Mosteiro de São Pedro das Águias

September 19, 2017 | Autor: T. Molarinho Antunes | Categoria: Arquitectura, Cister, Viseu, Mosteiro de São pedro das Águias, Análise de evolução arquitectónica
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Descrição do Produto

SEPARATA

Mosteiros Cistercienses História, Arte, Espiritualidade e Património

TOMO I

DIRECÇÃO José Albuquerque Carreiras

Actas do Congresso realizado em Alcobaça nos dias 14 a 17 de Junho de 2012

ALCOBAÇA 2013

MOSTEIRO DE SÃO PEDRO DAS ÁGUIAS MARTA ATAÍDE*

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TIAGO MOLARINHO ANTUNES**

Introdução O presente trabalho tem por finalidade revelar um conjunto de informações preliminares, relativas ao estudo do Mosteiro de São Pedro das Águias (o novo). Neste sentido, procuramos aqui apresentar um breve levantamento histórico e uma análise arquitectónica do edifício monástico. Para tal, avançamos com uma reconstituição conjectural das intervenções arquitectónicas que o mosteiro sofreu, entre os séculos XII/ XIII e os séculos XVII/ XVIII, procurando assim, encontrar analogias entre a edificação do conjunto arquitectónico e a sua organização espácio-funcional. No caso específico da igreja, avançamos uma análise sobre as suas influências formais e a sua espacialidade e um exercício de percepção sobre a métrica e proporção utilizadas na sua construção.

Mosteiro de São Pedro das Águias o novo A designação deste mosteiro encontra-se em torno de uma confusão, gerada pelo facto de duas edificações monásticas terem a mesma toponímia: São Pedro das Águias. A sua distinção na documentação consultada é vulgarmente feita pelo acrescento de – o novo, ou – o velho. O problema de clareza na identificação da documentação de um e de outro, sucede também pela associação do couto a São Pedro das Águias – o velho, sendo que este pertence a São Pedro das Águias – o novo. * **

Arquitecta, Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico. Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico. Bolseiro de investigação do Instituto de História de Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo I, 89-103.

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Do primitivo Mosteiro de São Pedro das Águias o velho (Fig. 1), localizado a cerca de 1 km para sul na localidade de Granjinha, resta-nos hoje uma pequena igreja Românica, reerguida pelos Monumentos nacionais em 1956. A sua edificação está associada à lenda de D. Tedo e Ardinga1, e a um ermitério cristão que já existia no século XI. A fundação é incerta, mas aparece referida numa escritura de 1117, “entre os frades e os fidalgos D. Pedro Ramires de São João da Pesqueira e D. Ramires «padroeiros» do dito mosteiro, descendentes do irmão de D. Tedo que não deixou descendência.”2. Sobre a passagem do mosteiro da Ordem Beneditina para Ordem de Cister, é apontada a data de 1145, terá sido redigido um diploma que existiu no mosteiro e que Gaspar Jonge Linus (*1605 em Antuérpia , † 1669) terá impresso em 1640 no livro que escreveu sobre a origem e o desenvolvimento do individual dos mosteiros Cistercienses3. Esta informação é também autenticada por Frei António Brandão (monge da Ordem de Cister em Alcobaça, (* 1584, †1637), que terá tido acesso a este documento4.

Fig. 1. Igreja do Mosteiro de São Pedro das Águias o velho, reconstruída em 1956 pela então Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais

A Fundação de São Pedro das Águias o novo (Fig. 2), poderá ter acontecido ainda no século XIII a julgar pela noticia de D. Maur Cocheril, "... En 1227, l'abbé de São Pedro demande au chapitre l'autorisation de transférer ailleurs son monastère."5, que nos indica que já poderiam existir acomodações próprias à vida monástica. A desconhecida documentação sobre a construção de São Pedro das Águias (o novo)

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A este propósito ver por todos, MONTEIRO, J. Gonçalves, Tabuaço, Câmara Municipal de Tabuaço, Tabuaço, 1991, pp. 495-498, ou CLETO, Joel e FARO, Suzana, S. Pedro das Águias, Tabuaço: Os Amores de D. Tedo e Ardinga, O Comércio do Porto, Revista Domingo, Porto, 26 Setembro 1999, p. 21-22. MONTEIRO, Tabuaço, cit., p. 414. LINUS, Gaspar Jonge, Notitia Abbatiarvm Cistertiensis Ordinis por Orbem Vniversvm, Libros X. Complexa... - Coloniae Agrippinae: Henning, 1640. MONTEIRO, Tabuaço, cit., p. 416. COCHERIL, Maur, Routier des abbayes cisterciennes du Portugal, Fondation Calouste Gulbenkian, Centre Culturel Portugais, Paris, 1986, p. 113. 90

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eventualmente perdida no incêndio de 1836 que dizimou o cartório do Mosteiro, “rico em títulos, diplomas e documentos”6, leva-nos a ter poucas certezas sobre a evolução arquitectónica deste edifício. Trata-se de um legado que chega até hoje com as características setecentistas deixadas pelas grandes obras de renovação e ampliação, empreendidas nalguns edifícios monásticos em Portugal, na sequência do Concílio de Trento. Após a extinção das ordens religiosas em 1834, sofreu a par com a maioria dos conjuntos monásticos, pilhagens e incêndios deixando marcas visíveis ainda hoje no interior da igreja. A igreja que “coroa” todo este conjunto, de nave e capela rectangulares, destaca-se pela grande sobriedade de linhas rectilíneas e pelo desprovimento de elementos decorativos, onde somente a imagem de São Pedro se anuncia num nicho por cima do portal de entrada. Em 1996 é adquirido pelos actuais proprietários, dando continuidade à produção vinícola ancestral conhecida no século XVIII pelos seus vinhos finos7.

Fig. 2. Mosteiro de São Pedro das Águias o novo

Situação e Sítio Situa-se na zona mais interior do território Nacional, na Beira Alta junto ao rio Douro, mais precisamente no Concelho de Tabuaço, localizando-se na margem direita do rio Távora (Fig. 3).

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MONTEIRO, Tabuaço, cit., p. 14. Ibidem, p. 496. 91

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O acesso a este mosteiro faz-se pela EN 323, no sentido Tabuaço > Moimenta da Beira. Percorrendo aproximadamente 7 km, vira-se à esquerda e entra-se para uma estrada sinuosa de mais ou menos 500 m que nos conduz até ao portão de acesso ao Mosteiro de São Pedro das Águias (Fig. 2). Esta localização a meia encosta (Fig. 4) do vale (de desnível acentuado) oferece uma visibilidade de toda a envolvente, de Norte a Sul, incluindo o rio Távora e os terrenos circundantes.

Fig. 3. Localização do Mosteiro de São Pedro das Águias

Actualmente, a sua paisagem é em si muito semelhante à que encontramos em todo o Concelho de Tabuaço onde observamos a “ presença constante dos povoamentos florestais; a prevalência das cores verdes durante todo o ano; as manchas agrícolas constituídas por um mosaico de pequenas parcelas, onde se cultiva a vinha”8 e olival (Fig. 4). A esta descrição está anexa a existência consequente de grandes quantidades de água, ao que a escolha do Lugar Cisterciense não é alheio. Outro dado importante para esta localização fazer sentido, é a presença de materiais de construção já evidenciado pela presença do elemento madeira, expresso nos povoamentos florestais, ao que acrescentamos a natural e continua presença de pedra, que aqui encontramos; ambos base de um sistema de elevação e construção das estruturas do edificado que aqui temos. Especificamente São Pedro das Águias encontra-se actualmente rodeado de vinha, olivais e mata. A presença do elemento água reflecte-se também nas estruturas de pedra que ainda hoje transportam a água para o edificado monástico. Outro dado que reforça esta ideia é a par com o uso de estruturas de distribuição de água (Fig. 5), a

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VVAA, Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental, Volume III, Grupos de Unidades de Paisagem F (Beira Alta) e J (Pinhal Centro), p. 9. 92

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existência de tanques de recolha e distribuição deste elemento e a localização de poços, alguns camuflados pela crescente e descontrolada vegetação, muito localizada dentro desta propriedade.

Fig. 4. O conjunto das imagens aqui expostas corresponde (da esquerda para a direita) ao registo de vinha e olival que ainda hoje povoam o território e uma vista aérea da região com a marcação e corte topográfico, ilustrando assim a localização do mosteiro no vale

Fig. 5. Conjunto de registos da exploração do sistema hídrico do mosteiro de São Pedro das Águias (da esquerda para a direita), a nascente junto ao mosteiro, uma caleira adutora e um poço afastado do conjunto cerca de 500m 93

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Breve resenha histórica Sabe-se que São Pedro das Águias terá pertencido à diocese de Lamego estabelecida por D. Afonso Henriques no ano de 11479 e afiliado a São João de Tarouca no ano de 1177. Não tivemos, no entanto, acesso a qualquer informação que nos permitisse saber o ano da entrada do mosteiro na diocese de Lamego, obtendo informação um pouco dispersa sobre a vida do mesmo e sua prática religiosa no concelho de Tabuaço. Convêm frisar que o presente Concelho de Tabuaço terá resultado da fusão de parte dos Coutos de Leomil e de São Pedro das Águias. Nestas terras pertencentes à classe eclesiástica, era vedada a entrada de funcionários régios. Sobre personalidades ligadas a São Pedro das Águias, destacamos Pedro Rodrigues do Amaral, a quem o Imperador de Constantinopla concedeu vários privilégios, entre os quais os títulos de Conde Palatino e Protonotário Apostólico. Foi administrador deste mosteiro, a quem o mesmo Imperador ofereceu armas novas, em Maio de 1491. Em 1536, é unido a Santa Maria de Alcobaça e data também desta altura a nomeação para o mosteiro de um monge de Seiça. Sabe-se que os monges deste mosteiro estavam incumbidos de administrar missa nas várias localidades próximas, registando-se no século XVI o caso da Abadia de Longa. As memórias Paroquiais de 1758 referem existir querelas em torno do padroado, que desde o século XV até meados do séc. XVIII geraram vários processos judiciais entre a Sé de Lamego e os religiosos de São Pedro das Águias apenas estabilizado nas décadas de 1740/1750, facto referido pelo Abade de Longa, Padre Manuel da Guerra Torres. Já com o Conde D. Henrique, a Congregação e a acção revitalizadora que a ela conduziu favoreceu este mosteiro, o que levou a uma forte campanha de obras de melhoria a ampliação das dependências desta casa.

Edificação do conjunto arquitectónico O arranque da construção primitiva do mosteiro deverá ter acontecido pelos séculos XII e XIII, tendo em conta alguns indícios que a construção do conjunto conserva actualmente. Esta consideração, é notória nos aspectos construtivos da parede a Oeste (Fig. 6) e no conjunto de cantarias com marcas de mestres pedreiros à volta de todo o complexo, extensamente verificado no embasamento do edifício (Fig. 7) cuja construção aparenta pertencer a uma fase primitiva, em particular pela cantaria patente, e pontualmente nalgumas áreas, como acontece na fachada sul da nave da igreja (Fig. 8).

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OLIVEIRA, Miguel de, História Eclesiástica de Portugal, 4ª edição, União Gráfica, Lisboa, 1968. 94

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Fig. 6. Registos da estereotomia da construção primitiva

Fig. 7. Registos da diferenciação bem marcada entre o embasamento e a evolução da construção em altura

Fig. 8. Registo de marcas de canteiro (da esquerda para a direita) em São Pedro das Águias e São João de Tarouca 95

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As obras de (re) edificação, reestruturação e ampliação desenvolvidas durante os séculos XVII e XVIII produziram o complexo monástico de São Pedro das Águias, tendo grande parte deste resistido até à actualidade (Fig. 9). Estima-se que grande parte dos espaços regulares tenham sido reerguidos, tendo por base a estrutura primitiva anterior. Este aspecto é principalmente evidente nos planos verticais de fachada, onde é possível reconhecer diferentes estereotomias que vão evoluindo (no sentido ascendente) para técnicas mais precisas e mais desenvolvidas de entalhe e aparelhamento da pedra.

Fig. 9. Registo gráfico conjectural das duas campanhas de obras mais significativas (da esquerda para a direita), séculos XII a XIII (azul) e séculos XVII a XVIII (laranja)

Pondera-se a hipótese de apenas o edifício localizado a poente e contíguo à estrutura primitiva claustral (espaços regulares mais íntimos dos religiosos), ter sido totalmente edificada nesta fase. Desenvolvendo-se na zona de maior declive é possível observar ao longo das suas fachadas uma homogeneidade construtiva que se considera pertencer ao período do século XVII. O espaço da igreja é contudo o mais problemático na identificação da sua estrutura primitiva. Numa detalhada observação in loco não nos foi possível descobrir consistentes testemunhos materiais que indiciassem de forma consistente a sua original localização, dimensão e orientação. Parece-nos no entanto possível, avançar simplesmente como única hipótese, a de se ter mantido segundo a mesma orientação. De salientar que algumas das intervenções realizadas nos últimos anos e a quase total destruição da ala nascente, tornaram mais complexa uma maior e melhor leitura da sequência estratigráfica dos seus elementos construtivos.

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Organização Espácio - Funcional Considerando por princípio, que os mosteiros cistercienses obedecem a um programa funcional adequado às exigências quotidianas dos religiosos que os habitam e se regulam na sua construção por um modelo de planta “tipo” de casa cisterciense10 ao qual se vinculam, genericamente, os primeiros mosteiros da Ordem, procedeu-se à leitura do conjunto de São Pedro das Águias. Os diversificados testemunhos materiais das obras de ampliação ou reestruturação, evidentes nos planos verticais das fachadas, anunciam um conjunto arquitectónico por vezes pouco coerente e legível nos espaços que encerra. No entanto, em termos de planta, o mosteiro apresenta uma simples e sóbria articulação das várias divisões anunciando uma organização espácio – funcional que parece coadunar-se com as actividades dos monges e conversos. Uma cerca alta enclausura o espaço monástico ao qual se acede por um grande portão localizado a poente11. Neste espaço de clausura encontramos a Igreja e os espaços regulares, maioritariamente organizados em torno de um tradicional espaço claustral quadrangular. Como elemento mais importante de todo o conjunto, a Igreja, composta por dois simples volumes rectangulares (nave e altar mor), ergue-se como edifício de maior escala, implantado na maior cota topográfica e orientada a nascente. Os espaços regulares e o claustro desenvolvem-se para norte, numa aparente necessidade de adaptação à forte inclinação do terreno. A morfologia e articulação entre os mesmos, parecem incluir e evidenciar a ala da leitura (a poente e contígua à igreja), ala dos monges (igualmente a poente), ala norte (incluindo os espaços de refeitório e cozinha) e ala dos conversos (a nascente)12. O acesso ao exterior seria presumivelmente efectuado em três pontos localizados a poente, nascente e sul. Anexado a esta estrutura claustral e localizado a poente encontramos um outro edifício onde se pondera terem funcionado os espaços de Hospedaria, Botica, Enfermaria, Prisão e Latrinas pelo facto de se encontrarem adjacentes, mas não incluídos no espaço íntimo dos religiosos. De modo a delinear com maior precisão as hipóteses apresentadas de organização espacial deste mosteiro e de que forma se coadunam com o programa e tipologia do modelo cisterciense, procedeu-se a uma reconstituição conjectural do conjunto monástico (Fig. 10).

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BRONSEVAL, Frère Claude de, Peregrinatio Hispanica, Fondation Calouste Gulbenkian - Centre Culturel Portugais, Paris, 1970. Provavelmente coincidente com a original portaria, encontrando-se exactamente no final do caminho de acesso ao mosteiro. A este propósito ver JORGE, Virgolino Ferreira, «Organização Espácio-Funcional da Abadia Cisterciense Medieva. Alcobaça como Modelo de Análise», Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, IV Série, Nº 95 - 2º tomo, Lisboa, 2009, pp. 5-35. 97

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Fig. 10. Reconstituição conjectural de organização espácio-funcional do Mosteiro de São Pedro das Águias. Planta ao nível do piso térreo. Proposta dos autores

Igreja Análise Espacial Levantado e analisado o mosteiro no seu conjunto, optou-se por uma investigação mais precisa e detalhada da igreja, considerando-o como espaço embrionário e centro espiritual da comunidade de monges. Na construção do conjunto monástico é o primeiro edifício a ser construído e muito possivelmente o que regula e orienta o plano do restante cenóbio. Neste caso, a igreja destaca-se volumetricamente, sem no entanto perder a unidade formal, estética e proporcional em relação ao restante conjunto edificado. Constituída por dois volumes rectangulares de diferentes dimensões, desenvolvese no seu interior em dois claros espaços, a capela-mor e a nave, de grande clareza funcional e totalmente despojados de ornamentação (Fig. 11). Nesta planta simples encerrada por abóbadas de berço, somente o escalonamento do pavimento confere algum dinamismo espacial e um aparente zonamento funcional. As janelas, maioritariamente localizadas a sul, proporcionam uma atmosfera luminosa própria da exaltação da luz como elemento figurativamente ascensional da alma. As ligações ao interior dos espaços regulares e ao pátio exterior, estariam asseguradas por dois vãos a norte e sul13 (respectivamente) e localizados no início do espaço da nave. Na sua compartimentação interna não parecem existir elementos explícitos e diferenciados de acesso e de zona de permanência durante o acto litúrgico para mon98

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Fig. 11. Fachada principal (fot. esq.) e fachada sul (fot. dir.) da Igreja de São Pedro das Águias

ges e conversos, o que levanta a hipótese de não existir, nesta fase de reestruturação (séc. XVII), uma clara divisão entre ambos ou se inclusive existiriam conversos. O principal acesso ao oratorium é efectuado por um vão localizado na fachada principal (a poente) (Fig. 12).

Fig. 12. Desenho da planta da Igreja. Levantamento e desenho dos autores

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A leitura deste acesso é actualmente dissimulado pela tardia sacristia (séc. XVIII) acoplada à fachada sul da igreja. 99

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Influências formais A segunda campanha de obras mais significativa deste mosteiro e da igreja em particular, data dos séculos XVII/ XVIII pelo que as influências espaciais e estéticas dos períodos maneirista e barroco são evidentes, embora materializados num desenho claro e numa unidade dos materiais escolhidos. A estrutura arquitectónica é o registo mais consistente na medida em que, dos elementos decorativos, quase nada resta (tendo sido destruídos ou pilhados), à excepção de pequenos apontamento escultóricos exteriores na fachada principal e nas coberturas. O princípio de austeridade e sobriedade original da Ordem de Cister, já não será totalmente respeitada no advento de novas formas de exacerbamento religioso-decorativo. Arquitectonicamente, apresenta um claro programa maneirista de planta longitudinal com capela-mor profunda, de nave única e transepto inscrito, numa expressão construtiva marcada pela sobriedade. Pela sua proximidade geográfica e pelo facto de ter sofrido, durante o mesmo período, semelhantes acções de reestruturação e ampliação, o Mosteiro de São João de Tarouca serviu de modelo de comparação das novas campanhas de obra. São bastante evidentes as semelhanças, sobretudo no programa decorativo. Surgem assim, torres sineiras, uma fachada principal composta por vão de acesso encimado por óculo e duas janelas laterais, com ornamentação de inspiração barroca, também evidente nas coberturas encimadas por pináculos. Um programa de altares mais complexo (com necessidade de maquinaria mais pesada e de difícil acesso) e esteticamente mais exuberante, parece tornar-se uma frequente preocupação do novo programa litúrgico, no qual São Pedro das Águias, à sua escala, não terá sido excepção (Fig. 13)14.

Fig. 13. Fachadas principais de São Pedro das Águias (fot. Esq.) e São João de Tarouca (fot. Dir.). Desenhos de Jorge Braga da Costa

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MARTINS, Ana Maria Tavares Martins, Os Mosteiros Cistercienses na Região das Beiras, um percurso entre a Arquitectura e a História, Quartzo Editora, Viseu, 2012, p. 45 e p. 65. 100

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Métrica e Proporção Uma análise do levantamento métrico efectuado na igreja, em particular, e no restante conjunto monástico, em geral, permitiram a verificação da existência de uma unidade construtiva e de proporcionalidade das várias áreas que constituem o mosteiro. Este processo, teve como princípio conhecer que valores se obteriam e de que modo se articulavam entre si. Os valores mais evidentes e frequentes oscilavam entre 1,70m e 1,90m (segundo o sistema métrico actual) o que permitiu comparar os mesmos com os sistemas métricos mais utilizados durante os séculos XVII e XVIII. Por aproximação numérica e com o auxílio de uma grelha ortogonal, calculamos que a medida utilizada tenha sido a de Pé Romano (equivalente a 0,296m).

Fig. 14. Representação do módulo encontrado e aplicado em planta, corte e alçado. Desenho dos autores

Neste sentido, adquiriu-se um valor de módulo aplicado na sua construção e modulação que equivale a sete pés romanos ou seja, equivalente a um dos valores de referência iniciais de 1,90m. O módulo foi experimentado nos planos horizontal e vertical, interior e exterior do edifício da igreja (ver Fig. 14). 101

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Esta modulação permitiu por outro lado, esboçar relações de proporcionalidade adquirindo-se valores diversos, que não permitiram concluir se obedeceria a alguma proporção específica nas suas partes mas sendo evidente uma relação de proporcionalidade de 3:1 entre o comprimento e largura totais da igreja (medidos pelo exterior das paredes) (Fig. 15).

Fig. 15. Representação da proporção de 3:1 obtida na igreja. Desenho dos autores

Breves considerações finais As características da implantação da Abadia cumprem os objectivos Ordem de Cister, criando o espaço de meditação e contemplação dos Vales pela localização a meia encosta e longe das povoações. É uma terra fértil, ainda visível no extenso cultivo que perdura na produção vinícola e nos pomares de olival bem presentes na mancha agrícola do território marcado por registos de uma hábil rentabilização dos recursos hídricos. A pedra é uma constante neste território, visivelmente utilizada em outras construções para além do complexo cenóbico o que indica a quantidade deste material nesta zona. Segundo a organização espacial que actualmente podemos ler nos registos históricos que o conjunto edificado ainda comporta, acreditamos que espacialidade da planta 102

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hoje, ainda mantém reminiscências do conjunto edificado nos séculos XII a XIII. Um dos indícios mais visíveis é a quantidade de cantaria com marcas de canteiro, existentes no conjunto. A campanha de obras dos séculos XVII e XVIII transformaram com toda a probabilidade o programa estético do conjunto monástico tendo muito provavelmente sido utilizados os espaços primitivos como base de reedificação, na sua constituição e articulação. As obras do século XVII são maioritariamente de génese construtiva, vindo a ser pontuada por diversos elementos decorativos já próprios das estéticas aplicadas nos séculos posteriores. A organização deste mosteiro coaduna-se e apresenta fortes semelhanças espáciofuncionais com a planta “tipo” dos conjuntos monásticos cistercienses estando assegurados vários aspectos, dos quais destacamos, a articulação das diferentes alas e prováveis divisões, sua localização e orientação. A linguagem arquitectónica utilizada respeita certos fins de sobriedade e simplicidade inerentes aos princípios espirituais da ordem, bem como, uma coerente materialização de programas estéticos específicos, particularmente aplicados na campanha de obras do séculos XVII e XVIII. Parece existir uma coerência métrica e modular no espaço específico da igreja, estando ainda em aberto a análise mais exaustiva dos espaços regulares que apresentam, numa primeira leitura, uma expressiva uniformidade.

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