Múltiplos determinantes em sintagmas nominais definidos e indefinidos do português brasileiro
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MÚLTIPLOS DETERMINANTES EM SINTAGMAS NOMINAIS DEFINIDOS E INDEFINIDOS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO* Maria José Foltran universidade feder al do par aná
Vitor Augusto Nóbrega universidade de são paulo
Livia Oushiro universidade feder al do rio de janeiro
Resumo: Múltiplos determinantes são atestados em dois contextos nos sintagmas nominais do português brasileiro: (i) múltiplos artigos indefinidos, em sintagmas com intensificadores adjetivais e nominais (e.g., uma puta de uma festa), e (ii) múltiplos artigos definidos e pronomes demonstrativos, em sintagmas com modificadores nominais (e.g., a vaca da minha prima; esse merda desse deputado). Neste artigo, demonstramos que a duplicação de determinantes indefinidos não altera a interpretação de sintagmas nominais com intensificadores dessa natureza. Além disso, contrastamos os contextos de duplicação de determinantes em sintagmas definidos e indefinidos, argumentando que eles caracterizam diferentes estratégias sintáticas de modificação. Palavras-chave: Intensificação. Modificação. Predicação. Sintagma nominal.
Introdução O português brasileiro (PB) apresenta um conjunto de intensificadores lexicais – adjetivais e nominais – que se realizam, sistematicamente, em duas * Agradecemos a João Costa, Max Guimarães e Patrícia Rodrigues pelas sugestões e comentários feitos durante o desenvolvimento deste trabalho. Agradecemos também os participantes do III Congresso Internacional de Estudos Linguísticos pelas questões, comentários e feedback. As pesquisas de MJF e VN recebem apoio financeiro do CNPq – Processos 306559/2013-7 e 160605/2014-8; a pesquisa de LO é financiada por bolsa PNPD/Capes.
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configurações no sintagma nominal: em posição atributiva, ou seja, quando o intensificador ocorre justaposto ao elemento modificado, como em (1), ou em posição predicativa, em sintagmas nominais com múltiplos determinantes indefinidos, como em (2). (1) a. Um tremendo vendaval b. Uma puta festa (2) a. Um tremendo de um vendaval b. Uma puta de uma festa Nomes, quando empregados como modificadores, permitem igualmente a realização de múltiplos determinantes em sintagmas nominais com artigos definidos ou pronomes demonstrativos, como é possível verificar em (3). (3) a. A vaca da minha prima b. Esse safado desse deputado c. Aquele idiota daquele motorista Os grupos de sintagmas nominais exemplificados em (2) e (3) caracterizam um fenômeno sintático – a duplicação de determinantes – que ocorre, exclusivamente, em contextos de modificação nominal. A divisão dos sintagmas em dois grupos deriva, principalmente, (i) da natureza dos elementos duplicados (i.e., se artigos indefinidos, ou artigos definidos e pronomes demonstrativos), (ii) da natureza do modificador (i.e., se intensificadores ou nomes de grau), e (iii) da interpretação, a qual é, essencialmente, apreciativa nos sintagmas indefinidos. Neste artigo, buscamos descrever sintática e semanticamente a duplicação de determinantes nos sintagmas nominais do PB. Em um primeiro momento, demonstramos, através de um experimento, que a duplicação de determinantes não interfere na interpretação dos sintagmas indefinidos em (1) e (2), ou seja, ambos apresentam o mesmo grau de intensificação. Em seguida, contrastamos o comportamento dos dois grupos de sintagmas com determinantes duplicados, e demonstramos que eles são diferentes estratégias sintáticas de modificação, com base em suas características distribucionais. 174
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1. Duplicação de determinantes em sintagmas nominais indefinidos: contrastes de interpretação A múltipla realização de determinantes em sintagmas nominais indefinidos é atestada, pelo menos, em dois contextos translinguisticamente. Alexiadou (2014) mostra que múltiplos artigos indefinidos podem emergir quando o sintagma indefinido contém (i) modificadores adjetivais, como se observa em (4), ou (ii) intensificadores, quantificadores e advérbios, como ilustrado em (5). (4) en stor en um grande um
kar homem
Sueco setentrional (ALEXIADOU, 2014, p. 3)
(5) a no um muito
a grißa Bua um grande garoto
Austro-Bávaro (KALLULLI; ROTHMAYR, 2008)
Nesses dois contextos, nota-se a ausência de uma preposição relacionando o modificador e o nome modificado, como ocorre no PB. Além disso, a duplicação de determinantes indefinidos não é obrigatória no PB, visto que a contraparte atributiva também é possível (1)1. Dos dois contextos sintáticos atestados translinguisticamente, o PB caracteriza-se como um exemplar híbrido, pois permite a duplicação de determinantes indefinidos em contextos de modificadores adjetivais e nominais que denotam uma intensificação, ou seja, projetam uma escala de avaliação, tais como aqueles apresentados em (6), descritos por Foltran e Nóbrega (2016).
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Diferentemente, vários dialetos escandinavos, nos quais a duplicação de determinantes indefinidos é produtiva (cf. ALEXIADOU, 2014), exigem a inserção de um determinante indefinido toda vez que um modificador adjetival é adicionado ao sintagma nominal, como pode ser visto em (i), fato semelhante ao espraiamento de definitude em sintagmas nominais definidos do grego moderno e do hebraico. (i) en stygg en stor en fyr um feio um grande um cara
Norueguês setentrional (ALEXIADOU, 2014, p. 103)
Maria José Foltran, Vitor Augusto Nóbrega & Livia Oushiro
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(6) Intensificadores adjetivais e nominais do PB (FOLTRAN; NÓBREGA, 2016) a. Adjetivos intensificadores inovadores: tremendo(a), bruto(a). b. Intensificadores denominais: puta, senhor(a), e baita. c. Intensificadores de origem clássica ou germânica: mega, hiper, super e big. Opostamente, modificadores adjetivais que denotam propriedades físicas, dimensão, valor, cor e velocidade, bem como intensificadores adverbiais, não desencadeiam duplicação de determinantes nos sintagmas indefinidos do PB: (7) a. *Ele é um feio de um rapaz b. *Aquela é uma pequena de uma casa c. *Ela é uma importante de uma médica d. *Essa é uma branca de uma rosa e. *Ele é um rápido de um corredor f. *Ele é um muito de um bonito A capacidade de desencadear a duplicação de determinantes em sintagmas indefinidos é um traço distintivo dos intensificadores adjetivais e nominais em (6), os quais, segundo Foltran e Nóbrega (2016), integram uma classe uniforme de modificadores no PB. Além disso, tal capacidade permite distinguir os intensificadores em (6) de uma subclasse de intensificadores adjetivais, os modificadores adnominais escalares (i.e., unidades que modificam exclusivamente nomes escalares, e.g., verdadeiro, total, grande, completo, perfeito; cf. MORZYCKI, 2012), os quais não apresentam tal capacidade. Em um experimento realizado por Foltran e Nóbrega (2016), é possível verificar que todos os intensificadores em (6) são bem aceitos em sintagmas nominais indefinidos com duplicação de determinantes, exceto os modificadores adnominais escalares, os quais apresentam taxas de aceitabilidade abaixo dos 50%, como representado na Figura 1. Tendo em mente que os sintagmas indefinidos apresentam dois padrões, com um ou múltiplos artigos indefinidos, uma questão imediatamente se coloca: em que medida os sintagmas nominais com artigos indefinidos duplicados se relacionam com os sintagmas nominais em que há um único artigo indefini176
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Figura 1: Taxa de aceitabilidade dos intensificadores adjetivais e nominais do PB em sintagmas nominais com múltiplos artigos indefinidos.
do? Especificamente com relação à interpretação, um sintagma como uma puta de uma festa apresenta a mesma interpretação que uma puta festa? Lindauer (1991 apud ALEXIADOU, 2014, p. 97) mostra que em sintagmas nominais com intensificadores adverbiais do suíço-alemão a duplicação de determinantes indefinidos altera a interpretação dos sintagmas, tornando-o duplamente intensificado. (8) a. en ganz guete Wi Suíço-alemão um totalmente bom vinho ‘um vinho muito bom’ b. em ganz en guete Wi um totalmente um bom vinho ‘um vinho excepcionalmente bom’ (LINDAUER, 1991 apud ALEXIADOU, 2014, p. 97) Com o intuito de verificar se o mesmo fato se aplica nos sintagmas indefinidos do PB, preparamos um experimento online, aplicado através da plataforma Maria José Foltran, Vitor Augusto Nóbrega & Livia Oushiro
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Qualtrics (cf. http://www.qualtrics.com/). A partir dele, buscamos responder a seguinte questão: há alguma diferença no grau de intensificação entre as estruturas em (9a) e (9b)? Mais precisamente, a leitura presente em (9a) é mais intensa que a de (9b)? (9) a. Estrutura A: um(a) b. Estrutura B: um(a)
(INT) de um(a) (INT) (N)
(N)
O experimento foi estruturado do seguinte modo: foram elaboradas 8 sentenças-alvo com os intensificadores puta, mega, bruta e baita, cada qual inserido em uma situação que diferia em dois graus de intensidade. Tais sentenças se encontram no Quadro 1 (em que “+” caracteriza situações extremas, e “–” situações triviais). Todos os intensificadores utilizados são dissilábicos e paroxítonos (opostamente a tremendo, por exemplo), a fim de controlar os efeitos prosódicos das situações sugeridas. Os participantes tinham que ler a descrição de 16 situações e, para cada uma delas, responder uma questão sobre sua “intensidade”, atribuindo um valor em uma escala de 0 a 10, como ilustrado na Figura 2. Os participantes foram divididos, aleatoriamente, em 3 grupos. Para os Grupos 1 e 2, cada situação do Quadro 1 era lida uma única vez, com uma das sentenças na Estrutura A ou na Estrutura B. No Grupo 3, cada situação era lida duas vezes, tanto na Estrutura A quanto na Estrutura B. O terceiro grupo foi inserido com o propósito de verificar se haveria uma diferença considerável de intensidade entre as Estruturas A e B quando contrastadas diretamente.
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Quadro 1: Situações avaliadas pelos participantes. Intensificador Puta
Intensidade +
Situação Foi incrível! Eles serviram várias garrafas de champanhe, whisky, vodca, e o DJ tocou até às 7 da manhã. Foi uma puta de uma festa!/Foi uma puta festa! Quão legal foi a festa?
Puta
–
Ele recebe por volta de 2.500 reais, tem escola particular para os filhos, plano de saúde, carro particular, e ainda vive viajando. Ele tem um puta de um emprego!/Ele tem um puta emprego! Quão bom é o emprego dele?
Mega
+
Aquela promoção estava imperdível! Ford Focus zerinho por 11.000 reais. Foi uma mega oferta!/Foi uma mega de uma oferta! Quão boa era a oferta?
Mega
–
Tava lindo! A banda tava super empolgada. A gente ficou na arquibancada, mas dava pra ver bem do telão, e eles tocaram até às 2 da manhã. Foi um mega de um show!/Foi um mega show! Quão legal foi o show?
Bruta
+
Achei que não fosse mais parar de cair água. Toda a Zona Oeste inundada, sem luz, raio pra todo lado. Foi uma bruta de uma chuva!/Foi uma bruta chuva! Quão forte foi a chuva?
Bruta
–
Eu fiquei mal a tarde toda, não consegui nem dirigir direito. Tive uma bruta enxaqueca!/Tive uma bruta de uma enxaqueca! Quão forte foi a enxaqueca?
Baita
+
Ele roubou todo o dinheiro dela, passou a casa no nome dele sem ela saber, e ainda levou o carro. Ele é um baita de um idiota!/ Ele é um baita idiota! Quão idiota ele é?
Baita
–
Ele contou o segredo dela pra todo mundo no escritório, só porque eles tinham brigado um dia antes. Ele é um baita de um imbecil!/Ele é um baita imbecil! Quão imbecil ele é?
Figura 2: Estímulo apresentado no Qualtrics. Maria José Foltran, Vitor Augusto Nóbrega & Livia Oushiro
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Aquela promoção estava imperdível! Ford Focus zerinho por 11.000 reais. Foi uma mega oferta! Quão boa era a oferta? pouquíssimo 0
1
muitíssimo 2
3
4
5
6
7
8
9
Contrastamos a média de intensidades atribuídas às situações na Estrutura A e na Estrutura B, em uma escala de 0 a 10, através de testes de Wilcoxon. A Tabela 1, abaixo, mostra o contraste entre os Grupos 1 e 2. Embora cada situação tenha sido classificada diferentemente de acordo com sua intensidade (e.g., variando entre valores baixos como 6.58 para puta emprego, e altos como 9.10 para baita imbecil), a comparação dentro de cada par não exibe uma diferença significativa, o que é evidenciado pelos valores de significância na última coluna, todos acima de 0,05.2 Com base nesses resultados, podemos admitir que a Estrutura A e a Estrutura B produzem a mesma leitura de intensidade. Tabela 1: Teste de Wilcoxon comparando as médias de intensidade atribuídas às situações na Estrutura A e na Estrutura B (Grupo 1 vs. Grupo 2: teste não-pareado). Teste de intensidade aplicado online no período de 17/07/2015 ~ 23/07/2015 Número de participantes: 150 Médias da Estrutura A ‘um(a) INT de um(a) N’
Médias da Estrutura B ‘um(a) INT N”
p
puta festa
9.08
8.69
0.80
puta emprego
6.85
6.58
0.32
mega oferta
8.62
8.91
0.35
mega show
7.58
7.56
0.82
bruta chuva
8.56
8.56
0.68
bruta enxaqueca
7.73
7.83
0.46
baita idiota
7.76
7.66
0.91
baita imbecil
9.10
8.72
0.06
Situação
2
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Por convenção, costuma-se adotar o valor de p < 0,05 para se considerar que uma diferença é estatisticamente significativa.
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Resultados similares são observados entre os participantes que visualizaram cada situação nas duas estruturas. A Tabela 2 mostra que não há diferenças significativas entre a Estrutura A e a Estrutura B, exceto para baita imbecil. Nesse caso, em particular, a situação na Estrutura A foi avaliada como mais intensa do que na Estrutura B. Tabela 2: Teste de Wilcoxon comparando as médias de intensidade atribuídas às situações nas Estruturas A e na Estrutura B (Grupo 3: teste pareado). Teste de intensidade aplicado online no período de 17/07/2015 ~ 23/07/2015 Número de participantes: 82 Situação
Médias da Estrutura A ‘um(a) INT de um(a) N’
Médias da Estrutura B ‘um(a) INT N”
p
puta festa
8.55
8.50
0.42
puta emprego
7.30
7.40
0.21
mega oferta
8.22
8.63
0.18
mega show
7.71
7.98
0.33
bruta chuva
8.53
8.58
0.96
bruta enxaqueca
8.23
8.14
0.08
baita idiota
7.84
8.05
0.79
baita imbecil
8.82
8.66
*0.01
O experimento, portanto, mostra que os falantes do PB atribuem graus de intensidade paralelos para ambas as estruturas, A e B. Portanto, uma puta de uma festa apresenta a mesma interpretação que uma puta festa, e nenhuma dessas estruturas é utilizada para indicar mais intensidade do que a outra, opostamente ao que ocorre no suíço-alemão (8). Além disso, admitimos, com base nos resultados apresentados acima, que o artigo indefinido duplicado é semanticamente vácuo e deve ser acomodado como parte de um único DP. Em resumo, vimos, nesta seção, que intensificadores adjetivais e nominais do PB podem desencadear duplicação de determinantes em sintagmas nominais indefinidos, diferentemente de outros modificadores e intensificadores lexicais. O aparecimento de um segundo determinante indefinido não altera a interpretação desses sintagmas nominais, ou seja, não os torna mais “intensificados”, o que nos leva à conclusão de que o artigo indefinido duplicado é uma Maria José Foltran, Vitor Augusto Nóbrega & Livia Oushiro
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forma semanticamente vácua.
2. Duplicação de determinantes em sintagmas definidos e indefinidos: diferentes estratégias de modificação A duplicação de determinantes nos sintagmas nominais do PB apresenta condições distintas de aplicação nos sintagmas definidos e indefinidos. Como vimos, a duplicação de indefinidos ocorre, preferencialmente, em contexto de intensificadores nominais e adjetivais (6), ao passo que a duplicação de definidos e demonstrativos ocorre quando um nome – normalmente uma palavratabu (e.g., merda, vaca, burro) – modifica outro nome, levando a uma interpretação depreciativa3. Entretanto, para que a duplicação ocorra em ambos os grupos de sintagmas, é imprescindível que haja uma simetria entre o que está linearmente à esquerda e à direita do segmento de, como pode ser visto em (10)4. (10) a. Artigos indefinidos: [uma puta] de [uma festa] b. Artigos definidos: [a vaca] de [a minha prima] c. Nomes nus: [merda] de [aula] d. Demonstrativos: [esse burro] de [esse deputado] e. [aquele merda] de [aquele motorista] A simetria é essencial nesses sintagmas, pois, se quebrada, gera dois efeitos colaterais, a saber: ou (i) a relação de modificação é substituída por uma relação de posse, e o significado idiossincrático atribuído ao nome modificador se perde (!), ou (ii) o sintagma nominal é considerado agramatical, como ilustrado em (11).
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Curiosamente, sintagmas indefinidos duplicados contêm uma interpretação positiva mesmo nos casos em que o nome modificado faz referência a uma situação desagradável. Por exemplo, um puta velório não é um velório muito triste, mas um velório muito elegante (no sentido relevante).
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Vale notar que, associada à simetria, a natureza gramatical do segmento de pode interferir na interpretação do sintagma. Se interpretado como uma cópula nominal, no sentido de den Dikken (2006), então os modificadores nominais terão uma leitura idiossincrática. Por outro lado, se esse segmento é interpretado como uma preposição genitiva, a relação de modificação entre os nomes se desfaz, e o nome modificador passa a ser interpretado composicionalmente (e.g., o cachorro do meu vizinho (i) o sem-vergonha do meu vizinho (cópula) vs. (ii) o cachorro (animal) do meu vizinho (preposição)).
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(11) a. alguma puta de uma festa b. (?)aquela puta de uma festa c. (?)uma outra puta de uma festa d. *a puta de uma festa
(!)
(!) (= idêntico) (!) (!)
e. alguma vaca da minha prima f. aquela vaca da minha prima g. uma outra vaca da minha prima h. uma vaca da minha prima
Tendo visto as condições para duplicação, passemos aos contrastes. Uma diferença notável entre os dois grupos de sintagmas nominais reside no escopo da modificação. Os modificadores de sintagmas nominais com duplicação de indefinidos atribuem uma propriedade à capacidade que o nome modificado tem de desempenhar uma ação, mas não atribui uma propriedade ao referente do nome. Por exemplo, um puta professor é ótimo em sua capacidade de ensinar, mas não um ótimo indivíduo, que, porventura, é professor5. Inversamente, os modificadores nominais em sintagmas com duplicação de artigos definidos e demonstrativos atribuem, preferencialmente, uma propriedade ao referente do sintagma nominal, mas não à sua capacidade de desempenhar uma ação, como exemplificado em (12). (12) a. a vaca da minha prima * uma péssima prima (em sua capacidade de ser uma vaca/cretina) ✓uma vaca/cretina, que calha de ser minha prima b. esse merda desse médico *um péssimo médico (em sua capacidade de exercer a medicina) ✓um indivíduo que é péssimo, e que calha de ser um médico Outra diferença está na possibilidade de ocorrer em configurações atri5
Belo, embora seja um adjetivo que denote propriedades físicas, pode ocorrer em sintagmas com duplicação de indefinidos (e.g., um belo de um pianista). O adjetivo, curiosamente, atribui uma avaliação à capacidade de tocar piano, mas não à aparência física do pianista, semelhantemente aos intensificadores nominais e adjetivais.
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butivas. Enquanto sintagmas com duplicação de indefinidos apresentam uma contraparte atributiva (i.e., em que não há nenhum material lexical intervindo entre o modificador e o modificado), como em (13), os modificadores nominais dos sintagmas definidos não podem ocorrer justapostos ao nome modificado, como se observa em (14). (13) a. uma puta de uma festa à b. uma senhora de uma mesa
uma puta festa uma senhora mesa
(14) a. a vaca da minha prima à b. esse merda desse deputado c. aquele idiota daquele motorista
*a vaca prima *esse merda deputado *aquele idiota motorista
Entretanto, invertendo a ordem modificador-modificado, em (14), a contraparte atributiva passa a ser aceitável: uma prima vaca, um deputado merda, um motorista idiota. Por esse motivo, sugerimos que os casos de duplicação de determinantes em sintagmas definidos caracterizam-se como um exemplo de inversão de predicado internamente ao DP, em que o predicado (i.e., o modificador) inverte sua posição com o nome modificado. Essas atestações são paralelas aos contextos de inversão de predicado apresentados em den Dikken (2004) e Singhapreecha e den Dikken (2006). Em ambos os grupos de sintagmas, definidos e indefinidos, o elemento de funciona como uma cópula nominal – paralelamente aos casos de inversão de predicado no domínio verbal – conectando objetos sintáticos de mesma natureza gramatical, como vimos em (10). Nos sintagmas indefinidos, o que temos é a opcionalidade da realização da cópula nominal de, que, quando realizada fonologicamente, desencadeia o aparecimento de um segundo artigo indefinido semanticamente nulo precedendo o nome modificado.
3. Considerações finais Neste artigo, discutimos a duplicação de determinantes em sintagmas nominais definidos e indefinidos. Demonstramos que a duplicação não se pro184
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cessa de modo uniforme nos dois grupos de sintagmas, os quais apresentam diferenças consideráveis de interpretação. O contraste entre sintagmas indefinidos com um ou múltiplos determinantes nos mostrou que as duas estruturas apresentam uma mesma interpretação, o que nos sugere que o artigo indefinido duplicado é vácuo semanticamente. A duplicação em sintagmas definidos deriva de sintagmas nominais em que há inversão de predicado entre o modificador e o modificado, ao passo que a duplicação em sintagmas indefinidos ocorre quando a cópula nominal (i.e., o elemento de, que relaciona o modificador com o modificado) é realizada fonologicamente.
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Referências ALEXIADOU, A. 2014. Multiple Determiners and the Structure of DPs. Amsterdam: John Benjamins. den DIKKEN, M. 2006. Relators and Linkers: The Syntax of Predication, Predicate Inversion and Copulas. Cambridge MA: The MIT Press. den DIKKEN & SINGHAPREECHA, P. 2004. Complex noun phrases and linkers. Syntax 7, 1-54. FOLTRAN, M. J. & NÓBREGA, V. A. 2016. Adjetivos intensificadores do português brasileiro: propriedades, distribuição e processos morfológicos. Alfa 60/2. KALLULLI, D. & ROTHMAYR, A. 2008. The syntax and semantics of indefinite determiner doubling constructions in varieties of German. The Journal of Comparative Germanic Linguistics 11/2, 95–136. LINDAUER, T. 1991. Der doppelte Artikel im Sweizerdeutschen. MS, NW Fachhoschule Nordwestschweiz. MORZYCKI, M. 2012. The several faces of adnominal degree modification. In: CHOI, J. et al. (eds.) Proceedings of the 29th West Coast Conference on Formal Linguistics. Somerville, MA: Cascadilla Proceedings Project, 187-195.
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