Mosteiro de Ermelo, Arcos de Valdevez. Uma pequena Comunidade junto ao Rio Lima.

July 24, 2017 | Autor: Sandra Nogueira | Categoria: Medieval Church History, Arqueología, Patrimonio Cultural
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SEPARATA

Mosteiros Cistercienses História, Arte, Espiritualidade e Património

TOMO I

DIRECÇÃO José Albuquerque Carreiras

Actas do Congresso realizado em Alcobaça nos dias 14 a 17 de Junho de 2012

ALCOBAÇA 2013

MOSTEIRO DE ERMELO, ARCOS DE VALDEVEZ. UMA PEQUENA COMUNIDADE CISTERCIENSE JUNTO AO RIO LIMA SANDRA SILVA NOGUEIRA

1. Introdução A igreja de Ermelo (classificada como Monumento Nacional desde Setembro de 1977) e as ruínas do que ainda hoje resta da zona claustral do cenóbio, constituem um dos mais interessantes casos da arte românica portuguesa, discutindo-se quer a história do conjunto monacal, de que se conhece muito pouca documentação, quer a cronologia da obra que sobreviveu até hoje. A realização de trabalhos arqueológicos nos anos de 2010 e 2011 proporcionou a oportunidade de nos debruçarmos sobre o monumento e justificou a elaboração do presente texto, que se pretende seja mais um contributo para o aumento de conhecimento da sua história. Iniciamos com uma breve contextualização geográfica do mosteiro,seguida de uma síntese da sua história, com base na escassa documentação conhecida e nos estudos existentes. Dedicamos a parte central do nosso trabalho à apresentação dos principais resultados proporcionados pela intervenção arqueológica e, cruzando com a leitura estratigráfica dos alçados e da decoração arquitetónica, ensaiamos uma interpretação da evolução construtiva do edificado. 2. Do Sítio O Mosteiro de Ermelo localiza-se na freguesia com o mesmo nome, concelho de Arcos de Valdevez, distrito de Viana do Castelo. A freguesia de Ermelo estende-se em

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Arqueóloga. Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo I, 269-283.

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anfiteatro pela vertente sul da Serra da Peneda, a sudoeste da Serra do Soajo. É um espaço de morfologia contrastante, pontuado por promontórios e alvéolos aplanados densamente recortados por linhas de água (Fig. 1). O mosteiro implanta-se na base da vertente, junto à margem direita do Rio Lima, num espaço enquadrado pela Ribeira da Ponte, a este da povoação, onde existe uma ponte do séc. XVI, precisamente no caminho antigo que liga Ermelo a Soajo, e pelo mais pequeno ribeiro que corre desde a Cumieira, a oeste, que passa muito próximo dos terrenos contíguos às ruínas do edifício monacal (Figs. 2 e 3).

Fig. 1. Igreja de Ermelo, Arcos de Valdevez

Fig. 2 e 3. Localização da freguesia de Ermelo na C.M.P. 1:25000, folha nº 17 270

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Ermelo localiza-se na região do Alto Minho, que está inserida na parte Central do Maciço Hespérico que “é constituído por xistos argilosos, xistos calcários, mármores, grauvaques, quartzitos, filites, micaxistos, derrames diabásicos e porfíricos, atravessados por possantes intrusões dioríticas e, sobretudo, graníticas”1.O espaço em estudo situa-se entre as Serras do Soajo e da Peneda, que se elevam, respetivamente, a 1373 e 1416 m de altitude, entre vales de fratura de orientação ENE - OSO, nos quais correm encaixados os Rios Minho e Lima. A disposição dos relevos do Alto-Minho permite a penetração das influências marítimas e facilita a muitas terras dos vales uma razoável defesa e abrigo dos ventos do norte e noroeste. Assim, apresenta as melhores condições para os cultivos da Primavera e de Verão e em alguns casos, em alvéolos com boa exposição solar, para o cultivo da vinha, da oliveira e da laranjeira, como podemos observar em Ermelo. Ermelo caracteriza-se ainda por um povoamento muito concentrado na envolvente da igreja. Contudo, a partir da construção do cemitério local em 1915 terá começado a dispersar-se. Processo também favorecido pelo facto de ter aumentado a construção de moradias pertencentes aos emigrantes, o que exige mais espaço. A população de Ermelo encontra-se envelhecida, sendo a média etária dos seus habitantes de cerca de 70 anos de idade. Dedicam-se à agricultura, de que se destaca a produção de laranja – já patenteada e conhecida por “Laranja de Ermelo”, exportada em grande parte para a vizinha Espanha. Também se dedicam à criação de gado caprino e bovino. A maioria da população mais jovem está emigrada, regressando à freguesia nos meses de verão.

3. Da História do Mosteiro de Ermelo Ao contrário de outros mosteiros, não foi possível, por circunstâncias diversas, conservar aquilo que seria o arquivo próprio do mosteiro de Ermelo. Apesar da referida escassez documental, a sua história mereceu a atenção de diversos investigadores, de cujos trabalhos recolhemos os apontamentos que se seguem. Não existem certezas quanto à data de fundação do Mosteiro de Santa Maria de Ermelo. A primeira referência histórica ao mosteiro de Ermelo aparece nas Inquirições de 1220, mandadas executar por D. Afonso II no Julgado de Valdevez, em que as testemunhas referem que a rainha D. Teresa doou a sua terra reguenga de S. Martinho de Britelo, em Ponte da Barca, ao Mosteiro de Ermelo2.

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RIBEIRO, Orlando e LAUTENSACH, Herman, Geografia de Portugal. A Posição Geográfica e o Território, (organização, comentários e atualização de Suzanne Daveau), Edições João Sá Costa, 6ª Edição, Lisboa, 2004, Vol. 1, p. 8. AZEVEDO, Rui Pinto, Documentos Medievais Portugueses - Documentos Régios, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1962, Vol. I, Tomo II, p. 517. 271

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Terá sido fundado no séc. XII pelos Beneditinos na freguesia de S. Pedro dos Arcos, atual freguesia de S. Pedro do Vale e mais tarde deslocado para a freguesia de Ermelo. Esta teoria adquiriu importância após publicação do estudo de uma inscrição funerária de um confrade, D.Ordonho, descoberta em 1902 por Félix Alves Pereira, numa casa na atual freguesia de S. Pedro do Vale, antiga freguesia de S. Pedro dos Arcos. Este autor data esta inscrição do séc. XII3. Mário Barroca, tendo estudado a mesma inscrição, propõe a sua datação crítica em torno da segunda metade do séc. XII, reafirmando que Ordonho estaria ligado a uma instituição monástica que se terá erguido em S. Pedro dos Arcos e mais tarde foi deslocada para Ermelo4. Seja como for, a implantação de um mosteiro em Ermelo, a par da fundação dos mosteiros de Santa Maria de Fiães, em Melgaço, Santo André de Gondomar, em Vila Verde, Santa Maria de Bouro, em Amares e Santa Maria das Júnias, em Montalegre, parece entender-se melhor no contexto da estratégia de consolidação de territórios na zona da fronteira minhoto-galaica, empreendida pela coroa portuguesa ao longo de todo o século XIII (Fig. 4). No decorrer do séc. XIII a comunidade terá adotado a Observância Cisterciense, da Regra de S. Bento, possivelmente aquando da filiação ao Mosteiro de Fiães, em Melgaço. Segundo as Inquirições de 1220 e 1258, foi coutado por D. Teresa e por D. Afonso

Fig. 4. Mosteiros da zona fronteiriça minhoto-galaica, no século XIII

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PEREIRA, Félix Alves, «Epigraphia Christiano-Latina. Uma Inscripção inédita», O Archeologo Português, 1ª Série, 1902, Lisboa, Vol. VII, pp. 81-97. BARROCA, Mário Jorge, Epigrafia Medieval Portuguesa (862- 1422), Dissertação de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Fundação Calouste Gulbenkian/ Fundação Ciência e Tecnologia, Lisboa, 2000, Vol. II, pps.592-598. 272

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Henriques. Era Padroado Real. Por sua vez, os reis D. Afonso II e D. Afonso III contemplaram o mosteiro nos seus testamentos, em 1221 com 100 morabitinos e em 1271 com 50 libras, respetivamente. Entre os anos de 1220 e 1258, o Mosteiro de Ermelo possuía quatro casais na freguesia de S. João de Vila Chã, um na freguesia de Santiago e alguns bens na freguesia de Santa Asias, todas no concelho de Ponte da Barca5. Em 1320 terá sido taxado em 200 libras, sendo à altura uma situação económica regular6. Contudo, a sobrevivência do mosteiro acabou por sofrer com a crise e recessão geral do século XIV. Às más condições climatéricas dos fins do séc. XIII juntaram-se maus anos agrícolas provocando fomes por toda a Europa. Com a vulnerabilidade física das pessoas mais rapidamente se propagou a Peste Negra, que terá matado milhares de pessoas por toda a Europa. Portugal sofreu também com a crise social e demográfica provocadas pela fome e a epidemia, bem como com a crise política provocada pelo Interregno, devido à morte de Fernando I, em 1383 e ao facto de a sua única filha, D. Beatriz, estar casada com D. João I de Castela. Para tentar remediar a situação de precariedade provocada pela crise, o abade de Ermelo, D. Frei João Martins pediu ao monarca D. João I que anexasse as igrejas de Britelo e Soajo ao mosteiro de Ermelo, o que veio a ser feito em 13887. Todavia, a anexação não se deve ter concretizado ou não resultou, pois em Novembro de 1441 é consignado o auto de extinção e redução do mosteiro cisterciense de Santa Maria de Ermelo a igreja paroquial. Esta situação deverá ter-se mantido por pouco tempo, pois Ermelo volta a aparecer como Mosteiro, ao qual D. Manuel I confirma, em 1497, todas as honras, mercês e privilégios outorgados pelos seus antecessores8. E no Tombo de 1502 registam-se os seus limites9 (o couto passaria por terras do

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COSTA, Avelino Jesus da, «Imagens, Templos e Mosteiros de S. Bento na Terra de Valdevez», Terra de Val de Vez, nº 3, IIº Semestre, Arcos de Valdevez, 1981, p. 34. IDEM, «A Comarca Eclesiástica de Valença do Minho. Antecedentes da diocese de Viana do Castelo», Actas do I Colóquio Galaico-Minhoto, Câmara Municipal de Ponte de Lima, Ponte de Lima, 1981, vol. 1, p. 115. ANDRADE, Amélia Aguiar (Coord.), Valdevez Medieval, Documentos, Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, Arcos de Valdevez, 2000, Vol. II, doc. Nº 59, pp. 108-110. BARREIROS, Manuel Aguiar, Egrejas e Capelas Românicas da Ribeira Lima, Marques Abreu, Porto, 1926, pp. 75-76 Arquivo Distrital de Braga (ADB), Colegiada de Valença, 65, Mç. 3, Tombo do Mosteiro de Ermelo: Título da demarcação / e da delimitação do couto / e freguesia do mosteiro de Santa / Maria d'Ermello [Ermelo] Item. Se começa couto e freguesia do dito mosteiro nas Lageas [Lajes] das Cruzes / e dali vai ter ao Rio do Porto das Lapas, e dali por / o Rio de Cornaçã acima [a]o Porto da Carvalha e dali / a Lama do Sallgueiro [Salgueiro] de Mosqueiiros [Mosqueiros]; então vai por / a metade da aldeia de Mosqueros [Mosqueiros] acima [a]o céu(? ) do monte /e dali às cruzes do Mizioo [Mezio] parte com Cabana Maior e / dá-la(? ) a Cabeça do Grão(?); e ali parte com São Pedro d'Arcos; / e dali por o marco do Luzoo [Luso]; e dali à Cabeça do Lião [Leão]; / e dali parte com São Jorge; e dali vai ter / a Villarinho [Vilarinho] de Garção; e dali o direito por cima dos / outeiros e desce outra vez à Lagea [Laje] das Cruzes; e dali vai-se por enxurreira abaixo; e vai se meter / no poço de Tamente no Rio de Lima.” 273

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Fig. 5. Limites do couto do Mosteiro de Ermelo

Soajo, subia ao cume do Mezio, daí descia por terras de Cabana Maior, S. Jorge e Vilarinho de Garção, seguindo pelo Rio Lima até ao Mosteiro) (Fig.5). Neste mesmo tombo é referido que grande parte das terras do couto estavam ermas, podendo assim explicarse a pobreza deste mosteiro. Não obstante a confirmação manuelina e posterior anexação da Igreja de S. Pedro do Vale, a vida do mosteiro continuou muito precária, sobretudo por ter sido entregue a abades comendatários, tal como aconteceu com outros mosteiros em Portugal. Quando em 1533 D. Edme de Saulieu, Abade Geral de Claraval, visitou o Mosteiro do Ermelo, encontrou-o sem religiosos e em péssimo estado, pois não tinha rendimentos nem condições para um único frade. Assim sendo, o Abade geral mandou suprimilo juntamente com os mosteiros de Tomarães e Estrela, que também não possuíam rendimentos. Contudo, só em 1581 o abade comendatário de Ermelo é que desistiu do mosteiro em favor de Alcobaça, ficando os bens deste cenóbio anexos ao Colégio Universitário de S. Bernardo de Coimbra10.

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COSTA, «Imagens, Templos e Mosteiros de S. Bento na Terra de Valdevez», cit., p. 35. 274

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Parece que a extinção não surtiu efeito, pois em 1632 ainda se conhece uma carta de confirmação de Francisco Barreto Meneses como abade do Mosteiro de Ermelo e sua anexa Senhora do Vale11. Esta situação poderá explicar que durante os séculos seguintes a igreja tenha sido objeto de algumas obras de reparação, dentro da política da reforma dos mosteiros, sendo executadas intervenções nos telhados, colocação do coro alto e campanhas de pinturas de frescos. No entanto, o espaço monacal foi ocupado por famílias e seus animais, o que terá acelerado a destruição do local. Durante a existência do mosteiro este foi alvo de quezílias entre nobres e o rei sobre a quem pertencia o padroado e entre monarcas e clero devido à apresentação de abades, o que se pode perceber pela observação de vários tombos12. Existe uma clara evidência que o cenóbio foi projetado como local de vivência em comunidade, segundo a regra de S. Bento. Foi uma comunidade reduzida, muito pobre, devido essencialmente à falta de rendas para o seu sustento, situação agudizada pelas quezílias de que era alvo por parte dos senhores do Soajo e Ponte da Barca e os monarcas e entre o Mosteiro de Fiães e o poder régio. A igreja que ainda hoje vemos e as ruínas do claustro do mosteiro foram-se conservando devido à boa vontade da população local, aliada à forte peregrinação que durante todo ano acorre a fazer os seus pedidos e a pagar as suas promessas a S. Bentinho de Ermelo.

4. Das Intervenções Arqueológicas No âmbito de um projeto de valorização e recuperação do perímetro da igreja e ruínas do Mosteiro de Ermelo, classificados como Monumento Nacional, realizaram-se escavações arqueológicas no adro da Igreja de Ermelo e no espaço contíguo à parede do claustro que se encontra em ruínas (Fig.6). No adro da igreja, além de se terem detetado diversas sepulturas, anteriores à data da construção do cemitério público, em 1915, observaram-se os alicerces da parede sul e oeste da igreja medieval, confirmando-sea redução da igreja de três naves para uma única. O alicerce é composto por pedras de tamanho grande e médio, alinhadas de forma a nivelar o terreno. Os embasamentos das paredes oeste e sul da igreja medieval são

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ADB, Registo Geral, Vol. 14, fls. 91vº-92. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Fundo do Mosteiro de Santa Maria de Fiães, Maço 5, Caixa 14: 1619- Certidão passada a pedido do Abade do Mosteiro de Fiães, que pretendia confirmar se Santa Maria de Ermelo era uma das igrejas de apresentação do dito mosteiro; ANTT, Fundo do Mosteiro de Santa Maria de Fiães, Maço 5, Caixa 14: 1630 - Certidão do Escrivão da Câmara de Valença pela qual consta que a Abadia de Ermelo é de Padroado Real; ANTT, Fundo do Mosteiro de Santa Maria de Fiães, Maço 5, Caixa 14: 1630 - Petição do Abade Geral da Ordem de S. Bernardo, ao Rei D. Sebastião, sobre o direito de apresentação do Abade do Mosteiro de Ermelo. 275

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Fig. 6. Implantação das Sondagens Arqueológicas (a escuro)

formados por silhares de tamanho médio e grande, em aparelho pseudo-isódomo, possuindo um deles uma cruz gravada13 (Fig. 7). A leitura possível das sondagens efetuadas junto ao claustro leva-nos a afirmar que parte do mosteiro foi construído e ocupado durante a Idade Média. Não foi possível identificar um nível de circulação com pavimento estruturado, como lajeado ou equivalente, mas a estratigrafia mostra a existência de um piso térreo, sobre o qual se depositou o abatimento do telhado. Também não se identificaram vestígios de compartimentação interna da ala, que se admite se organizaria em dois pisos: um inferior, que serviria de adega ou arrecadação de alfaias agrícolas, e um superior, possível dormitório, que daria acesso direto à igreja (Fig. 8). A datação conseguida com o parco espólio arqueológico recolhido atira o uso desta parte do mosteiro para os séculos XIV a XVI e época moderna14.

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NOGUEIRA, Sandra, «O Mosteiro de Ermelo, Arcos de Valdevez. Uma perspetiva de estudo», OPPIDUM, Ano 5, Nº 4, 2010, Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada, Lousada, pp. 163-177. IDEM, «Intervenção Arqueológica no espaço do Claustro do Mosteiro de Ermelo. Resultados», OPPIDUM, Ano 6, Nº 5, 2011, Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Lousada, Lousada, pp. 115-132. 276

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Fig. 7. Perspetiva do alicerce da nave a Oeste e Sul da Igreja de Ermelo

3. Da Arquitetura O que resta do mosteiro de Ermelo, especialmente da sua igreja foi já objeto de alguns estudos de arquitetura15. Agrupando os dados obtidos no estudo dos documentos, das publicações existentes, nas escavações arqueológicas e na leitura dos alçados exteriores da igreja, foi possível perceber as várias fases construtivas da igreja. Sendo que a primeira terá sido aquando da fundação do Mosteiro na freguesia de Ermelo, durante o séc. XII, que corresponde ao levantamento e construção da capela-mor, capelas laterais, levantamento das naves e fachada principal. Uma segunda fase, no decorrer do século XVIII, parece corresponder à redução da igreja de três para uma única nave, rebaixamento do telhado, demolição da capela lateral sul, construção da Casa Paroquial, construção da Torre Sineira e construção da sacristia, reaproveitando o espaço da capela lateral norte. Esta teoria pode ser corroborada não só pelo facto de durante as escavações se ter observado que o alicerce do atual alçado exterior sul é muito irregular, sem vala de fundação, muito diferente da construção

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ALMEIDA, Carlos A. Ferreira de, Arquitetura Românica de Entre Douro e Minho, Tese de Doutoramento (policopiada), Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1978, pp. 216-217; IDEM, Alto Minho, Editorial Presença, Lisboa, 1987, p. 140; BARREIROS, Egrejas e Capelas Romanicas da Ribeira Lima, cit., pp. 71-78; BRÁS, António Manuel da Silva, A Igreja e o Mosteiro de Ermelo. Património Cisterciense esquecido no tempo, Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2009; GRAF, Gerard N. e GUSMÃO, Nobre, Portugal Romano, Ediciones Encuentro, Madrid, 1988, pp. 395-397. 277

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Fig. 8. Pormenor da escavação na ala claustral

medieval, mais cuidadosa, bem como pelo facto do investigador Aguiar Barreiros ter publicado em 1926 uma série de documentos que referem que numa visitação feita ao mosteiro em Setembro de 1754, a igreja tinha três naves e se encontrava quase em ruínas. Sugere este mesmo visitador ao Abade que mande fazer obras “reduzindo a dita igreja a menor grandeza”, para se evitar a sua ruína. Em 1760 tinham-se concretizado as obras, “achando-se esta feita de novo”16. A terceira e última fase correspondem às alterações pontuais no séc. XX, como a construção da torre relógio, que foi demolida durante as obras de valorização do perímetro da igreja, bem como o entaipamento do acesso ao coro alto, também desativado. No Alçado Exterior Sul podemos ver representada a primeira fase de construção da igreja (séc. XII), correspondente ao arranque do arco da capela lateral sul, empena cruzeira e rosácea e capela-mor. Numa segunda intervenção arquitetónica, que terá sido no séc. XVIII, a igreja que se encontrava praticamente sem telhado e em ruínas, viu o seu espaço reduzido de três para uma única nave e ao rebaixamento do telhado. Foi ainda colocada uma janela na parede exterior da capela-mor (Fig. 9).

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BARREIROS, Egrejas e Capelas Romanicas da Ribeira Lima, cit., pp. 75-76. 278

Fig. 9. Alçado Exterior Sul da Igreja de Ermelo

Fig. 10. Alçado Exterior Norte da Igreja de Ermelo

No Alçado Exterior Norte da fase medieval observam-se a empena do Arco Triunfal com a rosácea e parte do tramo norte da nave. Pode-se observar as alterações executadas no séc. XVIII, designadamente a parede setentrional da nova nave da igreja, que incluía uma porta de acesso exterior ao coro alto (entaipada já no século XX). Talvez ainda nos finais deste século ou no início do século XIX, ter-se-á construído a sacristia, a torre sineira e respetiva escadaria de acesso (Fig. 10). 279

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No Alçado Exterior Este percebe-se que a cabeceira da igreja foi construída na sua totalidade no séc. XII, tendo sido acrescentada a parede de construção da sacristia no séc. XVIII (Fig.11). No Alçado Exterior Oeste observam-se as duas costuras verticais em cada lado, que correspondem ao desmonte e posterior redução da restante fachada que enquadrava as três naves durante o séc. XVIII, bem como os remates das empenas do frontispício (Fig. 12).

Fig. 11. Alçado Exterior Este da Igreja de Ermelo

Fig. 12. Alçado Exterior Oeste e Ruínas do Mosteiro de Ermelo 280

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Podemos aferir que a parede do claustro que hoje se observa, tanto no interior da Casa Paroquial como no exterior, pertenceram à fase medieval, demonstrando desta forma que existiu uma implementação do edifício para instalação da comunidade, embora por diversos fatores não se tenha terminado a obra. Pela leitura do Plano da Igreja podemos observar que a cabeceira da igreja foi construída na sua totalidade, encerrando-se o templo nas suas três naves, procedendo assim à sua implantação global, durante o séc. XII, numa 1ª fase construtiva. Durante os séculos XVI ou XVII terá sofrido algumas intervenções, como as campanhas de pinturas de frescos existentes nas paredes da capela-mor. A segunda fase ou momento construtivo corresponde às alterações modernas executadas durante o séc. XVIII, devido ao estado de ruína em que se encontrava a igreja. Procedeu-se à redução de três para uma única nave, foi rebaixado o telhado, demoliram-se as capelas laterais, construiu-se a sacristia reaproveitando o espaço da capela lateral norte e levantou-se uma torre sineira. A última fase construtiva corresponde à edificação da torre do relógio no séc. XX, que durante as obras de requalificação do perímetro da igreja e ruínas do mosteiro, foi demolida (Fig. 13). Comparando com a planta tipo de um mosteiro cisterciense proposta por Ricardo Teixeira17, o que atualmente é possível observar do Mosteiro de Ermelo será a igreja,

Fig. 13. Plano da Igreja de Ermelo com as principais fases construtivas (desenho fornecido por António Brás)

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TEIXEIRA, Ricardo, «Arqueologia dos espaços cistercienses no Vale do Douro», Cister no Vale do Douro, Grupo de Estudos de História da Viticultura Duriense e do Vinho do Porto / Edições Afrontamento, Porto, 1999, p. 216. 281

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embora reduzida no seu tamanho e parte da ala nascente do claustro (Figs. 14 e 15). Contudo, a partir da observação da cartografia da aldeia de Ermelo, podemos perceber que parte do casario atual terá sido construído nos alinhamentos coincidentes com o complexo monástico que terá sido projetado (Fig. 16).

Fig. 14. Planta Tipo de Abadia Cisterciense (desenho extraído de Teixeira, 1999, p. 216)

Fig. 15. Pormenor do que atualmente é possível observar do Mosteiro de Ermelo (a negro) e alinhamentos possíveis do complexo monástico (polígono a cinzento) 282

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Fig. 16. Pormenor da composição do atual casario de Ermelo

Se o projeto do mosteiro nunca foi concluído, na sua totalidade, poderá admitir-se que a organização funcional dos espaços também nunca tenha sido concretizada tal como podemos observar noutros mosteiros cistercienses.

4. Considerações Finais O conjunto monacal de Ermelo, implantado nas fraldas das Serras do Soajo e Peneda, resguardado numa pequena plataforma junto ao rio Lima, terá sido um mosteiro rural, implantado dentro de uma estratégia de demarcação do espaço fronteiriço. Foi projetado de acordo com os cânones cistercienses, patentes na planimetria da igreja de três naves retangulares e cabeceira com três capelas escalonadas. Pertenceu a uma comunidade extremamente pobre, com poucas rendas para seu sustento e embora tenha recebido benefícios de alguns monarcas, no séc. XV acabou por ser reduzido a paróquia. Durante a sua existência foi objeto de disputas entre os nobres, o clero e reis, devido a quem pertencia o padroado do mosteiro. Quando no séc. XVI o Abade Geral de Claraval fez uma visitação ao mosteiro encontrou-o sem condições para um único monge e as partes edificadas pertencentes ao espaço claustral estariam em ruínas e ocupadas por famílias e gado, o que levou à sua extinção. Apesar de ter sido uma comunidade muito pobre, com dificuldades de sobrevivência e uma implantação inacabada, percebe-se a existência de um projeto concordante com as vivências da Regra de S. Bento. A própria disposição atual do aglomerado de Ermelo, parece aproveitar o alinhamento dos edifícios do mosteiro cisterciense. Ermelo conserva vestígios arqueológicos muito interessantes, que importa estudar, oferecendo um bom potencial de valorização patrimonial no conjunto do monumento e da paisagem que o rodeia. 283

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