Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, fundado no Funchal, no ano de 1476, para as Clarissas.

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. Funchal, 1476, mosteiro de Nossa Senhora da Conceição

«No desequilíbrio dos mares, as proas giraram sozinhas… Numa das naves que afundaram é que tu certamente vinhas.» CECÍLIA MEIRELES1

Situado num ponto alto da cidade do Funchal e afastado da costa, o primeiro mosteiro atlântico de clarissas, foi fundado com o título de Nossa Senhora da Conceição, na segunda metade do século XV, para nele viverem 60 religiosas, sob a obediência do Ministro Provincial da Província de Portugal. 2

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MEIRELES, Cecília, Antologia poética, 1968, p.17. Em 1705 frei Fernando da Soledade, OFM, na sua obra Historia Serafica Cronologica da Ordem de S.Francisco na Provincia de Portugal, e em 1740 frei Apolinário da Conceição, OFM, na sua obra Claustro franciscano, ambos dão o título de Nossa Senhora da Conceição, a este mosteiro de clarissas do Funchal. Recentemente, em 2000, Otília Rodrigues Fontoura, OSC, na sua obra As Clarissas na Madeira - uma presença de 500 anos, designa-o Mosteiro de Santa Clara. REMA, frei Henrique Pinto, OFM, “A família franciscana na Madeira (no passado e no presente)”, in Itinerarium, Nº 164, 1999, p. 291; FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira - uma presença de 500 anos, 2000, p. 82. 2

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Antes da construção deste mosteiro para clarissas, já os franciscanos tinham edificado na Madeira dois conventos, o de São Bernardino, fundado em 1459 em Câmara de Lobos, e o de Santo António da Ribeira, fundado em 1463 no Machico. No Funchal estava em construção, o convento de São Francisco, que fôra fundado cerca de 1473. O historiador franciscano frei Henrique Pinto Rema, refere ainda, a existência de um hospício franciscano que fôra construído no Funchal, muito mais cedo que os conventos e o mosteiro, tendo esse sido edificado, por volta de 1419.3

PEQUENA LISBOA Dizia o veneziano Alvise da Mosto (1432-1488) que a ilha da Madeira era montanhosa como a Sicília e outro italiano, Leonardo Torriani (c.1560-1628) em 1594 considerava que era áspera e „montuosa’ como Palma, e diz-nos que o comércio portuário do Funchal era tão intenso, que se lhe chamava „pequena Lisboa’.4 Alvise, refere a existência de oito ribeiras muito grandes, que atravessavam a ilha e cuja força, era no século XV aproveitada para serrar madeira, estando instaladas nas suas águas, várias serras sempre a trabalhar, cortando madeira que era enviada para o Reino. 5 No século XVI, quando Gaspar Frutuoso (1522-1591) no Livro II da sua obra Saudades da terra, descreve o Funchal, diz-nos que o mosteiro de Nossa Senhora da Conceição se situava acima da vila, no fim da rua de São Francisco, arruamento que começava por trás da cabeceira da igreja do convento franciscano, entretanto já desaparecido.6 Portanto as clarissas viviam na mesma rua que os franciscanos. Frutuoso, diz-nos também que o mosteiro foi edificado sobre uma rocha muito forte, com boas vistas para o mar, mas que quase não se viam os terrenos mais próximos, já que o muro da cerca era alto. Frutuoso diz-nos também que a cerca do mosteiro no século XVI era pequena, e que a comunidade tinha 70 clarissas. 7 Já no vizinho convento de São Francisco, com 50 religiosos, considera que a cerca era grande, tinha horta e pomar, onde havia pereiras, romãzeiras, vinhas e ervas aromáticas, tudo regado com água das levadas. 8 3

REMA, frei Henrique Pinto, OFM, “A família franciscana na Madeira (no passado e no presente)”, in Itinerarium, nº 164, 1999, pp. 284-288. 4 TORRIANI, Leonardo, Descrição e História do Reino das ilhas Canárias antes ditas afortunadas, com o parecer das suas fortificações, 1999,p.211; pp.XV-XVIII; pp. 213-214. 5 TORRIANI, Leonardo, Descrição e História do Reino das ilhas Canárias antes ditas afortunadas, com o parecer das suas fortificações, 1999,p.211. 6 FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, Livro II, 2005, pp.42-43; pp. 84-85. 7 FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, Livro II, 2005, p. 42. 8 FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, Livro II, 2005, p. 42. No século XVI a igreja do convento de

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PADROEIRO O mosteiro, foi fundado em 1476, pelo filho de Zarco, João Gonçalves da Câmara (+1501), que sucedeu ao pai, na capitania do Funchal. Mas apesar de haver bula papal as obras não foram iniciadas nessa altura, de tal modo se arrastaram, que ainda em 1488, o Rei D. Manuel I escrevia uma carta, dirigida aos madeirenses, para que apoiassem a construção.9

MULHERES NAS OBRAS O mosteiro ficaria terminado em 1497, e a construção teve uma mulher a fazer o acompanhamento das obras. Refere a historiadora clarissa Irmã Otília Fontoura (19352007), que quando o capitão se ausentava para o Reino, deixava a responsabilidade do acompanhamento da obra a cargo da sua filha Constança.10, e notamos nós, que será apenas por acaso, que século XVI nas ilhas atlânticas, as mulheres dos Capitães eram tratadas por „Capitoas’.11 O cronista franciscano frei Fernando da Soledade, ao escrever em 1705, sobre a história da fundação e construção, deste mosteiro, não se esquece de referir o envolvimento de Constança:

«Continuando as obras, lhe concedeo o Papa Alexandre VI a ultima licença: Ex injuncto nobis, dada em Roma no primeyro de Abril do anno de Christo 1495. E por lhe

São Francisco tinha 8 capelas, 2 altares e altar-mor. Mais tarde em 1780 a igreja seria demolida para dar lugar a outra e finalmente no século XIX todo o convento seria demolido e substituído pelo Jardim Municipal do Funchal. ADRAGÃO, José Victor; CLODE, Luiza Helena, Madeira, 1989, p.75. 9 Segundo Gaspar Frutuoso, o capitão João Gonçalves da Câmara (+1501) morreu aos 87, depois de governar a ilha da Madeira durante 34 anos. Casara-se em Ceuta com D. Maria de Noronha, filha de João Henriques. Foi para a Madeira quando o seu pai que era o governador morreu. Teve 5 filhos e 8 filhas, com os seguintes nomes: João, Simão, Pero, Garcia, Emanuel, Filipa, Helena, Mécia, Isabel, Constança, Elvira, Joana e Maria. Duas destas filhas, Helena e Isabel foram abadessas. Outras duas, Elvira e Joana, foram professas neste mosteiro do Funchal. A sua filha Filipa casou-se com D. Henrique Henriques, senhor das Alcáçovas, que participou no cerco de Safim. FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, 2005, Livro II, pp.81-85; FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, pp.54- 55. 10 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 58. 11 Gaspar Frutuoso (1522-1591) refere-se sempre assim ao mencionar as mulheres dos capitães. Por exemplo trata por Capitoa D. Filipa Coutinha que era mulher do Capitão Rui Gonçalves da Câmara, foi ela que mandou fazer o mosteiro de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada, onde tinham sepultura. FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, Livro IV, 2005, p.175. Refere também a Capitoa Beatriz de Macedo, casada com Jos Dutra, Capitão do Faial. FRUTUOSO, Livro VI, 2005, p.96. e a Capitoa Dona Iseu Palestrela de Vasconcelos, primeira Capitoa da Graciosa, FRUTUOSO, Livro VI, 2005, p.123.

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ser necessário assistir em Lisboa negociando a sua execução, encomendou a fabrica a sua filha Dona Constança de Noronha, a qual se mostrou tão diligente em acabar o Mosteyro, como pontual em seguir os documentos, e delineações do pay.»12

Mais tarde, no Reino, outra mulher viria a estar à frente de uma obra de arquitectura religiosa, é ela D. Margarida de Noronha (1554-1636), autora do plano da Igreja do Convento da Anunciada, em Lisboa, fundado pelo seu avô, Fernão Álvaro de Andrade, tesoureiro de D. João III. Margarida de Noronha professou precisamente no convento para o qual tinha desenhado a igreja, tomando o nome de soror Margarida de S. Paulo, e foi sua Abadessa. No ano de 1611 escreveu Regra e Constituições que professam as freiras da ordem do patriarca S. Domingos e Vida da prioresa soror Maria da Visitação. Esta senhora arquitecta seria condenada pela Inquisição, por ser considerada embusteira e hipócrita, depois de ter tido revelações. 13

Também no Reino, segundo nos diz Jorge Cardoso (1606-1669), em Figueiró, no século XVI no tempo de soror Anna de Jesus (+1592), o novo mosteiro de Santa Clara foi construído com a participação das futuras moradoras, pois foram as clarissas que viviam no velho mosteiro que carregaram materiais para as obras do novo.14

Ainda mais tarde, outra mulher portuguesa, participa, ainda que teoricamente, no mundo da construção ao escrever uma obra intitulada „Tratado de Architectura, e Arithemetica’, que foi publicada por volta de 1674, em Castela, sob pseudónimo masculino de Pedro de Albornoz, na verdade este Pedro chamava-se Agostinha Barbosa da Silva. 15 Agostinha, figura entre os três únicos autores portugueses de livros de arquitectura, listados por Diogo Barbosa Machado, no Tomo I, em 1741 e no Tomo IV em 1759 na Biblioteca Lusitana. Sendo os outros dois, frei André da Conceição autor de Tratado de Architectura16 e André de Resende, autor de Livro de Architectura ou tradução da 12

SOLEDADE, frei Fernando da, OFM, Historia Serafica e Chronologica da Ordem de S. Francisco na Provincia de Portugal…, Tomo III, 1705, p.351. 13 "NORONHA, D. Margarida de”, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume XVIII, p.895. 14 CARDOSO, Jorge, Agiológio Lusitano dos Sanctos e varoens ilustres em virtude do reino de Portugal e suas conquistas, Tomo I, 1652, p.308-h; pp.303-304-h. 15 MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana: histórica, crítica e cronológica, Tomo I, 1741, p. 54. 16 MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana: histórica, crítica e cronológica, Tomo IV, 1759,

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Architectura de Leão Bautista; Dous livros de Aquedutos e Historia da Antiguidade da Cidade de Evora.17

CLAUSTRO E COMUNIDADE Depois de Constança acompanhar a obra funchalense, a comunidade entrou para o mosteiro no dia 5 de Novembro de 1497, e Isabel, outra filha do mesmo capitão, foi a primeira Abadessa.18 O pai, fôra ao Reino buscá-la, e a outra filha, Joana, ao mosteiro da Conceição de Beja onde viviam, trazendo também para o mosteiro madeirense, outras quatro religiosas.19 Mas além de Isabel e de Joana, também Elvira, filha do mesmo capitão, professaria no mosteiro do Funchal. Só em 1501, quando morre o pai, Constança para o mosteiro, mas não como religiosa, pois não professou. 20 Ao todo, quatro das oito filhas, deste capitão, viveram no mosteiro que ele fundara.

LOGGIA Quando o historiador Pedro Dias, escreveu, em 1999, sobre este mosteiro, destacou as arcadas góticas do claustro, que considerou harmoniosas e os azulejos sevilhanos que pavimentam o coro-baixo e o coro-alto.21 Construído sobre rocha forte, aguentando e resistindo, sobranceiro à cidade baixa, no claustro, podemos perceber que o terreno foi determinante também, para a sua tipologia. De facto, a assimetria do claustro, adapta-se bem ao forte declive do terreno, tendo na cota mais alta a referida loggia, que não existe em mais nenhum lado do claustro.

p.15 17 MACHADO, Diogo Barbosa, Bibliotheca Lusitana: histórica, crítica e cronológica, Tomo I, 1741, p.166. 18 REMA, frei Henrique Pinto, OFM, “A família franciscana na Madeira (no passado e no presente)”, in Itinerarium, Nº 164, 1999, p. 292; ADRAGÃO, José Victor; CLODE, Luiza Helena, Madeira, 1989, p. 66; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, Livro II, 2005, p. 84. 19 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 59. 20 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 61; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da terra, Livro II, 2005, pp. 84-85. 21 DIAS, Pedro, História da Arte Portuguesa no Mundo (1415-1822) - O espaço do Atlântico, 1999, p.149; DIAS, Pedro, Madeira, 2008, pp. 54-55.

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ARCADAS GÓTICAS E PILARES OCTOGONAIS A dita loggia, possui arcadas góticas assentes em grossos pilares octogonais, tipologia que encontramos aplicada não em loggias, mas em igrejas com três naves, principalmente em igrejas do Reino e sobretudo no Sul. Embora, na Madeira, tenha essa tipologia, a igreja matriz de Santa Cruz, quanto à sé do Funchal, possui igualmente arcadas góticas, entre as três naves, mas estas, assentam em esbeltas colunas, com vários colunelos, e não em grossos pilares octogonais. 22 No Reino, a igreja matriz de Viana do Alentejo tem pilares octogonais mas a arcada é mais moderna, tendo arcos de volta perfeita.23 A sé de Silves e a igreja de São João Baptista de Moura, têm ambas arcada gótica assente em pilares octogonais.24Em Montemor-o-velho, a igreja de Santa Maria de Alcáçova, tem 2 colunas octogonais.25 Em Tomar, o claustro da lavagem, tem arcos ogivais apoiados em pilares octogonais.

Quanto a obras franciscanas contemporâneas do mosteiro funchalense, destaca-se o claustro do convento de Santo António do Varatojo, por nós referido anteriormente, fundado em 1470, cujas arcadas góticas, assentam em colunas octogonais, mas muito mais esbeltas, que os pilares da loggia funchalense. Em Beja, o mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, fundado em 1459, possui uma loggia de arcada gótica, mas assente em blocos largos de parede e não em pilares octogonais. Abrigava a comunidade de clarissas de onde vieram as fundadoras do mosteiro funchalense. 26

CAPELAS NO CLAUSTRO Mas o que destacava o claustro do mosteiro madeirense eram as dezasseis capelas que ocupavam quase todo o pátio do claustro. Algumas destas capelas, demolidas nos anos 40/50 do século XX, destinavam-se, segundo a historiadora clarissa Otília Fontoura, a oratórios das clarissas mais privilegiadas, 27e ocupavam quase todo o pátio claustral, enchendo-o demasiado com pequenos edifícios, solução arquitectónica que não encontramos até agora em mais 22

GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, 2006, Volume IV, 2006, pp. 254-257; pp.262-263. GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. IV, 2006, pp. 180-181. 24 GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. IV, 2006, pp. 220-223; pp. 186-187. 25 GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. II, 2006, pp. 232-233. 26 GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, 2006, Volume IV, pp. 188-189. 27 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p.70. 23

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nenhum outro mosteiro ou convento franciscano português, ou do mundo português. E porque tinham dimensões diferentes e implantações desalinhadas entre si, essas capelas, não devem ter sido construídas, nem pensadas ao mesmo tempo, ao contrário do que faria por volta de 1533, João de Ruão28 em Coimbra, ao desenhar as quatro capelas e fonte do claustro da Manga, do mosteiro de Santa Cruz. Construídas essas, como um todo, dispostas geometricamente em redor de uma fonte e a ela ligadas por arcos, a construção ocupava quase todo o pátio claustral conimbricense, de um claustro alto, com três pisos, mas que já não existe.29 Actualmente essas capelas e fonte conimbricenses, estão totalmente desprovidas de sentido, pois nada resta desse claustro, e nada nos diz que eram locais de recolhimento, nada nos diz que eram capelas. Passando a ser apenas uma fonte.

Voltando ao claustro madeirense, este chegou a ser usado por uma comunidade de 170 pessoas, apesar de o mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, ter sido fundado para 60 religiosas, situação que pode ter motivado a construção de capelas, a ocupar excessivamente o pátio do claustro. Se a comunidade não era pequena, foi aumentando ao longo dos tempos, e dois séculos depois da fundação já eram admitidas 100 religiosas, isto sem contar com as extranumerárias, que essas, nem sequer entravam para a conta, mas existiam. No século XVIII, no ano de 1722, de acordo com Fontoura, ali viviam realmente 170 religiosas, apesar de 70 destas, não entrarem oficialmente na conta. Se o número parece grande, tinha sido anteriormente superado no Reino, no referido mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, onde, no final do século XVII viviam 250 clarissas. 30

TRÊS DORMITÓRIOS O mosteiro tinha três dormitórios, designados como Dormitório Velho, Dormitório da

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SERRÃO, Vítor, História da Arte em Portugal – O Renascimento e o Maneirismo (1500-1620), 2002, pp. 69-70. 29 A construção monástica foi integrada num jardim, já sem o claustro, numa obra iniciada em 1935 pela DGEMN. Na fotografia 8 do Boletim, vê-se a construção ainda dentro do claustro. Boletim da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais - Jardim da Manga, Coimbra, Nº 89, 1957, p.35. 30 «Quadro nº 11» in FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, pp.82-83; SARAMAGO, Alfredo, Fé e grandeza – a boa vida de uma casa monástica…de Beja, 2005, p. 46. Ainda segundo depoimento do historiador franciscano frei Henrique Pinto Rema, a existência de extra-numerárias era um artifício para permitir que a comunidade ultrapassasse o número determinado pelo Papa.

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Calçada e Dormitório da Bela Vista, e estavam todos implantados perpendicularmente à nave da igreja31 e todos tinham tipologias diferentes. O Dormitório Velho, era o de maiores dimensões, implantava-se ao longo de um dos lados do claustro, perpendicularmente à nave da igreja, para a qual tinha uma passagem. O Dormitório da Calçada, estava implantado junto à cerca e à calçada, dispunha-se em “L” à volta do claustro, e teria um corredor paralelo às galerias do claustro. O Dormitório da Bela Vista, foi implantado num extremo do conjunto, e não teria qualquer ligação directa ao claustro. Os três dormitórios, estavam portanto dispostos de forma diferente e um deles não se relacionava fisicamente com o claustro.32

PANTEÃO DE CAPITÃES A igreja de Nossa Senhora da Conceição, já existia antes da construção do mosteiro, e foi nele integrada, provavelmente, porque nela estava sepultado o pai do fundador do mosteiro, o famoso Zarco. A dita igreja, continuaria a ser panteão de capitães, e as campas rasas dos três primeiros, ainda existiam, em 1989, sob o soalho do altar-mór.33

PAREDE CELULAR Também nesta igreja, foi sepultado Martins Mendes de Vasconcelos, genro do capitão fundador do mosteiro, e casado com a sua filha Helena. A sua sepultura, está inserida num arcossólio ogival, rasgado numa parede celular, próxima do coro baixo. A arca tumular, é completamente lisa, mas está apoiada sobre três peças escultóricas que parecem representar cães. O arcossólio, é de desenho elaborado, tendo arco de cortina e arquivolta tripla, assente em colunelos ornados.34

IGREJA Quem vem de fora do mosteiro, entra para a igreja lateralmente, por um discreto portal

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Conforme planta legendada da D.G.E.M.N. in FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 57. 32 De acordo com planta da D.G.E.M.N. publicada por FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 57. 33 As 3 campas rasas tapadas são de João Gonçalves Zarco, João Gonçalves da Câmara e Simão Gonçalves da Câmara. ADRAGÃO, José Victor; CLODE, Luiza Helena, Madeira, 1989, p. 66; FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p. 55. 34 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, pp. 68-69.ADRAGÃO, José Victor; CLODE, Luiza Helena, Madeira, 1989, p. 68. De acordo com fotografia in, GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. IV, 2006, pp. 258-259.

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em mármore branco, que desenha um simples arco ogival apoiado em colunelos. Igreja de nave única, com igreja de fora e igreja de dentro, o tecto da igreja de fora é de tabuado policromo.

O pavimento do coro-alto era revestido a azulejos mudéjares monocromos, verde-água, de que subsistem alguns exemplares, e estes azulejos dialogavam bem com a linguagem do seu tecto, que é de alfarje. 35 ‘Pequena Lisboa’, o Funchal possui pelo menos mais cinco tectos de alfarje, para além deste das clarissas. Um na Alfândega, outro na Sé, outro na Ponta do Sol, outro na igreja matriz da Calheta, e mais outro na capela do Loreto.36 No Reino, fizeram-se também tectos de alfarje, por exemplo na portaria do convento do Varatojo, em Bragança no altar-mór da igreja de São Bento, na igreja matriz de Caminha, na igreja matriz de Dois Portos, e na capela-mór da igreja matriz de Vilar Formoso.37

TORRE SINEIRA E DE DEFESA Construída entre a igreja de fora e a igreja de dentro, a torre sineira é bastante alta, tendo três pisos acima do mosteiro. No século XVI, em 1566, a torre sineira serviu de local de disparo de tiros para defesa do mosteiro quando o corsário francês Bertrand de Montluc e os seus 1200 homens, atacaram, saquearam e destruíram uma parte da cidade do Funchal. 38 Nesses dramáticos dias, quem disparou os tais tiros, foi o pai de uma clarissa moradora neste mosteiro, como nos informa o cronista frei Fernando da Soledade, dizendo que:

«Hum fulano Teyxeira, morador na Villa de Machico, o qual tinha hua filha nesta 35

Parte dos azulejos que pertenceram a este mosteiro estão expostos no Funchal na Casa-Museu Dr. Rodrigo de Freitas, a cujo espólio pertencem, assim como azulejos que pertenceram ao convento franciscano quinhentista de Nossa Senhora da Piedade, que se situava em Santa Cruz. ADRAGÃO, José Victor ; CLODE, Luiza Helena, Madeira, 1989, pp. 67-68; FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, p.68. GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. IV, 2006, p. 258. 36 DIAS, Pedro, A Arquitectura Manuelina, 1988, p.95; DIAS, Pedro, A Arte de Portugal no Mundo Madeira, 2008, p.33; p.52; p.63; DIAS, Pedro, História da Arte Portuguesa no Mundo (1415-1822) – o espaço do Atlântico, 1999, pp.159-160. 37 TEIXEIRA, Luís Manuel, Dicionário de Belas-Artes, 1985, pp.17-18; DIAS, Pedro, A Arquitectura Manuelina, 1988, p.95; GIL, Júlio, As mais belas igrejas de Portugal, Vol. II, 2006, pp. 176-177. 38 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, pp.66-67; POLÓNIA, Amélia, D.Henrique: o Cardeal-Rei, 2005, p.162.

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Casa, & subindo à torre dos sinos com hum arcabùs, que acaso se achou, fez retirar os Hereges»39

O ataque ao Funchal, durou quinze dias, e as clarissas, que estavam inicialmente fechadas dentro do mosteiro, acabaram por fugir para um lugar no interior da ilha, hoje conhecido por „Curral das Freiras’, e que fica a cerca de dezassete quilómetros da cidade. Nessa longa fuga, acabou por morrer de cansaço, a abadessa. 40 Se esta torre sineira, de um mosteiro de religiosas, teve uso defensivo, na Índia, a torre do convento franciscano de Chaúl, situado perto do mar, serviu de ponto de vigilância.41

MUNDO INTERIOR Hoje, no Funchal, a meio da Calçada de Santa Clara, ainda está o mosteiro que Constança ajudou a construir, ao contrário do convento de São Francisco, que desapareceu sem deixar qualquer marca na cidade. Mas se o mosteiro permanece, sobre a rocha forte onde foi construído, aguentando e resistindo. E se tudo começou na rocha, foi na rocha que a comunidade de clarissas deste mosteiro foi crescendo, até quase triplicar, obrigando o edifício a ampliar-se para dentro. Invadindo-se o pátio claustral com dezasseis capelas, procurando-se assim o recolhimento, no cerne de um espaço comunitário, que chegou a ser densamente povoado. Difícil mundo interior, teria ali sido vivido pelas religiosas, que procuraram, ainda assim, contornar o problema.

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SOLEDADE, frei Fernando da, OFM, Historia Serafica e Chronologica da Ordem de S. Francisco na Provincia de Portugal…, Tomo III, 1705, p. 356. 40 FONTOURA, Otília Rodrigues, OSC, As Clarissas na Madeira: uma presença de 500 anos, 2000, pp.66-67. 41 VARELA GOMES, Paulo, «O Mundo de cá», 1995, RTP.

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