Museus, Património e Identidade (Ritualidade, Educação, Conservação, Pesquisa, Exposição)

September 26, 2017 | Autor: Fernando Magalhães | Categoria: Museum Studies, Patrimonio Cultural, Museus, Identidades
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FERNANDO MAGALHÃES

Antropologia na Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, em 1997. Em 2001 obteve o grau de Mestre em Antropologia pela Universidade do Minho. Frequenta actualmente o Doutoramento em Antropologia, especialidade em Museologia e Património, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. É docente na Escola Superior de Educação e na Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Leiria. É investigador nas áreas de Antropologia, Património e Museologia, actividade que tem desenvolvido no âmbito do projecto de investigação “Identidade(s) e Diversidade(s): as linhas com que se cosem as pertenças” da ESE - IPL . É autor de vários artigos em livros e revistas científicas de referência, colaborando activamente na comunicação social com artigos de opinião.

Apoios:

museus Património e Identidade

FERNANDO MAGALHÃES nasceu em Fafe em 1972. Licenciou-se em

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museus

Património e Identidade RITUALIDADE, EDUCAÇÃO, CONSERVAÇÃO, PESQUISA, EXPOSIÇÃO

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Fernando Magalhães

Museus, Património e Identidade Ritualidade, Educação, Conservação, Pesquisa, Exposição

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Leiria

2005

Ficha Técnica Título Museus, Património e Identidade Ritualidade, Educação, Conservação, Pesquisa, Exposição Autor Fernando Magalhães Edição PROFEDIÇÕES, Lda./ Jornal a Página Execução Gráfica SerSilito –  Maia Tiragem 1000 exemplares Depósito legal: 231058/05 ISBN: 972-5862-16-0 1ª Edição Data: Agosto 2005 PROFEDIÇÕES, Lda. / Jornal a Página R. D. Manuel II, 51 c –  2º andar -sala 2.5 4050 Porto Tel. 226002790 • Fax 226070531 [email protected] http://www.apagina.pt/

Aos meus pais Ana Maria e Armando Ribeiro e aos meus irmãos Miguel, Rogério, Filipe e Paula; sem o amor e a presença dos quais, nos momentos de tristeza e desânimo, nada teria conseguido. O meu muito obrigado!

Agradeço A todos os meus amigos em geral e ao Ricardo Vieira, José Trindade, Susana Henriques e Cristóvão Margarido, em particular, pela amizade, companheirismo e apoio neste caminho da vida.

Prefácio

Muitos e preciosos conceitos estão em discussão nesta obra, fundamental para quem se quer debruçar hoje sobre os usos sociais do património: museus, identidade, ritual, educação, animação, pesquisa, conservação, exposição. Fernando Magalhães, um investigador na área do património e identidade, faz-nos aqui alguma revisão desta matéria e coloca as questões fundamentais da antropologia contemporânea na análise dos factos culturais neste mundo globalizado tantas vezes em tensão entre a tradição e a modernidade. Trata-se de um livro que preenche bem a função de manual de apoio a professores, educadores, animadores, museólogos, etc., que trabalham com as questões da recolha, preservação, dinamização e animação do património cultural e precisam, tantas vezes, de suporte científico para as suas práticas. Mesmo no ensino básico e secundário, há hoje, cada vez mais, necessidade de os docentes que trabalham com as áreas de projecto, de educação para a cidadania, história local e regional, entre outras, terem uma formação rápida sobre a articulação teórica e prática das problemáticas do património e identidade, da tradição e modernidade, da museologia, etc. Aqui está um bom caminho para o efeito. O texto aqui apresentado é também de uso fundamental para estudantes e professores do ensino superior, essencialmente para aqueles que prosseguem estudos em cadeiras de museologia, património cultural, turismo e animação, e outras com nomes por vezes diferentes mas que remetem para questões semelhantes. P r e f á c i o

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Os objectos também falam. O património, constituído por ideias e por objectos com os quais as sociedades afirmam as suas diferenças perante os outros, é hoje fundamental na celebração da memória e na construção/reconstrução das identidades. Mas, se é verdade que os conceitos de cultura e identidade são polissémicos, a verdade é que às vezes se tornam muito pouco operatórios, na medida em que se basifica, tantas vezes, o seu uso, mesmo entre a comunidade dita letrada e intelectual. Identidade e cultura, na boca de tantos sujeitos, são tudo e são quase nada. Mais uma razão para apontar este livro como um bom veículo para sistematizarmos as relações entre objectos, património, educação e identidade. “A identidade não é igual nem a cultura material nem a cultura imaterial. A identidade serve-se da cultura para marcar a diferença; para distinguir os de aqui dos de fora, os que classificamos como «outros» […]” (Vieira, 2005: 28).

Por outro lado, cultura encerra diferentes propriedades consoante nos referimos a ela como substantivo ou como adjectivo (adjectivo cultural). Por ora, citava Arjun Appadurai, para quem “não vale a pena encarar a cultura como substância; é melhor encará-la como uma dimensão dos fenómenos, uma dimensão que releva da diferença situada e concretizada. Salientar este dimensionamento da cultura em vez da sua substancialidade permite-nos pensar a cultura não tanto como propriedade de indivíduos e grupos, mas como um instrumento heurístico ao nosso alcance para falarmos de diferença” (Appadurai, 2004: 26). Devemos a Fredrick Barth a concepção da identidade como uma manifestação relacional, já que esta é uma construção que se realiza a partir das relações que opõem um grupo aos outros grupos com os quais está em contacto. Assim, a diferença identitária não seria a consequência directa da diferença cultural (muitas identidades coexistem numa mesma cultura), pois a identidade constrói-se e reconstrói-se por meio das trocas sociais (concepção dinâmica da identidade). Isto é, identidade e alteridade articulam-se uma na outra e mantêm uma relação 8

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dialéctica. “As diferenças culturais de significação fundamental para a etnicidade são aquelas que as pessoas utilizam para marcar a distinção, a fronteira, e não as ideias do analista sobre o que é mais aborígene ou característico na cultura destas” (Barth, 2004: 20). A Antropologia tem sido concebida (senso comum e não só) como uma ciência que confronta presente e passado, aqui e ali, nós e os outros (primitivos e civilizados; urbanos e rurais, maiorias e minorias, etc...) - um discurso de ruptura que se constrói num jogo de contrastes e semelhanças. A abordagem da variedade cultural – o(s) modo(s), social e culturalmente definidos, como o Homem age e pensa – tem sido o mote dominante no discurso antropológico. Hoje a modernidade e a tradição (e paralelamente, a coexistência de relações entre as manifestações locais e globais da(s) cultura(s)) são refrões ou bordões particulares nessa tal dimensão de ruptura da disciplina e que este livro ajuda a entender. No domínio da análise dos fenómenos de cultura e do património, é significativo também ponderarmos o modo como as práticas de ensino / aprendizagem, animação e musealização, devem ser (re)pensadas à luz desse confronto entre tradição / moderno e local / global. Efectivamente, como diz Warnier a propósito do que designa de moderno caleidoscópio: “Dançamos o tango argentino em Paris, o bikutsi camaronês em Dakar, a salsa cubana em Los Angeles. O MacDonalds serve os seus hambúrgueres em Pequim, e Cantão apresenta a sua cozinha no Soho. A arte Zen do tiro ao arco entusiasma a alma germânica. A baguette parisiense conquistou a África Ocidental. Em Bombaim podemos ver o Papa através da mundovisão. Os filipinos choram a princesa de Gales, enquanto vêem, em directo, as suas exéquias. A expressão «mundialização da cultura» designa esta circulação de produtos à escala global. E ela suscita as reacções mais contrastadas. Uns descodificam as promessas de um planeta democrático unificado por uma cultura universal – um plan-

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eta reduzido pelos media às dimensões de uma «aldeia global», como disse Marshall McLuhan. Outros vêem a causa de uma inelutável perda de identidade que eles deploram. Outros, ainda, militam para fazer afirmar os seus particularismos até ao ponto de fazer uso da violência.” (Warnier, 2000: 7).

É bem verdade que o celebração dos particularismos, do património local e regional está, de novo, muito em voga. Por isso vale a pena determo-nos, eventualmente com novos olhares, sobre a problemática dos museus e do património entre a memória e a identidade que, de resto, é o título da obra de Fernando Magalhães que tive o prazer de prefaciar para esta edição conjunta da Profedições e do Projecto Identidade(s) e Diversidade(s) da ESE do Instituto Politécnico de Leiria.

Referências bibliográficas APPADURAI, Arjun (2004). Dimensões culturais da globalização, Lisboa: Teorema. BARTH, F. (2004). “Temáticas permanentes e emergentes na análise da etnicidade”, in VERMEULEN, H. e GOVERS, C. (2004). Antropologia da Etnicidade: para além de “Ethnic Groups and Boundaries, Lisboa: Fim de Século, pp. 19-44. GIDDENS Anthony (1994). Modernidade e Identidade Pessoal, Lisboa: Celta. VIEIRA, Ricardo (2005). “Leiria: identificação de uma região” in VIEIRA, Ricardo (Coord.) (2005). Pensar a Região de Leiria, Porto: Afrontamento e Projecto Identidade(s) e Diversidade(s) da ESE-IPL. WARNIER, Jean-Pierre (2000). “Arte Zen Contra Titanic” in WARNIER, Jean-Pierre (2000). A Mundialização da Cultura, Lisboa: Ed. Notícias.

Leiria, 25 de Maio de 2005 Ricardo Vieira

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Introdução

Os museus e o seu conteúdo, objectos e colecções, isto é, o património, tornaram-se centrais nas sociedades modernas, na medida em que sendo considerados guardiões da memória cultural de uma comunidade, detentora de características únicas, parecem evidenciar identidades particulares, distintivas de todas as outras, em contextos novos de deslocação espacial e temporal (Magalhães, 2005). Neste sentido, advogam-se constantemente, através do património, vários factores considerados fundamentais para o fazer e refazer-se de memórias culturais locais, nacionais, globais e outras. Assim, ora se refere a religião, a gastronomia, os trajes ou as tradições orais, subjacentes ao modo como os grupos humanos têm construído as suas vidas, ora se apela para a importância dos vários objectos metamorfoseados em património, que passam a constituir metonímias e metáforas das capacidades artísticas mais refinadas das gentes locais, numa alusão à excelência da criatividade e de realização cultural comunitária. O investimento que a sociedade local faz no que define como seu património, sendo substancial, demonstra como aquele se tornou basilar na definição da identidade local, regional, nacional, e, mais recentemente, global. Neste sentido, o património encerrado ou não, no, e pelo museu, remete-nos automaticamente para a questão da memória, e esta é a âncora que dá substância ao sentimento subjectivo de pertença. A memória do passado permite o presente e projecta o futuro da sociedade local. Assim, o património tornou-se, ao longo de uma I n t r o d u ç ã o

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modernidade caracterizada pelo efémero, pela produção e destruição acelerada de bens de consumo (cf. Casal, 1999), num veículo de transmissão, conservação e reprodução da memória social, a qual é, como refere Paul Connerton (1993), fundamental para legitimar a ordem social presente. Neste sentido, por intermédio dos artefactos, em geral, e dos musealizados em particular, podemos observar como uma comunidade constrói e reconstrói a sua memória cultural (cf. Branco e Oliveira, 1993; Branco, 2003). Outros investigadores como Josep Ballart (1997; 2001); José Amado Mendes (1999), Elsa Silva (2000) ou João Ramos (2002) contribuem significativamente para a compreensão das relações que se podem estabelecer entre património e identidade, na medida em que referem que o conceito de património só tem sentido quando os indivíduos se identificam com os objectos que o compõem. Neste sentido, estes objectos patrimonializados são apropriados pelo grupo, no sentido de tornar visível o seu sentimento colectivo de pertença. Eles constituem, portanto, os elementos sob os quais se funda a identidade de um grupo e o diferencia dos demais. O processo de musealização consiste na metamorfose de objectos que, não deixando de ter valor social e cultural, adquirem outro, mais especial, com a nova recontextualização. Trata-se de um caminho que consiste em transformar objectos materiais e imateriais, aparentemente vulgares, em legados históricos ou testemunhos de desenvolvimento científico, técnico, artístico ou outro de uma determinada cultura, e, nesse sentido, eles iniciam uma fase simbólica de representação da comunidade. Esta revê-se no seu património. Contudo, a quem decide distinguir o património do “não” património, não estão ausentes as relações de poder. Também neste sentido, não deveremos esquecer os poderes locais, políticos, económicos, culturais ou outros, pelo destaque que têm atribuído a uns e não a outros objectos, bem como pela decisão do que deve e não deve ser exposto, ou a que objectos ou colecções se deve ou não dar mais relevo. No que diz respeito às relações entre património e identidade, Carlos Fortuna (1999: 37-38), na sua obra Identidades, Percursos e Paisagens Culturais, refere-se 12

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à importante função agregadora que todo o conjunto do património histórico e cultural detém na comunidade, passível, contudo, de interpretações várias, de acordo com o tempo e o espaço onde nos movemos. Uma outra questão fundamental nestas relações entre museus, património e identidade, consiste no papel da educação, pois é por intermédio dela que a comunidade não só reivindica perante o outro a sua identidade, divulgando aquele que considera como seu património, como educa, socializa e encultura os seus descendentes. A problematização dos conceitos de museu, de património e de identidade, e algumas das questões que gravitam em torno deles, conduziu à estruturação desta obra de forma a permitir uma melhor compreensão e conceptualização daqueles. Assim, os três primeiros capítulos constituem uma incursão pelos conceitos de museu, de património e de identidade. Nestes, são apresentadas as perspectivas de alguns investigadores relativamente a essas problemáticas. Estas definições teóricas são ilustradas com exemplos práticos referentes a realidades museológicas, patrimoniais e espaciais concretas. O capítulo 4 constitui uma articulação destes conceitos, onde se pretende observar como o museu e seus objectos, em particular, e o património em geral, servem de matéria à construção e reconstrução de identidades culturais particulares. Os conceitos de museu e de património são criações recentes, modernas, e neste sentido, eles constituem rituais que visam comemorar uma nova realidade sócio-cultural nascida no século XVI e efectivada com a Revolução francesa, em finais do século XVIII: a modernidade. A modernidade e a pretensa secularização social por ela preconizada, e bem presente nos conceitos de museu e de património e de identidade, constitui o tema de análise do capítulo 5. Por outro lado, as organizações existentes num determinado espaço e tempo adquirem a sua legitimidade em virtude da função e da sua importância num contexto social específico. Neste sentido, no capítulo 6, pretendemos demonstrar algumas das funções sociais desempenhadas pelos museus e pelo património nas sociedades contemporâneas. Assim, o sub-capítulo 6.1 aponta para o papel educaI n t r o d u ç ã o

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tivo dos museus e do património enquanto instrumentos privilegiados de educação de âmbito informal. Neste sentido, são definidas várias estratégias seguidas pelos museus, bem como a forma como os responsáveis por aqueles se apropriam das colecções e dos objectos musealizados para transmitirem as suas mensagens. Por outro lado, num tempo comemorado pela inovação e pelo efémero, o tempo moderno e os objectos patrimonializados adquirem uma importância sem precedentes, enquanto suportes de uma memória cultural fundamental para a manutenção da ordem social presente e para a legitimação das identidades culturais. Daqui advém a quase obsessão com que hoje são tratados, conservados e pesquisados esses objectos. A conservação e a pesquisa dos objectos e do património são desenvolvidas nos sub-capítulos 6.2 e 6.3, respectivamente. O sub-capítulo 6.4 alude à exposição do património, função não menos importante do que as anteriores, na medida em que esta constitui um instrumento privilegiado na construção dos discursos identitários. De facto, a exposição constitui uma janela aberta ao conhecimento de determinada realidade cultural. Por fim, o capítulo 7, Património e Animação, remete para a ideia de que sem uma envolvência real da comunidade, sem o seu empenhamento naquele que considera constituir o seu património, não faz sentido a referência a este, ou mesmo a sua existência. A melhor forma de a envolver será através do apelo à sua participação activa ou mesmo passiva, em actividades de animação do património. Com este livro, sistematizando conceitos relacionados com a museologia, o património e a identidade, pretendemos, também, elaborar uma simbiose entre o conhecimento científico e a orientação académica de alunos de todos os graus de ensino, principalmente do superior. Aludimos, ainda, à grande importância com que esta obra se reveste para os estudos relacionados com os conceitos de património, de museu e de identidade, cuja presença se tornou marcante na definição da sociedade moderna, e ainda mais na pós-moderna, marcada por uma globalização que apela cada vez mais às marcas culturais distintivas de realidades sociais locais. 14

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1. Que definições para o museu?

O que é o museu? Como e quando é que ele surge e qual a sua relação com o contexto sociocultural que o rodeia, são apenas algumas das questões que nos propomos abordar seguidamente. Para Douglas Alan, um dos directores do Royal Scotish Museum de Edimburgo, o museu na sua forma mais simples consiste num edifício de valor arquitectónico onde são recolhidas colecções de objectos para investigação, estudo e lazer (cf. Alexander, 1979). Edward Alexander (1979) considera a definição anterior aceitável para o museu, excluindo-se porém a confinação deste espaço a um simples edifício cujo valor reside unicamente na sua estrutura arquitectónica. Contudo, trata-se de uma problemática tão complexa que suscitando iras ou paixões nos transporta para outros modos de ver e definir o espaço museológico. Assim, para a Associa-

ção Americana dos Museus, o museu tem sido definido como uma instituição organizada e permanente, albergando colecções com um propósito essencialmente educacional ou estético, e provido de uma equipa de profissionais que estuda, cuida e expõe os objectos ao público com alguma regularidade (cf. American Association of Museums, 1973). Existem no entanto muitas e variadas objecções à visão apresentada pela Associação Americana de Museus por parte de certas instituições como centros de arte, centros científicos e planetários, que não obstante possuírem os objectos com os mesmos propósitos dos ditos museus, são detentores de poucas ou nenhumas colecções. Para Thomas Hoving, primeiro director do Metropolitan Museum of Art, o museu «possui um grande potencial, não só como força estabilizadora e regenerativa da sociedade 1 .

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moderna, mas constitui também uma cruzada pela qualidade e pela excelência» (Hoving, 1968). Apesar destas definições de certa forma “amigáveis” em relação aos museus, não poderíamos passar sem deixar outras, que não sendo tão favoráveis, são na mesma dignas de referência. É nesta linha de pensamento que Filippo Tomasi, fundador do Futurismo Italiano 1 se refere aos Museus nos seguintes termos: Museus, cemitérios!... Idênticas verdades numa sinistra promiscuidade de tantos objectos desconhecidos uns dos outros. Dormitórios públicos, onde eles dormem eternamente enquanto seres aborrecidos e desconhecidos. Recíprocas ferocidades de pintores e escultores assassinando-se uns aos outros com golpes de formas e cores no mesmo museu 2. (Tomasi in Alexander, 1979). Não é preciso recuar quase um século para observarmos opiniões tão desfavoráveis aos museus, pondo-os mesmo em causa. Com base mais uma vez no trabalho de Alexander, citamos June Jordan, poetisa, que em 1971 disse:

Levem-me a um museu e mostrem-me o meu ser, mostrem-me o meu povo, mostremme a alma da América. Se não me podem demonstrar o meu ser, se não conseguem ensinar ao meu povo o que ele precisa de saber, e ele precisa de saber a verdade, que nada é mais importante do que a vida humana, se não me podem demonstrar e ensinar essas coisas, então, porque não deveria eu atacar os templos da América e amaldiçoá-los? 3 (Schwartz, 1971 in Alexander, 1979).

Repare-se como June Jordan, poetisa negra norte-americana, faz uma crítica cerrada ao museu, enquanto uma das instituições que nasceu no ocidente, e que por isso se manteve ao lado do poder ocidental, na sua representação do “outro”, do seu ser e da sua identidade. Para os autores anteriormente citados (Filipo Tomasi, 1920 e June Jordan, 1970), trata-se de uma instituição que, desde o seu nascimento, tem sido usada como uma arma de poder do ocidente sobre o outro, o considerado não ocidente, num discurso que se começou a delinear com o advento renascentista do século XVI e em maior profundidade

O Futurismo italiano foi fundado nos princípios do século XX, mais precisamente em 1920. Tradução do autor. 3 Tradução do autor. 1 2

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com o Iluminismo que se lhe seguiu, e que tem definido a identidade cultural dos países ocidentais, não só entre si, mas também em relação aos outros, os não ocidentais, desde há quatro séculos atrás. Uma visão muito crítica acerca dos museus, e também muito negativa, é veiculada por Theodor Adorno, que, em 1967, descrevera os museus como um «túmulo onde eram depositadas as obras de arte» (Adorno, 1967 in Shelton, 1992). Dez anos depois, Robert Harrison (1977) vê-o como uma «instituição que existe algures entre os túmulos e armazéns, onde as coisas são sepultadas ou postas a leilão» (Harrison, 1977 in Shelton, 1992). A este propósito detenhamo-nos por momentos no leilão realizado em Paris nos dias dois e três de Dezembro de 2000, em que estiveram na praça pública objectos da falecida Maria Callas. Após a morte, toda a sua memorabilia foi dispersa, indo uma parte parar às mãos de vários membros da família, nomeadamente às da mãe e do marido, cujas tentativas de criação de um museu, no início dos anos oitenta, haveriam de sair goradas.

Por esta altura, Nicolas Petsalis-Diomidis, fã incondicional da diva, decide comprar a Jackie, irmã de Callas, a parte que havia ficado com a mãe, e que aquela herdou, objectos que, juntamente com outros por ele adquiridos, haveriam de servir para implementar de novo a ideia de constituição de um museu em memória de Maria Callas. Contudo, apesar do interesse demonstrado pelo presidente da câmara de Atenas em relação ao projecto, mais uma vez este sairia falhado, pelo que acaba em leilão o que nunca conseguiu ser museu. Assim, não obstante os momentos iniciais de tristeza por não conseguir constituir o museu, Nicolas rapidamente se recompôs chegando à seguinte conclusão: «Afinal, o que é uma memória viva? Um entre muitos objectos expostos em cinzentas salas de museu ou algo acarinhado por um coleccionador e mostrado com orgulho como a compra certa num leilão histórico? Porquê um Museu Callas em vez de cem, quinhentos ou mil fervorosos paladinos de uma causa que, como eu o fiz, contribuam para manter a lenda viva?» 4. Apesar de não ser um académico dedicado às questões dos museus, este coleccionador ilustra as visões

Veja-se a este propósito a revista do jornal Expresso, N.º 1460, do dia 21 de Outubro de 2000.

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que no alvorecer do século XXI muita gente tem acerca do museu. Urge alterar esta situação, e por essa razão, deixemos tais visões tão radicais e negativistas e partamos para definições mais ajustadas ao museu dos tempos actuais. Assim, recentemente, mais precisamente nos anos oitenta do século XX, a Associação dos Museus define o museu como uma instituição que recolhe, colecciona, documenta, preserva, exibe e interpreta as evidências materiais e informação associada para o benefício do público (cf. Museums Association, 1991). Em 1989, Charles Smith referiu quatro características principais que podem definir o museu actual: A primeira, é que as colecções em exibição devem de alguma forma contribuir para o avanço do conhecimento através do seu estudo, a segunda, relacionada com esta, é que as colecções não devem ser expostas, ou organizadas arbitrariamente, mas devem seguir um esquema de classificação sistemático e universal, a terceira é que elas devem ser possuídas e administradas, não tanto por indivíduos privados, mas mais do que por uma pessoa, em benefício do público, a quarta, é que elas deveriam ser razoavelmente aces-

síveis ao público 5 (Smith, 1989).

Nos anos sessenta, e sobretudo setenta e oitenta, surgem novas perspectivas acerca do conceito de museu, inseridas no denominado contexto da Nova Museologia. Este movimento, associado à ideia de ecomuseu, deve o seu aparecimento e posterior desenvolvimento a Georges Henri Riviére bem como a Hugues de Varine, em 1971 (Nabais 1985:211-216; 1993:46-48; Magalhães, 2003), e preconiza não só uma nova forma de fazer museologia, mas implica também novas definições de museu, colecção e público. Assim, o conceito de museu é alargado, e, segundo estes investigadores, aquele já não se restringe a apenas um edifício, mas a um território mais vasto. Não se trata mais de uma construção fechada, imponente, e por vezes assustadora, revestida de uma estática incompatível com a sociedade em constante e acelerada mudança, mas sim de toda uma comunidade que pode ser constituída por uma aldeia, um bairro de uma cidade, ou a zona histórica desta (cf. Magalhães, 2003). Como vimos, definir o museu não se apresenta uma tarefa fácil, existem muitas visões

Tradução do autor.

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acerca dele, e por esta razão, pareceu-nos útil uma pequena viagem pelos conceitos utilizados por muitos e variados investigadores para definir tal espaço, que, quer queiramos, quer não, começou por marcar as identidades dos países ocidentais e a sua relação com os povos

não ocidentais, a partir do século XVI até aos nossos dias, tendo sido apropriado, também, por diversas entidades regionais para a auto e hetero-construção identitária (Magalhães, 2005).

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2. Que definições para o património?

Conceitos como os de museu, colecção, objecto ou património, suscitam frequentemente confusões passíveis de esclarecimento. Como já observámos, relativamente ao conceito de museu e sua importância enquanto organização ao serviço das sociedades, as várias definições acerca daquele, proporcionadas por investigadores, quer no individual, quer no colectivo 6, são sempre polémicas. Quanto ao património, devemos ter em conta duas questões fundamentais: é que todo o objecto ou colecção de objectos inseridos em museus, e cujo valor simbólico ultrapassou o funcional, são considerados património. Por outro lado, os objectos de circulação diária, ou commodities, como refere Daniel Miller (1991; 1995),

não obstante constituírem importantes veículos das ideias acerca das quais uma determinada sociedade constrói as suas relações quer entre si, quer com o mundo exterior, não são consideradas património. O que será então o património? De facto, no seu sentido etimológico, património, deriva de patrius, e este de pater, e de monium, (Benveniste, 1969) que tem que ver, segundo o direito romano, com o poder masculino, pátrio, e com a herança paterna, e a necessidade da sua preservação tornou-se deveras importante na sociedade nascida do século XVI. A nova sociedade que germinaria a partir daí, denominada de moderna, começa a destinar enormes fluxos de investimento em

Associações científicas, profissionais ou outros tipos de agrupamentos cujo denominador comum são as questões e problemáticas relacionadas com a museologia e o património.

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direcção à recuperação, reinvenção e mesmo invenção do património material e imaterial. Esses fluxos de dinheiro tornaram-se, em muitos casos, deveras astronómicos. Este investimento acrescido é feito em nome de um tempo sem tempo e de um espaço sem espaço, onde a cultura material e imaterial, particular de uma comunidade, parece simbolizar um passado grandioso sobre o qual assenta a identidade presente dessa comunidade e lhe permite fazer face aos crescentes fluxos provenientes de outras sociedades e culturas, e que decorrem do processo de globalização acelerado que se vive no século XXI. As nossas sociedades investem, portanto, muitos recursos na conservação e divulgação do património, pois ele tornou-se fundamental na definição da identidade de uma determinada comunidade. O conceito de património remete, por outro lado, para a questão da memória, âncora que dá substância ao sentimento subjectivo de pertença. A memória do passado permite a consciência do presente e projecta o futuro de uma determinada sociedade. Assim, o património tornou-se, ao longo de uma modernidade caracterizada pelo efémero, pela produção e destruição acelerada de bens de consumo (cf. Casal, 1999), num veículo de transmissão, conservação e reprodução da 22

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memória social, considerada fundamental para legitimar a ordem social presente. Neste sentido, por intermédio dos artefactos, em geral, e dos patrimonializados em particular, podemos observar como uma sociedade, num determinado espaço e tempo constrói e reconstrói a sua memória cultural (cf. Branco e Oliveira, 1993; Branco, 2003). O património cultural, enquanto testemunho do nosso passado, tem assumido uma importância cada vez maior no seio das sociedades, primeiro, modernas, depois, pós-modernas. Um conjunto de factores, iniciados com as revoluções inerentes à fundação da sociedade moderna, conjugados com outros que marcaram esse mesmo período, como as duas guerras mundiais, conduziu à exaltação do património como objectivador das identidades nacionais. Na sequência da IIª Guerra Mundial germinaram novos Estados-Nação, preocupados com a construção da sua própria identidade nacional e que reconhecem ao seu património esse mesmo papel. Concomitantemente, a destruição de boa parte do património cultural construído na Europa, conduziu ao aparecimento de organizações internacionais como a (UNESCO) dentro da Organização das Nações Unidas, o Conselho Internacional de Museus, ou o Conselho Internacional de Arquivos, cuja

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preocupação central reside na preservação e divulgação do património. Neste sentido, a 17ª Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, em 1972, resultou numa Convenção sobre a protecção do património mundial, cultural e natural, que passa a definir como património cultural: – Os monumentos: obras arquitectónicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, da arte ou da ciência. – Os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, cuja arquitectura, unidade e integração na paisagem lhes dê um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência. – Os lugares: obras do Homem ou obras conjuntas do Homem e da Natureza, assim como as zonas, incluindo as estações arqueológicas, que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. (Barbosa, 1998: 20)

Nestas definições da UNESCO observamse, sobretudo, referências ao património material, construído, e sobretudo aos monumentos mais sumptuosos, o que denuncia uma primeira preocupação com este tipo de testemunhos. Contudo, a noção de património abarca mais do que o material e sumptuoso. De facto, o pós segunda guerra mundial trouxe preocupações acrescidas com a salvaguarda do património material “excepcional”, o qual parece ter sido alvo de maior destruição. Mas se considerarmos como património a herança histórica, artística, cientifica, técnica … dos diversos povos, culturas e civilizações (Fernández, 1999: 97) então devemos englobar no conceito de património cultural, tanto os legados construídos, testemunhos de outros tempos, embora não tão sumptuosos, como as testemunhas imateriais. Relativamente ao património imaterial, as organizações internacionais têm ido até mais longe. Atente-se à resolução da UNESCO, de 16 de Maio de 2001, em Paris, onde são assinalados os mecanismos de protecção ao Folclore e à Cultura Tradicional: A protecção geral do folclore foi assumida pela UNESCO (…) considerando a adopção de medidas para a sua identificação, conservação, preservação, disseminação e

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protecção (…) sublinhou-se a necessidade de colocar a ênfase nos promotores de tradições em detrimento dos especialistas, assinalou-se a necessidade de ser mais inclusivo, abarcando não apenas produtos artísticos como contos, canções, etc., mas também o conhecimento e os valores que permitem a sua produção, os processos criativos que dão existência a esses produtos e os modos de interacção pelos quais esses produtos são recebidos apropriadamente e apreciadamente reconhecidos.

Posteriormente, na convenção aprovada pela UNESCO em Outubro de 2003, estas definições são incluídas na noção de Património Cultural Imaterial da Humanidade 7. A memória do passado, enquanto substrato do presente ultrapassa, portanto, os elementos físicos, e, neste sentido, um poema, uma estória ou uma música, são testemunhos de passados mais ou menos distantes contribuindo, dessa forma, para o permanente refazer-se de uma cultura (cf. Branco, 2003), mas indo mais longe do que isso. Sublinhe-se, inseridos neste contexto, o valor que tem sido dado não só a estes produtos culturais, mas também aos actores sociais que estão por detrás deles, como nos faz entender

a resolução da UNESCO supra citada. São os bens imateriais, ideias que ultrapassam o espaço físico, mas que não podem nem devem ser desprezados no fazer-se e (re)fazer-se do discurso identitário local. Neste sentido, devemos considerar, da mesma forma, como património cultural, as histórias, as músicas, as danças ou as cantigas, os mitos e outras manifestações imateriais que servem de testemunho das capacidades de realização dos antepassados de uma determinada realidade cultural (Barbosa, 1998). Na sua abordagem ao conceito de património, vários autores como Josep Ballart (1997; 2001); José Amado Mendes (1999) ou Manuel João Ramos (2002) vão ainda mais longe ao referirem que o património só tem sentido quando “um indivíduo ou um grupo de indivíduos identifica como seus um objecto ou um conjunto de objectos.” Neste âmbito, o conceito de património cultural é mais do que o “legado que herdamos do passado e que transmitimos a gerações futuras” (Silva, 2000: 218). Como refere esta investigadora, a patrimonialização consiste “num processo simbólico de legitimação social e cultural de determinados objectos que conferem a um grupo um

A este propósito observe-se o artigo de Paulo Raposo, em Jornal “A Página”, N.º 141, Ano 14, Janeiro de 2005, p. 31.

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sentimento colectivo de identidade. Neste sentido, toda a construção patrimonial é uma representação simbólica de uma dada versão da identidade, de uma identidade “manufacturada” pelo presente que a idealiza. Assim sendo, o património cultural compreenderá então todos aqueles elementos que fundam a identidade de um grupo e que o diferenciam dos demais.” O processo de patrimonialização assenta, então, na metamorfose do significado dos objectos. Estes, não deixando de ter valor social e cultural, adquirem outras significâncias, mais especiais do ponto de vista cultural, com a nova recontextualização. Trata-se de um caminho que consiste em transformar objectos materiais e imateriais, aparentemente vulgares, em legados históricos ou testemunhos de desenvolvimento científico, técnico, artístico

ou outro, de uma determinada cultura, e, nesse sentido, eles iniciam uma fase simbólica de representação da comunidade. Esta revê-se no seu património. Contudo, a quem decide distinguir o património do “não” património, não estão ausentes as relações de poder. No que diz respeito às relações entre património e Identidade, Carlos Fortuna (1999: 37-38), na sua obra Identidades, Percursos e Paisagens Culturais, refere-se à importante função agregadora que todo o conjunto do património histórico e cultural detém na comunidade, passível contudo, de interpretações várias, de acordo com o tempo e o espaço onde nos movemos. O autor referese sobretudo aos monumentos e ao património cultural das grandes cidades actuais.

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3. Entre o ser e o sentir: como definir identidade

a modernidade prometia. Na mesma medida, o colectivo era visto como detentor de uma série de características fixas e essencialistas que permitiam ao indivíduo uma sensação de segurança marcada pela estabilidade, unidade e previsibilidade. A metamorfose social, que havia sido acelerada a partir do fim da IIª Guerra Mundial, acabou por conduzir a um período, o que vivemos hoje, ou seja, os alvores do séc. XXI, apelidado de alguns como pós-modernidade (Jameson, 1985), ou sobremodernidade (Augé, 1994). Esta época coloca novos desafios às concepções tradicionais de identidade, uma vez que as transformações sociais e culturais, quer materiais, quer imateriais, são muito mais rápidas do que as suas precedentes. A globalização, a transnacionalização de pessoas e com elas, bens e ideias acelera essas transformações, e, no século XXI, o tempo de hoje pode já ser completamente

O conceito de identidade e os consequentes estudos sobre aquela têm-se apresentado ao investigador como um trabalho cada vez mais árduo e problemático. Assim, se nos primórdios da modernidade, coincidindo com a época iluminista, o indivíduo era visto como detentor de uma identidade única e estável, fechada e imutável (Hall, 1997), influenciada porém pelo colectivo onde o sujeito estaria integrado, alguns, mas não muitos séculos mais tarde, caem por terra as cómodas definições que defendiam identidades, seja pessoais ou culturais, estáveis, unificadas e imutáveis (cf. Bastos e Bastos, 1999). Durante todo o período, compreendido entre o século XVI e meados do século XX, era o contexto social e cultural, com as suas normas e valores que influenciava a construção da identidade pessoal, onde havia pouco espaço para a individualidade, ao contrário do que 3 .

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diferente do de ontem. Neste sentido, perante mudanças tão rápidas, quer do ponto de vista individual quer colectivo, no primeiro caso, a explosão do individualismo e das liberdades do sujeito – indivíduo, onde a cada um é cada vez mais permitido ser o que quer (cf. Vieira, 1999); e no segundo, a sociedade que começa a reconhecer novas e velhas diferenças dentro de seio, como identificar e reconhecer identidades sólidas e pouco ou nada mutáveis? A sobremodernidade (Augé 1994) ou pósmodernidade (Appadurai, 1995; Jameson, 1985) é caracterizada como uma época de mudanças acentuadas que nada tem a ver com outras formas de organização social e cultural. Contudo, a antecâmara destes acontecimentos está na definida modernidade tardia, de Anthony Giddens (1990). É neste período que as tradições, o passado, e, de certa forma, a sua cristalização, bem como a reprodução social baseada nas tradições e no saber dos velhos, começam a ser colocadas em causa. Neste sentido, a modernidade é, antes de mais, a predecessora para os acontecimentos que posteriormente viriam a acontecer no campo das identidades. Será que faz sentido definir sociedades fechadas geograficamente, dotadas de identidade cultural própria, essencialista, sólida, imutável e isolada, de outras 28

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identidades concorrentes? Actualmente, em inícios do século XXI, é necessário ter, portanto, bastante acuidade quando esse termo é usado para se fazer referência a uma pessoa ou grupo de pessoas que partilham de características sociais, culturais, comportamentais e outras, comuns, e que, por esse motivo, se distinguem de outros grupos vizinhos. Relativamente à questão da identidade portuguesa, Jorge Dias, Jaime Cortesão, ou outros investigadores portugueses e estrangeiros referiram um “carácter nacional português” (Jorge Dias) ou um “universalismo da cultura portuguesa” (Jaime Cortesão); “saudosismo” e certa tendência para a nostalgia… associada ao lirismo (cf. José Amado Mendes, 1999), como se fosse possível encerrar os portugueses num território e atribuir-lhe características físicas, culturais ou outras, objectivas e imutáveis cuja face mais visível seria os monumentos nacionais considerados de notável simbolismo histórico-antropológico. De facto, a questão central não está em saber se existe ou não identidade, mas se é possível atribuir uma identidade a todo um grupo, sem ter em conta as visões que os actores sociais desse grupo têm acerca de si e do seu próprio espaço de pertença, que pode ser geográfico e coincidente com o de outros

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foram tornadas invisíveis por um main stream que, podendo não ser maioritário, detinha o poder de definir o que cada um poderia ou deveria ser. No novo século em que vivemos já nada é assim, e as diferenças, as identidades fragmentadas de que falam Giddens ou Hall, passam a ser reconhecidas e respeitadas dentro desses campos sociais. Por outro lado, a globalização conduz as comunidades locais, ou seja, os indivíduos que as compõem, a reinventar, ou mesmo inventar a sua identidade, alegando sentimentos de pertença comuns, em torno de certos objectos que por essa via se transformam em património. A identidade constrói-se perante a alteridade, e esta torna-se mais visível com a globalização. Desta forma, adquirimos consciência grupal, quando conhecemos e reconhecemos outros indivíduos ou grupos diferentes. Já não estamos nas Nações da Europa, nem muito menos na Europa das Nações, mas no resultado das mudanças sociais aceleradas pelo pós II Guerra: A emergência de espaços globais como a União Europeia, onde se afirmam espaços locais como as regiões. Em contextos de globalização, e consequente alteração das noções de espaço e de tempo, o que se verifica é um renascer das identidades nacionais, mas sobretudo das

indivíduos ou não. A identidade é, antes de mais, uma construção cultural, um processo, não existe fora, nem sem os sujeitos que a reclamam perante situações de adversidade ou de alteridade. Assim, não se pode falar numa identidade pessoal ou cultural, mas em várias identidades, em que as sociedades actuais reconhecem as múltiplas identidades fragmentadas e mutáveis dentro de si mesma. Neste sentido, os sujeitos são livres de escolher o que querem “ser”, e com quem se querem identificar. Esta diversidade e escolha de processos de identificação conduz, por seu lado, à colocação de certas interrogações: Perante este quadro, de identidades múltiplas e por vezes concorrenciais, porque não se desintegram as sociedades? As sociedades não se desagregam porque há uma articulação, ainda que parcial, entre os seus diferentes elementos sociais e a construção identitária. Se por um lado, estas ideias se tornam perturbadoras, como refere Stuart Hall (1997), por outro, elas abrem-nos o caminho a novas possibilidades, onde ninguém é excluído pelas escolhas ou pertenças grupais que faz. A nova ordem mundial do pós II Guerra, as migrações, a globalização, permitiram observar as contradições que sempre estiveram e fizeram parte das nossas sociedades mas que 3 .

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locais, regionais, comunitárias e mesmo pessoais, pois é perante o contacto decorrente desta transnacionalização de pessoas, capitais, ideias e bens que as comunidades locais tomam consciência de si enquanto grupo partilhando de valores comuns. É na alteridade que se constrói a diferença (cf. Hall, 1997). O que está hoje em revisão é o conceito iluminista de identidade fixa e essencialista, algo que (…) se supõe definir o próprio núcleo ou essência do nosso ser e fundamentador da nossa existência enquanto humanos. (Hall, 1997). E que tem o património a ver com toda a questão da discussão da identidade? Ele é apropriado e reapropriado pelos indivíduos para objectivar a sua identidade. Adolfo Casal (1999) aborda bem estas questões, ou de como certos objectos se têm metamorfoseado em património, aos quais são atribuídos valores especiais, pois eles representam precisamente aquilo que a modernidade parece renegar: o passado, ou o corte com ele, em nome de um presente caracterizado por mudanças aceleradas, e no entanto as sociedades modernas, e os seus Estados-Nação necessitaram de âncoras no passado, como o património, que lhes permitiram estabilidade e sobrevivência. Não interessava tanto se essas âncoras representavam um discurso identitário baseado na 30

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procura das verdadeiras raízes, ou se, o que é mais verdade, essas “raízes” eram inventadas ou (re) inventadas permanentemente, num processo de construção desses Estados-Nação. Ora, a diferença entre essa modernidade e o mundo de hoje é que actualmente há uma renovada leitura simbólica do património ou dos objectos que o compõem, em que todos os sujeitos se apropriam dele na reivindicação da sua identidade, tratando-se sobretudo de um processo arbitrário e temporal (cf. Pearce, 1992). De facto, o processo de patrimonialização dos objectos nasceu no seio da cultura ocidental, mais concretamente em Itália, na mesma época em que a modernidade começava a deixar marcas profundas, e nesta primeira fase, era concebido como marca de progresso e de modernidade entre as classes sociais mais afortunadas. (Casal, 1999). É contudo nos anos 60 e 70 do século passado que o conceito de património se democratiza, em resposta às consequências dessa mesma modernidade que o viu nascer. Se no século XVI, na renascença italiana, o património era símbolo de riqueza, estatuto e bem-estar, cerca de dois séculos depois, passa a simbolizar a contestação a uma modernidade caracterizada pela massificação da vida e da destruição da fauna e da flora do planeta porquanto provocadora da

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poluição, num processo de interpretação e reinterpretação simbólica. Os objectos são assim apropriados na construção e reivindicação de identidades locais e especificas em contextos da globalização produzida pela modernidade.

Esta identidade local é sempre construída e reconstruída, e, por isso, é necessário referir que os objectos patrimonializados não contam verdades absolutas, verdades acerca de identidades cristalizadas no espaço e no tempo; eles são sim, apropriados e (re)apropriados pelos sujeitos para projectarem a identidade destes. Por isso o património manifesta verdades identitárias simbólicas, momentâneas e espacialmente localizadas.

É o retorno ao objecto antigo, um objecto que não foi produzido, mas criado... um objecto que incorpora na sua materialidade marcas únicas de um artesão, de uma região, de uma época ou de um contexto social-histórico particular. (Casal, 1999)

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4. Museus, Património e Identidade: que relação?

As raízes do museu, tal como o conhecemos hoje, encontram-se na antiguidade clássica. É nesta que começamos a observar aquilo a que se poderia chamar de primeiros protótipos do museu, no que eram os templos dedicados às Musas. O mais famoso museu da antiguidade foi fundado na cidade da Alexandria, por Ptolomeu, num período temporal que corresponde ao século III A. C. O museu da Alexandria possuía alguns objectos como estátuas de pensadores, instrumentos de cirurgia e de astronomia, peles de animais e um parque botânico e zoológico, funcionando esta instituição mais como uma universidade ou academia filosófica da antiguidade, onde se reuniam alguns dos mais proeminentes pensadores da época. Euclides escreveu aqui o seu Elementos da Geometria, sendo ainda usado por outros investigadores como Arquimedes ou Eratóstenes para efectuarem as suas pes4 .

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quisas (cf. Jones, 1971 in Alexander, 1979; Fernández, 1999). Este museu viria a conhecer o fim cerca de seiscentos anos depois de ter sido fundado, aquando da sua destruição ao longo do século III D. C., para a qual contribuíram vários distúrbios ocorridos ao longo dessa época (cf. Alexander, 1979; Pomian, 1984; cf. também Fernández, 1999). Apesar do museu de Alexandria possuir um vasto conjunto de objectos, não se pode, no entanto, falar de objectos musealizados ou patrimonializados no sentido moderno do termo. O conceito de património, bem como de museu moderno começaram a ser desenhados a partir dos séculos XVI/XVII, consolidandose no século XVIII. Com um conceito de museu diferente do de hoje, o mundo antigo já possuía colecções públicas de objectos, cujo valor residia nos seus aspectos estéticos, históricos, religiosos P a t r i m ó n i o

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ou mágicos. Nos templos gregos, como os oráculos de Olímpia e de Delfos, espécies de museus da antiguidade, era possível encontrar toda uma panóplia de ofertas votivas em ouro, prata, objectos em bronze, estátuas e estatuetas, pinturas em bronze de entre outros tipos de materiais, oferecidos por viajantes e peregrinos (cf. Bazin, 1967). De certa forma, toda a identidade greco-romana assenta, à semelhança da de outras sociedades, quer na religião, quer nas ofertas votivas feitas aos seus deuses. Numa primeira fase, os “museus”, têm portanto, por detrás da sua fundação, a religião, ou a relação do homem com o divino. Françoise Lautman dá conta da analogia que existe entre os tesouros dos santuários gregos, que surgiam como um testemunho de devoção à divindade, e o seu equivalente actual, constituído por ex-votos de vários tipos (figuras de cera, tábuas representativas das cenas, e outros objectos). Estes ex-votos podem ser encontrados em murais de santuários religiosos, nos tesouros das catedrais, ou ainda em exposição, principalmente os mais ricos e prestigiantes (cf. Lautman, 1987), sendo também possível encontrá-los expostos em museus de arte sacra.

Luís Alonso Fernández, refere em relação a este aspecto o seguinte: Assim reconhecemos um paralelismo mais que mimético entre o thesaurus grego – isto é, aquele pequeno monumento ou capela votiva construídos pelos habitantes de uma cidade em torno de um santuário, destinado a receber doações como o famoso tesouro de Delfos – e as capelas, ermidas e santuários cristãos, sempre abertos às doações e oferendas dos fiéis, enriquecidas constantemente com objectos de culto, exvotos e relicários 8 (Fernández, 1999). Os romanos, herdeiros da cultura grega, detinham também uma grande variedade de pinturas e esculturas representativas das suas devoções religiosas e conquistas efectuadas aos bárbaros, sendo exibidas em fóruns, jardins públicos, templos, teatros e banhos. Os generais romanos, homens do Estado, e patrícios ricos, apoderavam-se frequentemente destes objectos, que eram colocados nas suas casas de campo (cf. Alexander, 1979). Por vezes, eram estes mesmos generais que, voltando de uma campanha vitoriosa, exibiam homens submetidos e as riquezas conquistadas como sinais de triunfo, como demonstram os registos de Plínio (in Pomian, 1984): ao seu terceiro triunfo que

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celebrou sobre os piratas, a Ásia, o Ponto, sobre as nações e os reis enumerados no sétimo livro desta obra (...) Pompeu fez desfilar um tabuleiro de xadrez com as suas peças, feito de duas peças preciosas, de três pés de largura, por quatro ... três camas de triclínio; baixelas de ouro de Minerva, de Marte, de Apolo; trinta e três coroas de pérolas; uma montanha de ouro quadrada, com cervos, leões e frutos de toda a espécie, rodeada por uma videira de ouro; uma gruta em pérolas encimada por um quadrante solar (Plínio, Naturalis historia, XXXVII, 13-14 in Pomian, 1984). Posteriormente, muitos desses objectos eram oferecidos aos templos, onde se encontravam expostos, constituindo deste modo verdadeiras peças patrimonializadas. Por exemplo, Pompeu consagrou patenas e taças de murra a Júpiter Capitolino (cf. Pomian, 1984). A importância da arte saqueada era tão grande que, de acordo com este investigador, ela estaria na génese das maiores colecções, públicas ou privadas, da antiguidade. Durante a Idade Média, era Igreja que, assumindo-se como a mais central das instituições sociais e culturais ocidentais, reflectia as maiores manifestações patrimoniais e sua exibição, intimamente ligadas à religiosidade católica. Igrejas, catedrais e mosteiros com riquíssimas representações da Virgem, de 4 .

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Cristo, dos Apóstolos e de uma grande variedade de santos, jóias e manuscritos, assumiamse assim como autênticos “museus” medievais (Idem) (Fig. 1). Estes objectos, seleccionados no mundo físico que nos rodeia, serviram para uns grupos reivindicarem identidades particulares perante outros, nomeadamente os muçulmanos em face dos quais se definiram as identidades europeias ibero-peninsulares, constatando-se, desta forma, o papel fundamental que a religião teve na definição identitária das sociedades europeias ao longo do período medieval. Os objectos religiosos ou representações de santos, as relíquias e outro tipo de materiais cumpriam perfeitamente estas funções. Faziam a ponte entre o visível e o invisível em dois sentidos: Entre o mundo visível dos Homens e o mundo invisível dos Deuses; e entre o sentimento subjectivo de pertença e a sua objectivação. Os objectos adquirem qualidades divinas nessas representações. Os templos e mosteiros medievais peninsulares devem, portanto, ser vistos à luz das lutas que então se desenrolavam entre cristãos, do norte da Península Ibérica, e os muçulmanos, a sul. Em alturas tão conturbadas, à medida que os cristãos se iam expandindo para sul, os muçulmanos efectuavam incursões para P a t r i m ó n i o

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Fig. 1 – Pormenor do edifício da antiga Insigne e Real Colegiada de Nª Senhora da Oliveira. (Parte do qual constitui, actualmente , o Museu Alberto Sampaio)

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norte, durante as quais invadiam, devastavam e saqueavam as instituições religiosas, conotadas com outro povo, outra cultura, outra identidade. Com o germinar da modernidade começam a aparecer os primeiros museus, tal como os conhecemos hoje, bem como o conceito de património referente quer aos objectos de museu e seu edifício, quer a outros objectos considerados monumentais. Enquanto parte integrante de uma nova visão do mundo e da sociedade, os museus modernos pouco têm a ver com os templos gregos ou romanos, ou com as igrejas, catedrais ou mosteiros da Idade Média, 9 cada um deles fruto de uma época sociotemporal e cultural muito característica. Os modelos socioculturais clássicos e medievais destacam-se claramente dos actuais, o que não deixa de se reflectir obviamente nos museus e no património. Com o advento da modernidade, surgiu portanto um novo conceito de museu. O museu moderno, que é referido por J. Mordaunt Crook (in Alexander,

1979) como um produto do humanismo renascentista, do iluminismo oitocentista, e da democracia do século dezanove. As origens dos primeiros museus modernos podem ser encontradas nos Gabinetes de Curiosidades, muito comuns na sociedade do século XV. Será no entanto apenas uns duzentos anos depois que os Gabinetes de Curiosidades se irão a pouco e pouco transformar em instituições verdadeiramente ao serviço dos novos ideais veiculados pela modernidade. Os museus modernos que surgem então nos séculos XVIII e XIX, devem muito da sua génese às colecções de objectos de pertença real ou monárquica, que eram acessíveis apenas àqueles que as coleccionavam, seus familiares e amigos, encontrando-se expostos nos Gabinetes de Curiosidades (Olmi, 1985). Os Gabinetes de Curiosidades, impressionantes salões ou galerias, construídos na maior parte das vezes com o único propósito de albergar as colecções privadas de reis e

Não obstante, o facto de no nosso país as primeiras colecções de arte remontarem à Idade Média, aos tesouros de mosteiros e catedrais, como é o caso do mosteiro da Nossa Senhora da Oliveira, não podemos falar de colecções com vocação museológica, pois, como refere Teixeira (1984), no espaço sagrado as obras de arte tinham essencialmente um valor devocional e de culto, valor esse que se distingue claramente do que é atribuído aos museus a partir do Renascimento.

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príncipes, eram usados como salas de recepção, e neles, se encontravam diversos tipos de objectos raros. Estes eram assim designados em função dos materiais com que eram constituídos, frequentemente nobres, como o ouro e a prata, ou devido à sua proveniência, normalmente de um passado distante, ou de sociedades não europeias. Eram considerados objectos exóticos, pouco conhecidos dos europeus e trazidos para o continente por exploradores ou viajantes. A posse destes objectos, cujo processo de patrimonialização era agora iniciado, encontrava-se então restrita a alguns grupos sociais, os quais detinham com eles o monopólio das representações culturais ou da natureza. Neste contexto, à raridade e exotismo estava sempre associado o valor do objecto, pois era em função da sua escassez, e da curiosidade que ele seria capaz de despertar, que era avaliado. No contexto português, de entre algumas das mais significativas colecções, gabinetes e tesouros que viriam a culminar nos museus, destacam-se a colecção de “antiguidades” de D. Afonso, 1º Duque de Bragança (13771461), que «muitas trouxe quando andou por fora do Reyno, formando assim uma Casa de Couzas raras, a que hoje chamão Museo» (Caetano de Sousa, 1738 in Ramos, 1993), 38

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ou a de seu filho, do mesmo nome, o 1º Marquês de Valença, onde predominavam objectos de arte e arqueologia adquiridos em 1451 na Alemanha, quando aí se deslocou para acompanhar a infanta D. Leonor, filha do rei D. Duarte, futura mulher do Imperador Frederico III, também a colecção de cipos e lápides com inscrições romanas, árabes e hebraicas recolhidas pelo humanista André de Resende (c.1500-1573) que as exporá em meados de quinhentos nos jardins de sua casa perto de Évora (cf. Ramos, 1993), ou ainda, o “thesouro” de moedas romanas e portuguesas do padre Manuel Severim Faria (1582-1655), que em conjunto com um grande número de vasos e outras relíquias de origem romana lhe permitiram formar «um Museo digno de um Príncipe» (Severim de Faria, 1791 in Ramos, 1993). Contudo, as primeiras instituições museológicas modernas só farão a sua aparição a partir do século XVIII, quando os Museus de História Natural começam a pouco e pouco a substituir os Gabinetes de Curiosidades. Aqueles, fazendo parte da visão iluminista e seus ideais democráticos, trazem consigo algumas mudanças, das quais é de destacar a defesa que agora se desenvolve de que a cultura deve ser acessível a toda a gente, como, no

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caso português, está implícito no discurso de Marquês do Pombal: E porque muitas pessoas particulares por gosto, e curiosidade tem ajuntado muitas Collecções deste género, que fechadas nos seus Gabinetes privados não produzem utilidade alguma na Instrução pública; e ficam pela maior parte na mão de herdeiros destituidos do mesmo gosto; os quaes não sómente as não sabem conservar; mas também as dissipam, e destroem; e poderão os ditos primeiros possuidores deixar as referidas Collecções ao Gabinete da Universidade, que deve ser o Thesouro público da História Natural, para a Instrucção da Mocidade, que de todas as partes dos meus Reinos, e Senhorios a ella concorrem. Estatutos da Universidade de Coimbra, 1772.

Imbuído dos ideais iluministas da época, Sebastião José de Carvalho e Melo dá a machadada final nos Gabinetes de Curiosidades portugueses e seus ideais, instituindo os Museus de História Natural da Ajuda e da Universidade de Coimbra, em finais do século XVIII. Deste modo, um pouco por toda a Europa, e por inerência em Portugal, pelas mãos do Marquês, passa a existir uma associação entre os novos ideais democráticos e os museus, transformando-se estes em locais privilegiados 4 .

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de transmissão de conhecimentos, abertos a todos, em geral, e não mais apenas a alguns privilegiados. Por outro lado, as mudanças verificadas nas instituições expositivas devem também ser vistas à luz do aparecimento do Estado-Nação e da noção de comunidade de identidade nacional, que em finais do século XVIII e inícios do XIX estava em concomitância com um outro factor: a progressiva perda de fé religiosa, substituída em crescendo pelo secularismo. Os primeiros museus modernos contribuíram para celebrar a Nação e a sua glória. Mesmo os objectos provenientes de outras sociedades ou da natureza ilustram a Nação que os recolheu, com a legitimação de que havia sido o esforço e os sacrifícios dos seus artistas, sábios e exploradores, o responsável pela recolha de tais objectos (cf. Pomian, 1987 in Dias, 1991). Desta forma, o exterior arquitectónico do edifício museológico, em contraste com o seu conteúdo, testemunhava a grandiosidade das Nações europeias que recolhiam os objectos. Será neste contexto que irão surgir, para além dos já referidos museus de história natural, os museus de arte, destacando-se no panorama europeu o Louvre. Este museu, embora não sendo o primeiro palácio real a transformar-se num museu público de arte, viria a ficar no P a t r i m ó n i o

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entanto na história, pelo grande significado político que a sua transformação carregou consigo. Ao converter um palácio de reis num museu público, o governo francês legitimava em 1793 o novo Estado Republicano. Deste modo, o Louvre tornar-se-ia com a Revolução Francesa num poderoso símbolo da queda do antigo regime e da imposição de uma nova ordem. Tal como este museu, o Museu Britânico, ou os museus portugueses, em especial os da época do liberalismo, e todos os museus públicos que começavam a surgir, eram por definição acessíveis a toda a gente, independentemente da sua classe, pelo que funcionavam como uma demonstração clara do empenho do Estado na luta pela igualdade. O museu de arte conferia à cidadania um conteúdo, em que a obra de arte se tornava no meio através do qual se estabelecia a relação entre o indivíduo enquanto cidadão e o Estado enquanto benfeitor (cf. Duncan, 1991). A abertura do novo espaço (do museu), agora público, ia de encontro aos novos ideais nascidos da Revolução: Igualdade, Liberdade e Fraternidade, e que eram em grande medida inspirados nas culturas clás-

sicas, grega e romana, e nos seus ideais de simplicidade e humanismo, bem como em outras culturas de grande esplendor civilizacional como era o caso da egípcia ou da Renascença italiana. Neste sentido, a arte clássica e a renascentista ocupavam os locais mais centrais dos museus, assumindo posições geográficas privilegiadas, de grande destaque (Duncan e Wallach, 1978). O mesmo se passava nos Estados Unidos, que na falta de originais gregos ou romanos, imitava-os na construção dos seus museus. Se toda a gente era livre de aceder ao museu e admirar o património aí exposto, o certo é que a massa da população não possuía os instrumentos educacionais necessários para entender as obras de arte em exibição. De facto, apenas os homens proprietários eram cidadãos em toda a sua plenitude. Contudo, no museu todos eram, por princípio, iguais e se aqueles que menos tinham acesso à educação não pudessem, ou dominassem os instrumentos mentais que lhes permitissem usar os bens culturais do museu em seu proveito, eles podiam (e continuam a poder) ser atingidos pela grandiosa magnitude do tesouro museológico 10 (Duncan, 1991; 1999).

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O Louvre não só redefiniu a identidade política dos seus visitantes, como atribuiu novos significados aos objectos, exibindo e qualificando uns, enquanto obscurecia ou distorcia outros. Se este museu pretendia simbolizar uma nova relação entre o Estado e os indivíduos enquanto cidadãos, então a sua apresentação também deveria ser inovadora: Num tempo relativamente curto, os directores do Louvre (…) trabalharam em toda uma série de práticas que vieram a caracterizar os museus um pouco por todo o lado. Rapidamente, os museus organizaram as suas colecções em escolas de história da arte e instalaram-nas de forma a tornar visível o desenvolvimento e o êxito de cada escola11 (Idem).

À semelhança do que acontecia com o Louvre, também os museus de arte que começavam a despontar um pouco por toda a Europa estavam organizados em escolas de arte, cada uma delas com os seus mestres, cujo progresso era medido num único modelo de beleza universal, um ideal através do qual presumivelmente todas as sociedades se desen-

volviam e que culminava na escultura antiga, clássica, e na pintura italiana do período final da renascença 12 (Ibidem). Isto ia de encontro ao novo objectivo do museu, que era demonstrar «o progresso das artes e os graus de perfeição, através dos quais todos os povos se tinham sucessivamente cultivado», e cuja arte mais refinada teria sido supostamente atingida pela nação onde se situava o museu (Cantarel-Besson, 1981). Os diversos governos davam especial ênfase ao génio das escolas nacionais, que representavam o progresso civilizacional da nação e promoviam o crescimento do poder do Estado, bem como do desenvolvimento da identidade nacional. A partir desta altura (séc. XVIII – XIX), todos os Estados compreenderiam então a utilidade de ter um museu público, pois tal facto era sinónimo de progresso e da preocupação que os governos teriam com o bem-estar espiritual dos seus cidadãos. O liberalismo, no nosso país, vai obviamente seguir os paradigmas ideológicos que se viviam por toda a Europa da época, e que

Tradução do autor. Tradução do autor.

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eram consonantes com os provenientes da Revolução Francesa. Esta tendência é aprofundada com o setembrismo, ocorrido em 1836. Assim, no que respeita à museologia e ao património, e dando continuidade à obra criada pelo Marquês de Pombal em finais de XVIII, é estabelecido na primeira metade do século XIX, pelo rei D. Pedro IV o Museu de Pinturas, Estampas, e outros objectos de Bellas Artes, num movimento em que os novos poderes apostam na criação de academias, conservatórios, escolas politécnicas e museus (Garcia, 1989), preocupando-se, concomitantemente, com a preservação dos edifícios considerados património, cuja função seria a de promover a civilização, a difusão da instrução pública, bem como o gosto pelo belo. Neste sentido, a época oitocentista ficaria também marcada por outros dois factores; por uma lado é afirmada a ideia do museu público 13, que passa a constituir o melhor meio para concretizar os ideais liberais, e por outro, são extintas em 1834 as ordens religiosas, consideradas uma sólida barreira ao desenvolvimento das novas ideias, inclusive

à fundação de um Estado moderno, que se queria secular. As lealdades deveriam passar pelo poder do Estado-Nação e não mais pelo religioso, nas várias tentativas de criação da identidade nacional, pelo que o património das instituições religiosas é nacionalizado. Assim, o património religioso, que era antes identificado com a religião, passa agora a sê-lo com o secularismo nacional. O golpe final ameaçando o rico património acumulado ao longo de séculos pelas instituições religiosas é lhes dado na segunda metade do século XIX, em face da fundação do Museu da Sociedade Nacional das Belas Artes, destinado a reunir o melhor do espólio artístico das corporações religiosas que se encontravam extintas por todo o país, o que constitui mais um indicador da progressiva perda de importância da religião e da sua centralidade na sociedade em prol do secularismo. Nas décadas de 50 e 60 do século XIX nascem o Museu dos Serviços Geológicos (1857) e o Museu Archeológico do Carmo (1864), e, ainda, em 1882, o Museu de Arqueologia, Numismática, Arte e Etnografia da Sociedade

A este propósito veja-se por ex. Pedro Vitorino, – 1930 Os Museus de Arte do Porto, Coimbra: Imprensa da Universidade.

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Martins Sarmento. É pois, sobretudo em resultado das múltiplas escavações arqueológicas, «muito importantes para a história antiga da Península Ibérica» 14, efectuadas nesta segunda metade do século XIX, que irão surgir nos anos 80 e 90 muitos museus regionais predominantemente arqueológicos (Ramos, 1993). Neste contexto, em 1893, época em que a arqueologia e a etnologia ainda se encontravam fundidas num só domínio disciplinar, nasce o primeiro museu nacional de arqueologia. Pelas mãos de José Leite de Vasconcelos, e com o patrocínio de Bernardino Machado, surge o Museu Etnográfico Português, antecessor do actual Museu Nacional de Arqueologia do Doutor Leite de Vasconcelos (cf. Raposo, 1993). Em finais do século XIX, muitas antigas instituições religiosas conseguem adaptarse aos novos tempos, transformando-se em museus de arte sacra, pode-se dizer que para não morrerem, vestem uma nova roupagem. Como um exemplo de entre outros, temos o Museu de Alberto Sampaio, cujas primordiais origens podem ser traçadas em 22 de Dezem-

bro de 1891. Este museu teve um nascimento muito singular, directamente influenciado pelos ideais modernistas em voga com o liberalismo. Contudo, trata-se menos de uma estratégia de promoção dos ideais democráticos, e mais de conservação, em Guimarães, da arte religiosa, acumulada durante tanto tempo, e em risco de se dispersar pelos Museus Nacionais de Arte criados em Lisboa, no Porto e em Coimbra. A anterior directora do museu, Manuela de Alcântara Santos observou muito bem este factor, referindo-se à criação do Museu de Arqueologia Cristã, em Guimarães, como uma resposta local a essa tendência centralista (Santos, 1996). De resto, encontramos uma certa semelhança entre os objectivos que conduziram às primeiras tentativas da criação deste Museu, e o que nesse mesmo século se passara no resto da Europa. Embora não se tratasse de saques como aqueles que Napoleão Bonaparte havia feito, e que conduziram à criação do Museu Koninklijk, de entre outros, antepassado do actual Rijksmuseum, por parte do rei holandês Luís Napoleão, o que é certo é que essa criação visava também evitar o “saque”

Simões, 1877, in Ramos, P. O., – 1993 «Breve história do museu em Portugal», in Rocha Trindade, M. B. (coord.) Iniciação à Museologia, Lisboa: Universidade Aberta.

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por parte dos poderes centrais de obras de arte, simbólicas da identidade local, nas suas tentativas da instauração de uma identidade nacional, mais centralista. O início do século XX europeu vai ser caracterizado pelo germinar das críticas ao industrialismo, bem como à convicção que se foi construindo ao longo dos séculos anteriores de que o progresso científico iria resolver todos os problemas da Humanidade, sendo também alvo de grandes discussões críticas a aplicação dos métodos das ciências naturais ao estudo da história, da sociedade, ou da literatura (cf. Joll, 1982). Estes acontecimentos originaram o desejo do retorno a uma forma de vida mais natural e simples, mais próxima do campo e da natureza, o que irá despoletar uma revalorização do património e dos objectos antigos que o compõem. Entretanto, em termos sociais e políticos, ao mesmo tempo que são postos em causa um pouco por toda a Europa os fundamentos do liberalismo, ocorre a fundação da República em Portugal, no ano de 1910, com a instauração do Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Este vai promulgar a lei de separação

da Igreja e do Estado, nacionalizando grande parte dos bens daquela. Mais uma vez, o clero era visto como uma barreira aos propósitos educativos e civilizacionais do Estado. Este período coincide com o fim, em definitivo, das antigas instituições religiosas, sendo o seu património nacionalizado. Ainda na década de vinte do século XX, ao mesmo tempo que a maior parte dos países europeus sofria a decadência decorrente da Primeira Guerra Mundial, e em Portugal, a República, muito instável, não conseguia resolver a crescente degradação do país (Saraiva, 1983; Garcia, 1989), eis que se começa a falar politicamente na instalação da ditadura, a qual viria a decorrer entre os anos de 1926 a 1933. Esta tendência seguia a de muitos outros países europeus como a Itália (1922), Espanha (1923), Jugoslávia (1929), Alemanha (1932), e Áustria (1933) (cf. Garcia, 1989). As orientações museológicas e patrimoniais do Estado Novo 15, personificado na pessoa de António de Oliveira Salazar, vão seguir as políticas sociais e culturais da trilogia ditatorial baseada na «Restauração

O Estado Novo, instaurado em 1933, sucedeu à ditadura militar, que em Portugal se iniciara em 1926.

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material, restauração moral, e restauração nacional» (Ramos, 1993). Esta, tal como as outras ditaduras fascistas, irá ser caracterizada por uma glorificação da cultura portuguesa e do seu passado 16, não admirando pois que estivéssemos em presença de um período áureo no que diz respeito à recuperação dos testemunhos simbólicos desse passado, agora glorificado, tais como castelos, sés, conventos, mosteiros, museus, etc.. Ao longo do período do Estado Novo, destacam-se várias intervenções no domínio dos museus de arte, nomeadamente as do Museu Nacional de Arte Antiga, para receber em 1940 a «Exposição dos Primitivos Portugueses», e a transformação do Palácio dos Carrancas, na cidade do Porto em Museu Nacional de Soares dos Reis (Ribeiro, 1941 in Ramos, 1993). É também nesta altura criado o Museu de Arte Popular. No nosso país, o salazarismo fica ainda marcado pela classificação em três grupos dos «museus, colecções e tesouros de arte sacra do Estado, das autarquias locais ou de entidades particulares subsidiadas pelo Estado»

(Ramos, 1993). É assim que temos: os Museus Nacionais, os Regionais e os Museus municipais, tesouros de arte sacra e outras mais colecções oferecendo valor artístico, histórico ou arqueológico, os quais não eram especificados. Esta época fica ainda marcada pela tentativa gorada de constituição de museus etnográficos regionais (Idem). A política nacionalista, desenvolvida por Salazar no domínio da museologia, viria a preocupar-se mais com a ausência de museus etnográficos do que com os de arqueologia, continuando a crítica que já vinha desde os anos vinte aos museus de arqueologia e arte da 1ª República, sobretudo aos regionais. Deste contexto decorrem três aspectos muito interessantes no domínio dos museus de arqueologia. Por um lado, são extintos em 1932, por decreto, os Conselhos de Arte e Arqueologia, para darem origem ao Conselho Superior de Belas Artes. Por outro, e pelo menos nos primeiros anos do salazarismo, os museus de etnografia, e mesmo os de arte são alvo de uma atenção especial em relação aos de arqueologia. Este interesse súbito pelos

Para um melhor esclarecimento acerca das políticas culturais do Estado Novo, vejam-se João Manuel Garcia, – 1989 História de Portugal: Uma visão global, Lisboa: Editorial Presença; e Jorge Ramos do Ó, – 1999 Os anos de Ferro: O dispositivo cultural durante a «Política do Espírito» – 1933-1949, Lisboa: Editorial Estampa.

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museus, em especial os de arte sacra, não é inocente, eles cumpriam perfeitamente os desígnios do Estado Novo, cujos comentários proferidos por Henrique Galvão, não poderiam ser mais claros: A criação dos museus constitui uma tentativa de «procurar conservar (...) no Tempo e para proveito moral e material da Nação, mais do que a lembrança visual (...) e a saudade de uma comoção nacionalista». Galvão, 1940 in Ramos, 1993.

Neste sentido, quer as instituições expositivas do Estado Novo, quer o restante património monumental, material ou imaterial como contos ou lendas, transformaram-se em metáforas para a legitimação do poder ditatorial de Oliveira Salazar. Com os mesmos propósitos ditatoriais são organizadas as comemorações bicentenárias dos anos 40, de onde resultará o museu de Arte Popular, bem como é efectuada a recuperação de uma imensidão de vestígios históricos, transformados em património, como castelos, palácios e outros (Cf. Ramos, 1993). Chegados aos anos 60, enquanto todos os países europeus prosperavam, Salazar, com a sua política ditatorial, recusava-se a abandonar as colónias em África, arrastando Portugal para uma guerra que iria demorar mais de 46

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uma década (Saraiva, 1983). Esta absorveu os resultados de um relativo desenvolvimento económico, que se fazia sentir na época, empobrecendo mais o país e contribuindo para o aumento da emigração, e fundamentalmente, ajudaria ao eclodir da revolta que veio a culminar com o derrube da ditadura em 25 de Abril de 1974 (cf. Garcia, 1989). Não obstante a situação vivida na década de sessenta, ainda são inaugurados alguns museus no culminar desta e inícios da de setenta, sendo de destacar o Museu de Etnologia do Ultramar, em 1965 (Veiga de Oliveira, 1972, in Ramos, 1993); a criação da Associação Portuguesa de Museologia no mesmo ano, o Museu Gulbenkian, em 1969 (Ferreira, 1982, in Ramos, 1993), o Museu Nacional da Ciência e da Técnica, em 1971-76, em Coimbra, de entre outros. A partir do 25 de Abril de 1974 é restabelecida a democracia e, não obstante os problemas inerentes aos seus primeiros anos, ela haveria de trazer consigo o fim da Guerra Colonial, a independência das ex. colónias e término do isolamento internacional a que o país fora votado em consequência das políticas salazaristas e marcelistas. A aproximação de Portugal à Comunidade Económica Europeia será crescente, até à sua integração em 1986,

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o que trará novos desafios mas também novas oportunidades, assumindo, de novo, o património um importante papel na reivindicação das identidades regionais, numa Europa das regiões. O renascimento da democracia e dos seus ideais em Portugal e ao mesmo tempo, o fim do isolamento, virão a ter importantes consequências ao nível do património cultural. Por um lado, surge um movimento de defesa e valorização do património cultural, dinamizado por numerosas associações, que adquirindo uma tão grande proporção, chegou mesmo a falar-se na criação de uma Federação (cf. Garcia, 1989). Por outro, é alargada a noção tradicional de património cultural, «englobando testemunhos da cultura material anteriormente negligenciados, como é o caso da arqueologia industrial» (Ramos, 1993). Concomitantemente, a realização de vários encontros e congressos nacionais e internacionais em Lisboa, que se viriam a prolongar até à actualidade, como o que deu origem à criação do Movimento Internacional Para a Nova Museologia, em 1985; a criação da Associação de Empresas com Museus, em 1992; a Europália, em 1991; a Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994, ou mais recentemente a Exposição Mundial de Lisboa em 1998, 4 .

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Porto Capital Europeia da Cultura em 2001 e, ainda no mesmo ano, a elevação do culto histórico de Guimarães a Património Mundial da Humanidade, integraram e consolidaram a museologia e o património regional e nacional no contexto europeu e mundial. Portugal não haveria de ficar indiferente às mudanças socioculturais, ocorrentes um pouco por toda a Europa e Estados Unidos da América, e que viriam a reflectir-se obviamente nos museus e sua organização. Foi neste contexto que o chegar dos anos oitenta, trazendo consigo o vislumbrar da desconstrução crítica das teorias holistas do social, e portanto das concepções da sociedade em torno da ideia de sistemas socioculturais autónomos, fechados e sistematicamente organizados, conduziu a um renovar do interesse pelo estudo dos objectos. Em lugar de modernidade, começa-se a falar em pós-modernidade, em que as sociedades, caracterizadas por movimentos migratórios cada vez maiores de pessoas e em consequência, de bens económicos e culturais passam a ser estudadas no contexto dos processos de globalização, e da relação entre o global e o local (cf. Jameson, 1985). Neste sentido, a visão das sociedades enquanto totalidades autónomas e fechadas em si é posta de lado pelas condicionantes do tempo presente, marcadas por um multiP a t r i m ó n i o

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culturalismo crescente (cf. Appadurai, 1995; Clifford, 1988 in Morley & Robins, 1995). Mais uma vez, hoje como ontem, o museu, em particular, e o património, em geral, ao mesmo tempo produtos, e produções do seu tempo, encontram-se num momento de imbuição nas novas ideias de multi e interculturalismo. Como nos demonstram Karp e Lavine (1991), do outro lado do Atlântico, os mais diversos grupos culturais têm desafiado os museus, espaços de um discurso ocidental, a controlar a forma como estes apresentam as suas culturas. Esses grupos exigem não só que lhes seja atribuído o poder e a autoridade de tomarem decisões acerca da forma como a sua cultura é representada por intermédio do património, seja através de exposições museológicas ou de outras formas, como o desenvolvimento por parte do museu, de exposições que permitam múltiplas perspectivas 17, surgindo deste modo visões alternativas por parte dos grupos culturalmente minoritários, num desafio à estética universalista definida pelos museus de arte ocidentais.

É neste sentido que Karp e Lavine (1991) defendem que os museus actuais se devem movimentar em pelos menos três arenas, que passam pelo fortalecimento de instituições que permitam ás populações a oportunidade de exercerem o controlo sobre a forma como são apresentadas nos museus; uma atenção mais abrangente por parte dos museus em relação à apresentação de culturas não ocidentais e minorias culturais; e o desenvolvimento crescente de exposições, de forma a permitir aos museus a oferta de múltiplas perspectivas. Outra questão que está na ordem do dia prende-se com o saque e devolução de obras de arte e de arqueologia, algumas delas com milhares de anos. Temos como exemplo do primeiro caso, os roubos efectuados nas ruínas dos templos de Angkor, no Cambodja, com uma intensidade incrivelmente grande que tanto tem preocupado organismos internacionais como a ONU, ou no segundo caso, as sucessivas reclamações que os diversos ministros gregos da cultura e a sociedade em geral deste país têm feito em relação às criações artísticas de seus

Veja-se Ivan Karp e Steven D. Lavine, – 1991 em «Introduction: Museums and Multiculturalism», in Karp, I. & Lavine, S., (eds.) Exhibiting Cultures – The Poetics and Politics of Museum Display, Washington: Smithsonian Institution Press.

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antepassados que “arqueólogos” e outros exploradores ingleses saquearam ao longo do século XIX, e que se encontram actualmente expostas no Museu Britânico. Isto só para citar alguns exemplos de entre tantos outros que marcam a vida das sociedades contemporâneas. Embora os fenómenos relacionados com o roubo de obras de arte sejam uma constante em países empobrecidos, em resultado de conflitos bélicos ou outros, mas que outrora foram berço de esplendorosas civilizações, como é o caso do já citado Cambodja, de tantos outros africanos ou da América Latina, não se pense que este é um caso exclusivo dos países pobres. Assim, já que nos estamos referindo à arte sacra (relacionada com a religião católica), como a que compõe o núcleo do Museu de Alberto Sampaio, quantas vezes não somos nós confrontados com notícias de arrombamento de templos e roubo de peças de valor cultural, ou mesmo económico, incalculáveis. Até que ponto pode uma sociedade reclamar objectos, ou mesmo colecções inteiras, no fundo uma parte significativa da sua herança cultural uma vez que se trata de testemunhos físicos das vidas passadas de uma determinada sociedade, que vão parar a mãos de um coleccionador desconhecido sem quaisquer escrúpulos ou aos depósitos de um qualquer museu! 4 .

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Não obstante a preocupação com um multiculturalismo crescente constituir a nova visão aplicada ao panorama museológico e patrimonial dos Estados Unidos, cuja miscigenação cultural é intensa, o mesmo poderíamos referir para os países da Europa ocidental, confrontados com um número cada vez maior de minorias culturais nos seus territórios. E por que não, por extensão a Portugal, que para além de contar com cerca de quinhentas mil pessoas provenientes de outras sociedades e culturas, é também “invadido” anualmente por milhões de turistas que passam cá temporadas mais ou menos grandes. Neste sentido, podemos dizer que se colocam dois desafios aos actuais museus e ao património em geral: por um lado, trata-se de espaços confrontados com audiências muito heterogéneas culturalmente, que passam pelo cada vez mais elevado número de turistas que o visitam. Como responder perante esta audiência? Por outro, e não obstante o património constituir um espaço de representação de uma parte da cultura local, regional o nacional, não será chegada a hora de uma reflexão acerca de outras minorias culturais que também habitam a nossa casa? A apropriação dos objectos e a sua transformação em património, isto é, em algo ao qual P a t r i m ó n i o

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é atribuído o poder de objectivação do sentimento subjectivo de pertença desperta para outras problemáticas, onde a quem deve seleccionar esses objectos, numa lógica de relações de poder, não pode estar ausente a voz de toda a população que constitui a comunidade. Da mesma forma, quem é representado por intermédio desses objectos, deve ter em atenção os estéreotipos que o “outro”, implicando o próprio turista, pode construir acerca da sua identidade cultural, numa lógica essencialista. Em resumo, verificamos que, ao longo do tempo, os museus em particular, e o património em geral, têm assumido uma sig-

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nificação dinâmica. Num estudo que desenvolvi acerca do museu de Alberto Sampaio tive a oportunidade de verificar essa mesma dinâmica: o espaço actual pouco tem a ver com o do mosteiro anterior ao século XVIII, não obstante partilhar com ele, quer o mesmo espaço, quer as obras de arte portadoras dos mesmos temas religiosos, ou ainda as práticas quase devotas dos visitantes do museu (cf. Ripert, 1974). A organização que ele comporta enquanto espaço público, de lazer e de aprendizagem, é distinta dos templos e santuários de outrora.

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5. Espaço museológico e patrimonial: rituais seculares

A visita a qualquer monumento, em geral, ou mais particularmente ao museu constitui um ritual, curiosamente um ritual secular que celebra a própria ideia de modernidade baseada numa lógica de racionalismo científico. Neste sentido, gostaria de dar como exemplo a ritualidade do espaço museológico do museu de Alberto Sampaio (Fig. 2 e 3), uma vez que este ilustra a passagem do ritual religioso, tão marcante na Idade Média, para o secular, característico da modernidade. Assim, tanto ou mais do que em outros museus construídos de raiz, a ritualidade do espaço museológico

assume um carácter muito particular no que diz respeito ao Museu de Alberto Sampaio. Herdeiro do antigo mosteiro da Nossa Senhora da Oliveira, este museu ilustra com clarividência a forma como um espaço ritual religioso de grande importância, durante toda a Idade Média, sofre uma metamorfose, convertendo-se num ritual secular 18, que caracteriza o espaço museológico actual. Enquanto museu de arte, ele não só se encontra de tal forma organizado que nos lembra espaços rituais religiosos 19, como já foi mesmo um desses espaços.

Em relação ao museu enquanto espaço ritual secular, observe-se a obra de Carol Duncan – 1991 «Art Museums and the Ritual of Citizenship» in Karp Ivan e Lavine Steven D. (eds.) Exhibiting Cultures – The Poetics and Politics of Museum Display, Washington: Smithsonian Institution Press; bem como da mesma investigadora mas de 1995, «The Art Museum as Ritual» in D. C. (ed.) Civilizing Rituals inside Public Art Museums, London/New York, Routledge. 19 Na tradição antropológica e sociológica, o ritual foi sobretudo relacionado com a magia e a religião. Contudo, na nossa sociedade, existe uma infinidade de rituais não religiosos, mas profundamente seculares (Moore e Myerhoff, 1977). 18

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O facto deste museu fazer parte das instituições que não sendo construídas de raiz, aliás, tal como o Louvre, (velho palácio transformado num museu moderno e exemplo maior do paradigma museológico) não imitando os palácios clássicos, como nova aderência aos valores humanistas, cujas origens estariam supostamente presentes na antiguidade clássica, não lhe retira a auréola de modernidade que ele transporta consigo. O museu de Alberto Sampaio, a exemplo do que sucedeu com o Louvre, não só sofreu variadíssimas obras como assistiu a toda a reorganização do seu espaço interior, de forma a que lhe fosse permitido cumprir todos os ideais iluministas e democráticos, constituindo exemplo disto todas as obras que tem sofrido, principalmente desde 1928. Apesar do museu constituir um espaço moderno, ele não perdeu o seu carácter ritual, no entanto, passa a fazer parte das estruturas narrativas seculares, e, neste sentido, constitui um novo microcosmo das crenças acerca da ordem do mundo, o seu passado, o presente, e o lugar do indivíduo nele (cf. Duncan, 1995, 1999). Crenças e ideias assentes num racionalismo científico / verificável, que é precisamente o que o distingue enquanto ritual secular dos outros espaços de ritual religioso. 52

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Enquanto guardião das memórias culturais oficiais, espera-se do museu e de certa forma, de todos os espaços patrimonializados, que representem uma parte importante da cultura e da memória colectiva local, regional e/ou nacional. As exposições temporárias ou permanentes mais não são que estas celebrações: mostrar aos outros do que somos, orgulhosamente, capazes. Por um lado, faz-se alusão ao génio dos antigos artistas locais e nacionais, por serem exímios na arte de trabalhar os materiais, por outro, com a exposição permanente de objectos relacionados com a história nacional, pretende-se destacar e confirmar importantes partes dessa mesma construção histórica (cf. Bennett, 1995). As exposições sejam temporárias ou permanentes, apesar de muito diversas, têm em comum, por um lado, a proposta que nos fazem para conhecermos melhor as mais diversas facetas culturais que ao longo de séculos têm contribuído para a formação de uma determinada identidade local, regional ou nacional, por outro, o meio utilizado por excelência para dar voz a essas exibições tem sido o espaço museológico, pelo que, quer através delas, quer por intermédio das outras funções, demonstra-se a forma como o museu assume o seu papel de guardião privilegiado das memórias culturais oficiais.

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Fig. 2 – Museu de Alberto Sampaio.

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Simultaneamente, os principais objectivos que orientam as exposições, assim como todas as funções “científicas” do museu, em relação ao seu conteúdo, evidenciadas quer na forma como classifica e expõe os objectos, bem como na organização das colecções, confirmam e incrementam o estatuto secular deste espaço, como refere Duncan (1995) relativamente aos museus de arte. Para ser considerada a ritualidade museológica, ainda que secular, o museu deve, portanto, cumprir todas as funções inerentes a qualquer outro espaço ritual, o que de facto acontece. Tal como grande parte dos espaços rituais, também o do museu é sempre assinalado na sua parte exterior de uma forma bastante visível, alertando o visitante de que este não é um local qualquer, mas que exige um comportamento específico. Muitas vezes é a própria estrutura dos edifícios, herdada de antigos e sumptuosos espaços religiosos, palácios, palacetes ou outros, e a sua atmosfera característica, que definem o comportamento do visitante. A arquitectura, os claustros ou outros tipos de colunatas, as salas, bem como as próprias colecções e a disposição dos objectos, não só constituem um convite à entrada, como exercem imediatamente um efeito psicológico 54

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sobre o visitante, o qual, por esse efeito, muda o seu comportamento em relação ao formigueiro diário, exterior ao espaço patrimonializado. Obviamente, tudo isto tem um propósito: solicitar ao visitante uma atenção especial, para que melhor possa aprender, descobrir através dos objectos materiais ou imateriais, mas também através dos próprios espaços arquitectónicos, alguns dos mais importantes trechos da história da sua comunidade, bem como contemplar exemplares mais elevados da sua cultura material ou imaterial e reconhecer a perícia dos artistas que lhes deram origem. Portas, portais e escadas de grandes dimensões ou de design estilizado, incrementam a áurea ritual do espaço, ao mesmo tempo que não deixam de despertar a curiosidade do visitante, convidando-o a entrar, e preparando-o melhor de forma a levá-lo a ver «com olhos de ver» as obras em exposição (cf. Duncan, 1995). Tudo isto acentua o carácter cerimonial de museus e outros monumentos, diferenciando-os concomitantemente do espaço e do tempo exteriores. A entrada naqueles representa a inserção numa outra dimensão espacio-temporal, distinta da do dia-a-dia. A devoção, a compenetração dos indivíduos, quando aí introduzidos, leva-os a suspenderem

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Fig. 3 – Antigo acesso ao Museu Alberto Sampaio.

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as regras do comportamento social normal. São esquecidas por momentos as preocupações do mundo exterior, aproveitando-se estes instantes para reflectir acerca do passado, do presente e do futuro, em suma, olha-se para a vida com outros olhos. É assim cumprido o aspecto liminar do ritual 20. Germain Bazin, em 1967, observou o aspecto liminar do museu, referindo que o museu de arte é «um templo onde o Tempo parece suspenso»; o visitante entra com a esperança de encontrar uma dessas «epifanias culturais momentâneas que lhe dão a ilusão de conhecer a sua essência e as suas forças» (Bazin, 1967). Estudos que efectuei anteriormente no museu de Alberto Sampaio permitiram-me percepcionar um outro elemento caracteristicamente ritual: a performance. Pelos claustros de um mosteiro onde outrora os peregrinos seguiam a narrativa da vida de Jesus, de Nossa Senhora da Oliveira, e do cristianismo em geral, contemplando e adorando as imagens representativas dessa narrativa, passeia-se hoje o visitante. Contudo, não se trata de um passeio

aleatório. Pelo contrário, é-se convidado a seguir uma rota. Um caminho previamente definido, como é visível numa série de fichas presentes quer no claustro, quer em cada uma das salas temáticas. Estas fichas, símbolo de modernidade, conciliam-se com os medievais claustros, não servindo apenas de auxiliares pedagógicos para o visitante, como constituem guias convidativos a seguir uma rota pré-determinada. A disposição dos objectos pelas salas do museu, ou mesmo noutro tipo de monumentos, também contribui para o aspecto cerimonial adquirido pelo museu, uns são colocados no centro da sala, normalmente aqueles considerados mais importantes, outros são remetidos para as margens, e a marginalização do objecto é tanto maior quanto menor for reconhecido o seu valor simbólico e metonímico, num determinado espaço e tempo. Assim, as peças consideradas de maior significado histórico, artístico, ou outro, terão uma orientação espacial central, o que acaba não só por incrementar o simbolismo do objecto, mas também a ritualidade do espaço museológico. Neste sentido, não será casual a colocação do loudel usado

Este termo foi usado pela primeira vez por Arnold Van Gennep na sua obra The Rites of Passage – 1960 (1908), Chicago: University of Chicago Press. Veja-se também Victor Turner, (1977) em «Variations on a Theme of Liminality», in Moore e Myeroff (eds.) Secular Ritual, Amsterdam: Van Gorcum.

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Mapa n.º 1 – Rota seguida pelo visitante do museu de Alberto Sampaio.

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por D. João I na Batalha de Aljubarrota, no centro da sala do mesmo nome, no Museu de Alberto Sampaio. Ele é reconhecido pelos responsáveis daquele, como o objecto de maior valor histórico do museu. Na rota traçada nos, e pelos museus (Mapa n.º 1) e outros monumentos, que não é casual, pois com elas pretende-se construir um determinado discurso, o edifício em si, muitas vezes possuindo belos claustros, capelas antigas e as próprias salas de exposição permanente ou temporária, tornam-se parte integrante de um caminho, onde, como se num espaço de ritual religioso o peregrino se detivesse para imaginativamente reviver uma história sagrada (cf. Duncan, 1995), o visitante contempla as obras de arte, e apreende não só mais um pedaço da história local e nacional, mas também o génio artístico dos artesãos que ajudaram a construir a comunidade. Ao caminhar pelos diversos espaços do museu, o convidado pode não estar a participar num espectáculo de natureza formal, como um drama, ou um sacrifício, comuns ao ritual tradicional, mas tal não é, também, absolutamente necessário (cf. Duncan, 1995), pois, ao ser induzido a seguir essa rota, como se participasse no espectáculo, o indivíduo vai-se descobrindo e entra como

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se de realidade virtual se tratasse, na viagem que percorre toda a história do museu. Por fim, mas não menos importante, todo o ritual tem um propósito, um fim, e, neste sentido, também o que se nos apresenta nos museus, à semelhança do que acontece com outras instituições do género, contribui para essa finalidade. Após a viagem, o visitante sai do museu mais iluminado, mais enriquecido nos seus conhecimentos acerca da temática apresentada. Leva consigo um pedaço da história local, regional e/ou nacional. Em todo este processo, como refere Tony Bennett (1995), o museu transforma-se num «contador de histórias», na medida em que confere visibilidade pública aos objectos do conhecimento. Não sendo o museu a única instituição a trazer o passado para o presente, é das mais, senão mesmo a mais importante. Concomitantemente a este potencial de conhecimento que os objectos carregam em si, a estética das obras de arte, representações desse conhecimento, os materiais, muitas vezes preciosos com que são feitas, e todo o ambiente do museu, irão contribuir para a renovação da identidade do indivíduo, numa reflexão acerca de si e dos outros, que o leva ao reencontro consigo mesmo e com o mundo.

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6. Algumas funções dos Museus e do Património

Entre a pedagogia e a interpretação Embora só muito timidamente reconhecido, os museus quando surgiram tinham como função principal educar para os novos valores democráticos da modernidade. Espaços que se pretendiam públicos, abertos a todos, ricos ou pobres. Ao contrário dos anteriores gabinetes de curiosidades, os museus eram então vistos como o melhor meio para servir os ideais da democracia: educação e iluminação de qualquer pessoa, independentemente da sua condição (cf. Hudson, 1975; Alexander, 1979). Mesmo tendo em conta outras funções, como a pesquisa, a preservação, ou a exposição dos objectos, ou ainda o lazer, o seu objectivo fundamental é, hoje mais do que nunca, transmitir conhecimentos (cf. Alexander, 1979; Blanco, 1994; Agren, 1995;

Hooper-Greenhill, 1998). Os museus, são portanto excelentes produtores de conhecimento, mesmo aqueles que têm sobreposto o propósito estético e de lazer ao didáctico constituem importantes fontes educativas (cf. Blanco, 1994; Hooper-Greenhill, 1998). Não obstante a sua importância educativa, existem algumas barreiras ao desenvolvimento dessa função que têm acompanhado as instituições museológicas desde a sua fundação, e que eles necessitam ultrapassar. A maior dessas barreiras associa-se à imagem que o museu foi construindo acerca de si mesmo ao longo dos duzentos anos que se seguiram à sua fundação, uma espécie de locais incómodos, inóspitos, frios e aborrecidos, «espaço de cultura fossilizada, contemplação silenciosa e reverente de uma arte elitista, passiva e encerrando a realidade histórico- cultural nas vitrinas» (Blanco, 1994), e portanto desadequados a um tipo 6 .

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de educação democrática. Os museus e o seu conteúdo, os objectos patrimonializados, não só se tornaram associados às elites, pouco atractivos à população em geral, ao contrário do que deles era pretendido aquando da sua fundação, como se transformaram em locais pouco ou nada atractivos para essa mesma audiência (público em geral). Muitos museus já descobriram a forma de ultrapassar esta situação, encontrando e disponibilizando aos seus visitantes a maior variedade de formas possíveis de aprendizagem, que conduzam a uma interpretação mais atractiva dos objectos, ao mesmo tempo que apelam para a sua importância histórica, científica, ou outra. É neste sentido que alguns museus, como o que se tem vindo a exemplificar, o museu de Alberto Sampaio, detentores de uma inegável importância histórica e artística, sublinham o seu estatuto de locais depositários de uma parte considerável da história e memória colectiva de um povo, contribuindo para o fazer-se e refazer-se da sua identidade cultural. Em todo este processo, sendo óbvio que a interpretação dos objectos é apanágio de qualquer museu, nem todos a executam da mesma forma, o que tem que ver com o tipo de museu em que nos inserimos e com os objectivos pretendidos, bem como com o seu próprio 60

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público. Estas três variáveis irão condicionar a forma como ele vai transmitir a sua mensagem. Vejamos o caso do museu em análise neste estudo: o museu de Alberto Sampaio, por um lado, é um museu de arte sacra, muito ligado à história de Portugal, cujo objectivo essencial em termos educativos reside na transmissão de conhecimentos acerca dessa história. Por outro, devemos ter em conta que o público esmagador do museu de Alberto Sampaio é constituído sobretudo por estudantes dos mais variados níveis de ensino. Como já vimos, o museu é um espaço por excelência de transmissão de conhecimentos, contudo, é também do nosso interesse saber como é que ele transmite esses conhecimentos, isto é, como é que exerce a sua função educativa! A actividade educativa do museu é sobretudo interpretativa. Pretende-se ensinar através da visualização dos objectos, enquanto complemento do processo racional de aprendizagem através das palavras e da verbalização. Para que esta interpretação seja efectuada com mais sucesso, Hooper Greenhill (1998) propõe dois tipos essenciais através dos quais se processa a educação nos museus, tendo em conta os seus objectos: o directo e o indirecto.

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A interpretação por meio de exposições permanentes e temporárias, mostras temáticas e publicações relacionadas com os objectos 21, bem como através da elaboração de material de apoio ao professor, que ocorrem num determinado museu, é sobretudo um tipo de educação indirecta. Nesta perspectiva educativa, podem ainda ser vistos no museu de Alberto Sampaio, os diaporamas «O Românico e o Gótico no concelho de Guimarães», assim como «Brinquedos das ruas de Guimarães», pretendendo-se com estes últimos, adquirir conhecimentos acerca de algumas das brincadeiras mais comuns entre as crianças de outras épocas. Neste caso, a forma icónica de aprender torna-se muito útil para os estudantes mais novos, uma vez que constitui um modo de aprendizagem mais concreto, simples e imediato (Idem). A maior desvantagem do tipo de educação indirecta reside no facto de ela ser unidireccional e imutável, em que o visitante tem como único companheiro o objecto, ou simplesmente publicações acerca dele, sendo

também perdida a capacidade de alterar o material, assim como a sua disposição, trunfos, que lhe permitiriam adaptar-se melhor às características do público. Neste sentido, a educação directa apresenta vantagens acrescidas, uma vez que, possibilitando a comunicação interpessoal, capacita a mudança da mensagem no acto de comunicação, de acordo com o tipo de público e objectivos traçados (Ibidem). Reconhecendo estas vantagens, o museu de Alberto Sampaio tem também apostado na educação directa, em que se destaca por exemplo a organização de torneios de jogos medievais, envolvendo escolas e alunos vestidos com trajes “idênticos” aos que se usavam na época medieval. Através da prática de jogos estratégicos, dispostos ao longo do claustro, como por exemplo o alguergue, pretende-se chamar a atenção dos alunos para a sua importância ao longo da Idade Média, conduzindo também a um melhor conhecimento dessa época. Ainda no âmbito da educação directa, os serviços educativos dos museus podem orga-

Veja-se de entre outra, a seguinte bibliografia: Santos, Manuela de Alcântara; Vassallo e Silva, Nuno, – 1998 A colecção de ourivesaria do Museu de Alberto Sampaio, Lisboa: Instituto Português de Museus; bem como Carvalho, José Alberto Seabra, et. all; – 1996 A colecção de pintura do Museu de Alberto Sampaio, séc. XVI-XVIII, Lisboa: Instituto Português de Museus.

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nizar cursos, em que os jovens e os menos jovens não só ocupem os seus tempos livres, como, através da prática de actividades culturais inseridas nesses cursos como a fotografia, teatro, pintura, a pintura de azulejos, de cerâmica, da utilização da técnica do vitral, trabalhos em couro, bordados regionais, construção de fantoches, brincadeiras com o barro e percursos na região, são encaminhados para uma viagem ao passado, de forma a apreenderem as técnicas artísticas que eram mais utilizadas pelos antepassados, sendo simultaneamente conduzidos à aquisição de conhecimentos acerca de uma determinada época da história dessa localidade. Com os mesmos objectivos, e tendo especialmente como público privilegiado os alunos das escolas, podem-se elaborar, ainda, actividades de expressão dramática, física e de observação das obras de arte. Quando o museu tem como visitantes as crianças, a comunicação oral assume uma importância fundamental, na medida em que elas vão descobrindo o significado dos objectos através das histórias da história que lhe são contadas (cf. Agren, 1995), sempre que possível, acompanhadas de dramatização. Esta prática é muito comum em diversos museus. Contam-se histórias da história dos objectos 62

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musealizados e da sua anterior vida social, acompanhadas de dramatização, quando tal se pode fazer. Nas palavras da responsável pelo serviço educativo do museu de Alberto Sampaio, Rosa Maria Saavedra, trata-se de aprender, brincando com coisas sérias. No seu processo comunicativo, os museus podem retirar proveito dos seus objectos, a três dimensões ou do espectáculo da música, das lendas e de outra cultura imaterial podendo assim de forma activa, transmitir as mensagens com maior ou menor intensidade, tendo em conta os seus objectivos. O facto deste modo de aprendizagem ser feito por meio de coisas reais como os objectos, ou de pessoas, feitos e actividades, permite-lhe alcançar qualquer pessoa, com qualquer nível de aprendizagem (cf. Blanco, 1994; Hooper Greenhill, 1998). Para um público mais adulto e mais exigente, que passa pelos docentes de todos os graus de ensino, de entre outros investigadores, podem-se organizar seminários, cursos ou conferências que tratem da história e da identidade cultural local. Neste caso, a utilização da forma simbólica de comunicação adquire um relevo especial, devido a uma plateia mais exigente, e com um nível de conhecimentos mais elevado (cf. Hooper Greenhill, 1998).

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Ainda, em contexto patrimonial e museológico, a adaptação dos temas tratados aos planos curriculares do público estudantil, desde o nível mais primário até ao superior, confere uma mais valia à sua função educativa, pois é assim captada uma melhor atenção a estes visitantes e aos seus educadores (cf. Blanco, 1994). Contudo, a sociedade não pára, os currículos escolares estão constantemente em mudança, assim como as tendências culturais, e, neste sentido, para que um museu seja bem sucedido na sua função educativa, ele não pode ser algo estático, mas sim activo e dinâmico (cf. Blanco, 1994), adaptando-se a essas mudanças, e no caso do público estudantil, às alterações curriculares delas decorrentes. Assim, devem ser feitos todos os esforços por parte dos museus para se tornarem mais atractivos, nem que para isso tenham que ir ao encontro dos seus visitantes, pelo que começa a ser cada vez com mais frequência que os museus têm vindo a organizar actividades fora do seu espaço tradicional. Para concretizar este objectivo elaboram-se, por vezes, “Kits”, vídeos e discos compactos ou DVDs que as escolas podem requisitar. Estes, versando temas locais, regionais, nacionais ou mesmo supra-nacionais pretendem auxil-

iar o professor na sua tarefa pedagógica, constituindo ao mesmo tempo uma ponte entre o museu e a escola. Neste sentido, é ainda de valorizar a colaboração dos museus com as escolas, facultando informações históricas relacionadas com os aspectos sociais e culturais comunitários ou prestando ainda apoio científico a essa comunidade na realização de diversas actividades culturais. A análise dos gestos presentes nos objectos que simbolizam figuras humanas, bem como a sua representação, têm constituído outro instrumento pedagógico fundamental para a compreensão do significado desses objectos. Neste processo, torna-se mais fácil transmitir conhecimentos partindo-se do mais simples, do particular, daquilo que já é conhecido, para o mais complexo, até se chegar ao geral, o sistema cultural (cf. Blanco, 1994; Schouten, 1983 in Hooper-Greenhill, 1998). Tomemos como exemplo a interpretação da expressão gestual demonstrada pelo rei D. João I nas pinturas do século XVII, actualmente em exposição na sala de Aljubarrota do museu de Alberto Sampaio. Aos estudantes, fundamentalmente aos mais novos, é solicitado que observem e interpretem a forma como o rei coloca as mãos e os braços, antes e depois da batalha. Como eles sabem que as 6 .

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mãos fechadas significam pedir e os braços abertos agradecer, facilmente compreendem o significado gestual do rei. A partir daqui parte-se para conceitos cada vez mais complexos, como, pedir o quê, e agradecer o quê? Pedir para vencer a batalha de Aljubarrota, e agradecer a vitória nessa batalha. Mas o que é uma batalha? Porquê batalha de Aljubarrota. O que é que ela tem a ver com as culturas local e nacional? Em suma, partindo-se do mais simples para o mais complexo, pretende-se que os estudantes compreendam os conceitos mais abstractos relacionados com a história do seu museu, do concelho e do país. Quando se pretende fazer uma visita educativa ao museu, outro factor a ter em conta, consiste na pequena quantidade de objectos a ajuizar (cf. Blanco, 1994), mais vale qualidade do que quantidade. Neste contexto, vários museus, dos mais diversos tipos, têm preconizado como linha de actuação a selecção de poucos objectos, nomeadamente aqueles que são considerados mais informativos de acordo com os objectivos estabelecidos, e

dentro destes, são ainda escolhidos os nomes e datas históricas, de forma a não pressionar os estudantes, fazendo-os perder o interesse pelo museu, que irão considerar monótono e fastidioso. No âmbito educacional dos museus é também muito importante ter em consideração as diferentes capacidades em determinadas áreas, por parte dos visitantes, quer em grupo, quer individualmente 22. Tal como em qualquer outra instituição educativa, também no museu, «existem múltiplas capacidades que nem todos partilham da mesma forma, sejam linguísticas ou lógico-matemáticas, espaciais ou musicais, corporal-cénicas ou inter e intrapessoais» (Gardner, 1990 in HooperGreenhill, 1998). Assim, para aumentar o seu potencial educativo, os museus devem, sempre na medida do possível, elaborar actividades que tenham em conta o estímulo e o desenvolvimento de todas estas capacidades. Por exemplo, podem-se elaborar pequenos livros, através dos quais os estudantes mais novos vão descobrindo, recorrendo à leitura, aspectos relacionados com alguns dos objec-

Por exemplo, um grupo de jovens estudantes não é igual a outro de reformados, e mesmo dentro do grupo, diferentes pessoas possuem diferentes capacidades.

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tos do museu. Neste caso, estimulando a leitura, pretende-se conduzir à descoberta do significado do museu. A inteligência corporal – cénica constitui também um dos recursos dos museus, em que com frequência um aluno faz ou imita entusiasmadamente as expressões de um determinado objecto, de forma a melhor entender ou ajudar os outros alunos a apreender o significado associado a esse objecto. Por vezes, na interpretação não só dos objectos, mas também do próprio edifício em si, invoca-se a utilização não só de um, mas de vários sentidos, potenciando desta forma a capacidade de compreensão. Assim, para entender as origens de um museu, o seu significado e relação com a história, a arte e a identidade cultural local, apela-se à capacidade de visualização dos objectos, ouvindo-se simultaneamente uma música de fundo adequada ao tipo de museu ao mesmo tempo que o visitante experimenta o sentimento de um ambiente muito particular. Existem ainda outras formas que os museus utilizam para auxiliar e estimular os estudantes a interpretar os objectos, como a colocação de questões, e múltiplas respostas, de entre as quais o público deve escolher a acertada. Como incentivo à participação, os responsáveis pela

área da educação do museu podem ainda oferecer pequenos brindes a cada estudante que responda correctamente às diversas soluções apresentadas para cada questão. A motivação que é assim incrementada constitui um dos maiores passos para que a tarefa educativa do museu seja realizada com sucesso. Em resumo, pode-se afirmar que os museus apresentam no seio das instituições educativas vários aspectos que os tornam inovadores e perfeitos para a aprendizagem. Ao contrário das escolas oficiais, eles não possuem um currículo definido. Este factor permite às instituições museológicas uma maior flexibilidade, de forma a adaptarem-se mais facilmente às características dos estudantes, quer em grupo, quer individualmente, independentemente da sua idade, assim como aos currículos escolares de qualquer ano. Os museus constituem concomitantemente um modo informal de aprendizagem (cf. Camacho, 1995) para qualquer tipo de público, de qualquer grupo ou classe social, desde os já referidos estudantes, até aos idosos, reformados. Por todos estes motivos, pode-se dizer que os museus se assumem como importantes instituições formativas que podem acompanhar os visitantes ao longo da sua vida. Por outro lado, não se deve desperdiçar o capital 6 .

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acrescido do museu, que representa a excitação da sua visita. Pelas suas características, ele provoca um entusiasmo imediato, que se bem aproveitado pode constituir o primeiro passo para o sucesso da aprendizagem.

os gregos que, observando o importante valor dos seus objectos, irão começar a fazer algumas tentativas no sentido de desenvolver as técnicas de conservação, tendo como objectivos fundamentais: preservar objectos (escudos) votivos colocando sobre eles uma camada de resina para prevenir a ferrugem, colocavam também vasilhames de óleo em várias esculturas de Deusas e Deuses, para reduzir a excessiva secura 23 (Alexander, 1979).

A conservação A conservação, juntamente com a educação, constitui uma das mais importantes funções do museu e envolve não só a salvaguarda dos objectos, mas também a sua recuperação, quando o estado de degradação é de tal forma elevado que coloca em risco a sua existência. Este interesse pela conservação dos objectos decorre do facto deles já terem ultrapassado o seu mero valor utilitário (cf. Deforge, 1984), para passarem a ser considerados autênticos tesouros, preciosidades que é preciso salvaguardar devido ao valor sentimental e monetário que transportam consigo, sendo ainda de enfatizar a importância particular que elas adquirem no contexto museológico enquanto testemunhos históricos e importantes fontes educativas. Na nossa tradição histórica, serão

Ao longo de toda a Idade Média e inícios da Moderna, enquanto as colecções se mantinham no domínio privado, nomeadamente nos já denominados Gabinetes de Curiosidades, questões como a sua conservação só muito remotamente se colocavam, pois era escasso o público que a elas tinha acesso. Devido a este facto, e não obstante a prática da limpeza e aplicação de novas camadas de verniz em pinturas constituir uma prática comum por volta do século XVI, as técnicas relacionadas com a conservação dos objectos mantêm-se num fraco estado de desenvolvimento, observando-se apenas em casos esporádicos. Será mais tarde, somente a partir

Tradução do autor.

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de meados do século XVIII, que as técnicas de conservação irão tomar um verdadeiro cunho científico (cf. Bazin, 1967). A ascensão da função conservativa dos museus ocorre portanto em meados do século XVIII, podendo ser explicada pela metamorfose dos Gabinetes de Curiosidades e outros antigos palácios reais em museus públicos. A entrada das massas no museu irá contribuir para uma deterioração mais acelerada dos objectos, quer pelo acréscimo da respiração em salas fechadas, aumentando assim a humidade relativa, quer pelo toque e pelo roubo dessas peças. Questões estas que, ao longo do nosso século, com a verdadeira democratização dos museus, não só aumentaram de intensidade como se vieram a manter cada vez mais actuais. Elas afectam não só os países desenvolvidos, mas principalmente as regiões de grande instabilidade social, política, cultural, económica ou outra. Foi num destes contextos que em 16 de Novembro de 1975, um comando denominado Movimento de Libertação de Portugal (MDLP), recorrendo à violência, roubou do museu de Alberto Sampaio a coroa de Nossa Senhora da Oliveira, padroeira de Portugal desde D. Afonso Henriques até D. João IV, bem como outras valiosas peças do tesouro do

museu. Durante esta altura, e não obstante ter sido roubado um património de incalculável valor histórico, religioso, artístico e monetário, perante a situação crítica que o país atravessava, decorrente da instabilidade provocada pelo fim da ditadura e início da reinstauração da democracia, não só as autoridades, como a própria sociedade em geral não deram grande importância ao facto, mais preocupadas que estavam com as condições de sobrevivência em época de tão grandes dificuldades (cf. Moraes, 1998). Infelizmente, o que ocorreu no museu de Alberto Sampaio em meados da década de 70 é uma constante um pouco por todo o mundo, e, tal como noutras paragens, o mais provável é que as jóias roubadas do museu tenham sido vendidas em diversos lugares, indo parar às mãos de um qualquer coleccionador, ou mesmo de um museu. O roubo e a degradação decorrentes do contacto com um público crescente não são contudo as únicas ameaças à vida dos objectos. Outras foram colocadas com a alvorada da Revolução Industrial: a luz de alta intensidade, a poluição do ar e o aquecimento central, desconhecidas no período anterior, e usadas posteriormente sem qualquer controlo, também concorrem para a destruição dos objectos. 6 .

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Contudo, o século XVIII é da mesma forma marcado pelo início de um desenvolvimento científico sem precedentes, movimento esse que se vem prolongando até aos nossos dias. O aparecimento e posterior desenvolvimento de alarmes anti-roubo, vidros à prova de bala e de uma panóplia de novas técnicas conservativas, o estudo e o aumento dos conhecimentos relacionados com a composição, conservação e restauro das peças vieram a constituir a partir daí uma ajuda preciosa ao museu, no que diz respeito às suas actividades conservativas. Neste sentido, os museus, enquanto espaços públicos, frequentados por um grande número de pessoas, tiveram necessidade de implementar algumas formas de conservar e salvaguardar os seus objectos. Trata-se sobretudo de tipos de conservação preventiva, constituída por factores como a interdição de fotografar os objectos, uma vez que a intensidade de luz emitida pelas máquinas pode a médio ou a longo prazo contribuir para a destruição dos objectos. No domínio da conservação dos objectos podemos observar em muitos museus, a envolvência de certos objectos em vitrinas. Estas barreiras, colocadas entre os objectos e os visitantes terão, assim, como objectivo primordial, por um lado desencorajar o furto, e, 68

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por outro, evitar o seu contacto com as mãos ou outros membros do público, cujos materiais orgânicos aí depositados também poderiam contribuir para a danificação desse património. O controlo da humidade é também uma preocupação constante dos museus (cf. Alexander, 1979), problema que se coloca sobretudo em edifícios antigos, frequentemente permeáveis a altas variações de temperatura ou humidade. Para contrariar os possíveis danos provocados por estas oscilações, tentam-se manter a temperatura e a humidade constantes através da utilização de aquecedores, desumidificadores e ventoinhas. Outra preocupação de foro conservativo muito importante prende-se com a segurança. Neste domínio, muitos museus possuem guardas permanentes, para além de um conjunto de alarmes instalados um pouco por todos os seus espaços. Existem ainda disseminados pelos edifícios, telefones, alarmes contra incêndios e extintores, que ajudam a prevenir uma eventual catástrofe. No que diz respeito ao restauro, existem alguns museus que possuem serviços de recuperação de peças danificadas (cf. Coremans, 1967 in Alexander, 1979), muitos outros não os possuindo, recorrem a instituições nacionais, ou supra-nacionais, ligadas ao restauro

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de materiais antigos, no sentido de tornarem os objectos imortais. Em muitos museus, é frequente os técnicos dos institutos nacionais de conservação e restauro dirigirem-se ao próprio, quando se trata de trabalhos menos complicados, como a limpeza de peças, ou pequenos consertos.

A pesquisa A pesquisa constitui uma importante função do museu e está directamente relacionada com o acto de coleccionar, constituindo mesmo uma extensão da colecção, consiste em examinar os objectos coleccionados de forma a que eles possam ser correctamente catalogados (cf. Alexander, 1979). A pesquisa programática, extravasando muitas vezes o espaço do museu, através de expedições no terreno e de escavações arqueológicas, é uma prática muito importante para os museus, na medida em que lhes permite aumentar, enriquecendo deste modo, as suas colecções. Mas, pesquisar é também estudar os objectos desde o seu ponto de vista artístico, arquitectónico, social e cultural. Relativamente aos museus, a investigação incide frequentemente sobre as colecções

mas envolve também o estudo e a análise do próprio edifício do museu, e dos seus objectos, que não inseridos em colecções. São frequentes os estudos acerca da história dos museus e de outras temáticas mais do âmbito museológico e patrimonial, bem como relacionados com outros aspectos do foro antropológico. Em investigações levadas a cabo no Museu de Alberto Sampaio, destaque-se o pioneirismo do seu primeiro director, Alfredo Guimarães, que veio depois a ser continuado pelos sucessivos responsáveis do museu, ou outros estudiosos interessados nos temas retratados por ele. Assim, no que respeita à história do museu, destaque para os estudos desenvolvidos por José Azevedo, em 1991, publicados no Inventário Artístico Ilustrado de Portugal: Minho, e numa data mais recente, Maria Adelaide Pereira de Morais (1998), cujas investigações aprofundadas acerca da história social e cultural relacionada com o culto de Nossa Senhora da Oliveira, desde a fundação do templo a ela dedicado até à actualidade, e por inerência do próprio museu, se encontram compiladas na interessante publicação Ao Redor de Nossa Senhora da Oliveira. No domínio arquitectónico e artístico, são vários os estudos efectuados acerca do edifício do museu e do santuário a ele associado. Com 6 .

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1000 anos de história, não é pois de admirar que o templo, assim como o mosteiro tenham passado por muitas obras, sob as mais diversas influências arquitectónicas. Aquando do templo medieval, o estilo de construção havia sido o latino-bizantino que viria a evoluir a pouco e pouco para o românico, cuja plenitude é atingida cerca de trezentos anos mais tarde. É para esta direcção que apontam as investigações de Azevedo (1991), estas conduzemnos ao governo do conde D. Henrique e de sua mulher D. Teresa, os quais «restauraram e ampliaram a igreja primitiva ao estilo românico da época, da qual ainda subsistem alguns dos seus elementos» (Azevedo, 1991). A torre e o claustro constituem verdadeiros ex-libris da prática do românico na construção deste edifício. Este estilo arquitectónico está também presente na entrada da Sala do Capítulo do extinto mosteiro, considerada durante muitos anos moçárabe, embora este estilo não tenha, no entanto, deixado de influenciar essa construção. Mais tarde, já nos finais do século XIV, as investigações conduzem-nos a grandes obras mandadas efectuar por D. João I, como agradecimento à Nossa Senhora da Oliveira, pelo facto de ter obtido a vitória na Batalha de Aljubarrota. Desta feita, irá juntar-se aos 70

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estilos arquitectónicos anteriores, o gótico, bem visível na portada joanina e no frontão gótico flamejante, sendo também desta época, e do mesmo estilo, a capela de S. Brás (in Museu de Alberto Sampaio; Público-Museus de Portugal, IX). No início do século XVI mais obras são efectuadas, seguindo-se agora o estilo manuelino, visível nas decorações acrescentadas à torre românica. No mesmo estilo se faz a remodelação da capela-mor, por volta de 1677, considerada demasiado pequena em relação ao corpo da igreja. Concluída a obra em 1682, ficou com as paredes e abóbada dum só centro com gavetões, nas dimensões em que actualmente existem, segundo o estilo da arquitectura portuguesa de meados do século XVII (Caldas, 1996). Ainda durante este século, mas em 1685, destaque para as obras efectuadas na capela de S. Brás por ordem do arcebispo de Braga, D. Luís de Sousa, que resolveu «mandar ocultar os frescos sob algumas camadas de cal, para tapar eventuais indecências!» (in Museu de Alberto Sampaio; Público-Museus de Portugal, IX). O investigador António Caldas (1996) faz ainda referência a dois importantes aspectos relacionados com a história arquitectónica do museu; um trata dos dois túmulos que se

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erguem no interior de uma capela, estes representam os vultos dos dois primeiros fundadores em tamanho natural, e trajando vestidos de gala em uso no seu tempo revestem-se de particular importância para o estudo dos trajes em uso nessa época, na medida em que é muito raro encontrar no nosso país, nas estátuas tumulares, roupagens características da época, na sua maioria são vestidas de hábitos talares. Estes túmulos são lavrados em pedra de ançã, com silvados arabescos, e outros desenhos, hoje quase a desfazerem-se: e têm à cabeceira um altar de pedra, com a imagem de Cristo crucificado...(Caldas, 1996). O outro, refere-se à cal, com que se cobriu muito do antigo claustro, verdadeira mostra dos estilos arquitectónicos representativos de várias épocas. Nos séculos XVII e XVIII, o barroco faz a sua aparição na construção da Casa do Priorado, exigida pelo aumento do número de padres. No século seguinte, parte da decoração gótica foi substituída por outra, de estilo neoclássico. É ainda na época oitocentista, mais precisamente em 1830, que as elegantes colunas e rendilhadas arcarias, que compõem o interior da igreja, irão ser cobertas por madeira e cal (cf. Caldas, 1996). O mesmo ocorreu com a janela gótica, rasgada sobre o portão do templo, que composta por vidros pintados

foi substituída por uma parede de cantaria lisa, com quatro óculos envidraçados, desiguais na circunferência. Ainda em 1832, um raio de trovoada destruiu uma parte do interior da igreja, que foi depois reconstruída. A partir de 1928, quando é criado o Museu de Alberto Sampaio, começam as obras no claustro e salas anexas de forma a adaptálas aos objectivos exigidos pelo novo espaço. Ao longo dos anos que se seguiram, o museu foi aumentando em dimensão, o que não se reflectiu em grandes distúrbios arquitectónicos. Todas estas pesquisas revestem-se de um grande interesse social, cultural, pedagógico e histórico, na medida em que permitem compreender, através dos determinados estilos de arte, os anseios, as emoções, e no fundo todos os aspectos da vida social e cultural das populações ao longo de toda a Idade Média, Moderna e Contemporânea, e neste aspecto, os edifícios religiosos, ou que outrora serviram de culto, são privilegiados. Podemos então dizer que o estudo de um determinado estilo artístico, representado em cada época do edifício, permite apreender mais uma parte da cultura de um povo durante uma determinada época, pois esses estilos reflectem valores culturais, e objectivam a imagem valorativa que 6 .

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uma cultura tem de si mesma (cf. Sieber, 1981 in Franch, 1988). Ainda no domínio da arte, destaque para as aprofundadas investigações efectuadas por Manuela de Alcântara Santos, anterior directora do museu, e Nuno Vassalo e Silva, acerca da colecção de ourivesaria, bem como as levadas a cabo por José Alberto Seabra Carvalho et. all acerca da de pintura, de que resultaram duas publicações 24, onde podemos conhecer pormenorizadamente a constituição artística de cada um dos objectos constantes dessas colecções, assim como a sua origem. O Inventário da Ourivesaria e o Catálogo da Colecção de Pintura revestem-se assim de uma enorme importância, pela aprofundada informação científica acerca de uma parte significativa do acervo do museu. Estas investigações, relacionadas com o estudo da arte dos objectos religiosos, abrem-nos também o caminho para a compreensão de um comportamento que ao longo destes últimos mil anos foi em grande parte moldado pela religião, através da qual os habitantes desta região procuravam respostas para a sua inserção no

mundo, para a sua vida e para o mundo do além, o seu futuro. Em relação ao paralelismo que podemos encontrar entre o sentimento religioso e a arte, observe-se Vytautas Kavolis (1968), que divide o complexo religioso em dois tipos de religiões: «a de crenças, correspondente a uma ideologia filosófica, e caracterizada por um estilo artístico mais rígido, como é visível no barroco protestante, de uma grande austeridade, e a religião de carácter mais sentimental ou emocional, como acontece com o barroco católico, que, através do seu esplendor constitui um apelo à sensibilidade e sensualidade» (Kavolis, 1968 in Franch, 1988). Esta perspectiva não é no entanto consensual, pois como refere Franch (1988), a «dicotomia entre as crenças, conceptualmente correspondentes a uma ideologia filosófica, e os sentimentos, situados no campo das emoções psíquicas não se coloca, sendo a religião constituída por uma mistura de sentimentos e de crenças». No domínio da pesquisa histórica é ainda importante referir os estudos efectuados acerca do loudel de D. João I, considerado a peça de

Carvalho, José Alberto Seabra, et. all; – 1996 A colecção de pintura do Museu de Alberto Sampaio, séc. XVI-XVIII, Lisboa: Instituto Português de Museus; Santos, Manuela de Alcântara; Vassallo e Silva, Nuno, – 1998 A colecção de ourivesaria do Museu de Alberto Sampaio, Lisboa: Instituto Português de Museus.

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maior valor simbólico e histórico do museu. Maria Emília Amaral Teixeira, directora do Museu de Alberto Sampaio, por volta de 1962, foi a percursora dos estudos técnicos e históricos, que acompanharam o seu restauro nesse ano, saindo daqui o texto Nota Histórica sobre o Loudel de D. João I, que viria a ser publicado em 1973. Em 1978 esta publicação é reproduzida no volume I da revista Museus de Portugal, sendo elaborada uma nova edição em 1982 (cf. Teixeira, 1982). A publicação original foi recentemente actualizada nos seus domínios fotográficos, ortográficos e com algumas revisões bibliográficas, por parte de Manuela de Alcântara Santos (1999), que lhe acrescentou também uma versão em inglês, muito útil, na medida em que uma parte cada vez maior de visitantes é constituída por turistas estrangeiros 25. Destacam-se ainda, no estudo artístico e histórico de alguns dos objectos do museu, as seguintes obras: O Tríptico de Aljubarrota, de A. L. de Carvalho, publicado em 1960; Azulejos Artísticos de Guimarães, uma edição do autor publicada em 1983; e Revisão de um problema – O Tríptico de prata do Museu

de Alberto Sampaio, editado em 1958; O Túmulo de Afonso Vieira, de 1959; A Casa e o Túmulo dos Rebello Valadares, do mesmo ano; Aspectos do claustro do Museu Regional de Alberto Sampaio, de 1960 e O Tríptico de prata do Museu de Alberto Sampaio, seis anos mais velho, são todas elas, obras da autoria de Maria Emília Amaral Teixeira. São ainda de destacar os estudos levados a cabo por Maria Alice Beaumont acerca do tríptico, na sua obra As 50 Melhores Obras de Arte dos Museus Portugueses, publicada em 1991. Da mesma forma que as investigações efectuadas acerca do edifício, estas, em relação a alguns dos objectos presentes no museu, também se assumem de grande importância em termos pedagógicos e culturais, uma vez que reúnem, de forma científica, um conjunto de informações que conduzem a uma melhor compreensão do passado, em diversos domínios, seja o social, o artístico ou o arquitectónico, de entre outros. De facto, estas pesquisas vão ao encontro das grandes preocupações nacionais e internacionais com a pesquisa do património, uma vez que é por todos reconhecido o seu importante papel

Esta publicação, com o nome O Loudel de D. João I, encontra-se à venda nas instalações do museu.

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cultural. Assim o tem notado a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, para a qual, a pesquisa museológica se reveste de uma enorme importância, no que respeita ao estudo dos objectos, pois asseguram o avanço da ciência e servem a educação e a cultura (UNESCO, 1970), na medida em que nos permitem compreender melhor as civilizações do passado, a sua relação com o ambiente, os acontecimentos pelos quais elas passaram, os seus costumes, anseios e emoções. Só conhecendo melhor o passado de uma sociedade e as suas realizações culturais é que entendemos melhor o presente, e podemos desenvolver concomitantemente uma consciência de respeito pela nossa cultura e pela dos outros.

A exibição / exposição Para Edward Alexander (1979), assim como para Ángela Blanco (1994), a exposição constitui o exercício predominante do museu. Para o sucesso desta função museológica concorrem todas as outras funções. As exposições não são organizadas de forma aleatória, mas, inseridas num espaço secular, com objectivos seculares, elas respeitam critérios racionais que 74

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passam pelos celebratórios, festivos e comemorativos, dinâmicos no entanto, de acordo com a época em que se realiza a exibição. Assim, enquanto numa primeira fase, até sensivelmente ao século XIX, elas eram organizadas de forma a destacar a estética dos objectos, o coleccionador, o artesão ou artista que havia produzido o objecto, ou ainda a transmissão de conhecimentos, mas numa perspectiva académica elitista, a partir da época oitocentista, quando o museu começa a assumir realmente a sua democraticidade, essa organização expositiva irá orientar-se preferencialmente para a perspectiva de educação massificada. Sob esta perspectiva, pode-se então afirmar a existência de uma relação cada vez mais estreita entre a função expositiva dos museus e a sua intenção pedagógica. Para que serve expor senão para transmitir mensagens por intermédio dos objectos? Seguindo as orientações funcionais dos museus, numa primeira fase, as colecções são dispostas tendo em conta critérios sobretudo estéticos, ou de acordo com princípios de classificação técnica, como a ordem cronológica ou estilística. Os museus desta altura (séc. XVIII / XIX) ocupavam palácios ou outro tipo de templos que desencorajavam o homem vulgar, que passava na rua, a visitá-los. No

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período posterior, vários directores de museus alemães e suíços começaram a organizar as suas exposições de forma a evidenciar a história cultural das suas regiões. Neste sentido, seleccionavam os objectos, colocando-os em salas, em que cada uma representava um determinado período histórico, ou em “halls” que davam ao visitante o sentimento de caminhar através de diferentes estágios da história nacional (cf. Richards in Alexander, 1979). Pode-se no entanto afirmar, de acordo com Sherman & Rogoff (1994), que as estratégias de exposição, permanente ou temporária, itinerante ou o museu móvel, elaboradas pelos museus, oscilam entre o educar e o distrair. Embora a educação se apresente como a maior prioridade, grande parte das vezes isso não é conseguido pois a dicotomia histórica entre arte, associada ao prazer, e artefacto, ligado à função educativa, constitui um obstáculo nem sempre passível de ser ultrapassado (Sherman & Rogoff, 1994). De facto, esta complexidade atravessa, de uma forma geral, quase todas as instituições museológicas, onde a fronteira entre a educação e o lazer ou o deleite estético não é, nem pode ser, devido às características inerentes ao próprio museu, objectivamente definida. Assim, estas ideias adquirem um significado especial em museus, que são ao

mesmo tempo de arte e de história, onde se podem observar verdadeiras obras de arte, de acordo com os cânones estéticos ocidentais, ao lado de artefactos, em que sobressai o seu valor histórico-antropológico, embora se possa considerar que todo o património tenha a capacidade de ser admirado simultaneamente como obra de arte, testemunho histórico e suporte de práticas e crenças (cf. Lautman, 1987). Segundo Blanco (1994), colocam-se duas questões aos museus, directamente relacionadas com a organização de uma exposição: «Por quê e para quem expõem os museus?» Estas duas questões irão condicionar por sua vez a quantidade e o tipo de objectos a exibir. Assim, a exposição oscila, em intencionalidade, entre a educação e o deleite ou o lazer. A finalidade das exposições move-se, portanto, entre o dar a conhecer a importância de alguns dos momentos considerados mais significativos da história da cultura manifestada pela comunidade e a importância das artes no seio dessa sociedade. Ainda no domínio das artes, destaca-se, frequentemente, a importância dada ao génio dos artistas locais. Os objectos, patrimonializados, são também vistos como verdadeiros testemunhos das realizações, que ao longo de 6 .

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tantos séculos moldaram o comportamento dos habitantes da região. Quanto à audiência, embora se verifique que ela é composta na sua maioria por estudantes, pretende-se que abranja o maior número possível de pessoas de qualquer classe, género ou idade, ou ainda condição social, em suma, a toda a comunidade, acentuandose concomitantemente a democraticidade do museu. Embora as funções assumidas como primordiais pelos museus se relacionem sobretudo com a educação, existem outras questões que os colocam em situações muitos peculiares no que diz respeito à forma como organizam as exposições permanentes. Assim, tendo em conta a tradição de um determinado museu, as colecções que ele possui, e uns objectivos que, normalmente, oscilam entre a pedagogia e o deleite estético, entre a informação de várias épocas histórico-antropológicas da sociedade e cultura e a do génio das artes e dos artistas locais visíveis na grande quantidade, qualidade e variedade de objectos expostos, de épocas históricas, por vezes, em salas também elas diferentes entre si, irão definir essa mesma exposição, seja no contexto do museu como um todo, seja no de cada sala em particular. Neste sentido, é 76

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difícil definir uma finalidade específica para grande parte dos museus, na medida em que Ángela Blanco (1994) o faz para a museologia em geral. A elaboração de uma exposição parte de pressupostos comuns a todos os museus, um deles, tem a ver com a quantidade e tipo de peças a expor (cf. Blanco, 1994). Como o espaço do museu não é infinito, tal como a atenção e disponibilidade do público, e da mesma forma, nem todas as peças estão em condições de conservação que lhes permitam colocá-las em contacto com o público, o museu irá escolher, seleccionar o que vai expor. Desta forma, os museus seleccionam o que expõem, quer de acordo com a mensagem que pretendem transmitir, quer de acordo com o estado de conservação do objecto. É óbvio que se o objecto se encontra em mau estado de conservação, não pode ser exibido ao público, pois isso só iria acelerar a sua degradação. O tipo de informação que se pretende transmitir por intermédio do objecto também influencia a ordem com que se distribuem os objectos pelo espaço. Assim, nos museus, os objectos são agrupados de acordo com o tipo de material com que são elaborados, e, acima de tudo, com a mensagem que pretendem transmitir.

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A distribuição espacial dos objectos pressupõe então a existência de vitrinas e de pedestais, que, ao longo de cada uma das salas dos museus, acolhem os objectos individualmente ou em subgrupos mais ou menos relacionados entre si. A intensidade das relações que os objectos estabelecem entre si, está, por sua vez, condicionada pelo tipo e quantidade de informação que se pretende transmitir. Assim, se a intencionalidade do museu é sobretudo pedagógica, isto é, conduzir o visitante à descoberta da mensagem através dos objectos, é normal que eles surjam na exposição fortemente associados, se a esta função se sobrepõe a da contemplação, do prazer estético, onde se tende mais a realçar as qualidades específicas das obras, então essas peças surgirão em justaposição (cf. Blanco, 1994). Na grande maioria dos museus não se pode definir uma fronteira delineada entre os critérios expositivos, pois ao lado de salas onde se acentua a componente didáctico-histórica, e por isso as obras aparecem mais associadas entre si, independentemente do tipo de material com que são efectuadas, coexistem outras, onde os objectos são sobretudo apresentados enquanto obras de arte, e por essa razão a associação entre essas peças já é mais ténue. Como

refere Ángela Blanco (1994), não se pode classificar os critérios expositivos pela sua intencionalidade, uma vez que um mesmo critério pode ser usado com diferentes intencionalidades, até porque, existem muitos outros meios, como os de educação directa ou indirecta, excluindo a exposição só por si, aos quais já fizemos referência, que, para além dos critérios utilizados na exposição dos objectos, auxiliam o museu na sua função comunicativa. Ainda neste sentido, Blanco divide os museus de acordo com a sua intencionalidade comunicativa, isto é, contemplativa, informativo-transmissora e didáctica, referindo no entanto que numa mesma instituição podem coexistir as três ao mesmo tempo. Assim, é frequente encontrarem-se museus onde coexistem objectos de enorme valor históricoartístico, com outros onde sobressai a sua importância histórica. Sendo a principal função da exposição, a comunicação e a informação, é natural que esta se faça acompanhar por meios informativos directos, como as etiquetas, guias, meios audiovisuais, de entre outros, e complementares como desenhos, mapas ou maquetas (Idem). Neste sentido, pode-se observar nos museus, a utilização de vários meios para 6 .

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ajudar a transmitir a mensagem que aqueles pretendem, meios esses adequados ao tipo e quantidade de informação a transmitir através das exposições. Assim, a generalidade dos museus possui uma ficha, espécie de guia geral que oferece ao visitante dados acerca do edifício e dos seus objectos, tais como a datação, a proveniência, ou ainda uma breve história acerca do objecto. Ainda no domínio da informação directa, destacam-se os catálogos que oferecem para além da datação e da proveniência do

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património, uma descrição muito detalhada acerca do estilo artístico presente em cada uma das peças constantes nas colecções. Em termos de meios informativos complementares, a existência de fotografias, bem como uma série de mapas demonstrando quer a localização do museu na localidade, quer a sua organização interna, elucidam melhor o visitante acerca da dispersão geográfica dos objectos, e juntamente com uma série de desenhos, ajudam a ler e a interpretar melhor o museu e as suas exposições (cf. Blanco, 1994).

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7. Património e Animação

Pode parecer um pouco estranha esta incursão pela animação do património, quando já foram referenciados, neste texto, as acções conduzidas pelos museus através dos terrenos da animação e da educação. De uma educação bastante informal, é certo, mas não menos importante do que aquela proporcionada por dispositivos mais formais, como o caso das escolas modernas. De facto, a animação do património afigura-se como algo mais vasto do que a que é proporcionada pelo conceito tradicional do museu. Contudo, se tivermos em conta as mudanças operadas na museologia, principalmente a partir dos anos sessenta do século XX, e que viriam a desembocar no movimento da Nova Museologia, verifica-se uma grande complementaridade entre o conceito de museu e o de património (cf. Fernandez, 1999). Segundo as concepções deste movi-

mento museológico, o museu engloba mais do que um edifício, uma ou mais colecções de objectos e um ou mais públicos. Os novos museus, dos quais se destacam os ecomuseus, deveriam ser democráticos, na verdadeira acepção da palavra, constituindo metáforas do corte que era necessário operar com a museologia tradicional, frequentemente considerada elitista, estática, moribunda, e ao lado do poder ocidental. Assim, o Movimento da Nova Museologia, nascido das preocupações de vários intelectuais acerca desse posicionamento tradicional dos museus, teve a sua expressão pública e internacional em 1972, na Mesa Redonda de Santiago do Chile organizada pelo ICOM. Este movimento reforçou a função social do museu e o carácter global das suas intervenções (Nabais, 1993:47-49; Moutinho, 1994, 1996; Magalhães, 2003). De acordo com esta nova corrente, o museu 7 .

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já não se confina mais a um edifício, mas abrange todo um território, sendo o seu conteúdo todo o património material e imaterial desse território, em vez das tradicionais colecções. Por seu turno, o museu já não está apenas orientado para públicos específicos e diferenciados, mas direcciona-se para o desenvolvimento da comunidade. Esta nova concepção de património museológico, associada à de património monumental, que engloba mais do que os objectos tradicionalmente colocados no museu, coloca diferentes e novos desafios em relação às estratégias educativas, mais específicas dos museus tradicionais. Neste sentido, se podemos considerar uma praça, uma rua, ou mesmo uma aldeia ou o centro histórico de uma cidade como património (Almeida et all; 1998), então a animação desses objectos deve ser, também ela, alargada e mais abrangente. A animação do património cultural só é possível, e faz sentido, se existir previamente todo um trabalho que conduza à integração, inserção e envolvimento no projecto de animação por parte da comunidade. As actividades de animação pressupõem então a selecção de uma pequena comunidade local, que podem ser os habitantes de um bairro ou de uma praça de uma cidade, ou ainda de uma aldeia ou qualquer 80

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outro lugar, cujas dinâmicas sócio-antropológicas devem ser previamente conhecidas por parte do animador, de forma a que se torne possível envolver essa comunidade nas actividades de animação. Neste sentido, a animação não é uma finalidade em si, mas antes um processo gradual no qual é possível determinar o princípio, o meio e o fim, é um processo em diversos tipos de acções que podem envolver acções de divulgação cultural, de agitação cultural, de dinamização cultural (Reis, s.d.). Neste sentido, pode se dizer que a animação só adquire sentido se visar resolver ou contribuir para a resolução de problemáticas concretas da comunidade. Assim, no que concerne ao património, como já houve oportunidade de se verificar anteriormente, a metamorfose dos objectos diários em património, se bem que sujeita às relações de poder vigentes numa determinada sociedade, num tempo específico, só faz sentido se houver envolvimento por parte da comunidade. Neste contexto, a labuta sobre o património só adquire sentido quando aquele é ponto de partida para um trabalho de animação, de intervenção, de participação, que implique o envolvimento de um grupo ou de uma população (Reis, s.d.). Em todo o trabalho de animação, devemos ter sempre em conta que o património

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abrange muito mais do que a arquitectura ou outras construções materiais, e neste sentido, é necessário ouvir as pessoas e registar o que elas têm para nos dizer acerca de uma dança, de certos costumes, contos, etc. E com este processo revitaliza-se ou reinventa-se também esse património imaterial, tantas vezes esquecido por quase todos, e presente apenas na memória de alguns elementos do grupo. A dramatização, a realização de pequenos teatros

de rua, filmes ou vídeos, representando aspectos da vida comunitária, o seu património imaterial, mas também material, visível nas praças ou ruas, e tendo estas como pano de fundo, constituem estratégias diversas, através das quais se pode desenvolver a animação do património. Em todo este processo é essencial que o grupo se encontre profundamente envolvido, e só assim essa animação será feita com mais sucesso.

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Conclusão

Com este texto esperamos ter proporcionado ao meio académico, em particular, e ao comunitário, em geral, um contributo para o entendimento dos conceitos de museu, património e identidade. Mais do que a exploração dos conceitos em si, e da sua dinâmica histórica, procura-se uma abordagem problematizada, em que se pretende relacionar os três conceitos. Assim, a referência aos museus conduz imediatamente ao conceito de património. Este não diz apenas respeito ao conteúdo da instituição museológica, mas também ao próprio edifício. Deste modo, se nos podemos referir ao museu enquanto guardião da memória colectiva objectivada no património material e imaterial, o conceito de património há muito que saltou para fora das quatro paredes do museu. Tal como não podemos conceber, nos tempos actuais, identidades essencializadas e encerradas em

espaços bem definidos e demarcados por fronteiras, também não é possível a referência ao conceito de património enquanto algo restrito ao espaço tradicional do museu. O mesmo património inclui bem mais do que a cultura material divinizada pelos museus tradicionais. A cultura imaterial, incluindo lendas, estórias, folclore, mitologias, etc., é hoje alvo de um renovado interesse, bem visível nas preocupações das instituições regionais, nacionais e internacionais. No século XXI, o conceito de museu ultrapassa o tradicional edifício (Nabais, 1984; 1985; 1993) e alarga-se ao território culturalmente concebido e transformado. A essas marcas deixadas pelo Homem, e continuamente alteradas numa dinâmica que retira todo o essencialismo à cultura, também se dá o nome de património. E, neste sentido, o património inclui o museu e o seu conteúdo, C o n c l u s ã o

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sem dúvida, mas também alguns dos edifícios de uma cidade, o seu centro histórico ou contemporâneo, um bairro, uma praça, uma rua, uma aldeia, uma paisagem, etc. Com estas ideias não se pretende uma ideia fixa de património, ou de como tudo pode ser considerado património. Apenas aquilo que uma determinada sociedade, ou melhor que alguns elementos dessa sociedade, detentores de poder político, económico, social, cultural ou outro, escolhem, num espaço e num tempo específicos, como elementos materiais ou imateriais capazes de objectivarem o sentimento subjectivo de pertença e de manter agregada a comunidade em torno de um conceito comum é que pode ser considerado património. À selecção dos objectos, e neste sentido referimo-nos ao conceito de objecto, não só do ponto de vista material, mas também imaterial,

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que serão transformados em património, não estão, e dificilmente poderão estar, ausentes as relações de poder. No entanto, é um dever de quem preside a essa selecção escutar as vozes do povo (cf. Branco, 2003). Só assim os museus e o património em geral se poderão transformar em janelas abertas à invenção e reinvenção da identidade cultural bem como ao conhecimento de outras comunidades, mas sempre numa perspectiva de dinâmica e de transformação e não de essencialização. Por esta razão se abordaram ao longo deste trabalho, a par das questões de recolha e salvaguarda do património, as da exposição e da educação. Estas duas últimas constituem o instrumento privilegiado, por intermédio do qual é transmitida a mensagem. Constituem os mediadores entre o objecto e o sujeito que os lê e interpreta.

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Índices de mapas e figuras

Índice de figuras Figura número 1 – P  ormenor do edifício da antiga Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira.....................................................................................................................

36 53

Figura número 2 – Museu de Alberto Sampaio..................................................................................... 55 Figura número 3 – Museu de Alberto Sampaio.....................................................................................

Índice de mapas Mapa número 1 – Rota seguida pelo visitante do museu.....................................................................

57

Índice

Prefácio.......................................................................................................................................................

7

Introdução .................................................................................................................................................

11

1. Que definições para o museu?...............................................................................................................

15

2. Que definições para o património?.......................................................................................................

21

3. Entre o ser e o sentir: como definir identidade...................................................................................

27

4. Museus, Património e Identidade: que relação?...................................................................................

33

5. Espaço museológico e patrimonial: rituais seculares............................................................................

51

6. Algumas funções dos museus e do património..................................................................................... 6.1. Entre a pedagogia e a interpretação............................................................................................ 6.2. A conservação............................................................................................................................... 6.3. A pesquisa..................................................................................................................................... 6.4. A exibição / exposição.................................................................................................................

59 59 66 69 74

7. Património e Animação........................................................................................................................

79

Conclusão...................................................................................................................................................

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Bibliografia..................................................................................................................................................

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Índice de Mapas e Figuras.........................................................................................................................

91

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