Não Vamos Obedecer - Nou Pap Obeyi

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10/6/16

1:29 AM

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Quilombo Urbano

Governo do Estado de São Paulo e Secretaria da Cultura apresentam

Não Vamos Obedecer Comecemos a história do Haiti, desenhando a ilha no Caribe. Uma ilha dividida ao meio entre dois países: República Dominicana e Haiti. Haiti, a única nação a realizar uma revolta escrava que toma o poder. Única nação a ter negros no poder, em toda a América. Única sociedade a realizar os ideais da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Haiti, a primeira nação independente da América Latina. Foi, também, a primeira nação a abolir a escravidão na América. O Brasil foi o último país a abandonar a exploração da mão-de-obra escrava. De 1791 a 1804, decorre o processo de independência haitiana, lutando contra tropas de Napoleão (em plena expansão do seu império). Por sua rebeldia e ameaça ao regime colonial e escravocrata, o Haiti foi isolado politica e economicamente. Até décadas atrás, pagava dívida com a França por sua independência. Subjugado ao poder militar norte-americano, a ilha no “quintal” do EUA, é alvo dos marines várias vezes durante o século XX.

Haiti: país praticamente excluído do capitalismo financeiro mas dentro do jogo geopolítico de controle militar. EUA, Brasil, França, Canadá, Espanha e União Européia, através da missão de paz da ONU, ocupam militarmente o Haiti hoje, “garantindo sua estabilidade política”. O Brasil fez do Haiti seu laboratório de ocupação militar de favelas, utilizando esta tecnologia de controle na tomada do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Formam-se constantemente novos diagramas do controle entre países e regiões da América e do mundo. Contra esta força de ocupação, o povo haitiano se levanta em uma luta contemporânea pela real democracia. Luta contra fraudes eleitorais, domínio estrangeiro e submissão biopolítica. Nesta cartografia procuramos desenhar estas linhas invisíveis entre forças, fluxos e acontecimentos, resgatando a simbologia do Haiti como resistência histórica frente o processo de dominação.

Vodu

A colônia de Saint-Domingue era produtora de 40% do açúcar do mundo em 1789. A “pérola das Antilhas” foi a mais importante colônia francesa. Era a mais próspera das colônias no Caribe. Tudo baseado na mão de obra escrava (plantion). Na ilha de Saint-Domingue os negros escravizados representavam quase 90% da população. Neste contexto, a colônia se rebela de dentro para fora, de baixo para cima. Sob a liderança de Toussaint Louverture, um escravo autodidata, a rebelião se espalha pela ilha, confiscando todas as fazendas e matando quase todos os brancos colonizadores. Um levante escravo que toma o poder. Mas não tão fácil. Não tão simples. Um longo processo de luta se estabelece, numa sucessão de líderes e de batalhas contra opressores internos e externos. Durante mais de 10 anos, entre alianças políticas e sociais, permanece o grande inimigo a ser vencido: a França.

NOU PAP OBEYI Um dos capítulos do projeto Saída de Emergência, criado por Daniel Lima e Felipe Teixeira, documentando os processos de manifestação e resistência e o debate político em busca do cancelamento das eleições presidenciais de 2016. http://www.danielcflima.com/Haiti---Nou-Pap-Obeyi

Haitianismo e o medo branco

Rogozinski, Jan (1999). A Brief History of the Caribbean Revised ed. (New York: Facts on File). ISBN 0-8160-3811-2.

QUILOMBO BRASIL Série de documentário realizado pelo coletivo Política do Impossível, entre os anos de 2009 e 2010, na qual de discute, através de práticas sociais, as concepções de Quilombo Urbano e Rural no Brasil, passando pelos estados de São Paulo, Pernambuco e Maranhão. https://youtu.be/H4syNVCvm-E

Morro da Providência

Morro da Providência, a primeira favela do Rio de Janeiro, disposta num penhasco de pedra, em 1910, era considerado o lugar mais perigoso da capital brasileira.

AGORA SOMOS TODOS NEGROS!

Rio de Janeiro

http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/97/20080627_sedicoes_haitianismo.pdf https://www.researchgate.net/publication/281464561_Haitianismo_em_perspectiva_comparativa_Brasil_e_Cuba_secs_XVIII-XIX Tradução livre de Daniel Lima da canção A Revolução Não Será Televisionada de Gil Scott Heron em https://youtu.be/Fko0jXCsT74?t=19m9s

a maior cidade negra fora da África

O haitianismo teve sua mais expressiva representação no Rio de Janeiro, a maior cidade negra fora da África, capital do Império. Como manter a ordem? Como manter o controle de uma maioria por uma minoria? “Uma das poucas exceções ocorreu no Rio de Janeiro, em 1805, quando ‘o Ouvidor do Crime mandara arrancar dos peitos de alguns cabras e crioulos forros, o retrato de Desalinas [sic], Imperador dos Negros da Ilha de São Domingos. E o que mais notável era que esses mesmos negros estavam empregados nas tropas da Milícia do Rio de Janeiro, onde manobravam habilmente a artilharia’”. Esta cidade até hoje carrega as marcas de uma sociedade escravocrata que determinou claramente regiões, fluxos e destinos da sua população negra. Um destes destinos foi criado à revelia destas elites. Foi criado subindo os morros, desenhando uma nova geografia para a cidade.

Favelas: população do exército inimigo https://www.researchgate.net/publication/281464561_Haitianismo_em_perspectiva_comparativa_Brasil_e_Cuba_secs_XVIII-XIX

Após a abolição tardia da escravidão em 1888, a população negra abandonada a sua sorte, sem uma estrutura social e econômica que a acolhesse, migra para as áreas urbanas. Em processo simultâneo, o governo brasileiro estimula a vinda de imigrantes europeus e japoneses para o Brasil para que possam “embranquecer” a nação. Os postos de trabalho do início da industrialização nas cidades passam a ser ocupados pelos imigrantes. Aos negros é relegado o trabalho informal e a marginalização . Não à toa até hoje o serviço doméstico é a maior categoria de trabalho do Brasil, entre muitos exemplos. Neste contexto surgem as favelas. O Morro da Providência é a mais antiga favela e responsável pelo nome que identifica este processo de moradia e vida precária. Soldados vindos da Guerra de Canudos (de 1896 a 1897),

ARQUITETURA DA EXCLUSÃO Documentário sobre a construção de muros executada pelo estado do Rio de Janeiro em torno da favela Santa Marta, e implementação da primeira UPP em 2008 na favela Santa Marta. Como o carnaval e o controle policial se relacionam na construção da ideia de Democracia Racial? https://youtu.be/nUZBkMDm8zU

O terceiro presidente americano Thomas Jefferson, “dono” em sua vida de mais de 600 negros escravizados, redator da Declaração de Independência dos EUA em 1776, recusou-se a reconhecer a independência do Haiti. Em acordo com a França e Espanha, o Congresso dos EUA criou embargo, impedindo comércio com o Haiti. Como coloca Eduardo Galeano no seu artigo A maldição Branca: “Thomas Jefferson, prócer da liberdade e dono de escravos, advertia que o Haiti dava o mau exemplo, e dizia que se deveria ‘confinar a peste nessa ilha’. Seu país o ouviu. Os Estados Unidos demoraram 60 anos para reconhecer diplomaticamente a mais livre das nações.” No século XX se inicia um período de intervenção militar direta dos EUA contra os haitianos. Em 1915, 330 marines desembarcam em Port-au-Prince para defender os interesses da Sugar Company, empresa norte-americana de produção de açúcar, e ao mesmo tempo garantir o controle em sua área de influência. Novamente Galeano pontua: “Em 1915, os fuzileiros navais desembarcaram no Haiti. Ficaram 19 anos. A primeira coisa que fizeram foi ocupar a alfândega e o escritório de arrecadação de impostos. O exército de ocupação reteve o salário do presidente haitiano até que este assinasse a liquidação do Banco da Nação, que se converteu em sucursal do City Bank de Nova York. O presidente e todos os demais negros tinham a entrada proibida nos hotéis, restaurantes e clubes exclusivos do poder estrangeiro. Os ocupantes não se atreveram a restabelecer a escravidão, mas impuseram o trabalho forçado para as obras públicas. E mataram muito. Não foi fácil apagar os fogos da resistência. O chefe guerrilheiro Charlemagne Péralte, pregado em cruz contra uma porta, foi exibido, para escárnio, em praça pública. O último contingente dos marines partiu em 15 de agosto de 1934 após uma transferência formal de poder e retorno haitiano do controle alfandegário. “Os ocupantes se retiraram deixando no país uma Guarda Nacional, fabricada por eles, para exterminar qualquer possível assomo de democracia. O mesmo fizeram na Nicarágua e na República Dominicana. Algum tempo depois, Duvalier foi o equivalente haitiano de Somoza e Trujillo.” Os EUA realizam outras intervenções militares no Haiti no decorrer do século XX. E assim a influência perversa dos Estados Unidos se espalha para além do seu “quintal” caribenho. O governo norteamericano passa a fomentar golpes militares em toda América Latina na segunda metade do século XX.

Imigração haitiana

Com a capital em ruínas, desestabilidade econômica e falta de emprego, os haitianos passaram a voltar seus olhares para fora do país em busca de novas oportunidades. Em condições ilegais, auxiliados por coiotes, milhares de haitianos iniciaram o caminho da imigração, atravessando 4 países: República Dominicana, Panamá, Equador e Peru, até finalmente entrarem no Brasil pelo estado do Acre, ao extremo norte brasileiro. Em 2012, através da Resolução Normativa n. 97 do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), o Brasil passou a conceder visto humanitário aos haitianos em consequência ao desastre ambiental. O visto humanitário é uma categoria especial de proteção que permite aos haitianos a permanência no Brasil, a buscarem emprego e a terem os mesmos direitos de qualquer estrangeiro em situação regular. Segundo o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) vivem hoje no Brasil aproximadamente 80 mil haitianos.

A desilusão brasileira

https://www.monticello.org/site/plantation-and-slavery/property

Terremoto em 2010: mais de 200mil mortos

Em 2010, o terremoto de 7.3 graus na escala Richter atingiu a capital Porto Príncipe e deixou 200 mil mortos (números estimados) e mais de 1 milhão de desabrigados. Com o país devastado, o Brasil anuncia pacote de ajuda na reconstrução do país. EUA temem migração em massa de haitianos para o país. Inicia-se um novo ciclo de imigração haitiana tendo principalmente como destino os EUA e Brasil.

http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1456904-5602,00TEMOR+DE+FUGA+EM+MASSA+PREOCUPA+AUTORIDADES+DO+HAITI.html

No ano de 2016 observa-se um novo fenômeno: os haitianos estão iniciando uma nova rota migratória partindo do Brasil. Com a desaceleração do crescimento econômico e as alta taxa de desemprego, a desvalorização do real frente ao dólar (que torna mais difícil enviar recursos aos parentes no Haiti), os imigrantes haitianos estão deixando o Brasil. A solução encontrada foi fazer o caminho de volta pelo Acre, mas, desta vez, para tentar entrar nos EUA, ou então migrar para o Chile.

UPP: Polícia Pacificadora?

A geografia do Rio de Janeiro, assim como várias outras cidades da América é uma geografia estruturada em torno do litoral, não concêntrica. Então a região da zona sul próxima ao litoral é a região privilegiada historicamente, sendo a zona norte região de descaso histórico do poder público. Não é à toa que as UPPs foram implementadas inicialmente na Zona Sul. As Unidades de Polícias Pacificadoras… As UPPs se mostraram como mais uma manifestação do Estado Policial no Brasil. Implementadas em 2008, as UPPs reforçam a ideia de que a polícia é o centro do debate social e que deve mediar todos os conflitos de uma comunidade. Prova disto é que uma das propostas absurdas, em andamento, coloca na mão dos policiais a responsabilidade pelo acompanhamento da frequência escolar. Estado Policial invade a sociedade com seus tentáculos de força. A UPP Nova Brasília no Complexo do Alemão foi instalada dentro de uma escola pública que atende alunos do ensino fundamental e médio. Vemos a falência do projeto de uma polícia Pacificadora, envolvida em diversos casos de violência e humilhação. Voltamos a enxergar, por detrás do véu da pacificação, a mesma polícia que historicamente é racista, autoritária e letal.

apelidaram o Morro da Providência de Favela, planta que nomeava o morro em que os soldados ficavam em Canudos. As favelas marcaram a cidade do Rio de Janeiro e foram invisibilizadas até poucas décadas atrás. Não constavam nos mapas oficiais, não constavam nos números oficiais. Servindo como “depósito” de mão de obra barata para todo funcionamento da cidade. No senso de 2010 os moradores de favelas no Rio de Janeiro correspondem a 22% da população da cidade. Muito antes, com a chegada do ciclo do tráfico de drogas a favela tornou o estereótipo do cenário do confronto armado pelo comércio de drogas. “Com o processo de crescimento do tráfico de drogas internacional e a afirmação do Rio de Janeiro como uma rota fundamental no tráfico internacional, há um processo de afirmação de controle das favelas pelos assaltantes mais graduados. Grupos que vão se constituindo como grupos criminosos e vão afirmando seu poder e, para defender o seu território, começam a buscar cada vez mais armas pesadas. A polícia, por sua vez, começa a afirmar cada vez mais a necessidade de ter armas pesadas para enfrentar esses grupos. Começa uma corrida

armamentista, que envolve os diferentes grupos e envolve as forças policiais. A lógica da guerra começa a perpassar todo o processo de relação do Estado com esses grupos criminosos, sendo o terreno fundamental, a arena fundamental, as favelas. O que é a população das favelas para o Estado, hoje ainda? É a população civil do exército inimigo. É uma guerra de aniquilamento. E a população da favela sofre os "efeitos colaterais” desse processo de guerra. A lógica de combate ao trafico de drogas, é feita a partir de um lugar específico, contra um sujeito específico: moleques, negros, pobres,|das periferias e das favelas. Essa é a lógica. Então, quando há essa definição do crime, a definição do criminoso, e se joga todo o peso do Estado na estratégia de reduzir o acesso desse grupo aos usuários, você termina construindo uma política genocida.” Jailson de Souza, Observatório de Favelas no filme Arquitetura da Exclusão.

https://www.youtube.com/watch?v=nUZBkMDm8zU http://oglobo.globo.com/rio/reformuladas-upps-acompanharao-frequencia-escolar-de-jovens-oferecerao-atividades-15550530#ixzz4M1z3BIZC http://apublica.org/2015/11/no-alemao-quem-ocupa-escola-e-a-upp/

Revolução Francesa Todos os homens são iguais e livres… mas as mulheres, negros e índios também? Em Paris de 14 de julho de 1789 caia a Bastilha (prisão parisiense e símbolo da monarquia), marcando o início da Revolução Francesa. Em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Constituinte da Revolução publica a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que declarava que todos os homens eram livres e iguais. Será? Este princípio será a base de todas as repúblicas modernas e também sua falácia e hipocrisia. Principalmente no mundo colonizado em todo o planeta, o direito à cidadania é reservado a uma parcela (mínima e privilegiada e em devir branco) da sociedade. Voltando à famosa Revolução: em 1792 é proclamada a República Francesa; a cabeça do Rei Luís XVI de França é cortada em 1793; e em 1799, após reviravoltas das diversas facções políticas, Napoleão, então general, dá um golpe e se instaura como poder supremo.

Estados Unidos e sua influência

Na década de 90 temos o retorno, ainda que difícil, ainda que tortuoso, da Democracia ao Haiti. O padre salesiano Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente em 1990. Depois de idas e vindas no poder, cria rupturas nos acordos comerciais com Estados Unidos. Cria uma incômoda relação com os norteamericanos, num complexo processo político que culmina com o sequestro de Aristide numa madrugada do dia 28 de Fevereiro de 2004 por militares norteamericanos que retiram o presidente democraticamente eleito do Haiti e o levam para o centro da África, um sequestro político que foi legitimado posteriormente pelas comunidades internacionais, em particular pela ONU.

Em 1805 na Constituição Haitiana no Artigo 14, lê-se: “Todos os cidadãos, daqui para frente, serão conhecidos pela denominação genérica de negros”. Uma visionária concepção que nos tempos atuais carrega a possibilidade de unificação Após a independência do Haiti, o medo das revoltas escravas se espalhou da luta fracionada de todos os minorizados – que são pela América. O haitianismo e o medo branco expressam o pavor das constante e sistematicamente excluídos do mundo elites coloniais em todos os países da América que se sustentavam pelo regime da escravidão. Todos temiam que a revolta escrava se espalhasse hegemônico branco e colonizador. Em um mundo onde dentro de suas fronteiras. Temiam que sua massa escravizada se rebelasse a maioria dos indivíduos são submetidos à e tomasse o poder, assim como ocorreu no Haiti. “Em 1814, após uma sublevação em Itapoã, Salvador — cruelmente reprimida —, comerciantes denunciavam que ‘escravos falavam abertamente de suas revoltas, precarização da vida, uni-vos. Mulheres, comentando os acontecimentos do Haiti’, e gritavam ‘Liberdade! Viva os negros e seu rei!’, ‘Morte aos brancos e aos mulatos!’. Em 1817, em Recife, diria mestiços, negros, nordestinos, indígenas, um capitão-de-fragata: ‘O exemplo da Ilha de São Domingos é tão horroroso e está ainda tão recente que ele só será bastante para aterrar os proprietários deste continente’”.(...)“Segundo alguns historiadores, o haitianismo teria sido responsável por ‘catalisar’ forças sociais dispersas pelo vasto território da transgeneros uni-nos. Uni-nos América portuguesa, criando ‘uma solução de compromisso com a Metrópole’, que terminaria com a adoção do regime monárquico em 1822.8 Idéia, cabecitas negras! mais uma vez, corroborada pelos especialistas brasileiros em escravidão, que caracterizam o final do período colonial e as primeiras décadas do Império brasileiro como um momento no qual teria prevalecido um ‘grande medo‘ por parte dos senhores de escravos, a todo o momento preocupados com a possibilidade de rebeldia de seus cativos.” Este medo branco impregnou as sociedades da América, criando sistemas complexos de controle de suas populações. A massa precisa ser controlada e impedida do conhecimento e consciência de sua condição. Educação negada. As memórias de história e cultura invisibilizadas. E sua auto-imagem pisoteada. Foram e são construídos muros visíveis e invisíveis nas cidades, impedindo o trânsito social e geográfico. E no capitalismo cognitivo, estes muros passam por construir imagens reiteradamente negativas em relação à negritude. “Escravos, malandros e ladrões não serão a cara da minha nação!”

Em 1801, Napoleão Bonaparte envia uma gigantesca frota de navios de guerra, lotados de soldados franceses, para retomar a ilha e restabelecer o sistema de escravidão. Entre vai e vem de acordos (seduções políticas), os franceses chegam a dominar o Haiti rebelde mas, em 1803, quando já estava claro para todos as intenções conservadoras dos franceses, JeanJacques Dessalines, ex-escravo natural da Guiné, vira a casaca e derrota as tropas napoleônicas “A última batalha da Revolução Haitiana, a Batalha de Vertières, ocorreu em 18 de novembro de 1803, perto de CapHaitien. Ela foi travada entre os rebeldes do Haiti liderada por Jean-Jacques Dessalines e o exército colonial francês sob liderança de Visconde de Rochambeau. Em 1 de janeiro de 1804, da cidade de Gonaïves, Dessalines declarou oficialmente a independência da antiga colônia, renomeando-a ‘Haiti’, depois do nome indígena Arawak. Essa perda maior foi um golpe decisivo para a França e seu império colonial.”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Haitiana

Presidente Aristide sequestrado pelos EUA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Haitiana#cite_note-16

Revolta Escrava

Hoje e sempre o Haiti representa simbolicamente o ‘quilombo’, a resistência e luta. O conceito de Quilombo Urbano precisa ser atualizado, precisa ser impregnado, preenchido por ações e políticas – o quilombo, como uma perspectiva de um mundo mais do nosso jeito, como uma possibilidade de uma transformação das regras hegemônicas das sociedades em que vivemos. Todo camburão é um navio negreiro e toda periferia tem em si a semente do quilombo urbano! E aqui como lá, a luta pela democracia. Não vamos obedecer!

NOVAS DIÁSPORAS Novas Diásporas – Episódio Haiti foi um projeto realizado em junho de 2016 pela Invisíveis Produções, com o apoio do Goethe Institut e do Heinrich Böll Stiftung, com foco na (i)migração Sul - Sul a partir da relação do Brasil e Haiti.

O vodu, a religião afro-americana, foi fundamental no empoderamento da população haitiana na Guerra de Independência, na revolta escrava que toma o poder. “O sinal para iniciar a revolta foi dado por Dutty Boukman, um alto sacerdote do vodu e líder dos escravos de quilombos, durante uma cerimônia religiosa em Bois Caiman, na noite de 14 de agosto de 1791. Nos dez dias seguintes, os escravos tinham assumido o controle de toda a Província do Norte, em uma revolta de escravos sem precedentes. Os brancos mantiveram o controle de apenas alguns campos fortificados isolados.” O vodu também é utilizado como símbolo de identidade nacional pelas ditaduras de Papa Doc e Baby Doc, e ao mesmo tempo, historicamente, o vodu foi demonizado, reproduzido em grande parte para representar o haitianismo, com o medo branco em relação ao Haiti em toda a América, assim como as religiões afro-brasileiras foram demonizados por não fazerem parte do escopo e não se subjugarem à mitologia e a religiosidade judaico-cristã. Hoje o vodu aparece novamente no centro das manifestações políticas. O ritual vodu iniciou em Cité Soleil a manifestação que cancelou as eleições presidenciais em janeiro de 2016. Um ritual de empoderamento, um ritual para uma população “sem medo”. O que pode uma população sem medo?

Guerra contra Napoleão

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Papa Doc Baby Doc

Nesta mesma trajetória geopolítica, foi implementada no Haiti uma ditadura violenta encabeçada pelo médico sanitarista François Duvalier apelidado de Papa Doc (papai médico), eleito em 1957 mas se tornando “presidente vitalício” em 1964. Posteriormente em 1971 seu filho Baby Doc assume o poder ditatorial já aos 19 anos. As violências desta ditadura ficaram na história dos massacres da América. Washington apoia a ditadura de 30 anos dos Duvaliers, contra a temida expansão do comunismo (Guerra Fria). A ditadura no Haiti marca uma sequência de ditaduras que foram semeadas por toda América Central e do Sul, com participação direta dos Estados Unidos. Opressão direta que durou até 1986, quando após um ano de fortes protestos populares, Baby Doc é forçado a se exilar na França. Em 1990 surge a esperança de democracia quando eleições livres levaram à presidência Jean-Bertrand Aristide. Papa Doc e Baby Doc vão trazer ironicamente na história do Haiti uma valorização da cultura africana, criando relações de proximidades culturais entre Haiti e África.

França vingativa

A França cobrou caro a humilhação imposta a Napoleão Bonaparte

“A França não lhe perdoou a insolência e a perda de receitas: 800 plantações de cana-de-açúcar destruídas, 3 mil plantações de café tomadas. O país foi alvo de um brutal bloqueio comercial. Em 1825, em paga pelo reconhecimento da independência deste pequeno país, a França exigiu uma indenização, com um plano específico de escalonamento: 150 milhões de francos-ouro, cinco vezes mais do que os lucros anuais de exportação do país. (...) O Haiti teve de pagar pela sua liberdade, com o couro e o cabelo, nos 122 anos que se seguiram. Mesmo com a redução da dívida para 90 milhões de francos, o Haiti nunca se recompôs desta dívida. Pediu empréstimos a bancos norteamericanos, alemães e franceses a juros exorbitantes. (...) Vergado ao peso da sua dívida externa, o Haiti, quando nasceu, já estava praticamente falido. Em 1900, cerca de 80% do orçamento do país continuava a ser devorado pelos pagamentos da dívida. (...) A dívida externa só foi liquidada em 1947. Nessa altura, a economia do Haiti encontrava-se irremediavelmente destruída, o território desflorestado, mergulhado na pobreza, política e economicamente instável, e presa fácil do capricho da Natureza e da depredação dos autocratas. O Governo haitiano exigiu a Paris uma compensação na ordem dos 15,6 mil milhões de euros (juros Interessante observar que o final da dívida incluídos) pela diplomacia de assalto que contribuiu do Haiti coincide com o período de início da para transformar o Haiti no país mais pobre do independência das colônias francesas na hemisfério ocidental.” África e o pagamento de suas dívidas Em 2015, na primeira visita oficial de um chefe de coloniais à França. Estado francês ao Haiti, o presidente François Ho“Neste exato momento eu estou escrevendo llande prometeu pagar uma "dívida moral" ao Haiti. este artigo [2014], 14 países africanos são http://www.irdeb.ba.gov.br/evolucaohiphop/?p=1356 http://www.voxeurop.eu/pt/content/article/174701-franca-culpas-do-colonizador obrigados pela França, através de um pacto colonial, a colocar 85% de sua reserva estrangeira no Banco Central da França sob controle do ministro francês das Finanças. Até agora,Togo e cerca de 13 outros países africanos ainda tem que pagar a dívida colonial para a França. líderes africanos que se recusam são mortos ou vítima de golpe.” (...)“Na verdade, é por conta do total controle francês sobre a maioria das finanças da Atualmente o Haiti vive uma luta pela demoÁfrica francofónica que nenhum presidente cracia. A Minustah, ao mesmo tempo que francês (de de Gaulle a Hollande) assegura as eleições democráticas, cria necessitou de autorização de seu no cerne do processo uma manipulação parlamento (Assembleia Nacional) ou dos resultados. O Core Group, o grupo liberação de orçamento para realizar de ocupação com Brasil, Canadá, Franqualquer das 52 invasões promovidas na ça, Espanha, Estados Unidos e União África nos últimos 54 anos. As necessidades Europeia é acusado de modificar os de recursos são supridas pelo dinheiro números da eleição presidencial conforme africano, depositado em seus seus interesses. estabelecimentos bancários, empregados, Acompanhamos em 2016 a um levante assim, para invadir a África e garantir popular contra essa manipulação que já ainda mais recursos agrícolas e minerais havia determinado as eleições passadas. para os franceses.” A pressão resultou no cancelamento das http://www.siliconafrica.com/france-colonial-tax/ http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2014/01/04/noticiasjornalmundo, eleições presidenciais e uma nova eleição está 3185785/franca-a-invasao-como-modelo-de-uma-politica-externa.shtml http://www.ocnus.net/artman2/publish/Editorial_10/Africans-Pay-For-Themarcada para outubro de 2016.

Dívidas das ex-colônias francesas na África

ONU + Core Group

Minustah: ocupação militar Em 2004, após a retirada forçada do presidente Aristide do poder, a ONU determina que exista um processo de estabilização política do Haiti. O Brasil, convidado a ser protagonista nesta missão de estabilização, comandando a Minustah - a ocupação militar da ONU no Haiti - e passa a atuar com o maior contingente militar. As tropas da ONU permanecem até hoje, depois de 12 anos, como o principal instrumento policial do país. Uma ocupação militar que está presente na história da América. O que é a polícia pacificadora do Rio de Janeiro senão uma ocupação militar? O que foram as ocupações das comunas de Medellín senão ocupações militares? Todas ocupações militares para controle da população americana, preta e pobre.

Bullets-The-French-Use-To-Kill-Them_printer.shtml

E estas tecnologias de controle em “combate urbano” são exportadas e compartilhadas entre os governos. Nas próprias palavras do embaixador brasileiro no Haiti, Igor Kipman, “o Haiti é um laboratório para nós, nas áreas militar e civil, de governo e de sociedade civil.” A Minustah serviu de laboratório para ocupação militar de favelas para o Brasil. Dos soldados do Exército que ocuparam e fizeram o policiamento do Complexo do Alemão, grande parte passou pela Minustah no Haiti. 700 dos cerca de 2000 soldados já estiveram apontando armas para os haitianos. Jornalistas, ativistas, pesquisadores e líderes comunitários denunciam infindáveis violências, arbitrariedades e humilhações das tropas da Minustah contra a população haitiana.

Situação eleitoral atual

“Em janeiro desse ano, o governo recuou e cancelou o 2° turno que estava previsto para o mesmo mês entre o candidato oficialista Jovenel Moise (PHTK) e o oposicionista Jude Celestin (LAPEH), diante da grande pressão popular. Em 7 de fevereiro, chegou ao final o mandato do presidente Martelly, e o país ficou mais de 20 dias sem governo até o Congresso eleger por 120 dias o presidente do senado, Jocerleme Privert. (...) O CEP (Conselho Eleitoral Provisório) cancelou a eleição presidencial de 25 de outubro de 2015 e chamou novas eleições para

9 de outubro de 2016 com os mesmo 54 candidatos que estavam inscritos. Durante esse processo, muitos candidatos fizeram alianças com outros, e somente 27 se apresentaram para a disputa. Dos 27 apenas 4 têm chances reais de vitória: Jovenel Moise (PHTK), Jude Celestin (LAPEH), Moise Jean Charles (Pitit Dessalines) e Maryse Narcisse (Fanmi Lavalas). O voto no Haiti não é obrigatório.”

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https://www.brasildefato.com.br/2016/09/16/eleicoes-haitianas-os-desafios-de-um-pais-em-crise-institucional

Textos, desenhos e diagramação: Daniel Lima Coleção Urgência Pesquisa: Daniel Lima, Felipe Teixeira e Raquel Borges Participação: Raquel Borges, Eduardo Marchesan e Élida Lima Revisão: Fernanda Lomba Fotos/Imagens: Daniel Lima, Frente 3 de Fevereiro e Política do Impossível Projeto comissionado por Otis College of Art and Design / The Getty Foundation, Goethe Institut São Paulo / Heinrich-Böll-Stiftung Sessão Corredor: Ateliê 397. Impressa em 05 de Outubro de 2016 Baixe esta e outras publicações em issuu.com/invisiveisproducoes Realização:

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