MORGADO, Fernando. Os programas ônibus na América Latina. Cadernos de Televisão, Rio de Janeiro, v. 5, p. 25-38, 2012.

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Artigo publicado na edição nº 5 (dezembro/2012) dos Cadernos de Televisão: revista quadrimestral de estudos avançados de televisão (ISBN 2238-3670). Os programas ônibus na América Latina FERNANDO MORGADO

Em sua edição de 2 de junho de 1963, a Folha de S. Paulo publicou a seguinte nota na página 3 do caderno Ilustrada: Começa hoje, no canal 5, a investida. Uma nova atração, denominada “Programa Silvio Santos”, dará início ao horário dos domingos, que começa agora às 12 horas. Prêmios, brincadeiras e melodias se reúnem nesse programa, que terá a duração de duas horas e meia. 1

Assim foi registrado o nascimento de um programa que se tornou sinônimo de domingo no Brasil tanto pela audiência que conquistou quanto pelo enorme espaço que veio a ocupar dentro da programação. Em pouco tempo, o Programa Silvio Santos passaria das originais 2 horas e meia para 4 horas de duração, que logo se transformariam em 6, 8, 10 e até 12 horas. Uma maratona como essa é composta pela sequência de diversos quadros, como vagões num trem. São atrações com dinâmicas tão particulares que podem dar a impressão de quase serem programas independentes, ainda que reunidos embaixo de um mesmo nome e sob a condução de um mesmo animador. Gincanas infantis, entrevistas, concursos, sorteios, jornalismo, músicas, humor, reality shows e até esportes: há espaço para tudo nesse tipo de programa que, não por acaso, foi apelidado de ônibus. Contêiner, telemaratona e ferrocarril são outros termos empregados para se referir à esse formato na América Latina, região onde as atrações de longa duração ganharam enorme evidência e foram fundamentais para a formação e popularização da televisão. A Argentina foi pioneira nesse gênero, que teve seu auge entre os anos 1960 e 1980. Este artigo tratará dos principais exemplos latino-americanos de programas no formato ônibus, procurando dar o devido destaque ao papel dos animadores. São eles: o argentino Pipo Mancera com Sabados Circulares de Mancera; o chileno Don Francisco com Sabado Gigante; o mexicano Raúl Velasco com Siempre en Domingo; o venezuelano Amador Bendayán com Sabado Sensacional; e Silvio Santos com o programa que leva seu nome. Mais do que em qualquer outro tipo de show com plateia, o animador tem uma relevância ainda maior nas atrações maratônicas, pois ele atua como o elemento de referência que interliga todos os diferentes quadros levados ao ar e ainda precisa manter aceso o interesse do público durante horas a fio, sem cansar. Para isso, alegria e simpatia são indispensáveis e, por isso, encontradas em todos os que apresentam programas de longa duração. O elevado tempo de exposição desses profissionais no ar ajudou a transformá-los nas figuras mais importantes da televisão em seus países. Em muitos casos, a influência deles ultrapassou os palcos e alcançou outros setores, tornando-se produtores dos seus próprios programas e atuando junto ao mercado anunciante. Em geral, os programas ônibus buscam alcançar toda a família, ainda que seja possível notar uma clara preferência pelas mulheres. A música cumpre um papel fundamental, tanto através dos artistas convidados quanto dos jingles cantados pelos 1 Programa Silvio Santos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2 jun. 1963. Ilustrada, p. 3.

animadores e que ficam gravados na memória afetiva dos telespectadores. Costuma-se ter farta distribuição de prêmios, com sorteios e jogos patrocinados por empresas interessadas em expor suas marcas durante um tempo maior no vídeo e ainda aproveitar o poder de comunicação do animador, que empresta sua credibilidade e gera recall rapidamente. As longas horas de duração ajudam em diversos aspectos, a começar pelos menores e mais diluídos custos de produção, permitindo a obtenção de maiores margens de lucro. Também facilitam a criação de formatos comerciais diferenciados, como os jogos falados anteriormente. Há ainda outro ponto que, inclusive, pode ser apontado como uma das mais fortes justificativas para a existência desse tipo de atração até os dias de hoje: a flexibilidade para atacar na guerra da audiência. Num programa ônibus, ficam mais fáceis as mudanças de horário e as entradas ou saídas de quadros. Todos podem embarcar nesse ônibus: é um formato no qual cabem todos os outros formatos.

PIPO MANCERA: SABADOS CIRCULARES DE MANCERA

Nascido em 20 de dezembro de 1930, Nicolás Mancera, mais conhecido como Pipo Mancera, foi o pioneiro dos programas ônibus na América Latina e da produção independente na Argentina, onde também foi o precursor das transmissões via satélite e até das pegadinhas. Seu programa maratônico, Sabados Circulares de Mancera, foi lançado em 6 de janeiro de 1962. Inicialmente, estava programado apenas para a temporada de verão do canal 9 de Buenos Aires, mas o sucesso foi tanto que a atração permaneceu no ar por 12 anos, alcançando todo o território argentino, além de parte do Uruguai e do Chile. Durante sua trajetória, o programa registrou momentos marcantes tanto para a TV quanto para a própria cultura argentina, como a primeira aparição pública de Diego Maradona. Com apenas dez anos de idade, ele fez algumas embaixadinhas e falou sobre seu maior sonho: ser jogador da seleção argentina. Foram marcantes também os momentos em que Pipo desafiou a própria vida limpando as janelas de um arranha-céu, domando leões, saltando de para-quedas, andando pelos esgotos de Buenos Aires e até escapando de um baú trancado no fundo de um rio, ao melhor estilo Houdini. Em 11 de novembro de 1974, Sabados Circulares de Mancera saiu do ar. Nessa época, ele já estava em outro canal, o 11. As imagens dessa etapa da sua carreira foram preservadas pelo próprio apresentador, que, depois de anos afastados da televisão, voltou a apresentar esses momentos em 2007 através de uma série especial no canal de notícias por assinatura Crónica TV. Pipo Mancera faleceu em 29 de agosto de 2011, aos 80 anos de idade. O jornal Clarín o definiu como “uma lenda da TV argentina” e recordista de audiência.

DON FRANCISCO: SABADO GIGANTE

Don Francisco, nome artístico de Mario Kreutzberger Blumenfeld, nasceu em 1940 na cidade de Talca, Chile. Seu interesse pelo mundo artístico começou quando ainda era jovem, dedicando-se ao teatro e à animação de festas da comunidade judaica. Após alguns anos trabalhando com seu pai, que era alfaiate, foi para Nova Iorque estudar moda. Foi no pequeno quarto do hotel onde se hospedou, que Mario assistiu TV pela primeira vez na vida. Enquanto estudava, buscava mais conhecimentos

sobre TV e, quando regressou ao Chile, buscou aplicar em sua terra natal aquilo que havia visto nos Estados Unidos. Ele tinha ficado especialmente fascinado com os programas de auditório, repletos de prêmios, luzes e animação. A televisão chilena começou em 1957 e os primeiros canais foram operados pelas principais universidades locais. Somente em 1962, quando o Chile promoveu a Copa do Mundo, é que a TV recebeu maior impulso e começou a se tornar uma mídia efetivamente popular. Foi nessa época que Don Francisco começou a sua luta para ingressar na televisão e, após muito insistir, conseguiu um pequeno espaço aos domingos no Canal 13 de Santiago, controlado pela Pontificia Universidad Catolica de Chile. Pouco tempo depois, foi transferido para o sábado: dia da semana em que a televisão nem fazia transmissões. Foi quando nasceu Sabados Gigantes: um programa que começou pequeno, mas que a repercussão popular e as demandas comerciais fizeram crescer. Don Francisco, aliás, foi um pioneiro da publicidade na TV chilena, quando ela ainda não era permitida explicitamente, pois se tratava de uma atividade universitária. Desde os primeiros tempos, os jogos e concursos compõem a base do programa. No começo, os prêmios eram modestos. Somente a partir dos anos 1970 é começaram a ser sorteados casas e automóveis, que acabaram se transformando numa atração à parte. O quadro há mais tempo no ar se chama La Cámara Viajera. Nele, Don Francisco registra paisagens e personagens marcantes dos mais diversos lugares. Já foram apresentadas mais de 1.500 reportagens, gravadas em quase 130 países. Assim como para a maioria dos profissionais na América Latina, a televisão estadunidense também servia de inspiração para Don Francisco, quando queria elaborar novos segmentos para o programa. Em sua autobiografia Entre la Espada y la TV (Grijalbo Mondadori, 2001), o animador fala sobre isso: Viajaba con lápiz y papel en mano, ya que no existía aún el recurso del video. Necesitaba recorrer cuanto mercado del espectáculo existiera. Visité infinidad de bibliotecas, y llegué a ser un estudioso de la televisión. Compraba libros y todo tipo de materiales. Vi mucha televisión en Estados Unidos porque lá consideré la más entretenida de todas. Hubo países en cuyos hoteles (donde me hospedaba) los empleados llegaron a pensar que estaba loco porque pedía dos televisores en la pieza para ver dos programas a la vez, mientras anotaba en un cuaderno todo lo interesante y novedoso que me salía al paso. Después de esos viajes de fraternal “pirateo”, o sea de copia no autorizada, nuestra tarea – que hacíamos bastante bien – consistía en adaptar aquella idea traída desde el extranjero a la realidad del programa, del público y de Chile. La modificábamos conforme a nuestras posibilidades técnicas, económicas y de tiempo. No existía aún esa infinidad de limitaciones legales que hoy rigen con respecto a la propriedad intelectual. De ahí que hubo varias personas que me apodaron “guatón copión”. 2

A título de complementação, vale citar outro animador que também escreveu sobre o uso da TV estadunidense como referência: J. Silvestre, que também comandou programas do formato ônibus. Silvestre vai um pouco além de Don Francisco e recomenda a ida aos estúdios e o contato com os produtores para a compra de formatos. Não é fácil criar novas ideias na televisão e mais difícil ainda na apresentação. […] A 2

BLUMENFELD,

Mario K. Don Francisco: entre la espada y la TV. Cidade do México: Grijalbo Mondadori, 2001, p. 41.

falta de quem cubra essa lacuna – e sentirá essa falta – trate de supri-la com conhecimento pessoal. Faça o que muitos já fizeram. Tome um avião e vá aos Estados Unidos. Um novo horizonte se descortinará diante dos olhos, com mil e uma ideias, ainda não utilizadas, com dezenas e dezenas de apresentadores, para todos os gostos e em todos os estilos. […] E se essa é a solução que lhe serve, não se limite a ficar assistindo aos programas que lhe interessam, num quarto de hotel. […] Vá aos estúdios, veja como são feitos, como são gravados. Surpreender-se-á ao descobrir que a maioria dos efeitos é executada “à mão” mesmo, sem nada eletrônico. […] E aproveite para entrar em contato com os produtores. Eles adorarão dar-lhe todos os detalhes, em troca dos royalties que estiver disposto a pagar.3

Nos anos 1980, Don Francisco fez o caminho inverso e, ao invés de importar formatos, resolveu internacionalizar Sabados Gigantes. Após algumas sondagens, foi fechado um acordo com o canal 23 de Miami, hoje Univision, e, em 1986, foi lançado um novo Sabado Gigante4, produzido e gravado nos Estados Unidos. A partir de então, Don Francisco passou a apresentar dois programas de longa duração em dois países diferentes, disparando um processo de desgaste de sua saúde e de sua vida familiar. Os primeiros tempos foram realmente difíceis: o canal 23 era pequeno, mal possuía os recursos técnicos necessários e seus profissionais não eram qualificados. Além disso, Don Francisco, apesar de ser o nome mais popular da televisão chilena, não era conhecido por ninguém em Miami. Para gerar maior interesse pela atração, teve de dividir o comando do seu próprio programa com o ator cubano Rolando Barral. A situação começou a melhorar quando integrantes do Canal 13 de Santiago foram chamados para auxiliar nas áreas técnica e de produção da versão estadunidense de Sabados Gigantes. Logo, a audiência subiu e o programa ampliou sua cobertura, passando a ser transmitido de costa a costa dos Estados Unidos e em outros países da América. Numa tentativa de reduzir o tempo gasto com as constantes viagens, chegou-se a fazer uma fusão dos programas chileno e estadunidense. Passou-se a ter uma única edição, 50% gravada em Miami, 50% gravada em Santiago. Certamente, esta foi uma das experiências mais inusitadas da história da televisão mundial. Para conseguirlo hubo que contar con dos escenografías exactamente iguales, una en cada país, con el objeto de que, con un buen trabajo de laboratorio, al pegar ambas mitades nadie notara la sutura. Los vestuarios eran similares y para no tener duda alguna de lo que estábamos haciendo, cruzábamos fotografías entre un estudio y otro a fin de que también los peinados, pañuelos y detalles de quienes aparecíamos en pantalla lucieran semejantes. Los estudios estaban equipados con iguales graderías, y lo mismo ocurría con los asientos y micrófonos. Esta característica del doble escenario resultó tan singular que apareció registrada en el Libro Guinness de los Records.5

Apesar de todo o esforço, a experiência não deu certo e foi mal recebida, principalmente, pelo fiel público chileno, que viu seu mais tradicional programa de TV perder as características locais. Em 1992, Sabado Gigante deixou de ser gravado em Santiago e passou a ser totalmente realizado nos Estados Unidos. Através de Don Francisco, bordões como “¿Como dice que dijo? ¡Sabado Gigante!”, músicas como “Así, así/Como mueve la colita/Si no la mueve/La tiene 3 SILVESTRE, J. Como vencer na televisão. Rio de Janeiro: Record, 1977, p. 150-151. 4 O nome da atração foi alterado para o singular pois dizia-se que a comunidade cubana, dominante na Flórida, não possuía o hábito de pronunciar a 's' ao final das palavras. 5 BLUMENFELD, Mario K. Op. cit, p. 170.

tapadita”, personagens como El Chacal de la Trombeta e artistas até então novatos como Enrique Iglesias e Thalía tornaram-se conhecidos pelos falantes de espanhol em todo o continente americano. Hoje, Sabado Gigante segue sendo transmitido pela Univision: rede aberta de TV que, mesmo tendo programação 100% em espanhol, alcança mais audiência que os tradicionais canais em inglês em vários horários e targets importantes. Além disso, emissoras de mais de quarenta países, inclusive o Chile, retransmitem o VT de Sabado Gigante, alcançando de mais de 100 milhões de pessoas. Em 2012, o programa comemorou 50 anos no ar com uma festa de gala nos Estados Unidos e uma série de 4 edições especiais em Santiago, no mesmo estúdio em que o antigo Sabados Gigantes era gravado.

RAÚL VELASCO: SIEMPRE EM DOMINGO

Durante grande parte dos anos 1950 e 1960, a televisão mexicana foi dominada pela empresa Telesistema Mexicano ( TSM). Controlada por Emilio Azcárraga Vidaurreta, conhecido como El León, TSM administrava os três únicos canais comercias de TV existentes na Cidade do México: 2, 4 e 5. O panorama começou a se transformar a partir da fundação, em 1965, da Televisión Independiente de México (TIM). Tendo iniciado as suas atividades na cidade de Monterrey e logo se expandindo para outras regiões, inclusive o Distrito Federal, a TIM conseguiu ter sucesso ao apostar em profissionais e formatos que não tinham espaço na gigante concorrente. Foi na TIM, por exemplo, onde Roberto Gómez Bolaños lançou sua criação mais famosa: El Chavo del 8, conhecido no Brasil como Chaves. Outra inovação da TIM foi ter levado o formato ônibus para o México, onde ficou conhecida como el concepto ferrocarril. Alguns autores, inclusive, consideram ter sido essa a maior inovação introduzida pela emissora dentro da televisão mexicana. Inspirados no sucesso do argentino Sabados Circulares de Mancera, a programação de fim de semana foi dominada pelos programas de longa duração. El Canal 8 [TIM da Cidade do México], ayudado por el ejecutivo argentino José María Domeneche, creó dos de estos programas: Sábados de la Fortuna con Luis Manuel Pelayo como conductor, que duraba nueve horas, y Domingos Espectaculares, conducido por Neftalí López y con una duración de ocho horas. Sábados... tenía más elementos de concursos, premios en efectivo y regalos para el hogar como refrigeradores; mientras que Domingos... incluía reportajes sensacionalistas y más música y comedia. Después de algunos meses, López, quien presentó por primera vez a la comediante conocida como La India María, fue despedido por pasar al aire una entrevista crítica del presidente Díaz Ordaz. Las funciones de conducción quedaron más tarde en manos de un periodista de 36 años, Raúl Velasco. 6

Raúl Velasco nasceu em Celaya, Guanajuato, em 24 de abril de 1933. Construiu uma extensa carreira como jornalista, especializando-se na cobertura do mundo dos espetáculos. Logo que Velasco assumiu a apresentação de Domingos Espectaculares, o programa passou a bater recordes de audiência. Atrações circenses, musicais, danças e, inclusive, reportagens jornalísticas eram as principais atrações. Nas esquetes humorísticas, o animador não se furtava de participar, mesmo não sendo ator e fazendo, 6

FERNÁNDEZ,

Claudia; PAXMAN, Andrew. El Tigre: Emilio Azcárraga y su imperio Televisa. Cidade do México: Grijalbo Mondadori, 2000, p. 182-183.

muitas vezes, papel de tonto. Velasco resolveu sair da TIM quando o chefe de programação do canal, José María Domeneche, quis transformar Domingos Espectaculares num programa de concursos. Enquanto voltava a escrever para El Heraldo de México, o animador pedia um novo espaço na TV para Emilio Azcárraga Milmo, herdeiro da TSM. En años anteriores, en varias ocasiones había pedido a Azcárraga le diera un programa, pero siempre se topaba con una respuesta burlona: “Tú no eres para televisión, ¡tienes una voz horrible! Eres un güerito de lentes, ¿a quién le vas a interesar?”. Pero los ratings eran los ratings. Azcárraga no era tan orgulloso como para no cambiar de opinión. 7

Finalmente, em 13 de dezembro de 1969, estreou Siempre em Domingo, que fez história no canal 2, o mais importante da TSM. Com sete horas de duração, o programa herdou basicamente o mesmo cardápio de atrações do antigo Domingos Espectaculares, incluindo até comentários esportivos. A diferença ficou no maior espaço dedicado à música jovem. A atração foi responsável pelo lançamento e divulgação de vários artistas, principalmente aqueles que pertenciam ao cast da Televisa: grupo formado pela fusão da TSM com a TIM em 1972. Um dos segmentos mais lembrados de Siempre en Domingo é México, Magia y Encuentro, apresentado até 1984. Nele, Velasco buscava valorizar a cultura mexicana, principalmente a música. Servia até como contraponto aos sucessos estadunidenses que constantemente eram recebidos no programa. Siempre en Domingo saiu do ar em 19 de abril de 1998, por decisão do próprio Raúl Velasco, que sofria cada vez mais com a Hepatite C. Ele viria a falecer em 2006, na Cidade do México, aos 76 anos.

AMADOR BENDAYÁN: SABADO SENSACIONAL

A versatilidade e a inteligência eram qualidades muito elogiadas do venezuelano Amador Bendayán, nascido em 11 de novembro de 1920. Entre as décadas de 1950 e 1960, Amador construiu uma sólida carreira como humorista no cinema e no rádio, o que despertou, em 1968, o interesse da Radio Caracas Televisión (RCTV) em tê-lo como apresentador de um programa de auditório de longa duração: Sabado Espetacular. O sucesso chamou a atenção da concorrência e, em 1971, Amador Bendayán transferiu-se para Venevisión. A partir do ano seguinte, passou a comandar o programa ônibus que se tornou uma das maiores audiências da televisão na América Latina: Sabado Sensacional. A atração ficou famosa por receber muitos convidados internacionais, num claro aproveitamento do bom momento econômico que a Venezuela viveu durante os anos 1970. Nessa época, participaram artistas como Donna Summer, The Jackson 5, Barry White e o ator John Travolta, na época do filme Os Embalos de Sábado à Noite. Depois de mais de quinze anos comandando ininterruptamente seu programa, Amador começou a sentir os efeitos do fumo, da diabetes e do excesso de trabalho. Suas ausências tornaram-se cada vez mais frequentes e o comando da sua maratona televisiva ficou cada vez mais difícil. Para ajudá-lo nessa tarefa, Napoleón Bravo, Miriam Ochoa e Gilberto Correa começaram a se revezar na condução dos quadros, enquanto o animador titular permanecia no hospital. Neste período, ficou popular o lema “¡Ânimo Amador!”, 7 Ibidem, p.186.

que era cantado por todo o público a fim de motivar o apresentador a se recuperar. Quando sentia que já não possuía mais forças para continuar, Amador chamou Ricardo Peña, produtor-executivo do Sabado Sensacional e grande amigo pessoal, para redigir uma carta de despedida endereçada ao público venezuelano. Esta mensagem foi lida ao vivo por Gilberto Correa no sábado seguinte à morte de Amador Bendayán, ocorrida em 4 de agosto de 1989, e comoveu todo o país. Seu grande legado, além da TV, foi a criação da Fundación Casa del Artista: instituição originalmente destinada para, através de um orfanato e um asilo, oferecer melhores condições de vida aos mais necessitados. Desde a morte de Amador, Sabado Sensacional teve três apresentadores: Gilberto Correa, Daniel Sarcos a partir de 1997, e Leonardo Villalobos desde 2010. Em 1990, o nome do programa foi alterado para Super Sabado Sensacional.

SILVIO SANTOS: PROGRAMA SILVIO SANTOS

Silvio Santos, cujo nome de batismo é Senor Abravanel, nasceu em 12 de dezembro de 1930, na cidade do Rio de Janeiro. Começou a trabalhar como camelô aos 14 anos de idade e, indicado por um ‘rapa’, o policial encarregado de prender vendedores ambulantes, fez um teste na Rádio Guanabara e tirou o primeiro lugar. A partir daí, simultaneamente com a sua evolução como vendedor, Silvio foi ganhando novas oportunidades no meio artístico. Depois de ajudar Manoel de Nóbrega a recuperar o Baú da Felicidade, Silvio Santos tornou-se dono da empresa e seu principal garoto-propaganda. Esse empreendimento, somado ao sucesso no rádio, fizeram com que ele chegasse à TV e estreasse seu primeiro programa: Vamos Brincar de Forca. Conforme foi dito no início deste artigo, o Programa Silvio Santos nasceu em 2 de junho de 1963, na TV Paulista, atual TV Globo São Paulo. Ele inaugurou a faixa do meio-dia na emissora, que até então entrava no ar somente no fim da tarde. Um ano depois, a atração já durava mais de quatro horas. Mesmo que debaixo de um mesmo título na programação, o público via nessa maratona dominical uma sequência de programas com nomes, cenários e andamentos muito diferentes entre si. Havia segmentos para todos os gostos: de brincadeiras infantis (Domingo no Parque) até relacionamentos amorosos (Namoro na TV, Em Nome do Amor), passando por sorteios (Pra Ganhar é Só Rodar, Festival da Casa Própria), gincanas (Qual é a Música?, Cidade Contra Cidade), calouros (Cuidado com a Buzina, Show de Calouros), musicais (Os Galãs Cantam e Dançam na TV, Viva o Samba, Vamos Nessa) e até reality shows (Casa dos Artistas, O Grande Perdedor). Alguns pesquisadores chegam a afirmar que Silvio Santos já apresentou em torno de 120 atrações diferentes em sua carreira. Muitos deles foram trazidos do exterior. Em entrevista para a revista Cartaz, publicada em 27 de julho de 1972, Silvio falou de suas impressões sobre um programa de longa duração que assitiu no Japão: Na TV japonesa, existe também um programa aos domingos, de longa duração (vai das 10 da manhã às 11 da noite), mas não é com um só apresentador. São muito comunicativos, mas não têm qualquer sofisticação. O esquema do programa é muito semelhante aos nossos: calouros, concursos, brincadeiras, auditórios etc. Mas ninguém se preocupa muito com a possibilidade de errar em cena, parece que o programa é feito intencionalmente para dar a ideia de uma coisa amadora, doméstica, como se tudo que está no vídeo estivesse acontecendo na sua sala. Eu vi, por exemplo, esta cena: o apresentador diante da câmera, a anunciar os números do programa; de repente, passa

um cara por trás dele, que não tem nada a ver com o que está sendo mostrado. Mas isto não cria qualquer problema: o apresentador continua falando como se nada tivesse acontecido. 8

Para realizar a sua maratona televisiva, Silvio Santos contava com uma imensa estrutura já no início dos anos 1970, conforme ele mesmo contou: Hoje estamos fazendo 9 horas no canal 5 [TV Globo São Paulo], estamos fazendo mais 3 horas às quintas-feiras no canal 4 (Tupi de S. Paulo), e mais 2 horas aos sábados na Rede Tupi de TV; animadas pelo meu irmão Léo. Então, hoje já temos, de programação ao vivo, 14 horas, que é mais do que a programação ao vivo de qualquer outra emissora brasileira. Então, que aconteceu? Começamos a ter cenógrafos, bailarinas, desenhistas, cameraman, boom-man. Criamos o melhor guarda-roupas do Brasil. Nem a Globo tem um guarda-roupa como o nosso. Precisávamos de carpinteiros, eletricistas, marceneiros, serralheiros para fazer os cenários dos nossos programas. Então fomos obrigados a alugar os estúdios da Vila Guilherme, onde era o estúdio da TV Excelsior, canal 9, com uma área de 4.000 mts quadrados. Lá existe tudo o que uma emissora de televisão tem, só falta o canal.9

E o canal chegaria em 1975, quando o Grupo Silvio Santos recebeu a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro. A inauguração da TV Studios Silvio Santos (TVS) se deu em 14 de maio de 1976. Mesmo contando com uma base no bairro carioca de São Cristóvão, a direção e praticamente toda a produção do novo canal ficava concentrada em São Paulo, usando a estrutura responsável pela produção do Programa Silvio Santos. O trabalho seguiu dessa forma atá 1981, quando nasceu oficialmente o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e a cabeça de rede passou para a capital paulista. Dentro da sua própria rede de TV, Silvio Santos passou a ficar mais tempo no ar. Em consequência do excesso de trabalho, o animador enfrentou problemas de saúde e teve de dividir o comando da sua maratona com Gugu Liberato. Na antológica edição de 21 de fevereiro de 1988 do Show de Calouros, Silvio, após um autoexílio em Boston, chegou a anunciar que até pararia de fazer programas de TV. Eu vou fazer 58 anos em dezembro. Nesta temporada de 88, eu vou fazer 5 horas e o Gugu 4. Na temporada de 89, eu faço 59 anos, eu faço 3 horas e o Gugu 6. Na temporada de 90, eu faço 60 anos, eu faço 1 hora, 1 hora e meia do Baú, e o Gugu faz o restante. Em 91, quando eu completar 60 anos, ao entrar no 61, eu vou fazer Miss Brasil, Troféu Imprensa e mais alguns shows pra satisfazer a minha vaidade de homem de televisão. Paro. Não quero mais. 10

Esse plano de transição nunca foi executado. É verdade que Gugu assumiu parte importante do Programa Silvio Santos e ganhou ainda mais destaque a partir de 1993, quando nasceu o Domingo Legal. Silvio, porém, continuou permanecendo muitas horas no ar, mais concentradas na faixa noturna. Dividindo o comando, o Programa Silvio Santos acabou ficando ainda maior e chegou a ter mais de 12 horas de duração. Para produzir tudo isso, foi adotada uma dinâmica de trabalho sui generis. O caso do “Programa Silvio Santos” é exemplar: gravado em blocos, conforme a 8

LIMA,

Wadimir T. Ele é o maior. Cartaz, Rio de Janeiro, 17 ago. 1972. Disponível em: . Acesso em 13 jan. 2013. 9 SILVA, Arlindo. A vida espetacular de Silvio Santos. São Paulo: L. Oren, 1972, p. 75. 10 SHOW de Calouros. Apresentação de Silvio Santos. São Paulo: SBT, 21 fev. 1988. 1 DVD (120 min), color.

disponibilidade do animador e a alocação dos horários do teatro, ele é transmitido, durante dez horas, como se fosse um único programa. Um truque: em todos os segmentos que irão ao ar no mesmo dia, Silvio Santos usa o mesmo terno. Nos quadros em que é substituído por Gugu, anuncia o apresentador, como se estivesse ali, aguardando a sua entrada em cena. O auditório muda, mas o espectador não percebe. As interrupções da gravação, entre um segmento e outro, ou as demoras de tempo entre os blocos, são suprimidas, dando a impressão de que o programa se desenrola, durante todo o domingo, em tempo real. 11

Somente nos anos 2000 é pode que ser claramente notada uma redução da presença de Silvio Santos no vídeo. Em 2008, seu programa ganhou um novo formato, com duração de quatro horas e todo apresentado num mesmo cenário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os programas ônibus continuam existindo em todo o mundo, alcançando grandes audiências. Mas eles já não são mais os mesmos. A maioria não é transmitida ao vivo, acabando com aquilo que distingue um verdadeiro comunicador: o improviso. As plateias grandes e participativas foram trocadas por um conjunto menor de pessoas, sendo muitos contratados somente para embelezar o cenário. No caso específico do Brasil, esse processo ocorreu em paralelo à transferência do local de gravação dos programas: de teatros com fácil acesso, como o Silvio Santos e o Fênix, para complexos fechados, como a Anhanguera e o Projac. Já é difícil encontrar programas de 8 ou 10 horas de duração na TV. É possível notar que as emissoras, mesmo as não-segmentadas, vem lançando cada vez mais atrações voltadas para nichos bastante específicos, a fim de atender audiências e anunciantes diferenciados. Hoje, os programas mais longos ficam, em média, 4 horas no ar e tem usado praticamente as mesmas armas: algumas gincanas, quadros com tom assistencialista e adaptações mais enxutas de reality shows internacionais. Os musicais, que sempre foram um dos alicerces desse tipo de atração, praticamente desapareceram. Mesmo com todas essas mudanças, esses grandes programas de variedades ainda cumprem um papel fundamental: conseguem reunir toda a família em torno da televisão, presas pelo forte aspecto humano desse tipo de atração. O público se identifica com a expectativa de alguém que pode ganhar uma casa inteiramente reformada, com o artista que relembra passagens da sua vida ou com as situações insólitas de uma videocassetada. E, acima de tudo, identifica-se com o animador e sua imprescindível simpatia. Como escreveu J. Silvestre, “nenhuma atividade na televisão tem a força e o prestígio da apresentação. […] E isso ganha uma dimensão diferente porque esse resultado reverte em benefício, não de um tipo criado pela imaginação de um autor, mas da própria pessoa, transformando-a num ídolo de dimensão acima do normal.”12

11

MIRA,

Maria Celeste. Circo eletrônico: Silvio Santos e o SBT. São Paulo: Edições Loyola; Olho D'Água, 1994, p. 206-207. 12 SILVESTRE, J. Op. cit., p. 139.

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