Na Ilha de Lia, no Barco de Rosa: Brasil e Ideologia Depois da \"Década Perdida\"

October 10, 2017 | Autor: Bruno Bernardes | Categoria: Development Studies, Brazilian Studies, Ideology, Brazil, Brasil
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Torna-se igualmente necessário incluir de maneira permanente na agenda, o tema das relações entre a União Europeia e a América Latina, assim como criar mecanismos eficazes para a resolução de conflitos entre os Estados Membros. Por fim, a comunidade deverá potenciar a participação do sector civil e garantir um tratamento mais igualitário entre as partes. Ao encontro de Cadiz, já confirmaram a sua presença os chefes de estado e governo da grande maioria dos Estados, com as excepções da Argentina, a Venezuela, o Paraguai e Cuba. A presença activa do Rei de Espanha em todas as vinte e duas Cimeiras é reveladora de um interesse de Estado permanente. Portugal, ao lado da Espanha, esteve também sempre representado ao mais alto nível e nunca falhou uma cimeira. O mesmo não pode dizer-se dos países do outro lado do Atlântico, apesar de estarem sempre representados, os chefes de governo de Cuba e Venezuela, por exemplo, não assistem desde 2006 e 2007, respectivamente. E na Cimeira anterior, que decorreu no Paraguai, faltaram ao encontro, onze dos vinte e dois chefes de governo. Para a Espanha, a Ibero-América constitui uma região chave para a sua projecção exterior onde estão em jogo os seus interesses (sobretudo económicos) mas também o seu protagonismo e imagem internacional, como potencia politica, económico e cultural, assim como potência normativa e defensora de valores no actual cenário . Falta saber como o governo Espanhol conseguirá, na actual conjuntura de crise, gerir uma relação contraditória com estes países, apostando ao mesmo tempo em valores e interesses? Em relação a participação de Portugal neste projec-

NA ILHA DE LIA, NO BARCO DE ROSA Brasil e ideologia depois da “década perdida”

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o início da música do C h i c o Buarque, um homem dividido conta que “quando adormecia na ilha de Lia”, sonhava passar “ao largo no barco de Rosa” para na ilha de Lia desembarcar. É pois um homem dividido entre duas mulheres que consentem e encorajam tal divisão. Mas é uma divisão que faz sentido e que entrelaça este homem entre os braços de uma e os braços de outra. Assim parece a política económica da América Latina e, mais especificamente a brasileira, entre as teses do velho desenvolvimentismo e a integração plena no liberalismo económico global.

to, o retorno tanto económico quanto estratégico foi visto desde o início como sendo sensivelmente reduzido, e as expectativas baixas – não se constituindo, portanto, nas verdadeiras forças motivadoras da actuação da política externa Portuguesa junto à Comunidade. Mas nos últimos anos, num contexto de crise, alguns países da região para além do Brasil, foram sendo incluídos entre os destinatários da sua “diplomacia económica” . A Venezuela, o México, a Argentina, o Peru e a Colômbia surgem como novos potenciais mercados para as exportações Portuguesas. Contudo, para além dos interesses económicos de ocasião, Portugal continua sem definir claramente uma política para a América Latina. Por Nancy Elena Ferreira Gomes, Doutoranda em Relações Internacionais na FCSH / Universidade Nova de Lisboa, Professora Auxiliar no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”

Lula da Silva dizia numa entrevista de final de mandato que sempre tentou aplicar a “política do óbvio” nos seus anos de governação. Em décadas de constante mistura ideológica, nunca um país, um governo e um presidente latino-americano teriam resumido tão bem o que se tornou o desenvolvimentismo depois de 1980 ou a “década perdida” como muitos gostaram de a apelidar. No entanto, parece-nos que a América Latina nunca esteve tão fragmentada como agora. Diversos modelos de desenvolvimento e de políticas públicas afastam, por exemplo, o Chile da Venezuela ou da Bolívia, a Argentina e o Brasil. Geografia, clima, cultura, separam já o sabemos. Narrativas nacionais e estaduais também. A América Latina, esse aglomerado de subcontinentes, não existe, tal como não existe Europa, África ou Ásia. Mas pensar assim seria eliminar os qualificativos que se usam diariamente e que sem rodeios

ou relativismos serviram e têm servido para legitimar e implementar políticas que, olhando para o contexto político e económico, são necessariamente óbvias. Pese embora o óbvio que se tornou o problema do desenvolvimento na América Latina logo a partir dos finais da década de 1940 com o pensamento de Raúl Prebisch, as ideias económicas e as ideologias políticas latino-americanas nunca apresentaram uma definição óbvia e clara, mas antes procuraram satisfazer uma mescla própria dos contextos económicos e políticos. O início do reinado de Prebisch na Cepal coincide com um período de assistencialismo e populismo que, por vezes disfarçadamente tinham por base as teorias do desenvolvimento e da dependência. A intervenção do Estado nas economias latino-americanas tinha como intuito seguir o que, por exemplo, Getúlio Vargas no Brasil considerava a estru-

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tura de substituição de importações. O círculo vicioso da dependência e do subdesenvolvimento, então produtos das relações centro-periferia e não da importação tardia do capitalismo, estava ligado à estrutura do capitalismo internacional. A necessidade de expandir a capacidade produtiva de forma a libertar estes países das amarras do comércio internacional tinham no Estado um obstáculo e uma oportunidade que se repercutia tanto no papel das elites como da capacidade de transformar a economia baseada nas commodities. Serão pois estas mesmas elites políticas que, influenciadas pelo pensamento cepalino alimentam e se alimentam deste Estado, motivando o famigerado populismo. Não seria pois de surpreender que em plena década de 1980, a América Latina atravessasse uma crise económica que tinha por base a dívida soberana e a escalada diária da hiperinflação. As receitas iniciais da Cepal, porventura não aplicáveis pois se o tivessem sido teriam livrado a América Latina das amarras do capitalismo internacional, pareceram frouxas e em crise pelas mesmas elites que anos antes as aplicavam em veemente discurso que parecia ideológico de tão inflamado e urgente. A Cepal, ainda na década de

1980, tinha acertado numa coisa: são as elites do centro das periferias que, aliadas às elites do centro, dificultam a quebra do tal círculo vicioso. Se logo no final da década de 1940 o pensamento da Cepal é produto de um conjunto eclético de ideologias e ideias económicas, não me parece que com a década de 1980 a América Latina não tenha aprendido nada quanto à necessidade de desenvolver a política do óbvio que foi e continuam a ser o desenvolvimentismo e o empoderamento dos mais pobres. O contexto político e económico da década de 1980 levaria ao que muitos designaram por “reformulação” do paradigma cepalino. No meu entender, esta reformulação acontece principalmente pelas deficiências dos Estados latino-americanos que deixaram de ter capacidade para financiamento de projetos de iniciativa pública, ou seja, ela acontece pelo lado do pragmatismo. Aliás a incapacidade dos Estados foi também consequência do próprio círculo vicioso teórico inicialmente fornecido pelo pensamento cepalino, o que me leva a considerar que a década de 1980, invés de ter sido a década perdida, foi antes um pilar na reformulação do pensamento desenvolvimentista. Não é, pois, por acaso,

Brasil: liderança ou miragem regional?

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Alemanha redimiu-se do Holocausto reconstruindo a Europa mas o Brasil não tem essa obrigação com a América Latina. Nem tão pouco o poder. Se a União Europeia tivesse sido fundada pela Alemanha, Holanda, Letónia e Lituânia teria funcionado? A história mostra-nos que o eixo franco-alemão cicatrizou as feridas da guerra e monitorizou a prosperidade continental. França e Alemanha Ocidental eram, no início, equivalentes em população e riqueza. Mas a unificação alemã e a sua produtividade crescente afastaram-na dos seus vizinhos, tanto em poder como em necessidade. O fim da integração europeia seria um golpe duro para Berlim mas o país seguiria em frente; porém, outros, como Grécia e Portugal, perderiam soberania real e estariam à mercê de compradores/predadores extra-regionais como a

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que depois de anos de luta contra o próprio modelo capitalista internacional, o PT de Lula tenha a partir de 2002 prosseguido as políticas de ajustamento de Fernando Henrique Cardoso, tão contínua e erradamente apelidadas de “neo-liberais”. O Brasil tinha ressurgido entre a ilha de Lia e o barco de Rosa. Se é verdade que o multipartidarismo de 1946-64 é um período de memória histórica importante na democratização brasileira, os anos 80 são um período de enorme aprendizagem que teve em Lula uma síntese perfeita da nova receita do desenvolvimentismo latino-americano já livre da Cepal mas filho dela. É nesta síntese que a nova “social-democracia” brasileira, agora apoiada pelo sindicalismo não estatal, demonstra a influência que o controlo da inflação e da dívida pública teve na integração do Brasil no sistema capitalista internacional feita de forma pragmática. Esta reformulação ideológica é aquela que permite crescimento e distribuição de renda. Eis, pois, a fórmula que mantém o Brasil sonhando alcançar o barco de Rosa, dormindo na ilha de Lia. Por Bruno G Bernardes Observatório Político

China ou Angola. Tais são os custos das assimetrias que o euro agigantou. Após vinte e um anos da fundação do Mercosul, ainda há quem afirme que o eixo argentino-brasileiro é a versão sul-americana do franco-alemão. Mas a comparação provoca ruído: se o Brasil é demograficamente equiparável à Alemanha, a Argentina não equivale à França, à Grã-Bretanha ou até à Espanha, mas sim ao pequeno país da princesa Máxima e das tulipas. Seguindo o mesmo critério, o Paraguai e o Uruguai não se parecem com a Bélgica ou Suécia, mas sim aos miniestados bálticos (e a Venezuela seria comparável com a Grécia, deixando interpretações económicas de lado). Enquanto apenas um sexto dos europeus são alemães, três quartos dos mercosulianos são brasileiros. Ainda mais sério é que a economia não compensa a desproporção populacional: enquanto a Alemanha constitui a maior e mais rica economia da Europa, o Brasil é muito maior mas, ao mesmo tempo, mais pobre – por PIB per capita e desenvolvimento humano – que a Argentina e o Uruguai.

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