Muito além do consumismo nosso de cada dia: Motor da economia, consumo também preocupa cientistas sociais que o veem como definidor de identidades (reportagem)
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Domingo, 30 de maio de 2004 • 2ª edição
O GLOBO
ECONOMIA
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Muito além do consumismo nosso de cada dia Motor da economia, o consumo também preocupa cientistas sociais que o vêem como definidor de identidades AP
Paulo Thiago de Mello l
O consumo ocupa hoje um papel central na economia, sendo determinante para o equilíbrio das finanças de um país. Seu excesso ou escassez provocam distúrbios que precisam ser administrados por meio de políticas monetárias rígidas. Por outro lado, o consumidor tem hoje o status de um agente político importante, criando uma agenda de cidadania que passa fundamentalmente pelo respeito aos seus direitos. No entanto, a chamada sociedade de consumo tem sido vista como algo moralmente condenável, fruto de uma necessidade insaciável e ilegítima de aquisição de bens materiais, que é amplificada pela propaganda. Mas afinal, por que consumimos e qual a importância disso no nosso dia-a-dia? Segundo a antropóloga Lívia Barbosa — que coordenou na semana passada o 1 o- Encontro Nacional de Antropologia do Consumo, promovido pela Universidade Federal Fluminense (UFF) — apesar desse peso negativo, o consumo é hoje parte central da definição da identidade de indivíduos e grupos. Para alguns teóricos, isto marcaria uma ruptura em relação à modernidade nas sociedades industriais, quando a identidade era marcada sobretudo pelo trabalho. Ao ajudar a definir quem somos, o consumo inaugura uma nova era, chamada por al-
“Quando discordo das justificativas que podem explicar por que estou comprando tal produto ou serviço, simplesmente digo: ‘eu mereço’“ LÍVIA BARBOSA Antropóloga
guns de pós-modernidade. — A sociedade ocidental explica genericamente seu consumo dividindo-o em necessidades básicas e supérfluas. As básicas são legítimas e para as quais não é preciso dar explicações. Já em relação às supérfluas, é preciso toda uma retórica para justificá-las. Do ponto de vista antropológico, se olharmos um pouco além dessas duas categorias, veremos que a existência social é cultural. Ou seja, ninguém come genericamente apenas para garantir sua reprodução física. Nós comemos dentro de determinados estilos que representam escolhas culturais no seu nível mais básico — afirma Lívia. O sociólogo Robert Bocock, da Open University, segue pela mesma linha. Para ele, os estilos de vida são marcados por padrões de consumo e, por isso, se relacionam com a identidade das pessoas. Segundo Lívia, também não se sustenta a noção, bastante arraigada, de que o consumo vai se tornando mais complexo à medida que as necessidades
mais básicas vão sendo saciadas, indo da subsistência ao lazer, numa escala hierárquica. — O fato de haver antena parabólica na favela ou de empregadas domésticas investirem seu dinheiro numa fantasia para desfilar no carnaval causa espanto. Por quê? Porque na nossa visão isso só poderia ocorrer se eles já tivessem suprido todo um conjunto de necessidades básicas — diz. É preciso justificar as compras supérfluas Isso contraria a visão tradicional da economia de que, para consumir, basta que exista o bem e os recursos para adquirilo, pois é preciso usar toda uma retórica para justificarmos a nós mesmos nossas compras. — Quando discordo de todas as justificativas tradicionais e legítimas que podem explicar por que estou comprando tal ou qual produto ou serviço, eu simplesmente digo: “eu mereço” — diz Lívia. Ela chama a atenção também para o caráter elusivo do consumo, afirmando que ele
só é percebido normalmente quando se adquire um bem: — É um processo social que não tem necessariamente a ver com compra e venda de produtos, pois começa antes da compra e da venda e só termina no descarte da mercadoria. Esse processo nos informa sobre nós mesmos e reafirma nossa identidade. — Quando nos vemos em algum produto, quando dizemos a famosa frase: “isso é a minha cara”, estamos nos reconhecendo nessas mercadorias — diz Lívia. Já Colin Campbell, um dos teóricos citados por Lívia, chama a atenção para o que ele classifica de hedonismo contemporâneo, um padrão de gratificação pessoal por meio do consumo que passa pelo devaneio e pela fantasia relacionada aos produtos que desejamos consumir. Trata-se de um padrão de gratificação diferente do tradicional, baseado nas sensações. — Quando você passa por uma vitrine e vê aquele vestido que não havia pensado em comprar, mas percebe que já não pode viver sem ele, você não está fazendo uma compra por impulso. Isso não é uma resposta a um reflexo condicionado, mas está relacionado à imaginação de situações em que aquele objeto pode te dar prazer — afirma Lívia. n
O Brasil precisa de
A MODA é um dos motores que impulsionam o consumo contemporâneo
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para voltar a crescer.
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