Música Sertaneja em Uberlândia (relato) In: VIII ENCONTRO ANUAL DA ANPPOM, 1995, João Pessoa, Paraíba. Articulações entre o discurso musical e o discurso sobre música. Rio de Janeiro: ANPPOM, 1995. v.1. p. 1 - 5

September 8, 2017 | Autor: Martha Ulhôa | Categoria: Popular Music, Música Sertaneja
Share Embed


Descrição do Produto

muscompairel6

Page 1 of 7

ANPPOM ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

MUSICOLOGIA Comunicações, Painel e Relatos de Pesquisa

Música Sertaneja em Uberlândia (relato) Martha Tupinambá de Ulhôa

Download da versão .pdf deste texto Inicialmente alguns pressuspostos básicos deste relato parcial: (1) Música é um objeto tanto estético quanto histórico, por um lado com uma relativa autonomia nos seus aspectos universais, por outro dependente de conceitos, valores e escolhas determinadas por grupos sociais distintos; devemos deixar que ela mesma nos aponte as direções para sua análise e crítica; (2) Música é um modo de comunicação humano, não existe isolada das pessoas para as quais ela tem um significado. Este estudo enfoca a música sertaneja do ponto de vista do que Howard Becker (1977) chamaria de seu "mundo artístico", tratando de discutir sua estética a partir das práticas e representações de seus atores principais, entusiastas, especialistas e fãs do gênero. 1 Dados etnográficos coletados em Uberlândia, sobre parâmetros para a avaliação da música sertaneja sugerem uma representação estética que os estudos da música brasileira ainda não se confrontaram. A música sertaneja, seja de "raiz", seja "romântica", privilegia elementos sonoros "extra-musicais", que não seriam considerados arte pelos cânones de excelência artística hegemônicos. No entanto, existe uma concepção "nativa" do que seja música sertaneja de qualidade, uma estética da música sertaneja, que será o foco deste relato. A música sertaneja originou-se na região cultural caipira e era chamada tradicionalmente de música caipira2. As modas-de-viola e toadas caipiras, que começaram a ser gravadas na década de 30 por Cornélio Pires, são cantadas em terças paralelas por um duo, geralmente masculino, com timbre nasal e uso acentuado de um tipo de falsete, que Edmar Ferretti classifica como falso falsete, pois na performance dos tenores sertanejos, é mantida uma alta impedância e tensão vocais, inclusive nos agudos que alcançam às vêzes a extensão de soprano3 Freqüentemente essas "toadas" têm um contorno melódico bastante próximo da linguagem falada, isto é, empregam extensão e intervalos pequenos. Dos anos 40 até meados dos anos 60, o gênero passou por um período de transição, cuja característica principal foi a incorporação de rítmos, estilos vocais e instrumentais de origem paraguaia e mexicana (como a guarânia e a ranchera). No final dos anos 60 começa a fase moderna da música sertaneja com a incorporação do chamado "ritmo jovem" , derivado da Jovem Guarda e da balada internacional, bem como a modificação do contorno melódico, que passa a ser ondulado e lírico.4 Hoje a música sertaneja tem duas subdivisões básicas: música sertaneja raiz e o que chamo de música sertaneja romântica. A primeira se refere às tradições caipiras, com uma temática de origem rural e caráter geralmente épico ou satírico-moralista e menos frequentemente, lírico; a última se refere a canções gravadas principalmente a partir dos anos 80, usando uma temática urbana e de caráter romântico-indivualista.5 Na década de Oitenta, a música sertaneja se tornou bastante visível nas áreas urbanas brasileiras. Até então seu espaço eram os circos, os programas radiofônicos na aurora do dia, os quadros humorísticos no teatro radiofônico e depois televisivo. Nos anos oitenta, o número de vendagem da música sertaneja, o tempo de rádio e TV a ela devotado, e o número de shows em bares, estádios, e campanhas políticas cresceu tanto que o gênero foi considerado um novo fenômeno musical no Brasil. Na realidade a música sertaneja, especialmente na sua vertente mais moderna representa a manifestação mais marcante da consolidação do mercado musical de massa no Brasil (ZAN 1944). 6 Meu primeiro contato com este gênero foi durante a minha pesquisa de doutoramento quando fiz uma descrição estilística da música sertaneja a partir de dados coletados com especialistas

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 2 of 7

e aficionados da mesma em Montes Claros, norte de Minas. No final de 1991 chego a Uberlândia, onde, mais que em Montes Claros, é visível a importância da música sertaneja, com duas rádios FM dedicadas ao gênero, um mercado paralelo expressivo de cassetes sertanejos, um grande número de shows com duplas de sucesso. Mais que isto, a moda-deviola faz parte importante de sua tradição musical regional. Me propuz então a identificar, descrever, e analisar etnomusicologicamente o mundo da música sertaneja em Uberlândia7. Numa fase exploratória e descritiva foram conduzidas entrevistas com entusiastas e especialistas do gênero e feita uma observação da programação de rádios comerciais tanto AM quanto FM. Após, foi feita uma seleção, transcrição e análise de um repertório representativo da música sertaneja para Uberlandenses. Este material foi analisado em termos de forma, contorno melódico, timbre vocal, prosódia, letra, textura e instrumentação.8 Paralelamente foram feitas cerca de 100 entrevistas com fãs de música sertaneja de idade e sexo variado no intuito de se identificar quais os parâmetros musicais valorizados pelo público constituinte de música sertaneja em Uberlândia.9 Deste ponto começam a surgir elementos que modificaram o rumo da pesquisa. O que torna a música sertaneja de boa qualidade para seus aficionados não são melodia, harmonia, rítmo ou forma, categorias a que me detive até então, mas, principalmente, o estilo vocal dos cantores no que chamam de "voz", além da relação letra-música. Usa-se o termo "ter voz" para qualificar, principalmente pela negativa as vozes que não devem ser "gritadas" ou "graves". Daí aparecem dois pares para classificação por contraste: gritada x suave e grave x agudo. O interessante é que a preferência é pela voz agudae suave, o que exige um controle vocal grande por parte dos cantores. Na dupla as vozes devem combinar, mesclando bem o agudo com o grave, isto é, as vozes devem estar bem "casadas". Tanto as vozes como as duplas devem ter uma afinidade muito grande, tanto que muitas delas são compostas por parentes próximos.10 Continuando a pesquisa, comparamos exemplos das três fases de música sertaneja aos aspectos do método de classificaçao vocal desenvolvido por Alan Lomax (1968), o Cantometrics, que nos pareceram mais pertinentes com o estilo vocal sertanejo. Dos 15 parâmetros analisados 8 apresentaram o mesmo nível nas três fases, o que sugere uma unidade estilística na música sertaneja em termos da categoria estilo vocal, seja ela raiz, de transição ou romântica11. O gênero apresenta portanto uma coerência interna em termos de parâmetros para avaliação de qualidade. Podem ter qualidade tanto Tonico e Tinoco ou Pena Branca e Xavantinho quanto Chitãozinho e Xororó ou Leandro e Leonardo, pela habilidade que demonstram em lidar com suas vozes dentro de um estilo específico. Além da "voz" outro elemento bastante enfatizado pelos Uberlandenses fãs de música sertaneja é a categoria "letra". As letras das canções devem "ter uma estória", "falar de amor e paixão" e de "natureza". Ela é importante por remeter ao que chamam de "cultura", ou falar de coisas identificáveis com o cotidiano das pessoas. "Muitas vezes", diz um dos fãs entrevistados, "acontecem coisas no dia e quando você liga o rádio a música parece que foi feita prá você, é incrível". Esta preocupação com o relator um acontecimento aparece seja nas canções raiz que tratam de registros épicos de figuras arquetípicas como o boi, o vaqueiro, o sertanejo, a mula, etc., seja nas canções românticas que contam histórias muitas vezes autobiográficas de situações do cotidiano urbano. Como diz Simon Frith a música pop funciona como uma peça teatral, as letras atuando como fala, produzindo sentido não só no plano semântico, mas também como "estruturas de som que são sinais diretos de emoção e marca de caráter" (FRITH 1988, p.120). Fundamental nas letras sertanejas é a predominância do narrativo, da repetição, do esquematismo, seja no padrão épico das músicas sertanejas raiz, seja nas fórmulas melodramáticas da música sertaneja romântica. Este convencionalismo permite, como comenta Jesus Martin Barbero (1983), a constituição da memória do grupo e a articulação com os arquétipos e processos de identificação (1983: 64 .) A música sertaneja ao privilegiar parâmetros sonoros próprios da fala, isto é o timbre e a própria dinâmica da narrativa, se coloca à margem do que é considerado música na cultura ocidental letrada. Nesta última, foram a altura e duração os parâmetros que se firmaram como essenciais para a conceituação de música versus ruído.12

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 3 of 7

Se no seu processo de fabricação a cultura de massa contesta a sacralização da arte, fazendo com que seus primeiros críticos a vissem somente como o resultado do processo de industrialização (ref. Adorno e Horkheimer), estes resultados etnomusicológicos referentes à música sertaneja, primeira manifestação da indústria cultural consolidade no Brasil, sugerem uma outra concepção de música em termos de elementos geradores de sentido. O aprofundamento da pesquisa além da primeira coleta de dados para descrição estilística indicam que o que inicialmente parecia importante para caracterizar a música sertaneja, e que varia mais ao longo de sua trajetória dos anos 30 aos 90 -- a incorporação crescente de instrumentos e rítmos cada vez internacionalizados -- não são elementos definidores para seu público constituinte.13 Ao considerar este gênero, a partir da rede de significados que se forma com a sua utilização, podemos perceber a música popular de uma maneira bem diferente das avaliações feitas muitas delas pela perspectiva de avaliação da música erudita. 14

Não é que a configuração sonora sertaneja conteste a posição de prestígio da música "clássica", mas mantém com muita firmeza sua posição de identidade e opção estética.15 Nas posturas de músicos sertanejos que tem se apresentado regularmente em Uberlândia, não se percebe uma concepção do gênero como "artístico". Pena Branca e Xavantinho, uma dupla "raiz" da região se colocam com cultores do folclore mineiro, se relacionando com o público do Congresso Regional da SBPC, num dos campi da UFU, de uma forma bastante intimista, identificando pessoas, inclusive familiares presentes na platéia. Leandro e Leonardo se colocam como artistas modernos, abrindo seu show, durante uma exposição agro-pecuária, com um vídeo promocional em espanhol, enfatizando as campanhas publicitárias em que tomaram parte e apresentando uma imagem ao mesmo tempo rústica e moderna (cenas num trem de ferro com os dois e num restaurante, Leandro fazendo o papel de "latin lover"). Estabelecem uma relação com a platéia comentando da cumplicidade do público de Uberlândia com seu sucesso desde 1989, quando tinham começado. Pena Branca e Xavantinho apontam para a cultura tradicional e regional, enquanto Leandro e Leonardo se inserem numa cultura moderna e industrial. Estes campos de concorrência no mercado simbólico tem sido analisados principalmente na sociologia, a partir dos estudos de Pierre Bourdieu (1984) que, na França os observa na contraposição das esferas da alta cultura ou cultura ilustrada e da indústria cultural. No Brasil acrescenta-se a estas o campo simbólico "rústico", do artesanato, do folclore.16 Para Bourdieu, enquanto na estética erudita a arte faz referência a ela mesma, na estética popular a arte faz referência à vida cotidiana. Na última a arte imita a vida, na primeira a arte imita a arte (BORDIEU 1984, p. 6).17 É esta a postura de Mário de Andrade, que no Banquete, comenta sobre a universalidade do que chama "comoção estética", ou capacidade de sentirmos o belo. As obras de arte teriam um valor estético, intrínseco, fatal, fisiológico e um valor sentimental, individual e de acordo com a biografias dos indivíduos. Ao homem comum interessaria o conteúdo decisório da verdade moral e mental, enquanto ao erudito interessaria a forma independentemente de utilidade. Na realidade Mário questiona se esta atitude "individualista" não seria uma "deformação errônea da funcionalidade da obra de arte", que na sua visão deve ter uma função crítica (ANDRADE 1989: 88-93). Sabemos que Mário, nas suas colocações descritivas das chamadas características da música brasileira, no Ensaio, analisa um grupo de cantos folclóricos do ponto de vista culto, isto é, identifica escalas, rítmos, forma; neste caso Mário está tratando de particulares culturais. É quando está argumentando prescritivamente que Mário coloca alguns de seus "insights" mais instigantes, observações que tratam de alguns aspectos universais em relação à música, entre eles a questão, comentada acima, da "comoção estética ". Quer dizer, Mário de Andrade descritivo não consegue transcender o seu "habitus" culto. Somente quando passa para o plano filosófico é que lança ideias que, desenvolvidas, contribuem para a teorização de uma estética da música no Brasil. Outras categorias andradianas úteis, especialmente no caso da música sertaneja, seriam sua concepção de beleza, arte e técnica como aparecem nos textos "Distanciamentos e Aproximações", escrito em 1942 para o jornal "Estado" e "O Artista e o Artesão", palestra de

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 4 of 7

inauguração de seu curso de filosofia e história da arte, na hoje Escola de Música da UFRJ, de 1938. No entender de Mário arte tem a ver com ética, devendo ser essencialmente "interessada" e moralmente comprometida. A música sertaneja estaria ligada portanto à arte popular, por seu conteúdo comprometido com os arquétipos relacionados com a memória longa e expressos nas letras que tratam da sobrevivência humana, seja nas letras "raíz" que tratam sociabilidade rural e coletiva, seja nas letras "românticas" que tratam da sociabilidade urbana e individualista. Já a categoria "beleza", para Mário, seria "moral, psíquica e fisiologicamente independente, teria a ver com estética, seria "desinteressada". A beleza seria uma consequência do que chama de "técnica", compreendida em 3 aspectos ou níveis: (1) o artesanato ou habilidade de lidar com o material sonoro, (2) a virtuosidade técnica ou domínio do repertório tradicional de soluções criativas e (3), a técnica propriamente dita, ou o estilo individual de cada artista. Este elemento estético apareceria na música sertaneja pela habilidade em lidar com a voz, unidade estilística das duplas seja tradicionais ou modernas, e pelos critérios de avaliação qualitativa de seu público. Concluindo, estamos sugerindo que a música sertaneja tem uma estética, no sentido de que tem padrões próprios - a ênfase no cotidiano das letras e o estilo vocal específico - que se constituem a chave para o estabelecimento de critérios de excelência musical. Do Equilíbrio entre a aproximação com o social pelo conteúdo e o distanciamento estético pela preocupação técnica é que surge uma concepção idealista de arte cuja "'unica finalidade legítima" seria a obra de arte, enquanto esta representa um assunto humano, transposto pela beleza numa aspiração a uma vida melhor". Referências Bibliográficas ALEM, João Marcos. "A nova ruralidade brasileira", UFU, mimeo, 1994. ANDRADE, Mário de. "Distanciamentos e Aproximações" In Música, doce música. 2. ed. São Paulo: Martins; Brasilia: INL, 1976 [Estado 10/5/1942]. ________________ .Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Civilização Brasileira, 1962. [escrito em 1928, publicado em 1936]. ________________."O artista e o artesão" In O baile das quatro artes. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1963 [1938] ________________ .O Banquete. 2 ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1989. ARAUJO, Samuel. "Brega: Music and Conflict in Urban Brazil "Latin American Music Review 9/1 (Spring-Summer), 1988, p. 49-89. BARBERO, Jesus Martín. "Memória narrativa e industria cultural" Comunicacción y cultura nº 10, agosto de 1983, p. 59-73. BECKER, Howard. "Mundos artísticos e tipos sociais" In Gilberto Velho, org. Arte e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. BERNADELI, Maria Madalena. "Breve histórico da música caipira" D.O LEITURA. v. 10, nº 117, fevereiro de 1992, p. 8-9. BOURDIEU, Pierre. Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. Trans. Richard Nice. Cambridge, Mass.: Harvard U. P., 1984. CALDAS, Waldenyr. Acorde na Aurora: música sertaneja e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977. ______________. O que é música sertaneja. São Paulo: Brasiliense, 1987.

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 5 of 7

CARVALHO, Martha de Ulhôa. "A Estética da Música Sertaneja em Uberlândia". Manuscrito lido na I Reunião Especial da SBPC, Uberlândia, 12 de abril de 1994. _______________. "Musical style, migration, and urbanization: some considerations on Brazilian música sertaneja" Studies in Latin American Popular Culture 12, 1993, p. 75-94. _______________. Música Popular in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil: a Study of Middle-Class Popular Music Aesthetics in the 1980s. PhD, Cornell University, 1991. (UMI DA 9113298). DUPRAT, Regis. "A nova onda da música sertaneja". Do Leitura v. 10, nº 117, fevereiro de 1992, p. 6-7. FERRETE, J.L. Capitão Furtado: viola caipira ou sertaneja? Rio de Janeiro: Funarte, 1985. FRITH, Simon. "Why do songs have words? "In Music for Pleasure - Essays in the Sociology of Pop. New York: Routledge, 1988, p. 105-128. HONÓRIO FILHO, Wolney. "O Sertão nos embalos da música rural - 1929 - 1950. PUCSP, mestrado, 1992. LOMAX, Alan. Cantometrics. a Method in Musical Anthropology.Berkeley, California: The University of California Extension Media Center, [1968]. MARTINS, José de Souza. "A música sertaneja entre o pão e o circo" Travessia, maioagosto de 1990, p. 13-16. ______________. "Música Sertaneja: A dissimulação na linguagem dos humilhados" In Capitalismo e Tradicionalismo. São Paulo: Ed. Pioneira, 1975, p. 104-161. ______________. "Viola quebrada" Debate & Crítica nº 4, novembro de 1974. MICELI, Sérgio. A noite da madrinha. São Paulo: Perspectiva, 1982. SCHURMANN, Ernst F. A Música como Linguagem. - uma abordagem histórica, Brasília: CNPq; Brasiliense, 1989. WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido - Um outra história das músicas. São Paulo: Companhia das Letras: Círculo do Livro, 1989. ZAN, José Roberto. "Da roça a Nashville", UNICAMP, mimeo, 1994.

1 - A maioria dos estudos, em número bastante reduzido por sinal, que tratam da música sertaneja interpretam seu significado do ponto de vista da sua produção, seja enfocando-a pelos seus aspectos industriais em contraposição às suas origens artesanais, como em CALDAS 1977 e 1987, FERRETE 1985, MARTINS 1974, TINHORÃO 1986, ou por ângulos específicos, tais como identidade de migrantes (REILY 1992) e a expressividade caipira de Vieira e Vieirinha (BERNADELI 1992). volta 2 - Região compreende o interior de S.P., norte do Paraná, partes de MG, Goiás e Mato Grosso, mais ou menos o que Luiz Heitor chamou de área de moda-de-viola, no Grove 5. volta 3 - Edmar Ferreti, comunicação pessoal. Sobre Cornélio Pires e a construção da figura do caipira ver HONÓRIO FILHO 1992. volta 4 - As mudanças de estilo e prestígio crescente atribuídos à música sertaneja reflete tanto os sentimentos pessoais em relação à vida e às biografias de seus constituintes, como ilustra o impacto de mudanças complexas do Brasil do século XX: migração interna, urbanização, industrialização, e modernização dos meios e comunicação e transporte. Minha hipótese é de que a Música Sertaneja tem sido usada principalmente por migrantes como um meio para facilitar a absorção de novos valores culturais -- ela se torna mediadora da adaptação de pessoas originárias da zona rural na sociedade urbana (vide CARVALHO 1993).volta

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 6 of 7

5 - De certa maneira, a música sertaneja romântica aproxima-se da estética da música de tradição erudita ocidental no tocante à melodia, que privilegia o parâmetro sonoro essencialmente musical - a altura, nas suas canções sentimentais e de contorno melódico amplo e ondulado. O aparecimento do conceito de estética no século XVIII coincide com a culuminação do processo de racionalização da altura e duração na música, com o equilíbrio da tonalidade, exemplificado pela forma sonata em Mozart, com o domínio da duração pela quadradura métrica. Tendo o domínio técnico das tensões e repousos da tonalidade foi possível passar da dramaticidade barroca para um lirismo sentimental tão próprio da sensibilidade burgueza, classe social emergente na época.volta 6 - Apesar do grande prestígio popular que alcançou nos anos 80 (CARVALHO 1991), a música sertaneja tem um status muito ambíguo na "economia de bens simbólicos", seja na sua versão "raiz" quando é considerada uma deturpação dos gêneros folclóricos originais que a formaram, seja na sua versão "romântica" quando é considerada "brega" (vide MARTINS 1990 e ARAUJO 1988). Esta posição aparece inclusive entre os aficionados do gênero, os jovens preferindo as músicas de roupagem "modernas", discriminando as "caipiras" e os mais velhos as músicas de "raiz", mais " autênticas", lamentando a predominância do "breganejo" atual. Na minha opinião, esta ambiguidade se deve à hegemonia dos parâmetros de avaliação estética da música no Brasil, informados pelos ideais de beleza da música de tradição erudita européia.volta 7 - Projeto financiado pelo CNPq, intitulado a ETNOMUSICOLOGIA DA ESTÉTICA MUSICAL BRASILEIRA URBANA - Música Sertaneja.volta 8 - Pesquisa desenvolvida com a colaboração dos alunos do Curso de Especialização "Métodos e Técnicas de Pesquisa em Música" na disciplina Etnomusicologia, UFU, 1992/1993. Dentre outras foram analisadas uma composição de Goiá e Biá ("Saudade de Minha Terra") considerada "de raiz", em contraste com uma canção de transição ("Fuscão Preto", de Atílio Versutti e Jeca Mineiro) e uma "romântica" ("É o amor" de Zezé de Camargo). Este estudo confirmou em linhas gerais os resultados obtidos em Montes Claros.volta 9 - Trabalho desenvolvido por Peter Botelho (1993).volta 10 - O trabalho de duplas é portanto coerente com o modelo de sociabilidade comunitário, de onde muitas delas se originam, o meio rural.volta 11 - Os parâmetros selecionados foram: Amálgama tonal do grupo vocal, Organização social do grupo vocal, Acentuação, Volume, Tessitura vocal, Guturalidade, Tensão (impedância), Nasalidade, Ornamentação, Golpe de glote, Trêmolo, Glissando, Melisma, Pronúncia e Rubato. Pesquisa conduzida pela aluna Adriana Giovanelli (1993).volta 12 - Na cultura ocidental, o timbre, secundado pela intensidade são característicos da linguagem verbal, enquanto a altura e duração se tornam essenciais para a estruturação de uma linguagem musical. (SCHURMANN 1989, p. 40 - 41). Na fala, o timbre é o que caracteriza, que identifica foneticamente quem está falando enquanto a intensidade qualifica a comunicação, dando-lhe estilo próprio pela prosódia. Uma definição de música teria relação com sons de altura e duração determinada, relacionados de forma coerente, harmoniosa e agradável entre si, mesmo que com o passar do tempo tenhamos ampliado o repertório de sons considerados "consonantes" agradáveis, belos. Neste sentido, Jacques Chailley apud Wisnik, comenta como a música do Ocidente se desenvolveu ao longo da série harmônica, aceitando gradualmente como consonantes o uníssono (do canto chão), a oitava, as quintas e suas inversões, as quartas, as terças (compondo o acorde perfeito já na Renascença), as sétimas (sec.XVII e XVIII), nonas (com Wagner e Debussy) até a dissipação da oposição entre consonância e dissonância na música contemporânea microtonal. (WISNICK 1989, p. 107).volta 13 - Observação confirmada por Suzel Ana Reily em pesquisa etnográfica na grande São Paulo, onde entrou em contato com cerca de 100 músicos amadores e semi-profissionais em São Bernardo do Campo (REILY 1992).volta 14 - Pelos estudos anteriores da música sertaneja, esta seria avaliada como uma deturpação do estilo caipira original pelas novas formas de interpretação musical (MARTINS 1990) ou mesmo fruto de um "sincretismo estapafúrdio" (DUPRAT, 1992), pela crescente incorporação de rítmos.volta 15 - Tentativas de conquistar um público de classe média urbana pela aproximação com a estética artística nos anos 70 não deram certo. Não "emplacaram" nem os arranjos com novo tratamento harmônico, melódico e temático, com letras de construção poética mais "elaboradas" e engajamento político sutil, no estilo de "Disparada" de Théo de Barros e Geraldo Vandré, incentivadas no Festival da Viola promovido pela TV Tupi de São Paulo, com a participação de Júlio Medaglia (SOUZA 1974:44), nem a concepção "Nhô Look" proposta por Rogério Duprat para a FENIT de 1971, como "mediação", a criação de um tipo de música capaz de ser aceito tanto por seu público tradicional como pelo de MPB (SOUZA, idem e também CALDAS 1977). Mediação consegue Sérgio Reis, com uma imagem de nostalgia do campo, modernizando seletivamente o modelo caipira (português sem regionalismos e "roupagem" nova na instrumentação mas não na concepção harmônico-rítmica). Quer dizer, modernizar naquilo que sugere o "atraso" do caipira (sua maneira de falar e forma artesanal de produção) mas manter a maneira de ver e sentir o mundo e as relações sociais.volta 16 - modelo ampliado de Bourdieu sobre o campo de concorrência no mercado simbólico entre a cultura letrada e artesanato de luxo, sustentadas pelo estado e escola e a indústria cultural é desenvolvido no Brasil inicialmente por Sérgio Miceli num estudo de programas de TV e, recentemente, por João Marcos Além e José Roberto Zan em relação ao universo cultural sertanejo e à produção da música sertaneja (MICELI 1982, ALEM 1994, ZAN 1994). No Brasil a cultura letrada se une à cultura rústica para se opor à cultura "comercial". A relação música erudita e música folclórica versus música

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

muscompairel6

Page 7 of 7

"industrializada" é discutida em CARVALHO 1994.volta 17 - Segundo o autor a estética popular é o oposto da estética Kantiana -- baseada no distanciamento deliberado das necessidades do mundo natural e social; a apreciação popular sempre tem uma base ética, seus julgamentos se referem às normas de moralidade ou "agradabilidade" (BOURDIEU 1984 p.5).volta

Retorna Back to Top

http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1995/muscompairel6.htm

14/5/2008

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.