MORGADO, Fernando. A imagem do rádio: estudo de caso Rádio Globo. Agitprop, São Paulo, n. 61, 2015. Disponível em: <http://www.agitprop.com.br/?pag=ensaios_det&id=120&titulo=ensaios>.

May 26, 2017 | Autor: Fernando Morgado | Categoria: Radio, Radio History, History of Design, Branding, Visual Identity
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Ano: VII Número: 61 ISSN: 1983­005X

A imagem do rádio: estudo de caso Rádio Globo  Fernando Morgado

Resumo: este artigo destaca a importância da identidade visual e do design para o rádio, apesar não ter a imagem como elemento central da sua linguagem. Como estudo de caso, apresenta a evolução da marca da Rádio Globo ao longo dos seus 70 anos, revelando os aspectos mais importantes que devem ser considerados nesse tipo de projeto. Palavras­chave: identidade visual, história do design, Rádio Globo   Resumen: este artículo destaca la importancia de la identidad visual y del diseño para la radio, a pesar de no tener la imagen como elemento central de su lenguaje. Como estudio de caso, presenta la evolución de la marca de Rádio Globo a lo largo de sus 70 años, revelando los aspectos más importantes que deben ser considerados en ese tipo de proyecto. Palabras claves: identidad visual, historia del diseño, Rádio Globo   Ao longo de praticamente toda a sua história, o rádio foi definido como um meio exclusivamente sonoro. Isso mudou com a chegada da internet, formadora de uma verdadeira melting pot das mídias, e a universalização dos devices móveis, que renovaram a relevância e a popularidade do rádio. Atributos que ele já possuía foram reforçados, como a interatividade, a agilidade, a mobilidade e o alcance internacional, antes conseguido através das ondas curtas. Somaram­se ainda outros recursos, como a multiprogramação, textos, fotos, vídeos e imagens de todo tipo.

Todas

Definitivamente, rádio não é mais só áudio. Trata­se de uma mudança radical na forma em que esse meio se posiciona num mundo em que novas opções de informação e entretenimento surgem a cada minuto. Por tudo isso, se antes a identidade visual tinha uma presença mais restrita no dia a dia de uma rádio, agora ela se destaca na linha de frente da relação com a audiência. A marca, como definição do que é – ou deseja ser – uma instituição, produto ou serviço, e o design, como disciplina diretamente relacionada com a construção de marcas, despontam como elementos cruciais nesse momento revolucionário.

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Como exemplo da ampliação do papel do design no rádio, este artigo resgata a evolução histórica da marca da Rádio Globo, uma das principais emissoras do Brasil, ao longo dos seus 70 anos de atuação.   Extensão de conteúdo, extensão de marca No início da década de 1940, Roberto Marinho sonhava em estender para o rádio o conteúdo produzido pelo então vespertino O Globo, fundado por seu pai, Irineu Marinho, em 1925. Fez questão de explicitar essa ideia logo na primeira frase do discurso que proferiu ao inaugurar sua emissora, em dezembro de 1944: “Não é propriamente uma estação de rádio que hoje inauguramos. É uma nova modalidade dos serviços d’O Globo à nação” (1). Nesse sentido, a rádio adotou o mesmo nome do jornal, apenas suprimindo o artigo “O”. Na assinatura visual, o logotipo “Globo” era semelhante àquele que os leitores já viam nas bancas, tendo ao lado a palavra “Rádio” numa escrita cursiva e um microfone junto à letra “R”. Estava claro que o novo empreendimento não era algo independente, mas uma extensão de marca do jornal O Globo.

 

Em 1965, foi inaugurada a TV Globo. Logo que ela cresceu e substituiu O Globo na posição de principal veículo do Grupo, a marca da Rádio Globo deixou a órbita do jornal para ligar­se à televisão, incorporando um símbolo – em forma de planisfério, com paralelos e meridianos – alinhado ao que Borjalo havia criado para a TV. Nessa mesma época, mais estações foram incorporadas pela família Marinho, formando um conjunto que, em 1974, recebeu o nome de Sistema Globo de Rádio (SGR). Numa tentativa de organizar visualmente esse portfólio, todas as AMs do SGR no Rio de Janeiro adotaram, ainda nos anos 1970, o mesmo símbolo e passaram a ser diferenciadas pela cor: a Eldorado – “Sintonia de bom gosto” – era verde; a Mundial – “Superquente” – era azul; a Rádio Globo – “Música, esporte e notícia” – era amarela. A partir de então, os carros de reportagem foram apelidados de Amarelinhos, criando uma situação sui generis: o ouvinte logo adotou essa cor como sinônimo de um tipo de conteúdo sonoro. Ao ouvirem uma vinheta que apresenta o “Amarelinho comunicando” ou verem uma viatura da emissora na rua onde mora, os cariocas reconhecem como prestação de serviço. Em 1976, a TV Globo ganhou uma nova identidade visual, assinada por Hans Donner. Ato contínuo, ele também criou um novo logotipo para a Rádio Globo. Como na televisão, foi adotada a fonte Avant Garde e, num primeiro momento, as letras eram definidas por um fino contorno. A dificuldade de aplicar essa assinatura, especialmente em pequenas dimensões, fez com que, nos anos 1990, ela sofresse alterações: passou a ser preenchida de azul e o acento agudo foi substituído pela crase. Essa solução inusitada, empregada até 2009, buscava, a despeito da norma culta da língua portuguesa, dar maior visibilidade para esse sinal gráfico. Em suma: durante 65 anos, a Rádio Globo não possuiu uma assinatura visual criada a partir de seus próprios atributos. Se por um lado pode se beneficiar do reconhecimento de marcas consagradas, por outro não dispôs de uma imagem que comunicasse, com precisão, a sua própria personalidade. Além disso, acentuaram­se as dificuldades técnicas de uso da marca vigente até então, principalmente a partir de 2002, quando a emissora virou uma rede nacional, cujas afiliadas também adotaram a marca Rádio Globo.   Uma marca para chamar de sua Entre 2008 e 2009, a agência Tecnopop realizou o projeto de branding da Rádio Globo, que teve direção de design de André Stolarski, gerência de design de Theo Carvalho – atualmente sócio da agência Tuut – e pesquisa e design de Fernando Morgado. O principal desafio era criar os elementos – conceituais e visuais – que passariam a definir a emissora, tão tradicional e com uma audiência tão ampla e diversa. Após uma intensa etapa de pesquisas, definiu­se a amizade como essência da marca. Um novo slogan surgiu: “Bota Amizade Nisso!”, ao mesmo tempo imperativo e superlativo, criado por André Stolarski, Fernando Morgado e o publicitário Luiz Vieira. Nada mais natural para a rádio que trouxe ao Brasil o conceito de “comunicador amigo”, aquele pronto a ajudar e acompanhar os ouvintes através de uma fala direta, em substituição às radionovelas e programas de auditório. Em seguida, começou a ser construída uma identidade visual “amigável”, ou seja, fundamentada em elementos simples, de fácil uso e reconhecimento imediato. A partir do estudo de inúmeras marcas de emissoras nacionais e internacionais, foi possível estabelecer uma premissa: a de que seria um desperdício esforçar­se para construir um símbolo para a rádio. Quando esse tipo de ícone é criado, espera­se que ele venha a substituir a palavra escrita, algo que só é factível quando a imagem é o cerne da ativação de marca, permitindo que o público memorize rapidamente o desenho e seu significado. É certo que as ações promocionais, os sites, os aplicativos e as redes sociais ampliaram – e muito – a presença da identidade visual das rádios, mas ainda não o suficiente para suplantar a força de um sinal sonoro, de um jingle ou da voz de um comunicador. O texto ainda é a mais literal expressão visual da fala. Por esse motivo, em linha com a maioria das emissoras do planeta, partiu­se para um estudo tipográfico. A fonte escolhida, com o curioso nome de Sauna, tinha as qualidades buscadas pela equipe do projeto: excelente construção, resistente em pequenas dimensões, formas curvas e fáceis de serem reproduzidas a mão – algo especialmente importante para as pequenas afiliadas, muitas das quais tem a pintura em faixas ou muros como principal aplicação da marca. Vale destacar a seleção das cores oficiais: o azul foi mantido e o amarelo, patrimônio da emissora, foi resgatado e expandido dentro do sistema de

identidade, indo além do carro de reportagem. Um dos novos usos do amarelo foi no microfone. O modelo anterior, com uma pequena canopla (cubo de identificação) branca, tinha baixa visibilidade e pouca diferenciação, especialmente no meio de uma entrevista coletiva. Além de ser um instrumento de trabalho básico para os radialistas, o microfone também serve como ferramenta de comunicação da marca da emissora, principalmente quando aparece numa reportagem de TV. Essa função, contudo, é cada vez mais limitada pela ação dos cinegrafistas, que se esforçam para tirar da imagem toda e qualquer referência a concorrentes. O espaço visível ficava praticamente restrito à espuma do microfone. Portanto, por que não usá­la também como meio para transmitir a identidade da Rádio Globo? Inspirado no exemplo da mexicana Televisa, os microfones da Rádio Globo adotaram espumas amarelas, algo que nenhuma emissora do Brasil, seja de rádio, seja de televisão, fazia. Junto dela, uma canopla elíptica e azul, também única no país, ressaltava a horizontalidade do tipograma da emissora. De tão chamativo, era possível enxergar o novo microfone até a grandes distâncias, como da arquibancada de um estádio de futebol. Em 2014, por ocasião do 70º aniversário da Rádio Globo, foi lançado um novo slogan – “Vamos juntos!” – e a marca foi atualizada por André Hippertt. As cores oficiais e a fonte Sauna permaneceram. O tipograma passou a ser todo em maiúsculas, quebrado em duas linhas e sobreposto a um círculo transparente e que, portanto, assume cores diferentes de acordo com o fundo no qual é aplicado. O modelo de canopla mudou para cúbico, semelhante ao adotado pela maioria das emissoras brasileiras. Mais tarde, o microfone da Rádio Globo até se transformou num mascote: o “Microfonão”, boneco que surge em campanhas de TV, reportagens, histórias em quadrinhos e ações promocionais, inclusive durante o Carnaval, quando foram distribuídas réplicas infláveis dos microfones em blocos no Rio de Janeiro e em São Paulo. *   *   * A cada instante, surgem novas formas de fazer, transmitir e consumir conteúdo. Com isso, o rádio é obrigado a se reposicionar. Emissoras tradicionais são forçadas a rever seus conceitos e alterar a forma como enxergam e se comunicam com seus públicos. O som continua sendo a alma do rádio, mas a imagem nunca teve um papel tão relevante na sua dinâmica de funcionamento. E isso tende a crescer, a medida que novos recursos tecnológicos forem sendo incorporados por essa mídia ao mesmo tempo simples e complexa. Numa época em que a concorrência entre os meios se acirra, todo espaço é valioso. Fazer­se reconhecer em cada segundo no ar, em cada retícula no papel, em cada pixel na tela, faz toda a diferença. A Rádio Globo, presente durante parte importante da história da comunicação no Brasil, foi testemunha e protagonista da mudança do papel do design na mídia. Desde o tempo em que um veículo transferia seus códigos visuais para o outro, de forma simples e sem normas, até o momento em que, apoiada em melhores práticas e avanços técnicos e mercadológicos, criou sua própria identidade, direta e amigável.   Nota (1) BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, p. 164.   Fernando Morgado é professor convidado da Universidad Autónoma Metropolitana do México, da ESPM­Rio e do Instituto de Estudos de Televisão. Atua na área de inteligência de mercado do Sistema Globo de Rádio. Autor do livro “Televisionado: artigos sobre os principais nomes da TV” (Multifoco, 2009), um dos autores do “As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro” (Instituto Moreira Salles, 2013) e colaborador do “Rádio: teoria e prática” (Summus, 2014) e do “Av. Paulista, 900: a história da TV Gazeta” (Imprensa Oficial, 2010). Na agência Tecnopop, atuou como designer e pesquisador nos projetos de marca das rádios Globo e CBN. Pós­graduado em Gestão Empresarial e Marketing e graduado em Design com Habilitação em Comunicação Visual e Ênfase em Marketing pela ESPM­Rio.

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