuja flexão está integralmente lexicalizada. Um outro tipo de irregularidade diz respeito aos verbos abundantes, nomeadamente aos que contam com duas formas participiais45. A estes radicais verbais estão obrigatoriamente associadas as duas formas participiais: (64)
imprim RV[2ª CONJ] imprimido PPFRACO impresso PPFORTE
Para além da informação lexical de relevância estritamente morfológica, aos radicais verbais está associada, como vimos em 3.1.2, informação relativa à estrutura argumental, à estrutura temática e à estrutura de subcategorização. Esta informação tem, fundamentalmente, relevância sintáctica, mas também pode ter consequências morfológicas. Sabe-se, por exemplo, que o sufixo –vel se associa exclusivamente a temas verbais de verbos que seleccionem um argumento não preposicionado ao qual atribuem o papel de tema. Assim se explica que os verbos adorar ou amedrontar permitam derivar adjectivos deste tipo (cf. adorável, amedrontável), mas os verbos gostar ou assustar não (cf. *gostável, *assustável). Consideremos, por último, a classificação semântica morfologicamente relevante. A tipologia que considera o valor referencial dos verbos46 distingue, por exemplo, os verbos declarativos, dos verbos psicológicos e dos verbos causativos: (65)
verbos declarativos: verbos psicológicos: verbos causativos:
dizer, declarar, prometer agradar, entristecer, preocupar fazer, construir, planificar
É maioritariamente nesta última categoria que os processos morfológicos de verbalização inscrevem os radicais que geram: os sufixos –ific(ar) e –iz(ar), por exemplo, formam verbos causativos: (66)
estratificar frutificar planificar
infernizar minimizar modernizar
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3.2.4 Propriedades dos radicais adverbiais Do ponto de vista estritamente morfológico, não há muito a dizer sobre os radicais adverbiais. Distribuem-se por classes temáticas idênticas às dos radicais adjectivais e nominais e geram palavras invariáveis: (67)
agor-a ced-o tard-e melhor-∅ já
Tal como os radicais adjectivais, alguns são graduáveis e outros não, sendo a afixação avaliativa a única que pode seleccionar uma base adverbial, embora nem todos os advérbios permitam essa modificação: (68)
agorinha cedíssimo super-tarde *aciminha *claramentíssimo *super-não
Do ponto de vista morfológico, os radicais adverbiais mais interessantes são os derivados pelo sufixo –mente (e.g. clara-mente) e os que resultam de operações de conversão (e.g. fala rápido).
3.3 Afixos Os afixos são constituintes morfológicos que se caracterizam, basicamente, pelo facto de se associarem obrigatoriamente a uma base cujas propriedades são definidas pelos próprios afixos: o sufixo –os(o/a), por exemplo, selecciona (i.e. só pode associar-se) a radicais nominais (e.g. faust]oso). Habitualmente, os afixos são caracterizados quanto à posição que ocupam relativamente à sua base – designando-se prefixos os que ocorrem à sua esquerda e sufixos os que ocorrem à sua direita47: (69)
a.
desligar incerto refazer
= des PREFIXO ligar BASE = in PREFIXO certo BASE = re PREFIXO fazer BASE
102
b.
poderoso claramente banalidade infantilizar
= poder BASE oso SUFIXO = clara BASE mente SUFIXO = banal BASE idade SUFIXO = infantil BASE izar SUFIXO
No Português, há ainda um outro tipo de afixos que são geralmente classificados como interfixos, como a vogal de ligação que ocorre entre dois radicais na estrutura dos compostos morfológicos: (70)
insect-í-voro insect-ó-fago
Ora, para além do lugar que ocupam na palavra, os afixos têm propriedades específicas e funções diversas lexicalmente determinadas. A distinção que se segue é definida a partir da relação gramatical que os afixos estabelecem com a sua base, distinguindo os sufixos especificadores dos sufixos derivacionais e dos prefixos e sufixos modificadores.
Infixos são afixos que ocorrem no interior de um radical. No Bontoc, uma língua das Filipinas, -um- é um infixo que selecciona adjectivos e forma verbos incoativos (dados de Gleason 1955: 29), ocorrendo à direita da primeira consoante da base: fikas ‘forte’ fumikas ‘ele está a tornar-se forte’ fusul ‘inimigo’ fumusul ‘ ele está a tornar-se inimigo’ No Português não há infixos. Os sufixos que não se encontram em posição final de palavra, como -bil em amabilidade, não deixam de ser sufixos.
3.3.1 Sufixos especificadores Aos sufixos especificadores cabem duas tarefas: a de constituir um tema a partir de um radical e a de formar uma palavra a partir de um tema. Estas tarefas são desempenhadas, respectivamente, pelos sufixos temáticos e pelos sufixos de flexão, cujas propriedades vamos observar em seguida.
3.3.1.1 Sufixos temáticos Os sufixos temáticos são especificadores morfológicos que tornam visível a pertença de um dado radical a uma dada classe temática. Há dois
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tipos de sufixos temáticos: a vogal temática se se trata de um sufixo temático verbal, e os índices temáticos48 se se trata de sufixos temáticos nominais, ou seja, associados a bases adjectivais ou nominais. Para além destes dois tipos de sufixos temáticos, integra-se nesta classe a vogal de ligação. Os sufixos temáticos não têm qualquer relevância sintáctica ou semântica. A vogal temática torna explícita a conjugação a que os verbos pertencem: um radical verbal da primeira conjugação exige que a vogal temática presente seja –a e a vogal temática da primeira conjugação (ou seja, -a) só pode associar-se a radicais verbais da primeira conjugação. Consequentemente, um tema verbal da primeira conjugação só é uma estrutura bem-formada se integrar um radical verbal da primeira conjugação e a vogal temática da primeira conjugação: (71)
i. ii. iii.
cant- é um radical verbal da primeira conjugação –a é a vogal temática da primeira conjugação o tema verbal de cant- é canta-
A vogal temática está sempre presente na estrutura morfológica, mas só pode ser realizada foneticamente quando não precede um sufixo flexional começado por vogal. Nas estruturas canónicas, o sufixo que se segue à vogal temática é o sufixo de tempo-modo-aspecto ou um sufixo amálgama de tempo-modo-aspecto e pessoa-número. Formas como converse, entendamos ou fujam ilustram o apagamento fonético da vogal temática: convers [a]VT [[e]TMA]Flexão = converse entend [e]VT [[a]TMA [mos] PN]Flexão = entendamos fuj [i]VT [[a]TMA [m] PN]Flexão = fujam A ausência de realização fonética da vogal temática é morfofonologicamente determinada, não interferindo com a sua presença na estrutura morfológica e é descrita em 4.5.2.1. Servindo para mostrar a que conjugação o radical verbal pertence, não é de estranhar que as vogais temáticas das diferentes conjugações tenham realizações fonéticas distintas. Habitualmente, considera-se que [a] é a vogal temática da primeira conjugação (cf. cant[a]r), [e] a da segunda (cf. beb[e]r) e [i] a da terceira (cf. fug[i]r). Note-se que nas formas do gerúndio, a vogal temática também é distinta nas três conjugações, mas a sua realização fonética é condicionada pelo sufixo de tempo-modo-aspecto (i.e. –ndo), que a nasaliza (i.e. [Ãâ] em observando, [eâ] em regendo, [iâ]em conferindo). Podemos, então, convencionar que –a, –e e –i são as vogais temáticas do infinitivo (que o gerúndio também usa) das primeira, segunda e terceira conjugações, respectivamente.
104
A vogal temática dos verbos da primeira conjugação é invariavelmente –a, mas a situação nas segunda e terceira conjugações é, em circunstâncias específicas, Na formação do particípio passado dos verbos diferente. No da segunda conjugação, a vogal temática –e particípio passado, não é realizada como [e] à semelhança do que se verifica nas formas arrizotónicas, ou seja, por exemplo, a vogal nos casos em que a vogal temática é tónica, (cf. temática da segunda beb[e]r, beb[e]ste, beb[e]ramos beb[e]mos, conjugação, tal como beb[e]ssemos, beb[e]rmos), nem como [ö], a da terceira, é –i (cf. realização que ocorre tipicamente quando a bebido, fugido) – vogal temática é átona, ou seja nas formas chamemos-lhe a rizotónicas (cf. beb[ö]s) e nas formas vogal temática do resultantes de um processo de gramaticalização passado. do auxiliar (cf. beb[ö]rei, beb[ö]ria), mas como [i], o que se verifica no imperfeito do indicativo Por outro e no particípio passado (cf. beb[i]a, beb[i]do). lado, a flexão de Nos dois primeiros casos, a realização fonética segunda e terceira é fonologicamente explicável, sendo a elevação pessoas do singular e centralização da vogal [e] determinada pelo do presente do processo geral que afecta as vogais átonas, mas indicativo dos à elevação da vogal que ocupa uma posição verbos da terceira tónica não pode ser atribuída uma causa fonológica que não seja aleatória. A causa não é conjugação mostra totalmente conhecida, mas o efeito é o do uma vogal temática esbatimento do contraste entre os verbos da centralizada (cf. segunda e os da terceira conjugações, (cf. fog[ö]s, fog[ö]), bebia, fugia, bebido, fugido). idêntica à da segunda conjugação (cf. beb[ö]s, be[ö]b[ö]). Chamemos-lhe a vogal temática do presente. As vogais temáticas do Português estão, pois, organizadas do seguinte modo: (72)
VOGAL TEMÁTICA DO PRESENTE
VOGAL TEMÁTICA DO INFINITIVO
VOGAL TEMÁTICA DO PASSADO
1ª C
dominância
dominador
dominável
2ª C
regência
regedor
regível
3ª C
conferência
49
conferidor
conferível
Estes contrastes de realização fonética da vogal temática são morfologicamente interessantes não só no que diz respeito à flexão, mas também porque os sufixos derivacionais deverbais são sensíveis às subclasses desta categoria morfológica. É por esta razão que formas como *regével (cf. regível) ou como *conferíncia (cf. conferência), por
105
exemplo, são agramaticais. Pode, assim, concluir-se, que alguns sufixos derivacionais, como –dor, seleccionam o tema do infinitivo (cf. 73a), que outros sufixos, como –vel, seleccionam o tema do passado (cf. 7b), e que outros ainda, como –ncia, seleccionam o tema do presente (cf. 73c): (73)
a. dominador regedor conferidor b. dominável regível conferível c. dominância regência conferência
Nos nomes e adjectivos, o índice temático explicita a classe temática a que pertencem. Retomando os exemplos apresentados na caracterização dos radicais, constata-se que os quatro índices temáticos dominantes (i.e. –a, -o, -e e –Ø) são partilhados por nomes e adjectivos, ainda que só no domínio dos adjectivos seja possível fazer algumas generalizações: (74)
ADJECTIVOS
NOMES
-a -o -e -Ø
VARIÁVEIS
INVARIÁVEIS
MASCULINO
FEMININO
SUBESPECIFICADO
MASCULIINO
FEMININO
tema olho dente tractor
perna tribo estante luz
artista modelo agente
-----
bela
lorpa
belo
-----
-----
-----
-----
devedor
---------
livre polar
O quadro (74) mostra que todos os adjectivos de tema em –o são masculinos, que todos os adjectivos de tema em –e são invariáveis e que todos os adjectivos femininos têm tema em –a. Nenhuma generalização deste tipo pode ser feita no que diz respeito aos nomes. Note-se que a realização fonética dos índices temáticos –a, –o, –e mostra tratar-se de vogais átonas, respectivamente [Ã], [u] e [ö]. Esta realização fonética permite distinguir com facilidade o índice temático –o (cf. sócio) da vogal de ligação –o– (cf. sócio-cultural), dado que esta vogal de ligação é geralmente realizada como [ ], mas dificulta a distinção entre os índices temáticos –e e –Ø, que tanto podem ter idêntica realização fonética (i.e. [ö]), como podem não ser foneticamente realizados. Há, por último, um pequeno conjunto de palavras (geralmente empréstimos neoclássicos), caracterizáveis como nomes atemáticos, mas
106
que exibem vestígios de índices temáticos distintos dos anteriormente considerados, o que pode ser comprovado pela sua ausência em formas derivadas: (75)
–as
maric-as mecen-as traquin-as
mariqu-inhas mecén-ico traquin-ice
–es
diabet-es fáci-es hércul-es simpl-es
diabét-ico faci-al hercúl-eo simpl-ismo
–os
cosm-os tóp-os
cósm-ico tóp-ico
cf. cosmo
–um
curricul-um for-um
curricul-ar for-ense
cf. currículo cf. foro
–us
bón-us cact-us húm-us vírus
bon-ificar cac-táceo húm-ico vir-al
cf. abono cf. cacto cf. humo
cf. face
O carácter marginal destes índices temáticos proporciona, em alguns casos, a sua substituição por um índice temático regular. É por esta razão que cactus é substituído por cacto e curriculum tende a ser substituído por currículo.
3.3.1.2 Vogal de ligação As vogais de ligação disponíveis no Português (i.e. –o– e –i–) são o constituinte morfológico que facilita a identificação da fronteira entre quaisquer dois radicais que integrem os compostos morfológicos, sendo realizadas como [ ] ou como [i]: (76)
insect-í-voro insect-ó-fago
Este constituinte comporta-se como um especificador do radical à sua esquerda, embora seja determinado pela natureza da estrutura em que ocorre e por um traço idiossincrático do radical à sua direita. Com efeito, nas estruturas de coordenação a vogal de ligação é sempre –o– (cf. 77a), mas nas estruturas de subordinação só é –o– nos casos em que o radical da direita não faz parte de um restrito grupo de radicais neoclássicos
107
classificados como latinismos – nestes casos, a vogal de ligação é –i– (cf. 77b): (77)
a.
sóci[o] cultural
b.
insect[ó]fobo insect[i]cida, insect[i]voro, insect[i]forme, insect[i]cultura
A vogal de ligação não ocorre nos casos em que o radical da direita começa por vogal e ainda quando o radical da esquerda tem uma natureza adjectival ou adverbial: (78)
ped-agogo decâ-metro tele-difusão
3.3.1.3 Sufixos de flexão Os sufixos de flexão são especificadores que realizam uma única categoria morfo-sintáctica, determinada pela categoria sintáctica da base (ou um único conjunto de categorias, no caso de amálgamas). No Português, o sufixo –s especifica o plural dos adjectivos e dos nomes50 (cf. casa vs. casas); e os valores de tempo-modo-aspecto e pessoa-número dos verbos51 estão associados aos seguintes sufixos de flexão verbal: (79)
Tempo-Modo-Aspecto Imperfeito Mais-queperfeito Presente Imperfeito Futuro
Indicativo
Conjuntivo
singular plural
Pessoa-Número
Infinitivo Gerúndio Particípio 1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª
Amálgama
1ª C
2ª C e 3ª C
–va
–a –ra
–e
–a –sse –re –re –ndo –do
----–s ----–mos -is (des) –m
Tempo-Modo-Aspecto
108
singular plural
Pessoa-Número
Presente do indicativo
Perfeito do indicativo
–o –s
–i –ste –u –mos –stes –ram
1ª 2ª 3ª 1ª 2ª 3ª
–mos –is –m
A formalização desta informação é recente52 e ainda sujeita a discussão. Relativamente à categoria de pessoa-número, e considerando que as formas da terceira pessoa-singular correspondem às formas nãomarcadas53 (o que exclui os traços [±III] e [±SINGULAR]), pode admitir-se que os traços adequados à formalização desta categoria são três: [±I], [±II] e [±PLURAL]. Deste modo, identificam-se oito diferentes formas, sendo a terceira pessoa-singular a que recebe todos os valores negativos, ou seja, aquela que é reconhecida como forma não-marcada nesta categoria. Por outro lado, a segunda pessoa-plural (vós) recebe todos os valores positivos, o que também é desejável, dado que esta é uma forma em desuso no Português Europeu e provavelmente extinta no Português do Brasil. Esta codificação permite ainda distinguir as duas formas de tratamento relativas à segunda pessoa: [-I, + II] (exs. tu cantas, vocês cantam) diz respeito à segunda pessoa num registo menos formal; e [+I, + II] (exs. você canta, vós cantais) refere, inversamente, a segunda pessoa num registo mais formal: (80)
[+ I, - II, - PLURAL] [- I, + II, - PLURAL] [+ I, + II, - PLURAL] [- I, - II, - PLURAL] [+ I, - II, + PLURAL] [- I, + II, + PLURAL] [+ I, + II, + PLURAL] [- I, - II, + PLURAL]
= 1ª pessoa-singular = 2ª pessoa-singular = 2ª pessoa-singular = 3ª pessoa-singular = 1ª pessoa-plural = 2ª pessoa-plural = 2ª pessoa-plural = 3ª pessoa-plural
e.g. (eu) canto e.g. (tu) cantas e.g. (você) canta e.g. (ele) canta e.g. (nós) cantamos e.g. (vocês) cantam e.g. (vós) cantais e.g. (eles) cantam
A estipulação do conjunto de traços adequado à especificação dos valores de tempo-modo-aspecto é um pouco mais complexa, dado que esta categoria regista valores semânticos que não são adequadamente identificáveis fora do contexto sintáctico. A codificação que apresento é, pois, uma hipótese que inclui traços relativos à modalidade ([±NECESSÁRIO] e [±POSSÍVEL]) e a uma combinação de tempo e aspecto ([±PASSADO], [±PRESENTE/INACABADO] e [±ANTERIOR]), inspirados em Mateus et al. (1989, 1993: 76-109). Estes traços devem ser entendidos
109
como uma base para a verificação de concordância e não como factor de limitação da interpretação semântica. Assim, o traço [+NECESSÁRIO] refere uma relação entre os elementos envolvidos na produção do enunciado que, em abstracto, é tida como certa ou como obrigatória e específica. Caracteriza, tipicamente, as formas do indicativo. O traço [+POSSÍVEL] refere uma relação que é tida como plausível ou permitida e especifica o conjuntivo. A combinação dos valores negativos destes dois traços especifica as formas nominais (gerúndio, particípio e infinitivo), enquanto que a combinação dos valores positivos especifica as formas do imperativo, do futuro simples e do condicional. Este conjunto de traços ([±NECESSÁRIO, ±POSSÍVEL]) distingue, pois, quatro classes modais: a do indicativo, a do conjuntivo, a classe de formas nominais, que não têm qualquer valor modal inerente, e o conjunto das restantes formas. A identificação das formas que integram estas quatro classes modais fica a cargo de traços de tempo, que pode ter correlações aspectuais. Assim, o traço [+PASSADO] refere que o intervalo de tempo que contém o estado de coisas descrito pela predicação é anterior ao intervalo de tempo em que ocorre a enunciação e especifica as formas do pretérito, ou seja, o pretérito mais-que-perfeito, o perfeito e o imperfeito do indicativo, o condicional, o imperfeito do conjuntivo e o particípio. O traço [+PRESENTE/INACABADO] refere que o intervalo de tempo em que ocorre o estado de coisas descrito e o intervalo de tempo em que ocorre a enunciação são simultâneos e/ou que a descrição do estado de coisas localizado num dado intervalo de tempo tem como ponto de referência um momento interno a esse intervalo de tempo. Assim, este traço (que, para simplificar a notação, referirei como [+PRESENTE]) especifica o presente do indicativo, o presente do conjuntivo, o imperativo e o gerúndio, bem como, combinado com o traço [+PASSADO], os pretéritos imperfeitos do indicativo e do conjuntivo. A combinação dos valores negativos dos traços [±PASSADO] e [±PRESENTE] especifica o futuro simples, o futuro do conjuntivo e o infinitivo. Por último, o traço [+ANTERIOR], que só é utilizado para distinguir o pretérito mais-que-perfeito do pretérito perfeito54, refere que o intervalo de tempo que contém o estado de coisas descrito é anterior a um outro intervalo de tempo também descrito e que é anterior ao intervalo de tempo em que ocorre a enunciação. Consequentemente, as formas do pretérito mais-que-perfeito são codificadas apenas como [+ANTERIOR], dado que todas as outras especificações são redundantes, e as restantes formas não precisam de especificação quanto a este traço - ela é previsivelmente negativa.
110
MODO
TEMPO-ASPECTO
NECESSÁRIO
POSSÍVEL
PASSADO
PRESENTE
ANTERIOR
INDICATIVO
MAIS-QUE-PERFEITO
+ + + + + + + -
+ + + + + + -
+ + + + + +
+ + + + + + -
+ -
PERFEITO IMPERFEITO PRESENTE IMPERATIVO FUTURO SIMPLES
CONJUNTIVO
(81)
Como se pode verificar no quadro seguinte, o infinitivo corresponde à forma não-marcada, dado que recebe exclusivamente especificações com valor negativo.
CONDICIONAL IMPERFEITO PRESENTE FUTURO INFINITIVO GERÚNDIO PARTICÍPIO
3.3.2 Sufixos derivacionais Considerando que os contra-exemplos disponíveis (como acaule55 ou anti-rugas56) são raros e exibem comportamentos marginais, pode afirmar-se que, no Português, não há prefixos derivacionais. É por esta razão que aqui se consideram apenas sufixos deste tipo, que se caracterizam pelo facto de seleccionar a base à qual se associam e de determinar as propriedades gramaticais dos derivados que geram. No que diz respeito às propriedades de selecção, os sufixos derivacionais determinam a categoria sintáctica e a categoria morfológica da forma de base: o sufixo –mento, por exemplo, associa-se a temas verbais, enquanto o sufixo –ez se associa a radicais nominais: (82)
X] TV mento] N acompanha] TV mento] N apura] TV mento] N endureci] TV mento] N trata] TV mento] N alui] TV mento] N
X] RADJ ez] N altiv] RADJ ez] N estupid] RADJ ez] N gagu] RADJ ez] N pacat] RADJ ez] N timid] RADJ ez] N
Note-se que há sufixos derivacionais que se associam exclusivamente a um tipo de bases (como o sufixo –mento), mas também
111
há sufixos que admitem maior variação, podendo associar-se a diferentes categorias sintácticas ou a diferentes categorias morfológicas (como o sufixo –izar): (83)
X] TV mento] N apura] TV mento] N endureci] TV mento] N
X] RADJ/RN izar] N banal] RADJ izar] N cristal] RN izar] N
Em alguns casos, os sufixos derivacionais estabelecem restrições de natureza sintáctica (cf. 84a), morfo-semântica (cf. 84b) e até morfofonológica (cf. 84c): o sufixo –vel, por exemplo, associa-se exclusivamente a verbos que possuam um argumento directo ao qual esteja associada a função de tema (cf. 84a); um sufixo como –agem, que forma nomes colectivos, selecciona obrigatoriamente o radical de um nome contável (cf. 84b); e o sufixo –al selecciona radicais nominais que não contenham uma consoante lateral dental, enquanto –ar se associa aos radicais adjectivais que possuem uma consoante lateral dental (cf. 84c). (84)
a.
apresentar: [ ___ SN] depender: [ ___ SP] sorrir: [ ___ ]
apresentável ADJ *dependível ADJ *sorrível ADJ
b.
[[borbulh] RN[+CONT] (a) [[folh] RN[+CONT] (a)
borbulhagem N folhagem N
c.
ambient RN (e) exempl RN (o)
ambiental RADJ exemplar RADJ
Quanto às suas propriedades inerentes, os sufixos derivacionais formam invariavelmente radicais, mas definem simultaneamente a sua categoria sintáctica e todas as suas propriedades morfológicas e morfosintácticas: o radical nominal automat-, por exemplo, pode ser seleccionado pelo sufixo –ic(o), pelo sufixo –ism(o) e pelo sufixo –iz(ar) – a categoria sintáctica dos derivados em que ocorre não pode, pois, ser determinada pela forma derivante, dado que ela é constante, mas sim pelos sufixos, que variam de caso para caso (cf. 85a); por outro lado, os sufixos derivacionais determinam propriedades morfológicas, como a conjugação dos verbos (cf. 85b) ou a classe temática dos nomes e propriedades morfosintácticas como o género, nos nomes (cf. 85c) e ainda estabelecem propriedades morfo-semânticas (cf. 85d): (85)
a.
automat RN (o) automat RN (o)
autómat]ic RADJ (o) automat]ism RN (o)
112
automat RN (o)
automat]iz RV (ar)
b.
[[mord] RV (er)
mord]isc RV[1ª CONJUGAÇÃO] (ar)
c.
[[desloca] TV (r) [[desloca] TV (r) [[ferr] RN[-ANIM] (o)
desloca]ção RN[+FEMININO] desloca]ment RN[-FEMININO] (o) ferr]eir RN[+HUM] (o)
d.
Os sufixos derivacionais determinam ainda o tipo de operação semântica que se produz sobre a base à qual se associam. Trata-se, no entanto, de uma operação de aproximação à fixação de um significado, que só pode ser concretizada com o apoio do valor referencial da base e, frequentemente, de um particular conhecimento do mundo. A caracterização morfo-semântica dos nomes derivados procura identificar categorias arquetípicas, ancoradas em paráfrases maximamente generalizadoras, e não considera interpretações particulares, que muitas vezes só é possível determinar tendo em conta o significado específico das bases e um dado conhecimento do mundo. O sufixo –aria, por exemplo, permite formar nomes locativos, aos quais está associada uma natureza comercial, mas o entendimento de palavras como barbearia e pastelaria requer que os falantes saibam que, em condições normais, numa barbearia não se vende barba, vende-se o serviço de cortar a barba; e que numa pastelaria não se cortam pastéis, vendem-se pastéis e também se vendem outros produtos bebíveis e comestíveis. A operação semântica associada a este sufixo é apenas a da criação de um nome locativo. As propriedades dos sufixos derivacionais permitem caracterizar os processos de nominalização, adjectivalização, adverbialização e Os principais tipos morfo-semânticos de nominalização geram: • Nomes de acção = ‘acção, processo ou resultado de X’ activação = ‘a acção de activar’ • Nomes de quantidade = ‘conjunto ou porção de X’ eleitorado = ‘o conjunto de eleitores’ colherada = ‘porção que cabe dentro de uma colher’ • Nomes de qualidade = ‘qualidade de ser/estarX’ magreza = ‘a qualidade de ser magro’ • Nomes locativos = ‘lugar onde há X ou onde se pode fazer X’ berçário = ‘lugar onde estão os berços’ • Nomes relacionais = ‘N relacionado com X’ cebolada = ‘preparação culinária feita com cebola’ amigdalite = ‘afecção nas amígdalas’ • Nomes-sujeito = ‘alguém ou algo que X’ pedinchão = ‘alguém que pedincha’; esfregão = ‘algo que esfrega’ • Hipónimos = ‘N que é um tipo de X’ beijoca = ‘tipo de beijo
113
verbalização e permitem também caracterizar as propriedades gramaticais e semânticas dos derivados deadjectivais, denominais e deverbais. Quanto à formação de nomes: •
Os sufixos de nominalização deadjectival associam-se a um radical adjectival (cf. clar-) para formar um nome (cf. claridade) e formam predominantemente nomes de qualidade femininos (cf. claridade = ‘qualidade do que é claro’). De um modo geral, um radical adjectival seleccionado por um destes sufixos (cf. clar-) não pode ser seleccionado por outro com idênticas propriedades, ou seja, por um sufixo concorrente, a menos que dê origem a uma palavra com um significado distinto (cf. clareza). Claridade e clareza são ambos nomes de qualidade derivados do radical adjectival clar-, mas o primeiro relaciona-se preferencialmente com a ‘qualidade da iluminação’ e o segundo com a ‘qualidade do raciocínio’.
•
Os sufixos de nominalização denominal associam-se a um radical nominal (cf. ferr-) para formar um nome, que pode pertencer a uma de entre várias categorias morfo-semânticas: dos nomes-sujeito (como ferreiro) aos colectivos (como papelada), aos eventivos (como cotovelada) e aos hipónimos (como beijoca), são muitas as possibilidades de nominalização deste tipo.
•
Os sufixos de nominalização deverbal associam-se a um radical verbal (cf. aban-ão), a um tema verbal do infinitivo (cf. ajuda-nte, descende-nte, pedi-nte), a um tema verbal do passado (cf. activa-ção, absolvi-ção, repeti-ção) ou a um tema verbal do presente (cf. forma-ndo, elege-ndo, instrue-ndo). Com qualquer uma destas bases é possível formar nomessujeito (cf. pedinchão, administrador, convidado, formando) e nomes de acção (cf. consumismo, abanadela, acompanhamento, abundância). A formação de nomes deverbais locativos é menos variada (cf. estendal, vestiário).
O quadro seguinte mostra alguns dos sufixos de nominalização do Português e algumas das suas propriedades:
114
cegu-eira pacat-ez, magreza sabedor-ia velh-ice calv-ície
general-ato portugal-idade QUANTID ADE
profission-al empres-ário ferr-eiro maquin-ista
cotovel-ada peixeir-ada
NOMES-SUJEITO
PASSADO TE
PRESEN
TEMA
laranj-al livr-aria berç-ário terr-eiro abad-ia can-il
VEGETAIS laranj-eira pessegu-eiro
ded-al hosti-ário torn-eira chuv-eiro
forma-ndo(a) elege-ndo(a) instrue-ndo(a)
bag-aço cebol-ada simbol-ismo pap-eira nab-iça amigdal-ite vir-ose
HIPÓNIMOS
OBJECTOS
convida-do(a) convenci-do(a) argui-do(a)
RELACIONAIS
LOCATIVOS
ESPÉCIES
apalpa-deiro(a) benze-deiro(a) cerzi-deiro(a) administra-dor(a) aspira-dor corre-dor(a) ferve-dor descobri-dor(a) transferi-dor ajuda-nte descende-nte pedi-nte fugi-tivo(a)
NOMES LOCATIVOS clar-eira
EVENTIVOS
pedinch-ão(ona) lamb-ão(pna) fuj-ão(ona esfreg-ão esfreg-ona
baix-aria voluntari-ado
amador-ismo azed-ume
SUJEITO
papel-ada folh-agem vasilh-ame cas-ario formul-ário arvor-edo berr-eiro pen-ugem colher-ada
INFINITIVO
DEVERBAL
clar-idade escur-idão ampl-itude brav-ura
DE
RADICAL
DENOMINAL
RADICAL NOMINAL
QUALIDA
NOMES DE ACÇÃO
MASCULINOS
FEMININOS
MASCULINOS
peit-aça forn-alha molh-anga son-eca beij-oca dent-ola dent-uça
pen-acho fac-alhão flor-ão cas-ebre fit-ilho fest-im escad-ote
acost-agem aban-ão cans-eira repel-ão coc-eira zomb-aria transform-ismo coment-ário consum-ismo
estend-al refin-aria viv-eiro
entra-da saí-da abana-dela belisca-dura varre-dela morde-dura sacudi-dela investi-dura destina-tário prepara-tivo
vesti-ário ancora-douro bebe-douro sumi-douro observa-tório dormi-tório
activa-ção absolvi-ção repeti-ção acompanha-mento aborreci-mento cumpri-mento vinga-nça nasce-nça difere-nça
NOMES LOCATIVOS
FEMININOS
NOMES DE ACÇÃO / RESULTADO DE UMA ACÇÃO
ADJECTIVAL
NOMES DE QUALIDADE RADICAL
DEADJECTIVAL
SUFIXOS DE NOMINALIZAÇÃO
abundâ-ncia ascendê-ncia afluê-ncia
115
Quanto à formação de adjectivos: •
Os sufixos de adjectivalização deadjectival associam-se a um radical adjectival (cf. fratern–) para formar um adjectivo (cf. fraternal). Os casos atestados mostram que se trata de um processo bastante marginal: por um lado, os sufixos disponíveis (e.g. –al e –ista) são tipicamente sufixos de adjectivalização denominal (cf. ambiental, alarmista); e, por outro lado, os derivados resultantes não são semanticamente muito distintos das suas próprias bases (cf. fraterno vs. fraternal; bélico vs. belicista).
•
Os sufixos de adjectivalização denominal associam-se a radicais nominais (cf. cabel–) para formar adjectivos semanticamente caracterizáveis como relacionais (cf. cabel–udo). Esta etiqueta morfo-semântica identifica uma relação vaga que cada sufixo (ou grupo de sufixos) restringe de forma mais ou menos precisa: sufixos como – ano, –ão, –eno, –ense, –ês, –eta, –eu, –ita ou –oto estabelecem uma clara relação de origem ou proveniência, se a base derivante for um topónimo (cf. alentej–ano, beir– ão, chil–eno, aveir–ense, chin–ês, lisbo–eta, europ–eu, israe–lita ou minh–oto). Mas, ainda que o sufixo seja o mesmo, a relação é menos facilmente caracterizável se a base derivante for um antropónimo ou um nome comum (cf. acaci–ano, bacteri–ano, foli–ão, cort–ês, pleb–eu). Com os restantes sufixos a caracterização semântica é igualmente vaga: a relação entre o adjectivo e a base pode ser uma imprecisa relação de pertença ou posse (cf. maní– aco, ambient–al, partid–ário, tem–ático, aventur–eiro, animal–esco, metód–ico, ansi–oso, cabel–udo) ou uma espécie de relação de causalidade (cf. exempl–ar, agoir– ento, aliment–ício, med–onho), e o mesmo sufixo pode até ocorrer com as duas interpretações: (86)
•
um gesto poderoso é um gesto que tem poder um bife apetitoso é um bife que causa apetite
Os sufixos de adjectivalização deverbal associam-se, em poucos casos, a um radical verbal (cf. desdenh–oso) para formar um adjectivo e, com maior frequência, a temas verbais. Neste último caso, é necessário distinguir os sufixos que se associam ao tema do infinitivo (cf. namora– deiro, abrasa–dor, alaga–diço, reina–dio, amacia–nte,
116
acomoda–tício, afirma–tivo, explora–tório), dado que têm tipicamente uma interpretação activa, dos sufixos que se associam ao tema do passado (cf. acentua–do, explorá– vel), cuja interpretação é tipicamente passiva: (87)
um encontro exploratório é um encontro que explora um encontro explorável é um encontro que pode ser explorado
O quadro seguinte sistematiza os dados acima apresentados:
RADICAL ADJECTIVAL
DEADJECTIVAL
SUFIXOS DE ADJECTIVALIZAÇÃO
fratern-al belic-ista
RADICAL NOMINAL
mani-aco(a) desastr-ado(a) jud-aico(a) ambient-al, exempl-ar alentej-ano(a) beir-ão(ã) partid-ário(a) tem-ático(a) aventur-eiro(a)
INFINITIVO PASSADO
TEMA
DEVERBAL
RADICA L
DENOMINAL
ADJECTIVOS RELACIONAIS abad-engo(a) ferr-enho(a) chil-eno(a) aveir-ense agoir-ento(a) chin-ês(a) animal-esco(a) lisbo-eta europ-eu(eia) metód-ico(a)
aliment-ício(a) febr-il vicent-ino(a) algarv-io(a) israel-ita alarm-ista med-onho(a) ansi-oso(a) minh-oto(a) cabel-udo(a)
expuls-ivo(a) desdenh-oso(a)
namora-deiro(a) benze-deiro(a) buli-deiro(a) abrasa-dor(a) abastece-dor(a) destruí-dor(a)
acentua-do(a) abati-do(a) feri-do(a)
alaga-diço(a) move-diço(a) sumi-diço(a) reina-dio(a) corre-dio(a) fugi-dio(a) amacia-nte absorve-nte segui-nte
acomoda-tício(a) nutri-tício(a) afirma-tivo(a) defini-tivo(a) prepara-tório(a) defini-tório(a)
prepará-vel sofrí-vel falí-vel
117
Quanto à formação de verbos: •
Os sufixos de verbalização mais produtivos associam-se, indiferentemente, a radicais adjectivais (cf. barat-ear, solid–ificar, escur–ecer) e nominais (cf. guerr-ear, frut– ificar, favor–ecer).
•
Os sufixos de verbalização que se associam exclusivamente a radicais adjectivais (cf. facil-itar) ou a radicais nominais (cf. alv-ejar) são relativamente pouco utilizados.
•
Os sufixos de verbalização deverbal associam-se a um radical verbal (cf. ferv-, escrev-, lamb-, chup-, fal-) para formar verbos que têm geralmente um valor frequentativo (cf. ferv-ilhar, escrev-inhar, lamb-iscar, chup-itar, falocar) e são geralmente pouco produtivos.
RADICA L VERBAL
NOMINAL
DEADJECTIVAL RADICAL ADJECTIVAL
guerr-ear favor-ecer alv-ejar class-ificar rubor-izar
DEVERBAL
barat-ear obscur-ecer solid-ificar facil-itar agil-izar
DENOMINAL RADICAL
SUFIXOS DE VERBALIZAÇÃO
ferv-ilhar cusp-ilhar murmur-inhar escrev-inhar cusp-inhar namor-iscar lamb-iscar chup-itar dorm-itar fal-ocar
118
Neste domínio dos sufixos derivacionais falta referir–mente, que é o único sufixo de adverbialização e é também o único sufixo que selecciona não um radical ou um tema, mas sim uma palavra integralmente especificada. É por esta razão que os advérbios em –mente exibem duas sílabas tónicas (embora, do ponto de vista prosódico, o acento da direita seja dominante) e a sua base adjectival mostra todas as características de um adjectivo, ocorrendo no feminino se não for invariável (cf. 88a), exibindo modificação se as suas propriedades e a vontade do locutor se conjugarem para que ela ocorra (cf. 88b) e mostrando a realização fonética própria de uma palavra autónoma, caso haja alomorfia sensível a esse factor (cf. 88c): (88)
a. l[E]ve]mente n[ ]va]mente *n[ ]vo]mente
cf. n[u]v]idade
b. novissima]mente c. sensivel]mente
cf. *sensibil]mente, sensibil]idade
3.3.3 Afixos modificadores Na tradição gramatical portuguesa, não é habitual estabelecer uma distinção entre afixos derivacionais e afixos modificadores, mas ao tratar todos de igual modo, perde-se a possibilidade de melhor compreender uns e outros. As propriedades dos sufixos derivacionais foram descritas na secção anterior, mas podemos relembrar que se trata de constituintes morfológicos que se associam obrigatoriamente a uma base cujas propriedades determinam integralmente e que formam radicais derivados cujas propriedades são também por si definidas. Os afixos modificadores também restringem o conjunto de bases a que podem associar-se, mas têm restrições de selecção menos estritas do que os derivacionais. Um sufixo como –inh(o/a), por exemplo, pode associar-se a radicais pertencentes a diversas categorias sintácticas. O mesmo se verifica com um prefixo como in-: (89)
a.
peix]RN inho fin] RADJ inho ced] RADV inho adeus] RINTERJEIÇÃO inho
b.
in[feliz] ADJ in[verdade] N in[deferir] V
119
O que sobretudo caracteriza estes afixos é o facto de não determinarem as propriedades gramaticais das palavras em que ocorrem, afectando, exclusivamente, a semântica da base: (90)
a.
antigo ADJ filme N
-> ->
super-antigo ADJ super-filme N
b.
gord(o) ADJ moed(a) N
-> ->
gordinho ADJ moedinha N
Nesta categoria de afixos encontram-se, por um lado, os avaliativos, categoria onde se inscrevem todos os sufixos modificadores e alguns prefixos, e, por outro, todos os restantes prefixos, onde se incluem os prefixos de negação e oposição, os prefixos de repetição, os prefixos localizadores e ainda os quantificadores.
3.3.3.1 Afixação avaliativa Os afixos modificadores são frequentemente avaliativos. A sua função consiste em veicular um juízo de valor do locutor acerca da base a que o afixo se associa. Assim, é frequente encontrar sufixos que avaliam a dimensão, como os diminutivos (e.g. livrinho, dedito) e os aumentativos (e.g. mega-livro, dedão), ou sufixos que classificam valorativamente a base, como os pejorativos (e.g. cheirete, revisteca) e os valorativos (e.g. super-carro, mulheraça). Não obstante, facilmente se encontram exemplos que mostram que a interpretação semântica destas palavras depende em grande medida do contexto da sua ocorrência: um livrinho pode remeter, de facto, para um livro de pequena dimensão (cf. este livrinho cabe em qualquer lado), mas também para um livro que o locutor considera muito interessante (cf. este é o meu livrinho de estimação), ou, pelo contrário, para um livro que lhe suscita algum desdém (cf. ele escreveu uns livrinhos sem importância). A caracterização semântica destes afixos é, pois, mais uma questão lexicológica e pragmática do que morfológica. Do ponto de vista morfológico consideremos, então, que se trata de sufixos formadores de hipónimos: um livrinho é um tipo de livro, tal como um mega-livro, um dedito e um dedão são tipos de dedos; um cheirete é um tipo de cheiro; uma revisteca é um tipo de revista; um super-carro é um tipo de carro; e uma mulheraça é um tipo de mulher. Vejamos, agora, as propriedades formais destes afixos. A primeira característica dos afixos avaliativos prende-se com a constatação de que há três tipos a operar em paralelo: há, por um lado, os
120
sufixos avaliativos (como –inho/a) que se associam a radicais e formam radicais modificados, cujas propriedades gramaticais são, em tudo, idênticas às da sua base; há depois os sufixos Z-avaliativos (como – zinho/a), semelhantes aos anteriores, mas que se associam a palavras (e não a radicais), formando palavras modificadas; e há, por último, os prefixos avaliativos (como super-), que se podem associar a radicais ou a palavras: (91)
a. Base = RN [-o, -FEMININO] retrat] inh] o] retrat] o] zinh] o] super] retrat] o] b. Base = RN [-e, -FEMININO] alfinet] inh] o] alfinet] e] zinh] o] super] alfinet] e]
Base = RN [-a, +FEMININO] moldur] inh] a] moldur] a] zinh] a] super] moldur] a] Base = RN [-e, +FEMININO] maldad] inh] a] maldad] e] zinh] a] super] maldad] e]
Base = RN [-e, ±FEMININO] estudant] inh] o/a] estudant] e] zinh] o/a] super] estudant] e] Base = RN [- , -FEMININO]
Base = RN [- , +FEMININO]
funil] inh] o] funil] ∅] zinh] o] super] funil] ∅]
flor] inh] a] flor] ∅] zinh] a] super] flor] ∅]
∅
c. Base = RN [╤, -FEMININO] *trenó] inh] o] trenó] ] zinh] o] super] trenó] d. Base = RN [-o, +FEMININO] trib] inh] o] trib] o] zinh] a] super] trib] o] e. Base = RN [-o, ±FEMININO] model] inh] o] model] o] zinh] o/a] super] model] o]
∅
Base = RN [╤, +FEMININO] *mãe] inh] a] mãe] ] zinh] a] super] mãe] Base = RN [-a, -FEMININO] problem] inh] a] problem] a] zinh] o] super] problem] a] Base = RN [- a, ±FEMININO] jornalist] inh] a] jornalist] a] zinh] o/a] super] jornalist] a]
Os dados aqui apresentados mostram que os sufixos avaliativos não podem associar-se a radicais atemáticos (cf. 91c) e mostram ainda que estes sufixos herdam o índice temático das bases de tema em –o (cf.
121
retratinho, tribinho) e de tema em –a (moldurinha, probleminha), independentemente do seu valor de género, que também é determinado pela base: retratinho e probleminha são nomes masculinos, tal como as suas bases; moldurinha e tribinho são nomes femininos tal como as suas bases. Quando a base é de tema em –e ou de tema –∅, as formas modificadas que incluem um sufixo avaliativo, tal como todas as formas que incluem um sufixo Z-avaliativo são formas de tema em –o, quando são masculinas (cf. alfinetinho, retratozinho, alfinetezinho, etc.) e são formas de tema em –a quando são femininas (cf. maldadinha, moldurazinha, maldadezinha, etc.). A distribuição destes afixos parece indicar que o avaliativo –inho é preferido para a modificação diminutiva/valorativa/afectiva de bases com menor número de sílabas e que pertencem a um léxico mais frequente e informal (cf. 92a); que é -zinho o sufixo que intervém para modificar bases mais extensas e menos frequentes com idêntico valor semânticopragmático (cf. 92b); e que o prefixo super- é preferencialmente escolhido para a modificação aumentativa/valorativa (cf. 92c): (92)
a.
carinha, mesinha, livrinho, bolinho, dentinho
b.
maçanetazinha, relampagozinho, estantezinha
c.
super-mesa, super-maçaneta, super-livro, super-relâmpago, super-dente, super-estante
A produtividade dos afixos avaliativos está ainda por determinar, suspeitando-se de que a distribuição dependerá, eventualmente, de factores de natureza dialectal (indiciada por uma aparente preferência pelo sufixo – ito em alguns dialectos meridionais) ou sociolectal (denunciada pela preferência que super- colhe em faixas etárias mais jovens).
3.3.3.2 Prefixação A maior parte dos prefixos que a tradição gramatical identifica só ocorre em palavras lexicalizadas. Mesmo que a forma não prefixada seja uma forma existente no Português (cf. usar, mirar, crescer, onerar, formar ou clamar, nos exemplos seguintes), a forma prefixada não é composicional. Estas são palavras que não foram formadas em Português, sendo empréstimos e frequentemente latinismos e não há dados que comprovem a disponibilidade destes prefixos para a formação de palavras no Português contemporâneo:
122
(93)
ab(s)ad(s)deexinpro-
abusar, abstracção admirar, adstringente decrescer, deduzir exonerar, excluir informar, injectar proclamar, progredir
Os prefixos disponíveis para a formação de palavras no Português contemporâneo são, pois, muito menos numerosos do que o que habitualmente se pensa, distribuindo-se em geral pelas seguintes categorias morfo-semânticas: (94)
a.
b.
c.
NEGAÇÃO a] normal des] leal in] eficaz
= não normal = não leal = não eficaz
OPOSIÇÃO anti] bacteriano contra] curva des] montar
= que combate o que é bacteriano = curva na direcção oposta = desfazer o que foi montado
REPETIÇÃO re] começar
= voltar a começar
d.
LOCALIZAÇÃO ESPACIAL circum] navegação = navegação em volta de X retro] escavadora = escavadora de colher invertida sobre] loja = local por cima de uma loja sub] cave = local por baixo de uma cave
e.
LOCALIZAÇÃO TEMPORAL pós] graduação = ciclo de estudos posterior à graduação pré] adolescência = período anterior à adolescência
f.
QUANTIFICAÇÃO bi] campeão mono] carril tri] gémeo
= campeão duas vezes = (via que possui) um carril = cada um de três gémeos
Quanto às propriedades formais destes prefixos, constata-se que, como os restantes afixos modificadores, estas formas não têm qualquer intervenção na determinação das propriedades gramaticais das formas que integram: nunca alteram a categoria sintáctica, nem o género, nem o número, o tempo-modo-aspecto ou a pessoa-número: (95)
[contra [intuitivo(/a(s))] ADJ] ADJ [contra [revolução(/ções)] N] N [contra [argumentar(/ava/arias/assem)] V] V
123
Parece haver casos em que o prefixo altera alguma das propriedades gramaticais da base. É o que se verifica com a prefixação que ocorre em alguns verbos e que altera a subcategorização desses verbos: O produtor pensou no problema O produtor repensou o problema
Ele acreditou no ministro Ele desacreditou o ministro
Ele gostou da Maria Ele desgostou a Maria
Ele insistiu em falar Ele desistiu de falar
Ele concordou com a Maria Ele discordou da Maria Ele recordou a Maria
Ele confiou na Maria Ele desconfiou da Maria
Provavelmente, todos estes verbos prefixados estão lexicalizados, não havendo registo de qualquer caso produtivo e composicional em que a prefixação afecte sistematicamente a sua base desta forma. De um modo geral, os prefixos seleccionam uma única categoria sintáctica como base, ou seleccionam bases pertencentes a duas categorias que partilham um mesmo traço sintáctico, como os adjectivos e os nomes. Mas há casos em que um único prefixo se pode associar a bases pertencentes a três diferentes categorias: (96)
a.
in [evitável]ADJ in [eficaz] ADJ in [completo] ADJ
b.
bem [educado] ADJ bem [dizer] V
c.
contra [intuitivo] ADJ contra [revolução] N contra [argumentar] V
Note-se que alguns prefixos que integram uma sílaba tónica (cf. 97a) e outros são formas átonas (cf. 97b). A distinção é relevante porque geralmente as formas geradas pelos prefixos tónicos não permitem formar palavras derivadas, enquanto que com prefixos átonos, a relação com formas derivadas existe: (97)
a.
anti-caspa circum-navegação contra-curva mono-carril pós-graduação pré-adolescência retro-escavadora sobre-loja
124
b.
a-normal des-honesto des-montar im-puro re-utilizar
a-normal-idade des-honest-idade des-montá-vel im-pur-eza re-utiliza-ção
a-normal-mente des-honest-íssimo des-monta-dor im-pur-ificar re-utilizá-vel
Aliás, a presença de um determinado afixo, na base, pode favorecer ou impedir a associação de um prefixo a essa forma. Prefixos como des- e in-, por exemplo, quando associados a adjectivos, operam uma modificação do significado parafraseável como ‘não X’, mas o prefixo des- não se associa a adjectivos derivados onde está presente o sufixo –vel. A este tipo de bases associa-se sempre o prefixo in-: (98)
a.
des des in in
leal honesto seguro capaz
= não leal = não honesto = não seguro = não capaz
b.
in in in in
sensível acessível legível suportável
= não sensível = não acessível = não legível = não suportável
c.
*des *des *des *des
sensível acessível legível suportável
= não sensível = não acessível = não legível = não suportável
O próximo conjunto de dados parece contradizer a constatação anterior, mas esta aparente contradição é fácil de explicar. Com efeito, o prefixo des- que ocorre nestas formas não é o mesmo que ocorre nas formas de (98): o anterior é um prefixo de negação, o seguinte é um prefixo de oposição, parafraseável pela expressão ‘o contrário de X’. Por outro lado, no conjunto seguinte não é o prefixo des- que se associa a um adjectivo em –vel, mas o sufixo –vel que se associa a formas prefixadas por des-: (99)
a.
desconectá desfiá desmobilizá desmontá desprezá
b.
des des des des des
vel vel vel vel vel
conectar fiar mobilizar montar prezar
= que pode ser desconectado = que pode ser desfiado = que pode ser desmobilizado = que pode ser desmontado = que pode ser desprezado = o contrário de conectar = o contrário de fiar = o contrário de mobilizar = o contrário de montar = o contrário de prezar
125
c.
*des *des *des *des
sentir aceder ler suportar
Há, ainda, um último conjunto de prefixos, usados na formação dos derivados parassintéticos, como os seguintes verbos: (100)
a a a a a a a
formos e fogu e podr ec pedr ej terror iz grav torment
a a e a a a a
r r r r r r r
es es es es es es es es es
verd pern clar pavor brav quarta pavor vazi burac
a a e e a a a a a
r r r r r r r r r
e e ec ec ej ej iz
des des des des
feit e casqu ej odor iz figur
a a a a
r r r r
en en en em en en
lam tont tard polvor gord caix
a e e a a a
r r r r r r
e ec ec iz
re louqu e a r re cens e a r re virgin iz a r
Alguns destes prefixos ocorrem em estruturas não-parassintéticas (cf. a-normal, des-fazer, re-começar), mas o seu papel semântico, se for possível determiná-lo, é distinto. Com efeito, não é fácil atribuir uma função gramatical ou semântica aos prefixos que ocorrem nas construções parassintéticas, razão pela qual se podem caracterizar como expletivos. Talvez esta vacuidade permita compreender a ocorrência e até mesmo a freuência de palavras não sancionadas pela norma lexical, como deslargar ou amandar.
3.4 Assinatura Categorial Todas as informações associadas às unidades lexicais serão requisitadas por um ou outro nível de processamento linguístico. À morfologia interessa um subconjunto de informações a que Lieber (1989) deu o nome de assinatura categorial. A assinatura categorial plena, que inclui informação acerca da categoria sintáctica e das categorias morfosintácticas relevantes para cada categoria lexical (género e número para os adjectivos e os nomes e tempo-modo-aspecto e pessoa–número para os verbos), é uma propriedade dos radicais e dos sufixos derivacionais:
126
(101) Adjectivos:
+N, +V ±feminino ±plural
Sufixos de adjectivalização:
Advérbios:
Advérbio
Sufixos de adverbialização:
Nomes:
+ N , -V ±feminino ±plural
Sufixos de nominalização:
SUF +N, -V ±feminino ±plural
Verbos:
-N , + V ±TMA ±PN
Sufixos de verbalização:
SUF -N, +V ±TMA ±PN
SUF +N, +V ±feminino ±plural
SUF adverbialização
A assinatura categorial dos afixos especificadores informação relativa apenas às categorias que especifica: (102)
-s:
inclui
+plural
Os restantes afixos não possuem assinatura categorial.
3.5 Relações lexicais A última questão que aqui será tratada diz respeito à estrutura do léxico. Existem diversas formas de relacionar unidades lexicais e, consequentemente, diversas categorias lexicais. À morfologia interessam particularmente aquelas que fazem uso de instrumentos de análise morfológica, como, por exemplo, as relações de partilha de um dado radical ou de um dado afixo. Como já foi dito, o léxico é um repositório de unidades lexicais portadoras de especificações idiossincráticas que provavelmente aí são armazenadas de forma não aleatória. Com toda a probabilidade, o léxico é uma entidade estruturada com base em princípios de relacionamento entre as diversas unidades lexicais.
127
Alguns destes princípios fazem apelo a instrumentos da análise morfológica, outros recorrem a critérios sintácticos e outros ainda fazem apelo a propriedades semânticas. Vejamos aqueles que são relevantes para a análise morfológica. A distinção entre classes abertas e fechadas é uma distinção relevante quer no domínio da lexicologia, quer para a morfologia. Em termos gerais, uma classe aberta integra um determinado conjunto de elementos de uma mesma categoria, mas pode vir a integrar outros elementos nessa mesma categoria. Uma classe fechada, pelo contrário, é uma classe que integra um conjunto finito de elementos de uma dada categoria, sem que, em princípio, esse conjunto possa vir a integrar novos elementos. As classes dos nomes, dos adjectivos e dos verbos são classes abertas. A associação de um sufixo de nominalização a uma base nominal, adjectival ou verbal é suficiente para fornecer à classe dos nomes um novo elemento. A classe das preposições, pelo contrário, é uma classe fechada: não há mecanismos de criação de novas preposições, ainda que, de um modo assistemático e imprevisível seja possível, por conversão, por exemplo, atribuir a categoria preposição a uma palavra pertencente a outra classe. A relevância morfológica da distinção entre classes abertas e fechadas prende-se com o facto de os processos de formação de palavras alimentarem exclusivamente as classes abertas, pelo que são caracterizáveis como processos de nominalização, adjectivalização e verbalização. Nesta, como noutras circunstâncias, os advérbios em – mente apresentam características particulares. Com efeito, no domínio dos advérbios, este tipo também constitui uma classe aberta.
3.5.1 Famílias de palavras No domínio dos princípios de natureza morfológica, um dos conceitos herdados da gramática tradicional é o de família de palavras, que Cunha e Cintra (1984: 83), por exemplo, definem como o “conjunto de todas as palavras que se agrupam em torno de um radical comum, do qual se formaram pelos processos de derivação ou de composição”57. De acordo com esta definição, o radical form- define uma família de palavras que contém, entre outros, os seguintes itens:
128
form-
(103) a bem bi con con con con contra-in de de de de de desen desin desin dis en
form form form form form form form form form form form form form form form form form form f[o]rm f[ ]rm form form form form form form form form form form form form form form form form form form form
osear ado e ação ar ável e ação ação ador ar ável idade ar ação ar e ar a a ação ado ador al alidade alismo alista alização alizar alizável almente ando ão ar atação atar ativo ato atura
in in in in inde in in mal mal multi re re re re re re re re trans trans trans trans tri uni uni uni uni
form form form form form form form fórm form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form form
ável azinha azona inha ita oso osura ula ulação ular ulário ulável ação ante ar ativo ável al almente ação ado e a ado/a ar atório ismo ista ulação ular ação ador ar ável e e ização izar izável
Note-se que o privilégio dado à partilha de um mesmo radical, form- no exemplo (103), torna este conceito pouco operatório para a análise morfológica. Por um lado, não permite dar conta da relação morfológica existente entre palavras que partilham outros constituintes: formação, por exemplo, é uma palavra morfologicamente relacionada com todas as palavras que integram o sufixo -ção (cf. aprovação, continuação, perseguição), do mesmo modo que formal se relaciona com todas as palavras em que ocorre o sufixo -al (cf. cultural, dialectal, teatral). Por outro lado, sugere que todas as formas que integram uma família de palavras mantêm o mesmo tipo de relação morfológica com o radical. Ora, se em alguns casos o radical corresponde, de facto, à forma de base seleccionada pelos processos morfológicos que geram as outras palavras (cf. formal, forminha, fórmula), noutros, é uma destas últimas que intervém como base:
129
(104)
formazinha forma formazona formalização formalizador formalizaTV formalizante formalizável formalismo formal formRN
formalista formalidade formalmente informal
informalmente
forminha formita formosamente formos-RADJ
formosura formosíssimo
fórmula
Por último, relativamente a pares de palavras como forma e formar, reforma e reformar, formato e formatar ou fórmula e formular, sendo certamente desejável incluí-las num conjunto de formas morfologicamente relacionadas, não parece adequado tratá-las como palavras derivadas ou compostas. O conceito de família de palavras deve, pois, ser redefinido de modo a incluir todas as palavras que partilhem um mesmo radical, e não deve ser o único conceito que identifica conjuntos de formas morfologicamente relacionadas.
130
3.5.2 Paradigmas lexicais Paradigmas são conjuntos de unidades linguísticas que entre si estabelecem uma dada relação, num dado contexto. No léxico, os paradigmas são constituídos por unidades lexicais e definem-se a partir de uma dada função relacional58. É à luz deste conceito que a noção de família de palavras pode e deve ser reinterpretada. Um dos tipos de relação lexical, assente em critérios estritamente morfológicos, implica a comparação de configurações da estrutura interna das palavras. Existe uma relação lexical entre palavras se apenas o seu núcleo59 ou apenas o seu não-núcleo são diferentes, podendo essa diferença ser encontrada por substituição ou por supressão: (105)
a. Substituição do afixo estrutura
ção vel
re des
fazer
re
fazer tomar
b. Substituição da base estrutura organiza
ção
c. Supressão do afixo Ø re
fazer
leve
Ø zinho
A substituição do afixo permite encontrar todas as formas complexas geradas a partir de uma determinada base (cf. estruturação, estruturável, etc.; refazer, desfazer, etc.). A substituição da base permite encontrar a extensão da actuação de um dado afixo (cf. estruturação, organização, etc.; refazer, retormar, etc.). A supressão do afixo permite estabelecer uma relação entre uma forma complexa e a sua forma de base (cf. leve → levezinho; fazer → refazer).
131
Tópicos de Recapitulação Geral Habitualmente o conceito de unidade lexical não é distinto do conceito de palavra, mas esse é um equívoco promovido pela escassez de descrições lexicais de natureza formal. A descrição apresentada neste capítulo permite caracterizar como unidades lexicais todos os constituintes morfológicos terminais (i.e. radicais e afixos) e todas as expressões linguísticas lexicalizadas, sejam elas palavras complexas ou expressões sintácticas. Por outro lado, defendendo que todas as unidades lexicais são entidades detentoras de propriedades inerentes e propriedades de selecção, de natureza lexical, fonológica, sintáctica ou semântica, propriedades que determinam quer a sua ocorrência em estruturas morfológicas ou sintácticas quer a sua realização fonética e a sua interpretação semântica. UNIDADES LEXICAIS
radicais afixos
constituintes morfológicos terminais palavras lexicalizadas expressões sintácticas lexicalizadas
especificação
propriedades inerentes
propriedades de selecção
sintácticas morfológicas semânticas fonológicas …
132
Quanto aos constituintes morfológicos, vimos as principais propriedades dos diversos tipos de radicais e de afixos que podem ser relembrados da seguinte forma: cali(grafia)
CONSTITUINTES MORFOLÓGICOS
neoclássicos
livr(o) cant(ar)
(livr)o - (trib)o (cas)a - (map)a
índice temático
constituinte temático
nunc(a)
vernáculos
radicais afixos especificadores
bel(o)
(insecti)cid(a)
(pent)e - (lent)e (mar)Ø - (paz)Ø (cant)a(r)
vogal temática
(beb)e(r) - (beb)i(do) (fug)i(r) - (fug)i(do)
vogal de ligação
sufixos de flexão
nominal verbal
(bi)o(diversidade) (bacter)i(cida)
número
tempo-modo-aspecto pessoa-número
(livro)s (novo)s (canta)va(mos) (cantava)mos (maravilh)os(o)
predicadores
adjectivalização adverbialização
sufixos derivacionais
(repeti)tiv(o) (clara)ment(e) (clar)idad(e)
nominalização
(colher)ad(a) (continua)ção (clar)ific(ar)
modificadores prefixos sufixos modificadores
verbalização
(cristal)iz(ar) (dorm)it(ar)
des(fazer)
avaliativos z-avaliativos
(cas)inh(a) (nuven)zinh(a)
133
Exercícios 1. O que é uma unidade lexical? 2. O que é um constituinte morfológico? 3. O que distingue um radical de um sufixo derivacional? 4. O que é um afixo modificador? 5. Como se distingue um sufixo avaliativo de um sufixo avaliativo?
Z-
6. Identifique as propriedades das seguintes unidades lexicais: -a (de casa) -a (de casar) bel- (de belo) casac- (de casaca) casac- (de casaco) co- (de co-autoria) co- (de coar) fei- (de feio) -ic (de panorâmico) in- (de incompatível) -iz (de eternizar) -mos (de cantamos) perd- (de perder) re- (de refazer) sistem- (de sistema) 7. Segmente as seguintes palavras e identifique as propriedades dos seus constituintes morfológicos: apartidarismo avaliardes caudaloso civilizacional correspondências cosmopolitismo denunciante enqueijar
fertilização ideológico ininterpretável personificação preconizassem procuradoria retroescavadora rigorosissimamente
8. Encontre cinco radicais neoclássicos que tenham equivalentes vernáculos. Faça uma recolha das palavras complexas que usem uns e outros e compare os seus dados com a análise apresentada em 3.2. 9. Há
diversos
constituintes
morfológicos
que,
quando
134
considerados em abstracto, são ambíguos. É o caso do radical sec-, por exemplo, que pode ser um radical adjectival (cf. seco/a), um radical nominal (cf. seca) ou um radical verbal (cf. secar). Identifique um outro radical, um índice temático, uma vogal temática, um sufixo de flexão e um sufixo derivacional que sejam lexicalmente ambíguos e desambigue-os, integrando-os em estruturas relevantes. 10. Considere os dois seguintes conjuntos de palavras e comente a relação que se pode estabelecer entre os sufixos que as integram: consultório comedouro observatório
afogadiço segregatício
11. Construa uma família de palavras que integre o radical corp-. 12. Organize esta família de palavras tendo em consideração as relações morfológicas que os seus membros estabelecem entre si. 13. Considere a palavra reunificável. Segmente-a e integre cada dos seus constituintes num paradigma lexical morfológico que contenha, pelo menos, cinco formas distintas. 14. Como caracteriza o paradigma definido pelo sufixo –os(o/a)?
135
Leituras Complementares MATEUS, M. H. M. ET AL 2003 Gramática da Língua Portuguesa 5ª edição revista e aumentada (Capítulo 25.4) Lisboa: Editorial Caminho RIO-TORTO, G. M. 1998 Morfologia Derivacional. Teoria e Aplicação ao Português Porto: Porto Editora
Para Consulta MorDebe www.portaldalinguaportuguesa.org
136
137
Capítulo 4. A estrutura morfológica
138
139
Objectivos Este quarto capítulo é dedicado à caracterização das estruturas morfológicas, identificando as propriedades estruturais que são comuns a todas as palavras, sejam simples ou complexas, particularmente no que diz respeito à flexão. No final desta unidade, o aluno deverá: •
conhecer alguns dos princípios que regulam a boa-formação de estruturas morfológicas, como: o o princípio de ramificação binária; o a função gramatical dos constituintes morfológicos: § § § §
núcleo especificador complemento modificador
o as convenções de percolação; •
compreender a estrutura básica das palavras, ou seja, que para formar uma palavra é necessário partir de um radical (simples ou complexo), integrá-lo numa classe temática, para formar um tema, e, por último, flexionar o tema (se a palavra pertencer a uma categoria flexionável);
•
compreender a distinção entre flexão e variação;
•
conhecer a flexão e a variação nominal, aqui se integrando a explicação fonológica da formação do plural dos nomes e adjectivos, sobretudo dos terminados em consoante e em ditongo nasal;
•
conhecer a flexão dos verbos, quer no que diz respeito à sua formação morfológica, quer quanto à compreensão dos vários processos fonológicos que caracterizam a morfologia da flexão verbal do português, especialmente o papel fundamental da vogal temática e o processo de harmonização vocálica dos verbos, quer ainda quanto à identificação dos aspectos particulares da flexão dos verbos irregulares.
140
Uma estrutura morfológica bem-formada é uma palavra. Mas como se define uma estrutura morfológica bem-formada? Nos capítulos anteriores foram já feitas algumas referências às configurações que, no Português, caracterizam as palavras simples e os diversos tipos de palavras complexas. Vejamos agora como se obtêm estas configurações. As estruturas morfológicas são geradas por princípios1 que regulam a ordenação linear e hierárquica dos constituintes morfológicos. Os princípios em que a análise da morfologia do Português aqui apresentada assenta assumem: i.
que as estruturas morfológicas que acolhem estes constituintes são, tipicamente, estruturas formadas pelo princípio de ramificação binária
ii.
que os constituintes que ocupam as diversas posições disponíveis na estrutura desempenham funções gramaticais, nomeadamente as funções de núcleo, especificador, complemento ou modificador
iii.
que o núcleo morfológico se encontra à esquerda dos seus especificadores e à direita do seu complemento (quando existe algum complemento) e pode preceder ou ser precedido por modificadores
iv.
que as propriedades dos constituintes que ocupam as posições terminais das estruturas morfológicas são sucessivamente transmitidas ao nó que as domina por intervenção de um princípio de instanciação de traços, a que se dá o nome de convenções de percolação.
A ramificação binária tem sido proposta e aceite como um princípio regulador das estruturas morfológicas2, pelo que aqui se aceita que uma estrutura bem-formada é tipicamente uma estrutura do seguinte tipo3: X
(1) Y
Z
A atribuição de uma função gramatical a cada um dos constituintes que ocupam posições estruturais é decorrente desta análise das palavras como estruturas linear e hierarquicamente organizadas. Em cada nível de ramificação de um nó X é necessário identificar o ramo dominante, ou seja o núcleo, e o ramo subordinado, cuja função gramatical é determinada conjuntamente pelas propriedades do núcleo e pela posição que ocupa na estrutura4. A definição de núcleo morfológico, de que a presente análise faz uso, requer uma verificação da partilha de
141
propriedades entre a palavra, que corresponde à projecção máxima do núcleo, e o constituinte que detém primeiramente essa função, ou seja, o radical5. O tema corresponde ao primeiro nível de projecção do núcleo, sendo gerado por adjunção6 de um especificador morfológico, que é o constituinte temático (i.e. índice temático ou vogal temática), ao radical. Por último, a palavra é gerada por adjunção de um especificador morfosintáctico, que é o complexo de sufixos de flexão, ao tema. O uso que aqui se faz do termo especificador permite definir os constituintes que ocupam essas posições como adjuntos subcategorizados, respectivamente, pelo radical e pelo tema. No Português, a estrutura morfológica das palavras simples é, pois, a seguinte: (2)
PALAVRA TEMA RADICAL = núcleo
FLEXÃO = especificador morfo-sintáctico
CONSTITUINTE TEMÁTICO = especificador morfológico
A informação associada ao constituinte que ocupa a posição de núcleo é transmitida ao nó que o domina por um mecanismo de instanciação de traços, a que se dá o nome de percolação. Como os radicais não possuem todas as informações que a especificação das palavras exige (a informação relativa à flexão, por exemplo, é dada pelo especificador morfo-sintáctico) é necessário recorrer a um mecanismo próprio que regule esta instanciação de traços. Assim, adoptam-se aqui as duas seguintes convenções de percolação7: (3)
PERCOLAÇÃO DE NÚCLEO O núcleo propaga os traços da sua assinatura categorial ao nó que o domina. PERCOLAÇÃO RETROACTIVA Se a assinatura categorial do nó que domina o núcleo não tiver recebido algum valor após a percolação de núcleo, então esse valor é percolado a partir do não-núcleo imediatamente dominado e marcado quanto a esse traço.
Radical, tema e palavra são, pois, as etiquetas que identificam os constituintes morfológicos que ocupam os três vértices nucleares da estrutura básica das palavras. Os restantes constituintes morfológicos, o sufixo temático e os sufixos flexionais, são especificadores do núcleo. Mas, para descrever a estrutura das palavras complexas é necessário considerar outras funções gramaticais. A estrutura morfológica destas palavras também parte do radical, mas, neste caso, trata-se de um nó que
142
ramifica podendo integrar um radical e um afixo ou dois ou mais radicais, distinção que opõe a afixação à composição. Ora, a relação entre os constituintes que integram um radical complexo pode ser quer uma relação de complementação, quer uma relação de modificação, quer uma relação de coordenação: COMPLEMENTAÇÃO Relação típica da derivação. O núcleo, que é o sufixo derivacional, ocupa uma posição final relativamente ao complemento seleccionado, que é a base derivante e pode ser um radical, um tema ou mesmo uma palavra. (4) PALAVRA DERIVADA
TEMA DERIVADO
RADICAL DERIVADO COMPLEMENTO = = PALAVRA
TEMA
RADICAL
sec sec sec
FLEXÃO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
NÚCLEO = = SUFIXO DERIVACIONAL
FLEXÃO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
a a
[-plu]
ment dor ur
e O a
[-plu]
143
MODIFICAÇÃO O núcleo, que é um radical ou uma palavra, pode ser modificado por um prefixo ou por um radical, à sua esquerda, ou por um sufixo à sua direita. (5)
PALAVRA MODIFICADA
TEMA MODIFICADO
RADICAL MODIFICADO
PREFIXO MODIFICADOR
CONSTITUINTE TEMÁTICO
RADICAL MODIFICADO
NÚCLEO = = PALAVRA
pared pared mini pared
SUFIXO MODIFICADOR
FLEXÃO
TEMA RADICAL
FLEXÃO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
e e
[-plu] [-plu]
inh zinh
a a
[-plu] [-plu]
144
COORDENAÇÃO Relação típica da composição morfológica. Só há relações de coordenação entre radicais. (6)
PALAVRA COMPOSTA
TEMA COMPOSTO
RADICAL COMPOSTO
RADICAL COORDENADO
sóci
VOGAL DE LIGAÇÃO
FLEXÃO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
RADICAL COORDENADO
o
polític
o
[-plu]
Em suma, independentemente da complexidade do radical, todas as palavras do Português podem ser descritas como instâncias da estrutura já conhecida: (7)
PALAVRA TEMA RADICAL
FLEXÃO
CONSTITUINTE TEMÁTICO
A estipulação desta estrutura como estrutura canónica para a totalidade das palavras do Português requer, no entanto, alguns comentários. Em primeiro lugar, é necessário justificar a consagração de uma posição de flexão morfológica na representação da estrutura das palavras invariáveis. Em segundo lugar, é necessário confrontar esta estrutura abstracta com a existência de palavras que não preenchem todas as posições disponíveis.
145
4.1 Vazios morfológicos A existência de uma posição para a flexão deve ser entendida como uma informação relativamente à posição que os sufixos de flexão ocupam nos casos em que essa informação é requerida pelo radical, ou seja, no caso das palavras variáveis por flexão, e não como uma condição de boaformação para toda e qualquer palavra. O preenchimento da posição da flexão morfológica está inteiramente dependente da natureza categorial das palavras e, consequentemente, da sua assinatura categorial: os nomes e os adjectivos (tal como alguns determinantes e alguns pronomes) flexionam em número; os verbos flexionam em tempo-modo-aspecto e pessoa-número; as restantes categorias principais não flexionam. As categorias de palavras flexionáveis vêem a posição da flexão preenchida por um sufixo, como o –s do plural (cf. 8a), por um complexo de sufixos, como –va e –mos da primeira pessoa do plural do imperfeito do indicativo (cf. 8b), ou por um conjunto de traços que identificam as propriedades da ausência de sufixo de flexão, como [-PLURAL] para o singular dos nomes e adjectivos (cf. 8c). Já a posição da flexão nas categorias de palavras invariáveis, como os advérbios, por exemplo, fica vazia, ou seja, nenhuma informação lhe está associada (cf. 8d): (8)
a. [[[livr]RN [o]IT ]TN [s][+PLURAL] ]N[+PLURAL] b. [[[nad]RV [a]VT ]TV [[va][IMPERFEITO IND.] [mos][1ª PLURAL]] ]V[IMPERFEITO IND., 1ª PLURAL] c. [[[livr]RN [o]IT ]TN [ ][-PLURAL] ]N[-PLURAL] d. [[[nunc]RADV [a]IT ]TADV [ ] ]ADV
Consequentemente, a existência de palavras invariáveis não pode ser utilizada como argumento para pôr em causa a estrutura (7). O contraste entre o que se verifica na posição da flexão no singular dos nomes e adjectivos e nas palavras invariáveis, verifica-se também noutros casos. Qualquer posição da estrutura morfológica pode estar vazia, mas estes ‘vazios’ não são todos iguais. Vejamos, então, de forma sistemática, quais são os casos relevantes. Comecemos por considerar a posição da flexão das palavras flexionáveis. Nas formas nominais e adjectivais, a flexão em número é realizada pelo contraste entre a presença de um sufixo, no plural, e a ausência de qualquer informação, no singular: (9)
[[[esfer]RADICAL NOMINAL [a]]TEMA NOMINAL [s] [+PLURAL]]NOME [[[esfer]RADICAL NOMINAL [a]]TEMA NOMINAL [ ] [-PLURAL]]NOME
146
O que se verifica, neste caso, é que a ausência de informação é interpretada como uma ocorrência do valor padrão8 para a categoria em questão, identificando, assim, a forma do singular como forma nãomarcada na categoria de número. Por outro lado, em formas como convés ou caracoizinhos é plausível admitir que o sufixo de flexão em número não está presente, mas nestes casos, trata-se de um vazio desencadeado por um processo morfofonológico de assimilação: (10)
[[[convés]RN [ ]]TN [[s] [+PLURAL] ]FM ]N = [ko)'vES] [[[[caracol]RN [∅]]TN [[s][+PLURAL] ]FM ]N [[[zinh]SUF [o]]TN [[s] [+PLURAL] ]FM ]N ] = = [kÃrÃ’k jZ’ziøuS] → [kÃrÃ’k j’ziøuS]
Quanto às formas verbais, é necessário distinguir três situações: i.
a não-ocorrência de sufixo de pessoa-número é própria das chamadas formas nominais do verbo, que flexionam apenas em tempo-modo-aspecto, sendo defectivas em pessoa-número:
(11)
infinitivo: nadar gerúndio: nadando particípio: nadado
ii.
a ocorrência de um único sufixo com informação de tempo-modoaspecto e pessoa-número, como sucede no caso do perfeito do indicativo, é o resultado de uma amálgama historicamente motivada e que, consequentemente, está lexicalizada:
(12)
[[[nad]RV [a ]]TV [[ste]TMA+PN]FLEX]V = nadaste
iii.
nos casos em que se verifica a ausência do sufixo de tempo-modoaspecto, a ausência do sufixo de pessoa-número, ou a ausência simultânea dos dois sufixos de flexão verbal, a situação que se obtém aproxima-se da situação da flexão nominal em número. Com efeito, a ausência de sufixo de tempo-modo-aspecto é a marca específica do presente do indicativo; a ausência de sufixo de pessoa-número é a marca específica das primeira9 e terceira pessoas do singular, realizadas por uma única forma ambígua quanto à pessoa; a ausência de sufixo de tempo-modo-aspecto e pessoa-número é a marca específica da terceira pessoa do singular do presente do indicativo, que, assim, ganha o estatuto de forma não-marcada no paradigma da flexão verbal:
147
(13)
[[[nad]RV [a ]]TV [[ ]TMA [mos]PN]FLEX]V = nadamos [[[nad]RV [a ]]TV [[sse]TMA [ ]PN]FLEX]V = nadasse [[[nad]RV [a ]]TV [[ ]TMA [ ]PN]FLEX]V = nada
Também a posição de constituinte temático pode estar vazia. Vejamos os seguintes exemplos: (14)
a. b. c.
nadar nademos amor amores café cafés
Apesar de se tratar de casos em que o constituinte temático não está presente, trata-se de três casos diferentes. Quanto ao primeiro (cf. 14a), recorde-se que diversas análises da fonologia das formas verbais (nomeadamente a que é apresentada em 4.5.2.1) defendem que a vogal temática é suprimida nos casos em que o sufixo de flexão à sua direita começa por vogal. É pois plausível admitir que, na estrutura morfológica destas formas, a vogal temática está presente: (15)
[[[nad]RV [a]]TV [[e] TMA [mos]PN]FM ]V [[[beb]RV [e]]TV [[o]TMA+PN]FM ]V
= [_na'demuS][_na'demuS] = ['bebu]['bebu]
O vazio morfológico que ocorre na posição da vogal temática é, pois, desencadeado pela intervenção de um processo morfofonológico, que, por dissimilação, contorna a ocorrência de um hiato. Quanto às formas nominais e adjectivais (cf. 14b e 14c), é necessário distinguir duas situações: nos radicais de tema -∅, o índice temático é foneticamente realizado por um [ö] no plural e não tem realização fonética no singular; nos radicais atemáticos a posição do índice temático está vazia, tanto no singular, quanto no plural: (16)
a.
[[[amor]RN [ö]]TN [s]]N = [Ã’moröS] [[[amor]RN [ö]]TN [ ]]N = [Ã’mor]
b.
[[[café]RN [ ]]TN [ ]]N = [kÃ'fE] [[[café]RN [ ]]TN [s]]N = [kÃ'fES]
O último caso em análise diz respeito a palavras em que o radical não está presente. Estes são casos mais raros, de análise mais complexa, e frequentemente geradores de situações anómalas. O primeiro diz respeito aos determinantes definidos: trata-se de estruturas de natureza nominal, mas semanticamente pobres e desprovidas de lexema: (17)
[[[ ][+N] [o/a]IT ]T[+N] [ /s]Nº][+N] = o, a, os, as
Talvez por esta razão ocorram como especificadores sintácticos e como especificadores morfológicos – no primeiro caso cliticizam ao nome
148
à sua direita (e.g. as cores), no segundo afixam-se ao radical à sua esquerda (e.g. cordas). O segundo caso diz respeito ao verbo ir. Nas formas nãosupletivas, este verbo é constituído por uma vogal temática e, eventualmente, por sufixos de flexão. É o que se verifica no paradigma do imperfeito do indicativo: (18)
V
TV
RV
FM
VT
i i i i i
TMA
PN
a a a a a
s mos is m
= ía = ías = íamos = íeis = iam
O mesmo se verifica em algumas das formas do presente do indicativo, ainda que nem todas sejam aceites pela norma do Português: (19)
V
TV
RV
FM
VT
i i i
TMA
PN
s mos des
= *is (= vais) = *imos (= vamos) = ides
Também se registam ocorrências de formas agramaticais deste tipo na flexão do imperfeito do conjuntivo, particularmente frequentes no decorrer do processo de aquisição de linguagem, a partir do momento em que a construção sintáctica relevante fica disponível:
149
(20)
V
TV
RV
FM
VT
i i i i
TMA
PN
sse sse sse sse
s mos des
= *isse (= fosse) = *isses (= fosses) = *issemos (= fossemos) = *issem (= fossem)
Note-se que é a este verbo que a formação perifrástica do futuro recorre, num processo de gramaticalização10 lento, mas progressivo (cf. Oliveira 2004), caso tão mais curioso quanto a forma analítica do futuro é ela própria resultante de um processo de gramaticalização a partir da construção com haver: (21)
Vou comprar este livro. Comprarei este livro. Hei-de comprar este livro.
4.2 Flexão A flexão é um processo de especificação morfo-sintáctica, que preenche a informação solicitada pela assinatura categorial do radical. A flexão assegura a concordância em pessoa-número com o sujeito, a concordância modo-temporal que assegura a gramaticalidade sintáctica e restringe o universo de possibilidades de interpretação semântica das frases. As duas principais propriedades da flexão são a obrigatoriedade e a sistematicidade, ou seja, a flexão opera obrigatoriamente nas categorias estabelecidas pela assinatura categorial e opera sempre da mesma maneira. A descrição da flexão apresentada em 4.2.3. e 4.2.4. mostrará como se processam a flexão nominal e a flexão verbal, no Português, discutindo os casos que aparentemente põem em causa a sua obrigatoriedade e/ou sistematicidade. Antes, porém, convém tornar claro que nem toda a especificação morfo-sintáctica das palavras é realizada por flexão: os casos não obrigatórios e assistemáticos não cabem no âmbito da flexão. No
150
Português, os mais flagrantes relacionam-se com a variação em género11 e em grau.
4.2.1 Sobre a variação em género Em 3.2.1.2. foi dito que os radicais nominais e adjectivais possuem obrigatoriamente um valor de género (masculino, feminino ou subespecificado) e foi feita uma descrição sumária da semântica do género gramatical dos nomes, que associa o masculino ao sexo masculino e o feminino ao sexo feminino, mas que se vê perturbado quer pelos diversos contra-exemplos quer pela existência de palavras que não têm como referência entidades sexuadas, ou que, tendo essa referência possuem uma especificação de género gramatical ambígua. Outra questão é a que diz respeito à participação destes nomes e adjectivos em contrastes de género. No que diz respeito aos adjectivos, a impossibilidade é lexicalmente definida: faz parte da especificação lexical dos adjectivos a sua classificação como variáveis ou invariáveis: os variáveis participam em contrastes de género, tendo obrigatoriamente um valor masculino (realizado por uma forma de tema em –o, por uma forma de tema -Ø ou por uma forma atemática) ou um valor feminino (realizado por uma forma de tema em –a ou, marginalmente, por uma forma atemática); os invariáveis (realizados predominantemente por formas de tema em –e, mas também podendo ocorrer em formas de tema em –a, tema -Ø e atemáticas) não podem participar em contrastes de género: (22)
a.
belo devedor mau
b.
livre lorpa polar comum
bela devedora má
Tal como o valor de género dos adjectivos é semanticamente irrelevante, também a sua variabilidade e a existência de contraste de género, quando possível, o são: a especificação e a variação em género dos adjectivos só encontram justificação na sintaxe, enquanto marcador de concordância. A variação em género nos nomes não funciona da mesma maneira. É de natureza semântica a generalização que impede o acesso dos nomes inanimados a contrastes de género: ainda que sejam portadores de uma
151
especificação de género lexicalmente determinada e semanticamente irrelevante, ou seja, ainda que se trate de nomes masculinos ou femininos, estes nomes não podem variar em género porque não referem uma entidade sexuada: (23)
problema N[-FEM] olho N[-FEM] pente N[-FEM] bar N[-FEM] chá N[-FEM]
A oposição temática -o/-a remete, em alguns casos, para uma expressão de cardinalidade, em que o nome de tema em -o é quantificado como uma unidade e o de tema em –a corresponde a um colectivo: ovo fruto
ova fruta
Trata-se de casos em que um mesmo radical latino deu origem às duas formas:
tesoura N[+FEM] tribo N[+FEM] lente N[+FEM] paz N[+FEM] pá N[+FEM]
OV]UM, -I OV]A, -ORUM
Mesmo nos casos em que formalmente parece haver um contraste de género, dado que existe um contraste temático (e mesmo que se trate de formas semanticamente relacionadas), facilmente se conclui que o contraste gramatical entre masculino e feminino não codifica a oposição entre macho e fêmea: (24)
folho N[-FEM] bolo N[-FEM] preço N[-FEM] parto N[-FEM] porte N[-FEM] balde N[-FEM]
folha N[+FEM] bola N[+FEM] prece N[+FEM] parte N[+FEM] porta N[+FEM] balda N[+FEM]
Quanto ao acesso dos nomes animados a contrastes de género, ainda que semanticamente plausível, ele nem sempre se concretiza e mesmo quando é possível não se concretiza sempre da mesma forma. Não há contraste de género no caso dos nomes sobrecomuns, cujo valor de género é lexicalmente determinado e semanticamente vazio: (25)
ele ela
é uma pessoa incansável
o leão a pantera
é um animal selvagem
cf. ele ela
é
cf. o leão a pantera
o convidado a convidada é
de honra
um predador uma predadora
Nos casos em que há contraste de género é necessário distinguir a sua realização morfológica das restantes. São morfológicos os contrastes gerados por derivação (cf. 26a) ou por composição, sendo os primeiros
152
muito pouco frequentes e os segundos exclusivos dos chamados nomes epicenos, ou seja, dos nomes que (à semelhança dos sobrecomuns) possuem um único valor de género12 que, quer seja masculino quer seja feminino, tem uma interpretação genérica. A sua interpretação pode ser desambiguada pela adjunção dos modificadores macho ou fêmea (cf. 26b): (26)
a.
jogral-esa abad-essa mestr-ina gal-inha pap-isa
b.
leopardo N[-FEM] [leopardo-macho] N[-FEM] [leopardo-fêmea] N[-FEM] zebra N[+FEM] [zebra-macho] N[+FEM] [zebra-fêmea] N[+FEM]
Os restantes contrastes de género são lexicais ou sintácticos. No primeiro caso, são contrastes temáticos, que recorrem tipicamente à oposição entre o índice temático -o e o índice temático –a (embora também possam envolver outros índices temáticos) ou são contrastes de radicais sem qualquer relação formal: (27)
a.
b.
médico cantor infante réu boi cavalo homem
médica cantora infanta ré vaca égua mulher
Nem todas as oposições temáticas (-o/-a, por exemplo) associadas a radicais nominais codificam uma oposição de género. Em pares como botânico/botânica, físico/física ou matemático/matemática, o nome masculino tem um referente animado, mas o feminino não. Noutros casos, o feminino é entendido como depreciativo – é o que se verifica com palavras como generala ou sargenta. Ainda que as patentes militares de general ou sargento possam ser atribuídas a mulheres, dificilmente a forma feminina poderá ser socialmente aceite. E talvez por esta razão haja uma crescente reacção negativa a femininos como poetisa ou juíza. Quanto aos contrastes sintácticos, eles ocorrem em presença dos chamados nomes comuns-de-dois, que são extremamente frequentes no Português por duas ordens de razões: por um lado, há diversos sufixos de nominalização que são bastante produtivos e formam agentivos comuns-
153
de-dois (e.g. -ista, -nte); por outro lado, a conversão de nomes masculinos em nomes comuns-de-dois é talvez o processo mais popular de obtenção de novos contrastes de género (cf. o/a sargento). Estes nomes são lexicalmente subespecificados quanto ao género, mas a sintaxe precisa, quase sempre de uma especificação positiva, mesmo que essa especificação seja o masculino com valor genérico: (28)
a.
atleta jornalista concorrente
b.
este jornalista é um homem corajoso esta jornalista é uma mulher corajosa um jornalista é uma pessoa corajosa todos os jornalistas são corajosos
4.2.2 Sobre a variação em grau A variação em grau é geralmente descrita no âmbito da flexão dos adjectivos e até da flexão dos nomes. Trata-se, porém, de uma descrição inadequada. Vejamos porquê. No que diz respeito aos adjectivos, e de acordo com a caracterização feita em no capítulo 3, é necessário distinguir os que admitem graduação dos que não a admitem. Ou seja, nem todos os adjectivos podem variar em grau. Segundo Mateus et al. (2003: 379-380), são graduáveis os adjectivos que designam qualidades ou propriedades que admitem uma escala de valores, como os adjectivos de medida e os valorativos: (29)
pequeno frequente belo desejável
pequeníssimo frequentíssimo belíssimo desejabilíssimo
muito pequeno muito frequente muito belo muito desejável
Não graduáveis são os adjectivos relacionais e diversos tipos de adjectivos qualificativos, como os adjectivos de cor, de estado e de matéria: (30)
ambiente castanho nortenho titânico
*ambientalíssimo *castanhíssimo *nortenhíssimo *titanicíssimo
*muito ambiental *muito castanho *muito nortenho *muito titânico
Não existe, pois, obrigatoriedade na geração destes contrastes de grau. Por outro lado, nem todos são realizados por recursos morfológicos,
154
sendo até predominantemente gerados por recursos sintácticos: o sufixo íssimo13 (e também -érrimo, embora este sufixo seja menos produtivo) é responsável pela formação do superlativo absoluto sintético (cf. 31a), mas a sintaxe gera o superlativo absoluto analítico, os superlativos relativos (de superioridade e inferioridade) e os comparativos (de igualdade, superioridade e inferioridade) (cf. 31b), bem como outras quantificações (cf. 31c): (31)
a.
frequentíssimo frequentérrimo
b.
muito frequente o mais frequente o menos frequente tão frequente quanto/como mais frequente do que menos frequente do que
c.
bastante frequente igualmente frequente nada frequente relativamente frequente
Há, por último, um conjunto de situações que mostram a inadequação da análise da variação em grau como flexão, dado que tanto na formação do superlativo absoluto sintáctico, quanto na formação do comparativo de superioridade se registam casos de contrastes lexicais que evitam a formação de contrastes morfológicos ou sintácticos: (32)
bom mau grande pequeno
melhor (*mais bom) pior (*mais mau) maior (*mais grande) menor (*mais pequeno)
A morfologia envolvida na formação de contrastes de grau diz, pois, respeito à formação do superlativo absoluto sintético, que é realizada por modificação, envolvendo o sufixo avaliativo -íssimo/a ou -zíssimo/a14: (33)
leve ruim
levíssimo ruinzíssimo
4.2.3 Flexão em número Os nomes e os adjectivos flexionam em número, sendo obrigatoriamente realizados ou como singular ou como plural: estes dois valores da categoria número, que aqui serão codificados pelo traço
155
[±plural]15, encontram-se em distribuição complementar: os adjectivos e os nomes ou são especificados com o valor singular por ausência de qualquer sufixo específico, ou são especificados como plural pela adjunção do sufixo -s: (34)
livro raro
A flexão de número não é a única operação morfológica relacionada com cardinalidade. A formação de nomes colectivos, como eleitorado, casario ou arvoredo, e a formação de palavras como unissexo, bianual, tridimensional, quadrigémeo, tetravô, penta-campeão ou decilitro exemplificam outros recursos morfológicos que envolvem quantificação.
livros raros
Nos adjectivos, a oposição de número não tem qualquer relevância semântica, trata-se de um recurso estritamente gramatical que reforça a ligação do adjectivo ao nome que modifica ou predica: (35)
livro raro o livro que encontrei nesse alfarrabista é muito raro livros raros os livros que encontrei nesse alfarrabista são muito raros
Pelo contrário, a oposição de número nos nomes é semanticamente relevante, exprimindo uma oposição de cardinalidade: o singular quantifica o nome com o valor de ‘igual a uma unidade’ e o plural quantifica com o valor ‘superior a uma unidade’: (36)
livro = ‘um livro’ livros = ‘mais do que um livro’
A realização da flexão em número nos termos acima descritos não suscita qualquer dúvida quando se trata de radicais de tema em –a, tema em –o, tema em –e e atemáticos16 (37)
velh]RADJ a]TADJ antig]RADJ o]TADJ lev]RADJ e]TADJ bom]RADJ ]TADJ
velh a]TADJ [ ][-plu] ]ADJ[-plu] antig o]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] lev e]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] bom]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu]
velha]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] antigo]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] leve]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] bom]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu]
bonec]RN a]TN bol]RN o]TN lequ]RN e]TN pudim]RN ]TN
boneca]TN [ ][-plu] ]N[-plu] bolo]TN [ ][-plu] ]N[-plu] leque]TN [ ][-plu] ]N[-plu] pudim]TN [ ][-plu] ]N[-plu]
boneca]TN [s][+plu] ]N[+plu] bolo]TN [s][+plu] ]N[+plu] leque]TN [s][+plu] ]N[+plu] pudim]TN [s][+plu] ]N[+plu]
Os adjectivos e nomes atemáticos cujo radical termina em [s] formam o plural desta mesma forma, no entanto, dado que o sufixo é
156
foneticamente idêntico à consoante que o precede, as duas formas acabam por ser idênticas e consequentemente ambíguas: (38)
simples]RADJ ]TADJ
simples]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [‘si)plöS]
simples]TADJ [s][+plu] ]ADJ(39) [+plu] [‘si)plöS]
pires]RN ]TN
pires]TN [ ][-plu] ]N[-plu] [‘piröS]
pires]TN [s][+plu] ]N[+plu] [‘piröS]
A formação do plural dos nomes e adjectivos de tema -Ø é um pouco mais complexa, sendo necessário distinguir três casos17: o primeiro é o dos radicais terminados em consoante fricativa (i.e. [z], quer seja ortografado com , como em feroz ou rapaz, quer seja ortografado com , como em cortês ou país) ou vibrante [R], que exige a inserção de uma vogal epentética [ö] à esquerda do sufixo do plural [S]: (39)
feroz]RADJ Ø]TADJ
ferozØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [fö‘R S] menorØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [mö‘n R]
ferozØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [fö‘R zöS] menorØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [mö‘n RöS]
rapaz]RN Ø]TN
rapazØ]TN [ ][-plu] ]N[-plu] [{ÑpaS]
rapazØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] [{ÑpazöS]
calor]RN Ø]TN
calorØ]TN [ ][-plu] ]N[-plu] [kÑloR]
calorØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] [kÑloRöS]
menor]RADJ Ø]TADJ
O segundo caso diz respeito aos radicais terminados em consoante lateral. A realização do plural é fonologicamente complexa18, mas do ponto de vista morfológico não se afasta do caso geral de adjunção do sufixo –s: (40)
normal]RADJ Ø]TADJ habil]RADJ Ø]TADJ
anel]RN Ø]TN funil]RN Ø]TN
normalØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [n R‘mal] habilØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [‘abil]
normalØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [n R‘majS] habilØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [‘abÃjS]
anelØ]TN [ ][-plu] ]N[-plu] [ÑnEl] funilØ]TN [ ][-plu] ]N[-plu] [fu‘nil]
anelØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] [ÑnEjS] funilØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] [fu‘niS]
O terceiro caso diz respeito aos radicais adjectivais e nominais que terminam em [Ã)w)] no singular. Destes, há um pequeno subconjunto que forma o plural como esperado, ou seja por adjunção do sufixo –s. É sabido que estas palavras formam o plural desta maneira por provirem de palavras latinas terminadas em –ANU (cf. SANU-, MANU-), mas não estando essa informação ao alcance da generalidade dos falantes, é possível que
157
estes radicais tendam a deixar de ser formas de tema em –o e passem a atemáticas (mantendo eventualmente um alomorfe de tema em –o, seleccionado por processos de formação de palavras, como se verifica em casos como sanidade ou manual): (41)
san]RADJ o]TADJ são]RADJ ]TADJ
sano]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] são]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [‘sÃ)w)]
sano]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] são]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [‘sÃ)w)S]
man]RN o]TN mão]RN ]TN
mano]TN [ ][-plu] ] N[-plu] mão]TN [ ][-plu] ] N[-plu] [‘mÃ)w)]
mano]TN [s][+plu] ]N[+plu] mão]TN [s][+plu] ]N[+plu] [‘mÃ)w)S]
Os restantes radicais adjectivais e nominais que terminam em [Ã)w)] no singular são radicais de tema -Ø, cuja terminação, no singular, é o resultado de um processo de neutralização que deu esta configuração fonética a terminações latinas cuja evolução esperada seria outra (cf. CANIS, LEONIS). É também esta base etimológica que está na origem dos contrastes exibidos pela flexão no plural: as formas provenientes de palavras em –ANIS formam o plural em –ães (cf. cão, cães), as que têm origem em formas em –ONIS formam o plural em –ões (cf. leão, leões). (42)
a.
b.
catalan]RADJ Ø]TADJ catalanØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] catalanØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] catalão]RADJ ]TADJ catalão]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] catalãe]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [kÃtÑlÃ)j)S] [kÃtÑlÃ)w)] can]RN Ø]TN cão]RN ]TN
canØ]TN [ ][-plu] ] N[-plu] cão]TN [ ][-plu] ] N[-plu] [‘kÃ)w)]
canØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] cãe]TN [s][+plu] ]N[+plu] [‘kÃ)j)S]
varon]RADJ Ø]TADJ varão]RADJ ]TADJ
varonØ]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] varão]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] [vÑRÃ)w)]
varonØ]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] varõe]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu] [vÑRo)j)S]
leon]RN Ø]TN leão]RN ]TN
leonØ]TN [ ][-plu] ] N[-plu] leão]TN [ ][-plu] ] N[-plu] [‘ljÃ)w)]
leonØ]TN [s][+plu] ]N[+plu] leõe]TN [s][+plu] ]N[+plu] [‘ljo)j)S]
Esta descrição não cobre, porém, a totalidade dos casos que ocorrem no Português: por um lado, há palavras que formam o plural em – ães, apesar de não terem o étimo previsto (cf. capitão, por exemplo, provém do Latim tardio CAPITĀNUS) e também há palavras sem a origem etimológica acima identificada que formam o plural em –ões (cf. limão, é uma palavra de origem persa, que entra no Português, provavelmente, a partir do Árabe LIMŪN). Por outro lado, esta descrição não dá conta da tendência dominante no uso destas formas para privilegiar o plural em ões, num processo de neutralização semelhante ao que ocorreu no singular (em benefício de –ão): em alguns casos, esta tendência encontra já
158
acolhimento na prescrição gramatical, razão pela qual alguns autores admitem mais do que uma forma de plural para palavras terminadas em – ão. Percebe-se, aliás, que a hesitação pode ser provocada por uma tensão entre a motivação etimológica e a pressão paradigmática que privilegia – ões (cf. anãos, anões; corrimãos, corrimões; vilãos, vilões) e percebe-se também que é esta última a forma que tende a ter maior sucesso (cf. verãos, verões). Noutros casos, a escolha múltipla oferecida pela prescrição gramatical não tem qualquer justificação que não seja o resultado de um processo de hipercorrecção (cf. refrães, refrãos; aldeães, aldeãos, aldeões; anciães, anciãos, anciões ou sultães, sultãos, sultões). Há, por último, casos idênticos aos anteriores, ou seja, casos em que a etimologia da palavra não legitima a formação do plural em –ões (cf. cidadão), a prescrição gramatical não a sanciona (cf. cidadãos), mas o uso tende a consagrá-la (cf. *cidadões). Em suma, o plural das palavras terminadas em –ão é um assunto complexo do ponto de vista fonológico e diacrónico, mas não no que diz respeito à componente morfológica da flexão em número. Para a morfologia, as palavras em –ão formam o plural por adjunção do sufixo – s, sendo formadas a partir de radicais atemáticos, que dispõem de dois ou mais alomorfes: (43)
san RADJ são RADJ
sanidade são, sãos
man RN manual mão RN mão, mãos
catalan RADJ catalão RADJ catalãe RADJ
catalânico catalão catalães
can RN cão RN cãe RN
varon RADJ varão RADJ varõe RADJ
varonil varão varões
leon RN leonino leão RN leão leõe RN leões
canil cão cães
Muitos patronímicos têm uma forma que se aproxima da forma do plural, mas não é plural. Trata-se de palavras originalmente geradas a partir de um antropónimo, com o significado de ‘filho de’, e que só mais tarde passam a identificar um patronímico de carácter geral, não necessariamente transmitido por via varonil: Álvares, filho de Álvaro Marques, filho de Marco Domingues, filho de Domingo Martins, filho de Martim Fernandes, filho de Fernando Mendes, filho de Mendo Geraldes, filho de Geraldo Nunes, filho de Nuno Henriques, filho de Henrique Rodrigues, filho de Rodrigo Lopes, filho de Lopo Simões, filho de Simão
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O carácter obrigatório da flexão em número é aparentemente posto em causa pelos nomes próprios, que, por definição, designam entidades únicas, não pluralizáveis (por vezes chamados singularia tantum). No entanto, a restrição não vale nos casos em que é possível interpretar o plural como identificação de vários sujeitos portadores de um dado nome próprio – deste modo, é possível falar da dinastia dos Filipes, dos Almeidas como membros da família Almeida, ou das Marias, como metáfora de mulheres. A restrição é, pois, semântica e não morfológica. O mesmo se verifica com os nomes não-contáveis. Também neste caso, a pluralização é possível, mas a interpretação semântica é um pouco diferente. O plural de granito (i.e. granitos) não é interpretado como ‘mais do que um granito’, mas sim como ‘mais do que um tipo de granito’; o plural de ingenuidade também não é interpretado como ‘mais do que uma ingenuidade’, mas sim como ‘mais do que uma manifestação de ingenuidade’: (44) Podemos usar granitos e madeiras Não acredito em tantas ingenuidades
Por outro lado, alguns nomes, classificados como pluralia tantum, apresentam apenas uma forma plural19. Em alguns casos, estas formas têm uma espécie de valor dual, por referirem objectos constituídos por duas partes salientes (cf. algemas, calças, calções, cuecas, óculos), podendo até surgir como complemento da expressão ‘um par de’. Note-se que algumas destas palavras podem ocorrer no singular (cf. uma calça, um calção, uma cueca) – no Português do Brasil20 o uso do singular tende a suplantar o do plural, mas no Português Europeu estas formas de singular não são valorizadas pela dialecto-padrão21. Noutros casos, como afazeres, arredores, confins, trevas, pêsames ou víveres, o plural tem um valor de colectivo22, tal como se verifica nos vestígios de plurais latinos (cf. fruta, lenha, ova). Todos estes plurais, que foram inicialmente gerados por flexão, estão lexicalizados, pelo que a sua existência não pode interferir com a análise da flexão. Resta, agora, olhar para os casos em que o sufixo do plural não ocorre na sua posição canónica, ou seja, na posição mais periférica à direita. É o que se verifica em palavras formadas por sufixação zavaliativa23, que apesar de não exibirem a realização fonética do sufixo do plural mostram a forma do tema que é exclusiva do plural24:
160
(45)
flor florzinha
flores florezinhas
caracol caracóis caracolzinho caracoizinhos leão leãozinho
leões leõezinhos
pão pãozinho
pães pãezinhos
Este caso não mostra a ocorrência de flexão numa posição distinta daquela que anteriormente foi referida, ou seja, na posição mais periférica à direita. O que este caso mostra é que o sufixo z-avaliativo –zinh(o/a) se associa a formas flexionadas (i.e. palavras), copiando o valor de género da sua base, e ainda que há palavras complexas que contêm palavras como um dos seus constituintes. Se o sufixo de flexão da base não é realizado foneticamente é por razões de natureza fonológica e não morfológica, relacionadas, certamente, com a degeminação de consoantes muito próximas (i.e. [Z] e [z]): (46) [[flores]N zinhas]N [[caracóis]N zinhos]N [[leões]N zinhos]N [[pães]N zinhos]N
Um outro caso de ocorrência da flexão fora do seu lugar canónico, é o que diz respeito a alguns tipos de compostos morfo-sintácticos25. Dependendo da sua estrutura, que é sintáctica, o plural ocorre na periferia da primeira palavra (se se tratar de uma estrutura de modificação) ou na periferia de todas as palavras (se se tratar de uma estrutura de coordenação): (47)
bomba-relógio bombas-relógio trabalhador-estudante trabalhadores-estudantes surdo-mudo surdos-mudos
A localização do sufixo de flexão, neste caso, não tem nada de problemático para a análise morfológica: ela ocorre sempre na periferia direita das palavras. Não ocorre na periferia direita do composto
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obrigatória e exclusivamente porque estes compostos têm uma estrutura sintáctica e não morfológica.
4.2.4 Flexão verbal A flexão morfológica dos verbos diz respeito à formação dos chamados tempos simples26. Nos verbos regulares27, a flexão é realizada por sufixação, que é sensível à conjugação28 a que o radical verbal pertence, e dispõe de duas posições estruturais para especificar o tema: a primeira é ocupada pelo sufixo de tempo-modo-aspecto (TMA) e a segunda, à sua direita, é ocupada pelo sufixo de pessoa-número (PN). (48)
V=β+δ TV[CONJ= ]
Flexão=β+δ
α
RV[CONJ= ] α
VT
TMA=β
PN=δ
O que a flexão verbal faz é gerar um dado conjunto de formas portadoras de um dado conjunto de traços: ‘β’ traços de tempo-modoaspecto e ‘δ’ traços de pessoa-número. A primeira questão que se pode colocar é a de saber por que razão é que estes sufixos têm estes nomes. Vejamos então o que se sabe sobre esta matéria.
4.2.4.1 A flexão em tempo-modo-aspecto A informação semântica contida na flexão verbal em tempomodo-aspecto é uma informação abstracta e imprecisa – o contexto sintáctico é indispensável à interpretação modal, temporal e aspectual dos enunciados: leio é uma forma de presente do indicativo, que, por definição, remete, para uma simultaneidade do momento da enunciação com o momento da situação descrita. Sabe-se, porém, que esta informação semântica é condicionada por outras informações modais, temporais e aspectuais presentes na frase: (49)
Leio o jornal todos os dias. Não quero ler esse artigo hoje, leio amanhã. Se leio durante muito tempo, fico com dores de cabeça. Chegou o relatório. Leio ou não leio? Leio, leio, leio e não encontro respostas.
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O facto de o sufixo de tempo-modo-aspecto associar informação sobre a atitude do locutor relativamente ao seu enunciado e sobre a localização temporal da situação que ele descreve29 não é semanticamente motivado – trata-se de uma amálgama morfológica de três categorias morfo-semânticas que, embora possam estar relacionadas, são independentes: (50)
canta – va – mos canta – sse – mos
pretérito imperfeito do indicativo pretérito imperfeito do conjuntivo
canta – ra canta – ndo
pretérito mais-que-perfeito do indicativo gerúndio
Este sufixo de TMA está presente em todas as formas da flexão verbal excepto nos casos de amálgama e nas restantes formas do presente do indicativo. A amálgama ocorre sempre que a flexão verbal dispões de um único sufixo para as categorias de tempo, modo, aspecto, pessoa e número. É o que se verifica com o pretérito perfeito e com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo: (51)
canta – ei canta – ste canta – ou canta – mos canta – stes canta – ram
canta – o
A ausência do sufixo nas restantes formas do presente do indicativo é igualmente significativa, identificando inequivocamente o presente do indicativo, transformando os sufixos de pessoa-número em amálgamas de tempo-modo-aspecto e pessoa-número: (52)
canta - - s canta - canta - - mos canta - - is canta - - m
Os contrastes de flexão verbal tradicionalmente considerados distinguem as formas nominais (i.e. infinitivo impessoal, gerúndio e particípio passado) das formas pessoais, identificando, neste caso, dois modos com variação interna (indicativo e conjuntivo), dois modos sem variação interna (imperativo e infinitivo pessoal) e dois paradigmas de difícil classificação (o futuro simples e o condicional). O imperfeito do indicativo, o imperfeito do conjuntivo, o futuro simples, o condicional, o gerúndio e o particípio passado contribuem com todos os contrastes que estão ao seu alcance30.
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(53) Indicativo pretérito imperfeito
Conjuntivo pretérito imperfeito
Futuro simples
Condicional Gerúndio Particípio passado
cantava cantavas cantávamos cantáveis cantavam cantasse cantasses cantássemos cantásseis cantassem cantarei cantarás cantará cantaremos cantareis cantarão cantaria cantarias cantaríamos cantaríeis cantariam cantando cantado
bebia bebias bebíamos bebíeis bebiam bebesse bebesses bebêssemos bebêsseis bebessem beberei beberás beberá beberemos bebereis beberão beberia beberias beberíamos beberíeis beberiam bebendo bebido
fugia fugias fugíamos fugíeis fugiam fugisse fugisses fugíssemos fugísseis fugissem fugirei fugirás fugirá fugiremos fugireis fugirão fugiria fugirias fugiríamos fugiríeis fugiriam fugindo fugido
Nos restantes casos, o número de contrastes possíveis é substancialmente reduzido pela identidade de diversas formas. É o que se verifica com a ambiguidade entre: (i)
a terceira pessoa-plural do mais-que-perfeito e do perfeito;
(ii) a primeira pessoa-plural do presente e do perfeito do indicativo; (iii) a terceira pessoa-singular do indicativo e a segunda pessoa-singular do imperativo afirmativo; (iv) a terceira pessoa-singular do presente do indicativo e a segunda pessoa-singular do imperativo afirmativo; (v) as formas do presente do conjuntivo e diversas formas do imperativo; (vi) diversas formas do imperativo afirmativo e negativo; (vii) todas as formas do futuro do conjuntivo31 e todas as formas do infinitivo pessoal; (viii)a primeira/terceira pessoa-singular do futuro do conjuntivo e infinitivo pessoal e o infinitivo impessoal. Os casos relevantes estão assinalados a negrito no quadro seguinte:
164
(54) pretérito mais-queperfeito
pretérito perfeito
presente
presente
futuro
forma afirmativa
forma negativa
pessoal impessoal
cantara cantaras cantáramos cantáreis cantaram cantei cantaste cantou cantámos cantastes cantaram canto cantas canta cantamos cantais cantam cante cantes cantemos canteis cantem cantar cantares cantarmos cantardes cantarem canta cante cantemos cantai cantem cantes cante cantemos canteis cantem cantar cantares cantarmos cantardes cantarem cantar
bebera beberas bebêramos bebêreis beberam bebi bebeste bebeu bebemos bebestes beberam bebo bebes bebe bebemos bebeis bebem beba bebas bebamos bebais bebam beber beberes bebermos beberdes beberem bebe beba bebamos bebei bebam bebas beba bebamos bebais bebam beber beberes bebermos beberdes beberem beber
fugira fugiras fugíramos fugíreis fugiram fugi fugiste fugiu fugimos fugistes fugiram fujo foges foge fugimos fugis fogem fuja fujas fujamos fujais fujam fugir fugires fugirmos fugirdes fugirem foge fuja fujamos fugi fujam fujas fuja fujamos fujais fujam fugir fugires fugirmos fugirdes fugirem fugir
165
Há, no Português, dois paradigmas de flexão verbal cuja estrutura não pode ser descrita pela representação apresentada em (48). Trata-se do futuro simples e do condicional. Como é sabido, estes dois conjuntos de formas resultam de um processo de gramaticalização de construções perifrásticas que, de algum modo, ainda hoje subsistem, e que consistiu em justapor algumas formas do verbo haver (ou apenas partes dessas formas) ao infinitivo impessoal de qualquer verbo – para formar o futuro juntam-se as formas do presente do indicativo de haver (truncando o radical, nos casos em que ele está presente), e, para formar o condicional, juntam-se as formas do imperfeito do indicativo de haver (sendo o radical, neste caso, sempre truncado): (55)
a.
nadar nadar nadar nadar nadar nadar
hei hás há (hav)emos (hav)eis hão
cf. hei-de nadar cf. hás-de nadar cf. há-de nadar cf. havemos de nadar cf. haveis de nadar cf. hão-de nadar
b.
nadar nadar nadar nadar nadar
(hav)ia (hav)ias (hav)íamos (hav)íeis (hav)iam
cf. havia de nadar cf. havias de nadar cf. havíamos de nadar cf. havíeis de nadar cf. haviam de nadar
Esta original procedência do futuro simples e do condicional, no quadro da flexão verbal do Português, tem consequências que é necessário identificar. Em primeiro lugar, são estes os únicos casos que dão lugar à ocorrência de mesóclise, ou seja, da colocação do pronome clítico no interior da forma verbal: (56)
a.
falarei falarás falará falaremos falareis falarão
falar-lhe-ei falar-lhe-ás falar-lhe-á falar-lhe-emos falar-lhe-eis falar-lhe-ão
b.
falaria falarias falaríamos falaríeis falariam
falar-lhe-ia falar-lhe-ias falar-lhe-íamos falar-lhe-íeis falar-lhe-iam
Na verdade, o clítico não ocorre numa posição aleatória, mas sim entre o infinitivo do verbo principal e o que pode ser entendido como um espécie de verbo auxiliar. Neste sentido, pode defender-se que a mesóclise é uma forma particular de ênclise, que qualquer proclisador desfaz:
166
(57)
Falar-lhe-emos ainda hoje. Já não lhe falaremos hoje. Penso que lhe falaremos ainda hoje.
A mesóclise mostra que o processo de gramaticalização não está ainda concluído, mas há muitos indícios de que a transformação das formas analíticas em formas sintéticas é irreversível. Por um lado, Martins (1994) identifica casos de ênclise numa fase remota da história do Português, exemplificando com formas como darey-te ou faria-se. Por outro lado, Mateus et al. (2003: 866) afirmam que “dados da aquisição, produção de falantes de variedades populares e, em geral, de gerações mais novas, revelam que a ênclise está a invadir os contextos de mesóclise”, dando como exemplo frases onde ocorrem as formas telefonarei-te e poderá-se. Por último, é interessante confrontar a realização fonética das formas do futuro simples e do condicional com e sem a presença de um clítico: na forma sintética há uma única sílaba tónica e a vogal temática do verbo principal é reduzida; na forma analítica há duas sílabas tónicas (a vogal temática do verbo principal e o acento do verbo auxiliar). (58)
a.
fal[Ñ]rei fal[Ñ]rás fal[Ñ]rá fal[Ñ]remos fal[Ñ]reis fal[Ñ]rão
fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]ei fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]ás fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]á fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]emos fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]eis fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]ão
b.
fal[Ñ]ria fal[Ñ]rias fal[Ñ]ríamos fal[Ñ]ríeis fal[Ñ]riam
fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]ia fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]ias fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]íamos fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]íeis fa[‘]l[a]r-lhe-[‘]iam
A representação da estrutura morfológica destas formas não é fácil. No caso do condicional, pode admitir-se uma estrutura semelhante à do infinitivo flexionado, com o sufixo de tempo-modo-aspecto a incorporar o sufixo do infinitivo (i.e. –re), a vogal temática do verbo haver (i.e. –i) e o sufixo do imperfeito do indicativo do verbo haver (i.e. –a), que resulta na sequência –ria. A situação do futuro simples é ainda mais complexa, dado que só uma amálgama dos sufixos de tempo-modo-aspecto e pessoanúmero permite dar conta da sua estrutura.
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(59)
V TV
Flexão
RV
VT
TMA
PN
fal
a
ria
-/s/mos/is/m
V TV
Flexão
RV
VT
fal
a
TMA
PN
rei/rás/rá/remos/reis/rão
Esta representação é compatível com a forma sintética do condicional, mas não com a forma analítica, dado que só permite a ocorrência de um acento de palavra (sobre a vogal temática) e exigiria que o clítico interrompesse, de forma inexplicável, o sufixo de tempo-modoaspecto. Consequentemente, todas estas formas devem ser lexicalizadas.
4.2.4.2 A flexão em pessoa-número O segundo sufixo de flexão verbal diz respeito à referência pessoal. A tradição gramatical identifica habitualmente três pessoas – a primeira, a segunda e a terceira, associadas aos pronomes eu, tu e ele/ela, quando referem, respectivamente, o locutor, o interlocutor ou um sujeito ausente da enunciação; e os pronomes nós, vós, eles/elas, quando referem, respectivamente, o locutor acompanhado pelo(s) seu(s) interlocutor(es) (eu e tu (e tu…))32 ou por um ou mais sujeitos ausentes da enunciação (eu e ele/a (e ele/a…))33, o interlocutor acompanhado por outro(s) interlocutor(es) (tu e tu (e tu…))34 ou por um ou mais sujeitos ausentes da enunciação (tu e ele/a (e ele/a…))35, e, por último, mais de um sujeito ausente da enunciação (ele/a e ele/a (e ele/a…)). As três primeiras são chamadas as pessoas do singular e as três últimas são chamadas pessoas do plural, mas a descrição feita permite compreender que esta oposição singular/plural não é idêntica à oposição de número nos nomes – trata-se de uma designação que dá conta da referência ao sujeito como sendo:
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(60)
1ª pessoa do singular 2ª pessoa do singular 3ª pessoa do singular 1ª pessoa do plural 2ª pessoa do plural 3ª pessoa do plural
= o locutor = o interlocutor = um sujeito ausente da enunciação = o locutor e mais alguém = o interlocutor e mais alguém (excepto o locutor) = dois ou mais sujeitos ausentes da enunciação
Uma observação mais atenta dos dados permite, no entanto, constatar que esta caracterização de flexão em pessoa-número não corresponde integralmente ao que se verifica na gramática morfológica do Português contemporâneo: por um lado, nem todas estas distinções são sistematicamente realizadas; por outro, há contrastes atestados que aqui não estão contemplados. No que diz respeito ao primeiro aspecto, é necessário distinguir o caso das chamadas formas nominais do verbo dos restantes. As formas nominais, ou seja, o infinitivo, o gerúndio e o particípio são formas defectivas em pessoa-número36, caracterizáveis, aliás, como o nome, o advérbio e o adjectivo verbais. De algum modo, é a própria tradição gramatical que coloca estas formas na periferia da flexão verbal e na órbita da derivação: (61)
Infinitivo: Gerúndio: Particípio:
cantar beber fugir cantando bebendo cantado bebido
fugindo fugido
Também o imperativo é afectado por defectividade, que impede a formação da primeira e da terceira pessoas. Trata-se de um caso de defectividade semanticamente motivada, dado que não é plausível que o locutor dê uma ordem ou faça um pedido a si próprio ou a sujeitos ausentes da enunciação. A ocorrência da primeira pessoa-plural é legitimada pelo facto do locutor se encontrar acompanhado por um ou mais interlocutores e é geralmente utilizada como recurso retórico de suavização de uma ordem ou de captatio benevolentia. O segundo caso diz respeito à distinção entre a primeira e a terceira pessoas do singular: a maior parte dos paradigmas de flexão não a realizam: (62)
Imperfeito do indicativo: Mais-que-perfeito do indicativo: Presente do conjuntivo: Imperfeito do conjuntivo: Futuro do conjuntivo: Infinitivo flexionado: Condicional:
cantava cantara cante cantasse cantar cantar cantaria
bebia bebera beba bebesse beber beber beberia
fugia fugira fuja fugisse fugir fugir fugiria
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A distinção só é feita no presente do indicativo (cf. canto/cante), no perfeito do indicativo (cf. cantei/cantou) e no futuro simples (cf. cantarei/cantará), ou seja, nos casos em que há amálgama de tempomodo-aspecto e pessoa-número. Esta ambiguidade entre as formas de primeira e terceira pessoas do singular não pode deixar de ser relacionada com um outro fenómeno que afecta a segunda pessoa. Trata-se do caso das formas de segunda pessoa habitualmente identificadas pelos pronomes você e vocês37 e que correspondem a uma forma de tratamento diferente da que está associada às formas pronominais tu e vós: você ocorre num registo mais formal ou mais distante do que tu e vocês ocorre num registo menos formal ou menos distante do que vós. A necessidade de considerar estas formas de um ponto de vista morfológico advém do facto de elas recorrem às formas verbais de terceira pessoa e de, por essa via, assim se estabelecer uma nova fonte de ambiguidade: à indistinção entre a primeira e a terceira pessoas do singular, junta-se a da segunda. No plural a ambiguidade afecta a segunda e a terceira. (63)
Imperfeito do indicativo: Mais-que-perfeito do indicativo: Presente do conjuntivo: Imperfeito do conjuntivo: Futuro do conjuntivo: Infinitivo flexionado: Condicional: Imperfeito do indicativo: Mais-que-perfeito do indicativo: Presente do conjuntivo: Imperfeito do conjuntivo: Futuro do conjuntivo: Infinitivo flexionado: Condicional:
eu/você/ele eu/você/ele eu/você/ele eu/você/ele eu/você/ele eu/você/ele eu/você/ele vocês/eles vocês/eles vocês/eles vocês/eles vocês/eles vocês/eles vocês/eles
cantava cantara cante cantasse cantar cantar cantaria cantava cantara cante cantasse cantar cantar cantaria
bebia fugia bebera fugira beba fuja bebesse fugisse beber fugir beber fugir beberia fugiria bebia fugia bebera fugira beba fuja bebesse fugisse beber fugir beber fugir beberia fugiria
O último caso diz respeito ao uso da segunda pessoa do plural. A ocorrência destas formas é dialectalmente condicionada: no dialecto de Lisboa ela é, praticamente, inexistente. O esquema de pessoa-número de (60) deve, pois ser revisto, prevendo oito diferentes contrastes (64)
1ª pessoa do singular 2ª pessoa do singular 2ª pessoa do singular 3ª pessoa do singular 1ª pessoa do plural 2ª pessoa do plural 2ª pessoa do plural
= o locutor = o interlocutor – tratamento informal = o interlocutor – tratamento formal = um sujeito ausente da enunciação = o locutor e mais alguém = o interlocutor e mais alguém (excepto o locutor) = o interlocutor e mais alguém (excepto o locutor)
3ª pessoa do plural = dois ou mais sujeitos ausentes da enunciação
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