Movimentos Negros e Poder Legislativo: A Lei de Cotas para concursos públicos e o diálogo possível

June 20, 2017 | Autor: Gianmarco Ferreira | Categoria: Social Movements, Race and Racism, Democracy, Affirmative Action, Public Policy
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Movimentos Negros e Poder Legislativo: A Lei de Cotas para concursos públicos e o diálogo possível RESUMO O presente artigo discute a participação dos movimentos negros na elaboração da Lei nº 12.990/2014, lei federal de cotas raciais para concursos públicos. Com isso pretende verificar como os movimentos participaram das discussões no processo legislativo (PL 6.738/2003), em que condições e em que medida seus pleitos foram acolhidos, resultando, ou não, em uma legislação construída dialogicamente com seus possíveis destinatários, com a análise qualitativa do processo legislativo. A partir do conceito de ativismo institucional, o artigo procura demonstrar que a atuação de representantes dos movimentos negros na Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial contribuiu para a inserção de sua pauta política no Congresso Nacional e a aprovação de uma lei dispondo sobre cotas raciais em concursos públicos de forma rápida e eficiente. PALAVRAS CHAVE: movimentos negros - cotas raciais - processo legislativo

Black Movements and The Legislative Branch: Civil service quotas law, a possible dialogue ABSTRACT This article aims to present the black movements participation in the legislation of the federal civil service quotas law (Law 12.990/2014). The intention is to verify which movements participated in the discussions during the legislative process (PL 6.738/2003), under what conditions, and to what extent their claims were accepted, resulting, or not, in a law enacted dialogically with its potential recipients with a qualitative analysis of the legislative process. Based on the concept of institutional activism, the article argues that the actions of black movements’ representatives in the Secretariat of Policies for the Promotion of Racial Equality (SEPPIR) contributed to the inclusion of their political agenda in the National Congress and to the quick and efficient approval of a law, which provides racial quotas in civil service competitive examinations. KEYWORDS: Black movement - racial quotas - legislative process

Movimentos Negros e Poder Legislativo: A Lei de Cotas para concursos públicos e o diálogo possível*

Gianmarco Loures Ferreira†

I - O Poder Legislativo e as questões raciais

Para entender o papel do Poder Legislativo no trato das questões raciais, é necessário ter presente que desde a independência até, certo modo, os dias atuais, os Poderes de Estado são compostos por membros da elite (D’ARAUJO, 2007; FAORO, 2008). E, no Poder Legislativo, não se pode ignorar ainda que “a política é majoritariamente branca” (CAMPOS, MACHADO, 2015) e, ainda, às voltas com uma persistente e retrógrada democracia racial freyreana. Daí, considerando que “a questão racial faz parte do Direito e do Estado, como faz parte de toda a sociedade Brasileira” (BERTÚLIO, 1989), num país de histórico escravista tão longo, não é de se admirar que a lei tenha sido usada reiteradamente como instrumento de preterição do negro e de perpetuação das desigualdades raciais (VIEIRA JÚNIOR, 2006). Mas, se na Constituinte de 18231 as discussões sobre a cidadania do negro resultaram em uma não-cidadania (MARTINS, 2008) e se durante as discussões sobre a Lei nº 1.390, de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos2, instaura-se um “antirracismo da ordem” (GRIN, MAIO, 2013), que possibilita até uma proposta de emenda, de origem do Deputado Hermes Lima, do PSD-

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Outra versão desse texto foi apresentada no IX Congresso da Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica – RELAJU, realizado na cidade Pirenópolis – GO, em 30 de setembro de 2015, no Grupo de Trabalho: A Elaboração Legislativa e a Garantia dos Direitos Fundamentais. † Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito, Estado e Constituição da Universidade de Brasília. 1 Embora a Constituinte de 1823 tenha sido dissolvida por ato do Imperador Dom Pedro I, em novembro de 1823, sendo seguida da primeira Constituição outorgada do Brasil, de 25 de março de 1824, os discursos parlamentares de época possibilitam um grande aprendizado sobre as concepções a respeito de raça no Brasil durante o período. Conferir, a respeito, BRASIL, 1823. 2 Oriunda do Projeto de Lei n. 562, da autoria do Deputado Afonso Arinos, da UDN-MG, a Lei 1.390 inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor.

DF, pretendo incluir “no texto do projeto a proibição de formação de ‘frentes negras’ ou de quaisquer modalidades de associação com fins políticos baseada na cor” (BRASIL, 1950, p. 5844), uma grande distância se vai até os dias de hoje, em que se tem uma Frente parlamentar de Igualdade Racial do Congresso Nacional, que “mostra uma relativa força política do Movimento Negro para votar matérias de interesse da comunidade negra” (UNINEGRO, 2011). Ou seja, há uma mudança qualitativa na abordagem das questões raciais no Parlamento: da negação e proibição, à promoção e inclusão, como são exemplos a Lei Federal nº 10.639, de 2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira”, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal nº 12.280, de 2010), a Lei das Cotas nas Universidades Públicas (Lei Federal nº 12.711, de 2012) e, mais recentemente, a Lei de Cotas Raciais em Concursos Públicos (Lei Federal nº 12.990, de 2014). Para ficarmos apenas nessas duas últimas, já que o objetivo desse estudo é a discussão sobre cotas raciais, ainda assim, há uma diferença qualitativa considerável, verificável nos últimos anos, principalmente no que tange ao tempo de tramitação do processo legislativo e a identidade entre o projeto originalmente proposto e o projeto que veio a ser transformado em lei. Enquanto o tempo de tramitação do PL 73/1999, que resultou na Lei das Cotas nas Universidades Públicas, se estendeu por mais de dez anos (PINHEL, 2012), o PL 6.738/2013, que resultou na Lei de Cotas Raciais em Concursos Públicos, tramitou por apenas 8 meses (de 7.11.2013 a 9.06.2014), sendo que, no Senado, por um período inferior a dois meses (de 01.04.2014 a 21.05.2014). Também o projeto sofreu alterações consideráveis, vez que, a proposta do PL 73/1999, de autoria da Deputada Nice Lobão (PFL-MA), foi aprovada na forma do substitutivo apresentado em 2005, pela Comissão de Educação e Cultura, elaborado pelo deputado Carlos Abicalil (PT-MT). Já o PL 6.738/2013 recebeu no total 8 emendas (7 na Câmara dos Deputados e 1 no Senado), sendo todas rejeitadas, mantendo, portanto, a íntegra do projeto original. Algumas variáveis talvez expliquem esta diferença, uma delas, sem dúvida, é a atuação de ativistas institucionais na elaboração do PL 6.738/2013, bem como sua atuação direta para aprovação da proposta, como a seguir se verá.

II - Projetos de Cotas Raciais para concursos públicos na Câmara dos Deputados

Foram diversas as propostas legislativas para correção histórica das sub-representação3 negra no mercado de trabalho, todas elas, de iniciativa dos Deputados, mesmo que da base aliada do governo, não tiveram êxito em sua conversão em lei. Com o objetivo de identificar esses PLs de controle, realizou-se um levantamento com a ferramenta

de

busca

disponível

no

sítio

eletrônico

da

Câmara

dos

Deputados,

com as seguintes palavras-chaves: “cotas” e “raciais”. Das entradas encontradas na aba “Legislação”, fez-se nova pesquisa, refinando os resultados apenas referentes ao mercado de trabalho. Foram encontrados 11 (onze) propostas sobre o tema. Desses projetos, o que apresenta o maior tempo de tramitação, estando ainda ativo, é o PL 1.866, de 1999, que dispõe sobre medidas de ação compensatória para a implementação do princípio da isonomia social do negro. A última ação registrada remete a 4.08.2015, em que designada na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) a deputada Rosângela Gomes (PRB-RJ) como relatora. De qualquer forma, tendo em conta que nenhum desses projetos concluiu seu processo, cabe tão-somente seu registro histórico para reforço da hipótese de que um projeto que tem iniciativa no Executivo, com uma forte articulação dos interesses de governo com os interesses dos movimentos sociais tem mais chances de êxito, como é o caso d PL 6.738, de 2014.

III - A Lei Federal nº 12.990, de 2014

i - Antecedentes

A previsão de cotas raciais em concursos públicos já constava do Estatuto da Igualdade Racial, na primeira versão apresentada pelo então Deputado Paulo Paim (PT-RS), no PL 3.198, de 2000,4 e que, ao final de um longo e tortuoso processo (SANTOS, SANTOS,

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Conforme Osório, 2006, p. 54: “Por sub-representação deve-se entender a situação em que a proporção de pessoas de um grupo na população de interesse, no caso o serviço público civil, é inferior à proporção observada nas populações de referência”. 4 O projeto, então, previa: “Art. 20. Será estabelecida cota de pelo menos 20% para o acesso dos afrodescendentes a cargos públicos, através de concurso público, a nível federal, estadual e municipal”.

BERTÚLIO, 2011) acabou virando um tímido artigo, sem indicações de percentuais e mera possibilidade de sua adoção no mercado de trabalho.5 Tatiana Dias Silva (2012), à vista da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial – EIRA, Lei Federal nº 12.280, de 2010, assinala a insatisfação de setores do Movimento Negro com tamanho retrocesso, comparado ao projeto inicial (p. 19 e 20), vez que “foram permitidos recuos em demasia em nome da aprovação de um texto que traz, no formato atual, poucas inovações e benefícios concretos” (p. 21). De qualquer sorte, tendo-se já um marco legal com diretrizes específicas para o mercado de trabalho, iniciam-se as discussões sobre a regulamentação do art. 39, do EIRA. Da parte do Governo, a Ministra Luiza Bairros, em uma reunião com representantes dos movimentos negros, realizada aos 19.07.2013, repetiria a promessa - já feita em anos anteriores - de aprovação de um decreto para regulamentar a questão o mais rápido possível (DILMA, 2013). Conquanto vários movimentos negros tenham aderido esta bandeira (KINTÊ, 2013), a ONG Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes6 aparece como interlocutora de maior destaque (EDUCAFRO, 2013; DAMÉ, 2013), não só por deter assento no Conselho Nacional de Igualdade Racial – CNPIR, o que lhe dá um acesso privilegiado às instâncias de poder, mas também, ao sair das articulações de gabinete, por passar a fazer uma pressão mais incisiva (EM, 2013), exigindo respostas efetivas para as cotas raciais em concursos públicos. Assim é que na abertura da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada em Brasília, entre os dias 5 a 7 de novembro de 2013, a Presidenta Dilma apresenta o Projeto e assina a Mensagem nº 491/2013, que encaminha à Câmara dos Deputados uma proposta de cotas raciais em concursos públicos federais, para análise em regime de urgência.

ii - A justificação do projeto

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Art. 39. O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. 6 Conforme informações institucionais: “A Educafro tem a missão de promover a inclusão da população negra (em especial) e pobre (em geral), nas universidades públicas e particulares com bolsa de estudos, através do serviço de seus voluntários/as nos núcleos de pré-vestibular comunitários e setores da sua Sede Nacional, em forma de mutirão. No conjunto de suas atividades, a Educafro luta para que o Estado cumpra suas obrigações, através de políticas públicas e ações afirmativas na educação, voltadas para negros e pobres, promoção da diversidade étnica no mercado de trabalho, defesa dos direitos humanos, combate ao racismo e a todas as formas de discriminação”. Disponível em: . Acesso em 16.10.2015.

Na manifestação enviada pela SEPPIR (BRASIL, 2013a), o PL apresentado tem por objetivo regulamentar o art. 39 do EIRA. Esse já é um ponto que chama atenção, na medida em que a fiel execução das leis é obtida por meio de decreto (art. 84, IV, da CRFB, de 1988). Aliás, a reivindicação dos movimentos negros (DILMA, 2013; EM, 2013) era no sentido da regulamentação, não na aprovação de uma nova lei. E, certa forma, realmente no exercício da atividade normativa secundária (CLÈVE, 2000), desde que observados os princípios que regem a relação entre o regulamento e a lei (idem, p. 288 a 291), não se vislumbra óbice legal ou constitucional para que o regramento previsto na Lei Federal nº 12.990, de 2014, viesse sob a forma de decreto regulamentar. Essa, no entanto, não foi a opção, certamente premida pela necessidade de “segurança jurídica” (DILMA, 2013). Outro ponto que chama a atenção é a ausência de qualquer referência aos movimentos negros na justificativa ao projeto e sequer ser esta uma demanda popular. Mas, é destacado tratar-se de um objetivo do Estado que “vem ao encontro do entendimento acerca da necessidade de diversidade na administração pública, considerando seu papel na formulação e implantação de políticas públicas voltadas para todos os segmentos da sociedade”, além do “potencial de incentivar a adoção de ações semelhantes tanto no setor público quanto no setor privado” (BRASIL, 2013a). Esse aspecto denota, no entanto, que o risco de cooptação – e sua prática – é muito grande (GOMES, 2009), na medida em que há uma absorção seletiva de demandas do movimento negro pelo Governo, e que, certa forma, impede a própria organização política dos negros (CARDOSO, 2005)7. Ao se destacar o “entendimento acerca da necessidade de diversidade na administração pública”, de certa forma, deixa-se de abordar a necessidade de se diversificar todas as instâncias da sociedade, no que se refere ao aspecto étnico-racial, ao mesmo tempo em que

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Segundo o autor, apud Gomes, 2009, p. 115: “Então, primeira coisa, eu tenho que deixar, que deixar os movimentos livres, isso que os partidos não entendem, para que o movimento possa, em contato com as realidades da comunidade, dos bairros, da sociedade, ele possa apontar caminhos, e não ser um funcionário do partido, que está lá para impedir que ali se desenvolva qualquer coisa que comprometa o sucesso eleitoral daquela legenda. Essa é a visão deles”

reforça as práticas universalistas – importantes, sem dúvida – mas que não são objeto do Projeto de Lei. Por fim, o percentual proposto, de 20% (vinte por cento), parte da população negra total de 50,74%, de acordo com o IBGE, mas que, no serviço público federal, representa apenas 30%, de acordo com as informações de cor e raça registradas no Sistema de Registros Federal, que se espera, no prazo de 10 anos, seja equalizado com o percentual da população.

iii - O processo legislativo O fato de ter tramitado em regime de urgência constitucional,8 por um lado, assegurou uma aprovação mais célere, por outro, impediu a realização de audiências públicas, não obstante o requerimento nº 9.236/2013, dos Deputados André Moura (PSC-SE) e Pastor Marcos Feliciano (PSC-SP), para que houvesse a transformação de uma das sessões plenárias em Comissão Geral, para que “sua discussão seja aberta aos diversos segmentos da sociedade civil organizada” (BRASIL, 2013a), que não chegou a ser apreciado. Mas, com a realização de um videochat, o Pastor Marcos Feliciano, da CDHC, pode ouvir vários participantes e fazer ponderações sobre as demandas apresentadas (BRASIL, 2013b). Uma das reivindicações apresentadas foi no sentido de adoção de critérios socioeconômicos, a fim de se evitar o beneficiamento de indivíduos privilegiados, dentro do grupo de beneficiários (a nata ou creamy layer) (FERES JÚNIOR, DAFLON, 2015). No entanto, tendo surgido como Emenda, foi rejeitada. Assim, em 7.11.2013, após a apresentação em Plenário do PL 6.738 e da Mensagem 491/2013, a Mesa Diretora despachou o processo para as comissões julgadoras (Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Comissão de Administração e Serviço Público e Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), após a publicação no diário oficial (DCD de 08/11/13 p. 53325 col. 01).

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CRFB, de 1988. Art. 64. […] §1º O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. §2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.

Durante o prazo para apresentação de emendas (5 sessões ordinárias a partir de 8.11.2013), foram apresentados três requerimentos e seis emendas. Dois dos requerimentos pediam revisão do despacho inicial para inclusão da Comissão de Seguridade Social e Família e da Comissão de Cultura, ambos indeferidos. O pedido de inclusão na ordem do dia não chegou a ser apreciado. Já as Emendas de Plenário tiveram o seguinte conteúdo:

Emenda nº EMP 1/2013

Data de apresentação 19.11.2013

Autor

Descrição

Dep. Luiz Alberto – PT-BA

Altera os arts. 1º e 2º, para estender a reserva de vagas para cargos de provimento em comissão Acrescenta os indígenas, juntamente aos negros, além de aumentar de 20% para 30% o percentual de vagas oferecidas nos concursos públicos Dê-se ao art. 6º do Projeto a seguinte redação: Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, para que lei passe a vigorar com prazo indeterminado. Acrescente-se onde couber novo artigo com a seguinte redação: O preenchimento dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, deverá se dar em percentuais paritários aos pretos, pardos e brancos, em observância ao disposto no inciso I, art. 2º do Decreto n.º 4.228, de 13 de maio de 2002. Dê-se ao art. 1º do Projeto a seguinte redação: Art. 1 Ficam reservadas aos negros cinquenta por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei. Acrescente-se à parte final do art. 1º do Projeto a seguinte redação: Art. 1º Ficam reservadas aos negros vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas, das sociedades de economia mista controladas pela União e nos Poderes Legislativo e Judiciário da União, na forma desta Lei. Acrescenta o §4º ao art. 3º, para reservar vinte por cento dos cargos em comissão no âmbito da administração pública federal, respeitada a proporcionalidade da reserva em cada nível do grupo Direção e Assessoramento Superior (DAS)

EMP 2/2013

19.11.2013

Dep. Domingos Dutra – Solidariedade-MA

EMP 3/2013

20.11.2013

Dep. Janete Rocha Pietá – PT-SP

EMP 4/2013

20.11.2013

Dep. Janete Rocha Pietá – PT-SP

EMP 5/2013

20.11.2013

Dep. Janete Rocha Pietá – PT-SP

EMP 6/2013

20.11.2013

Dep. Janete Rocha Pietá – PT-SP

EMP 7/2013

26.03.2014

Dep. André Figueiredo – PDT-CE

As Emendas acabaram sendo rejeitadas ao fim (parecer do Deputado Vicentinho, do PT-SP), na Sessão Plenária Deliberativa Extraordinária do dia 26.03.2014. Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias - CDHM, opinou-se pela aprovação do Projeto de Lei nº 6.738/2013, pela aprovação da Emenda de Plenário 1/2013 e da Emenda de Plenário 4/2013, com subemendas, e pela rejeição da Emenda de Plenário 2/2013, da Emenda de Plenário 3/2013, da Emenda de Plenário 5/2013 e da Emenda de Plenário 6/2013, nos termos do Parecer do Relator, Deputado Pastor Marco Feliciano, que apresentou complementação de voto. Os Deputados Marcos Rogério (PDT-RO) e Pastor Eurico (PSB-PE) apresentaram voto em separado. O primeiro, pela rejeição; o último, pela inclusão de fator socioeconômico no projeto (candidatos oriundos de escola pública). A CDHM, ainda, apresentou duas subemendas, incorporando ao projeto a proposta do Deputado Pastor Eurico (PSB-PE), para estabelecer percentuais distintos para candidatos oriundos de escola pública, e a proposta do Deputado Luiz Alberto (PT-BA), para estender a reserva para cargos em comissão. Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o parecer do Relator, Dep. Vicentinho, foi pela aprovação deste e pela rejeição das Emendas de Plenário. Por fim, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa deste e das Emendas de Plenário n.º 1,2 e 4; pela inconstitucionalidade das Emendas de Plenário n.º 3,5 e 6; e pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa das Subemendas da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Por fim, o projeto é aprovado com 314 votos a favor, 36 votos contra e 6 abstenções, no dia 26.03.2014, e remetido ao Senado em 1º.04.2014. Nessa Casa Legislativa, passa a tramitar como PLC nº 29, de 2014, com pareceres favoráveis da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. A única emenda apresentada, pela Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que fixava percentual das vagas aos residentes no Estado onde situados os cargos a serem providos, foi rejeitada. Assim, o Projeto é aprovado em Sessão Plenária do dia 20.05.2014, e encaminhada a sanção no dia seguinte, sendo sancionada e transformada em lei em 10.06.2014. Feito esse breve histórico, passa-se à análise da atuação dos movimentos negros para aprovação do Projeto de Lei nº 6.738/2014.

IV - A posição - ou silenciamento - dos movimentos negros

A criação de cotas raciais, quer na educação, quer nos serviços públicos, não é um tema pacífico para os movimentos negros (CONTINS, SANT’ANA, 1996; SANTOS, 2012, p. 168). Aliás, a própria opção por se utilizar o termo “movimentos negros” no plural resulta da cautela, uma vez que o termo Movimento Negro induz a uma “harmonia aparente, um amplo consenso nos modos pelos quais este movimento social tem se organizado e atuado na esfera pública” (SANTOS, 2012, p. 88), que não corresponde à realidade. Assim, se por um lado tem-se a adesão de diversas organizações para a aprovação de cotas raciais em concursos públicos, como as entidades que compõe o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial – CNPIR9 e dos movimentos negros presentes na reunião com a Presidenta Dilma Roussef em 19.07.2013 (KINTÊ, 2013),10 por outro, não se pode ignorar a existência de outras entidades frontalmente contrárias à política de cotas raciais (CONFIRA, 2006) e a forma como o atual governo lida com a questão racial (COORDENADOR, 2013)11, muito em razão dos riscos da institucionalização, na medida em que, com rara frequência, resulta na cooptação do movimento (GOMES, 2009).

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O CNPIR é composto por 22 órgãos do Poder Público Federal, 19 entidades da sociedade civil, escolhidas através de edital público, e por três notáveis indicados pela SEPPIR. Para o biênio 2012-2014, foram selecionadas as seguintes entidades: I) Sociedade Civil (Organização Geral do Movimento Negro) 1 - Agentes Pastorais Negros APN´S; 2 - União de Negros pela Igualdade – UNEGRO; 3 - Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros – ANCEABRA; 4 - Rede Amazônia Negra; 5 - Congresso Nacional AfroBrasileiro; 6 - Educação de Carentes e Afrodescendentes – EDUCAFRO; 7 - Centro de Cultura Negra do Maranhão – CCN; 8 - Centro de Estudos das relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT; 9 - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas – CEAP; 10 - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; SEGMENTO: Comunidades de Terreiros: 11 - Centro de Africanidade e Resistência Afro-brasileira –CENARAB; 12 - Associação Afro-Religiosa e Cultural "Ilê Yabá Omi"; SEGMENTO: Juventude: 13 - Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer; 14 - União da Juventude Socialista – UJS; SEGMENTO: Mulheres: 15 - Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB; 16 - Fórum Nacional de Mulheres Negras –FNMN; SEGMENTO: Comunidade Quilombola: 17 - Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. SEGMENTO: Trabalhadores 18 - Central Única dos Trabalhadores – CUT; 19 - União Geral dos Trabalhadores – UGT; 20 Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB; 21 - Instituto Sindical interamericano pela Igualdade Racial – INSPIR. 10 São elas: Coletivo Pretas Candangas / Campanha A Cor da Marcha, CONAQ, ENEGRECER, UNEGRO, Fórum de Mulheres Negras, CONEN, EDUCAFRO, APNs, CEAP, ANCEABRA, Faculdade Zumbi dos Palmares, CEN, AMNB, ABPN, Instituto Flores de Dan / Articulação Mulheres & Mídias Bahia, Instituto Odara e CENARAB. 11 Embora não se fale diretamente em oposição a cotas raciais em concursos públicos, o Coordenador do MNU, Reginaldo Bispo, aponta as seguintes organizações não alinhadas com o governo Dilma: Fração MNU de Lutas, Autônomo e Independente, setores do CONNEB, no RJ, Quilombo X e o Coletivo Akofena, na BA, Frente Popular e Quilombola, no RS, Uniafro-SP, Circuito Palmarino e Quilombo Raça e Classe.

Na discussão do Projeto de Lei nº 12.990, de 2014, este embate do próprio movimento negro não pode ser verificado. Pelo menos, não transpareceu a partir da análise das Atas das Comissões da Câmara dos Deputados, dos arquivos sonoros disponibilizados, dos pareceres produzidos e das manifestações de votos proferidas, em que não se indicam oposição dos próprios movimentos negros. Entretanto, não se pode desconsiderar que o Projeto, além de tramitação célere - em razão do regime de urgência12 - foi mantido em sua íntegra, com rejeição de todas as emendas, até mesmo as que seriam mais benéficas aos movimentos negros, como a que estende a reserva de vagas para os cargos em comissão ou fixa o percentual de 50% (cinquenta por cento) das vagas reservadas. A partir dessa constatação, um ator aparece como fundamental na condução desse processo: a SEPPIR, na medida em que se apresenta como o locus em que os ativistas institucionais ligados aos movimentos negros se concentram, por se tratar de um órgão formulador de políticas de igualdade racial.

V - A SEPPIR e a atuação dos ativistas institucionais

Conforme Ribeiro (2014, p. 217), entre 1988 a 2003, foram criados vários organismos voltados para a questão racial, a saber: a Fundação Cultural Palmares (1988); o Grupo de Trabalho Interministerial (1995), o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (1996); o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (2001), a Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR (2003) e o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial - CNPIR (2003). Criada pela Medida Provisória nº 111, de 21.05.2003, convertida na Lei Federal nº 10.678, de 23.05.2003, a SEPPIR foi “a resposta mais efetiva por parte da gestão do presidente Lula às demandas do Movimento Negro e da organização de mulheres negras” (RIBEIRO, 2014, p. 233). Para sua elaboração, participaram cinco entidades ligadas à questão racial e aos movimentos negros: a Coordenação Nacional de Entidades Negras; o Movimento Negro Unificado (MNU); a União dos Negros pela Igualdade (Unegro); a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores e a representação do Partido Comunista do Brasil (Ribeiro, 2014, pp. 233 e 234). 12

Embora, na prática, o prazo de 45 (quarenta e cinco) não tenha sido observado.

As bases jurídicas para sua montagem foram a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, o Programa Brasil sem Racismo e a Declaração e Plano de Ação de Durban (Ribeiro, 2014, p. 234), sendo, atualmente, sua referência política o Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal nº 12.280, de 2010) (BRASIL, 2015a) Ao se analisar as experiências dos/as ministros/as da Igualdade Racial, é possível verificar que, não obstante uma evidente vinculação político-partidária, vários tem um histórico de lutas nos movimentos sociais negros. Destaca-se, especialmente, a primeira a conduzir a SEPPIR, ex-Ministra Matilde Ribeiro (gestão de 2003 a 2008) que milita no Movimento Negro e no Movimento Feminista desde meados dos anos 1980 (RIBEIRO, 2014, p. 29) e a ex-Ministra Luiza Bairros (gestão 2011 a 2014), com início de sua atuação junto ao MNU, em 1979, estando ligada a este movimento até 1994 e forte articulação com o movimento das mulheres negras (ALVAREZ, 2012). O único Ministro sem ligação com movimentos sociais foi o Ministro Edson Santos (gestão de 2008 a 2010) e, por isso mesmo, criticado por alguns movimentos negros, por sua atuação mais governista (COORDENADOR, 2013). Mas claro que não só à frente da Secretaria tem-se pessoas ligados aos movimentos negros, em diversas estruturas internas é possível localizar a participação de ativistas institucionais. Especificamente em relação ao tema desse artigo, vale ressaltar a existência da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas - SPAA, no âmbito do SEPPIR, cuja direção, durante a gestão da Ministra Luiza Bairros, foi feita por Ângela Maria de Lima Nascimento, ligada à AMB Articulação de Organizações de Mulheres Negras e ao Observatório Negro (ESTELIAM, 2010), bem como a presença do Secretário Executivo Giovanni Harvey, fundador da Incubadora Afro Brasileira e com grande experiência no campo de ações afirmativas no mercado de trabalho (BRASIL, 2013c). Assim, vê-se que a SEPPIR é um órgão de governo, com uma composição que ao mesmo tempo em que é técnica, se vê composta por vários ativistas institucionais. Mas, o que se entende por este termo? SANTORO e MCGUIRE (1997), ao conjugar a atuação de movimentos sociais e a organização estatal, destacam o conceito de ativistas institucionais (institutional activists), no âmbito de uma teoria de mobilização de recursos, como sendo os “participantes de movimentos

sociais que ocupam status formal no governo e que buscam os objetivos do movimento social por meio dos canais convencionais da burocracia (p. 504).13 Num estudo comparativo entre ações afirmativas e igualdade salarial (comparable worth policies), os autores identificaram que, no contexto dessas duas políticas nos Estados Unidos, há diferentes influências dos atores dos movimentos sociais: enquanto os movimentos sociais foram decisivos para as ações afirmativas estatais, foram os ativistas institucionais, ligados ao movimento das mulheres, essenciais para uma política de igualdade salarial mais ampla (p. 504). Mas essa relação é dinâmica, na medida em que o movimento das mulheres também foi um grande aliado dos movimentos pelos direitos civis na sua luta por ações afirmativas (p. 506), característica essa também presente no debate brasileiro (RIBEIRO, 2014, p. 167). Do ponto de vista da teoria da mobilização de recursos, dois conceitos são centrais para entender porque os governos adotam determinadas políticas públicas: as estruturas de oportunidade política (political opportunity structure) e os atores originais dos movimentos sociais (indigenous movement actors). Conforme McAdam, McCarthy e Zald (1988 apud Santoro; McGuire, 1997, p. 504), as estruturas de oportunidades políticas se referem à “receptividade ou vulnerabilidade do sistema político de organizar os protestos de um determinado grupo reivindicante”. Vale lembrar que em se tratando da luta pela igualdade racial nos Estados Unidos - e, em seu âmbito, ações afirmativas - os protestos dos movimentos negros americanos foram sempre um destaque na literatura (MENEZES, 2001, p. 87). Ao considerarmos o Brasil, não há diferença quanto a esse aspecto. Como ressaltam Jaccoud e Beghin (2002, p. 12), “os avanços obtidos até o momento em benefício da população afrodescendente são resultado de conquistas do Movimento Negro”. Já Telles (2003, p. 322) aponta que o Movimento Negro conseguiu desacreditar a ideologia da democracia racial; mudou o pensamento sobre quem é branco e engajou o governo brasileiro na discussão de políticas públicas sobre o racismo. Oportunidade política, por sua vez, pode ser dividida em três categorias: (i) elites políticas apoiadoras (supportive political elites); (ii) aspectos estruturais ou institucionais da política, quanto

No original: “We view institutional activists as social movement participants who occupy formal statuses within the government and who pursue movement goals through conventional bureaucratic channels”. 13

a sua abertura (descentralização, por exemplo); e (iii) existência de aliados ou oponentes dos movimentos sociais (SANTORO; MCGUIRE, 1997, p. 504). Já os atores originais dos movimentos sociais são vistos como as próprias organizações sociais, por meio da qual esses movimentos tentam mobilizar recursos, traçar estratégias, recrutar membros, etc. (idem). A novidade da proposta de Santoro e McGuire é tentar unir estes dois elementos - também como mais tarde feito por EPP (2009) - que normalmente são vistos em separado e que ganha sentido na concepção dos ativistas institucionais, que, por serem membros da política teriam acesso direto aos recursos governamentais e se valem desse acesso facilitado para perseguir os mesmos objetivos dos movimentos sociais. Para a conclusão desses autores, das três categorias acima de oportunidade política, as elites políticas apoiadoras exercem um mais forte papel, se consideradas as outras duas categorias, na medida em que nos Estados tendentes a votar em candidatos mais progressistas tem-se políticas de ações afirmativas mais amplas do que naqueles em que os conservadores vencem (SANTORO; MCGUIRE, 1997, p. 512), pouco impactando a presença ou ausência de aliados ou oponentes a essas políticas inclusivas. Voltando ao Brasil, a elite política que se forma com a chegada do PT ao poder, com propostas mais progressistas que os governos anteriores, em relação à questão étnico-racial, mostra-se assim fundamental para a ampliação das ações afirmativas. Ribeiro (2014, p. 231) destaca o período de 2003 a 2010, sob a gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o discurso de posse, no primeiro mandato, “uma visão histórica da sociedade brasileira e, no campo racial e étnico, reconheceu a existência das discriminações, já o segundo mandato: […] veio acompanhado de grande proposição para avanços democráticos. Considera-se a absorção do conteúdo do Programa Brasil sem Racismo (PBR), e também os diálogos e proposições, a partir do Relatório de Transição de Governo de 2002, e, posteriormente, o programa de governo 2006-2010. Foram pautadas a campanha presidencial e a necessária mutação do Programa de Governo (peça de campanha) para um Plano de Gestão (atribuição do executivo), o que registrou a necessidade de formulação de caminhos para a política governamental no campo da igualdade racial. (idem, p. 233).

A culminância desse processo, ainda conforme Ribeiro (idem, ibidem) para a questão racial, foi a criação exatamente da SEPPIR, como uma “resposta mais efetiva por parte da gestão do presidente Lula às demandas do Movimento Negro e da organização de mulheres negras”. Já em relação aos atores, a conclusão é que ativistas institucionais, dos movimentos de mulheres, foram importantes na determinação de igualdade salarial, enquanto atores não institucionais, dos movimentos por direitos civis, afetaram as políticas de ações afirmativas nos EUA (SANTORO; MCGUIRE, 1997, p. 514), diferentemente do ocorrido no Brasil, como destacado. Três fatores explicariam estas variações. Primeiro, ativistas institucionais possuem um papel dominante nos resultados políticos para os movimentos sociais que já gozam de um acesso substancial na estrutura política estabelecida (idem, ibidem). Segundo, ativistas institucionais são particularmente importantes quando os movimentos enfrentam forte oposição interna ao governo a seus objetivos políticos, pois essa posição estratégica previne que os recursos sejam cooptados por grupos de interesse opostos (idem, ibidem). Terceiro, ativistas na estrutura do governo são importantes, ainda, nos resultados de uma política, quando esta é altamente complexa ou técnica em sua natureza, pois estariam em condição de monitorar sua aplicação (idem, ibidem). O primeiro e o terceiro fatores parecem ser especialmente importantes na questão das cotas raciais em concursos públicos, na medida em que, sua aprovação em 2013/2014, conta com uma estrutura política já bem consolidada de institucionalização dos movimentos negros, como já discutido por GOMES (2009), com mecanismos de efetivo acompanhamento dessa política pelo Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial - SINAPIR.

VI - Considerações Finais

A partir da análise do processo legislativo do PL 6.738, de 2013, é identificar a SEPPIR como um ator importante na aprovação de lei de cotas raciais no serviço público. Embora o projeto tenha se beneficiado de uma situação jurídica mais pacificada, quanto à constitucionalidade das ações afirmativas, uma vez ter sido proposta e aprovada após o julgamento da ADPF nº 186, julgada pelo STF em 26.04.2012, não se pode deixar de considerar, também, a

impopularidade do tema, uma vez que a enquete realizada pela Câmara dos Deputados, com a pergunta: “Você concorda com a reserva de 20% das vagas nos concursos públicos federais para candidatos negros?”, resultou em uma rejeição por parte de 86,34% (oitenta e seis vírgula trinta e quatro por cento) dos votantes, num total de 76.560 votos (BRASIL, 2013d). A expressiva maioria dos votos favoráveis a proposta, mesmo por partidos que não compõem a base aliada, levanta outras questões, que no âmbito desse trabalho não pode ser respondida. Uma delas é quanto a própria forma de atuação da Frente Parlamentar Mista pela Igualdade Racial e em Defesa dos Quilombolas, uma vez que vários de seus membros (BRASIL, 2015b) votaram contra a proposta14. Mas, é inegável que a atuação da SEPPIR se mostrou fundamental para que o projeto tivesse uma rápida tramitação e se mantivesse idêntico ao projeto inicial apresentado. Vale ressaltar que a recomendação de tramitação em regime de urgência consta da manifestação do SEPPIR que contém a justificação do projeto, tendo sido acolhida pela Presidenta Dilma Roussef. Nesse aspecto, mesmo que o prazo constitucional não tenha sido observado na Câmara dos Deputados, onde tramitou por 215 dias, no Senado, o prazo total de 51 (cinquenta e um) dias, ficou muito próximo ao limite dos 45 dias. Não por coincidência, houve no Senado a participação do Secretário Executivo Giovanni Harvey, utilizando-se da tribuna, para pedir o apoio dos Senadores ao projeto (BRASIL, 2014). Outro ponto de suma importância foi a não inclusão de aspectos socioeconômicos na proposta, como acabou constando do projeto de cotas raciais na educação, mesmo com emendas parlamentares nesse sentido, o que constitui uma importante vitória da pauta dos movimentos negros, superando programas que se fixam no conflito de classes (BERTÚLIO, 2012). Em conclusão, na lei de cotas para concursos públicos é possível identificar que o diálogo entre movimentos negros e o Poder Legislativo deu-se por meio da SEPPIR, em que ativistas institucionais lograram propor e conseguir a aprovação de um projeto de lei que, mesmo não sendo unanimidade entre os movimentos negros, é um importante passo no combate ao racismo institucional.

14

Foram eles: Dep. Paulo Cesar Quartiero – DEM/RR; Dep. Mauro Lopes – PMDB/MG; Raul Henry – PMDB/PE; Dep. Rogério Peninha Mendonça – PMDB/SC; Dep. Eduardo Sciarra – PSD/PR; Dep. Onofre Santo Agostini – PSD/SC; Dep. Jaqueline Roriz – PMN/DF; Dep. Guilherme Mussi – PP/SP; Dep. Renzo Braz – PP/MG; Dep. Dr. Ubiali – PSB/SP e Dep. Takayama – PSC/PR.

Referências Bibliográficas

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