Narrativa Oral Rastros na Camera - VI Coloquio de Etnocenologia Ines Perez Wilke

June 3, 2017 | Autor: Inés Pérez-Wilke | Categoria: Imaginarios sociales, Narrativas, Oralidad, Mujeres, Etnoescenología, Video documental etnográfico
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Narrativa oral: rastros na imagem da câmera

Inés Pérez-Wilke Mestranda do PPGAC/UFBA / Professora da Universidad Bolivariana de Venezuela Universidade Bolivariana de Caracas Resumo Estudo do registro, tratamento e reelaboração audiovisual de sessões de narração oral no seio da comunidade de Alto das Pombas, na cidade de Salvador, BA, com o Grupo de Mulheres desta comunidade. Observação das potencialidades teatrais e espetaculares do encontro no seio do grupo primário que deixa na fita rastros do corpo e da voz atuando em distintos níveis. A textura, o tempo local e a simplicidade nas imagens e no som aparecem como características do material produzido, assim como a diferença e o heterogêneo – numa prática audiovisual comunitária criativa – oferecem um diálogo com o real social.

Palavras-chave: Teatro, Aspectos antropológicos, Oralidade, Mulheres, Narrativa (Retórica), Videoarte

Esta comunicação desdobra-se da pesquisa Outras Narrativas em Cena: Estudo da experiência estética e da teatralidade imanente do Grupo de Mulheres do Alto das Pombas, Salvador, Bahia. No percurso desta pesquisa, foi colocada a questão referente à elaboração audiovisual a partir do registro da narrativa oral nesse grupo de mulheres. Esse aspecto foi tomando força e colocou-se como estratégia, ferramenta e linguagem de expressão artística, guardando os rastros do percurso, assim como sendo terreno de criação. O caminho desenhado configura a passagem desde o compartilhamento, no seio do grupo primário – contos da própria vida, sua seleção e preparação e narração para a câmera – até a manipulação do material filmado, e como ocorre o trânsito entre esses momentos expressivos.

Um. A primeira performance A observação das performances dessas mulheres no momento da expressão oral aconteceu no contexto de encontros semanais com o Grupo de Mulheres do Alto das Pombas. Os encontros foram orientados à atividade lúdica, de expressão corporal e de sessões de narração oral, com o objetivo de gerar outros tipos de interações expressivas

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e afetivas entre as participantes, ao mesmo tempo em que operava como laboratório experimental para a nossa pesquisa. O grupo que se disponibilizou a participar era composto entre oito e quatorze mulheres, na faixa etária de 35 a 77 anos de idade. O registro dessas narrações deu-se: 1º- Nos encontros semanais, nos quais, depois de uma série de exercícios de relaxamento e expressão corporal, convidavam-se as participantes a narrarem histórias de sua vida. 2º- Em uma série de entrevistas pessoais, que foram realizadas nas casas das participantes, só com a presença da pesquisadora e, às vezes, de algum familiar. Esses depoimentos surgiram a partir do convite de rememoração e narração, em relação a três áreas de observação: memória, cotidiano e imaginário. O fato de pensar nesse exercício teatral quotidiano e na sua expressão no território cênico, ativado no seio do grupo primário, dá atenção ao corpo e à voz, como formas de ação para o outro, nos fluxos de movimento, na tensão visível, no olhar ora fixo, ora esquivo, e nas imagens evocadas na narração oral em que se manifestam movimentos, requebros, reorganizações do subjetivo, que são evidentes na ação performativa. A performance desenvolvida, somada às imagens evocadas, tenta trazer um mundo, torná-lo presente e, com isso, o contador ou, no nosso caso, a contadora traz outras faces de si própria, da história e da comunidade. Faces que poderiam ser desconhecidas também para ela própria, pois, nesse estado de subjetividade, além dos conteúdos em reconstrução e recriação da narração, como fios condutores, estão presentes os processos subjetivos, e o corpo em situação cênica elaborando e mostrando outros territórios semânticos: “Este discurso ao mesmo tempo se faz narrativa e, pelo som da voz e o movimento do corpo, comentário desta narrativa: narração e glosa.” (ZUNTHOR, 2005, p.148).

Dois. Falando para a câmera Paralelamente, em reuniões semanais, um pequeno grupo de jovens da comunidade iniciava-se no uso de recursos audiovisuais para realizar o registro dos

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encontros e dos momentos de narração oral. Isto permitiu que se passasse do depoimento oral e de aspectos teatrais, no momento da narração, à cena mídiática. Falar em um sentido amplo do que estamos chamando cena, faz-se necessário toda vez que os motores ou catalisadores de nosso tempo dependem cada vez menos da presença humana, inclusive para olhar e ser olhado. Desde o advento do cinema, um mundo de presença virtual começou a ser desenvolvido; explodiu com a televisão, e agora esse império parece entrar em uma paradoxal dissolução-multiplicação, ante os efeitos da internet e da redução no custo dos meios de produção de vídeo. O privilégio da visibilidade entrou nessa nova dimensão. Refiro-me, aqui, à cena como todo espaço que oferece a possibilidade de ser visto, de maneira privilegiada, ser visto mais e melhor por mais alteridades, gerando formas de interação coletiva. Paradoxalmente, o grupo de mulheres achou a câmera menos inquietante do que o público; o fato de ver sua imagem fora de si mesmas não parecia inquietá-las demasiadamente, era uma situação nova, mas a tensão cênica não as paralisou. Por se sentirem falando sempre, no seio do grupo primário, ou, em outros casos, sozinhas comigo, elas, às vezes, se permitiram mais do que de fato o desejariam fosse mostrado na tela – o que tem significado certa surpresa e estranhamento, ante a imagem própria e as próprias palavras. Se o objeto de estudo é o trânsito das potencialidades estéticas presentes no quotidiano, a situações de maior qualidade espetacular, aquilo que pode ser entendido como mediação tecnológica vem facilitar essas observações e acrescentar as possibilidades de experiência estética nelas e no espectador do vídeo. Três. HisTÓrias DeLAs A montagem da seleção das histórias filmadas implicava, em certo sentido, a renúncia à minha própria memória da experiência, para elaborar exclusivamente com o que estava, de fato, no registro filmado. O rastro do oral, as marcas da experiência já vivida e o trabalho deveriam permear o material filmado, através dessas reminiscências agora “materiais”, (digitalmente materiais), na fita de vídeo, que viriam a ser costuradas, de novo, passando por mais uma reelaboração, deixando ver o mundo visitado e, ao mesmo tempo, criando um outro que viria a surpreender as protagonistas. Nesse caminho, o primeiro passo consistiu em procurar associações e ecos entre os nove contos selecionados, na procura de fios de enlace, de novos sentidos, que foram

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aparecendo como ecos e permitiram a orientação da montagem dos materiais. Encontramos células vinculadas que tinham certa intimidade sem deixar de ser plurais. Construímos, então, três grupos de três. Em cada um dos curtas-metragens seriam trabalhadas três histórias que ecoavam, por razões diferenciadas, singularidades que sustentavam as ligações, em cada caso. O primeiro grupo foi definido pela temática. Refiro-me a uma seleção de contos de travessuras na infância. Uma reivindicação da pequena transgressão e da vitória da infância, que se compôs dos contos A casa dos marimbondos; O Ebô; O circo. No segundo grupo, foi identificado o tema em relação à pergunta que formulamos na pesquisa sobre o silêncio. Nesse caso, as narradoras disseram frases e comentários que nos permitiram ver que eram histórias guardadas. Neste grupo se encontram A sereia; O Vestido Branco; O primeiro namoro. No terceiro grupo, a relação estabeleceu-se por ter a história algum fato surpreendente. Entram, nesse grupo, um incidente no contexto cotidiano, caso de O rato; O dia que virou noite, sobre o eclipse solar do ano 1960, até a fatalidade da morte, acontecida na história que intitulamos Um tempo mais. Baseada nessas três unidades fez-se uma série de três curtas intitulados Artes de menina; Ninguém nunca soube e Quem iria dizer, sob o nome geral de HisTÓrias DeLAs. O critério era fazer uma versão sintética de cada história reconstruída, com cortes de cada vez que foi gravada em uma versão nova. O fluxo da narração construído com esses fragmentos e com as diferenças expressivas, anímicas e contextuais, de cada narração, levou à construção de uma lógica de continuidade que passava à lógica do simultâneo, a qual consistia em assistir-se, ao mesmo tempo, as diferentes versões da história para depois fazer a síntese. Olhando como espectadora os curtas que compõem a série HisTÓrias DeLAs, nos rastros que desenham aquilo que foi vivido, vejo, ao mesmo tempo, uma outra coisa. Produziu-se um deslocamento a partir do objeto vídeo, no qual, nem as convenções do produto teatral, nem as da ficção e, só parcialmente, as do vídeodocumentário são respeitadas. A oralidade, tal como se manifestou no seio do grupo primário, tem aqui um outro caráter em que as qualidades como a textura, o tempo e a simplicidade nas imagens e no som adquirem outra dimensão. A conservação de ruído na linha do som, a adaptação dos enquadramentos da câmera ao conforto da

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narradora, a fidelidade ao modo da narração da história, a não preparação das locações conferem a esses curtas qualidades particulares que tentam modificar a relação com o espectador. Essa aspereza e simplicidade formal é um desafio, no sentido de que o audiovisual tenta frequentemente fazê-las desaparecer com o objetivo de maximizar a compatibilidade global e até fazendo desaparecer a experiência de encontro com o diferente. É nesse lugar do aparentemente marginal que estão as perguntas centrais que se colocam. Na experiência diante do material dos curtas, percebo como a ambiguidade entre o documental, de registro, e a recriação própria das histórias das mulheres desenha uma fronteira que oferece ao mesmo tempo resistência e atrativo. Pensamos junto a teóricos dos estudos pós-coloniais como Spanos, que é só no reconhecimento da centralidade do quotidiano, do simples e da experiência subjetiva coletiva que se pode pensar a experiência estética e seu papel na construção social. O término do alternativo é realmente o espaço da criação, em que a sociedade é gerada no exercício da diferença, da falta de razão, do marginal. A diversidade está, como vemos, no centro da atividade de criação cultural e social e é potencializada por elaborações sensíveis fazendo emergir novos conteúdos e gerando novas articulações com velhos conteúdos. Nessa atividade aparentemente ambígua, casual e, às vezes, caótica, são geradas novas estruturas de sentido. Nesse sentido, podemos identificar, na simplicidade dessas histórias, rastros vivos da diferença, e HisTÓrias DeLAs sublinha essa diferença. A

circulação

dessas

imagens

na

internet

(ver

http://vimeo.com/user1645680/videos) mostra como o trânsito está operando, enlaces e possibilidades multiplicam a acessibilidade do material. Segundo Birardi, tanto as transformações do rol da mulher em sociedade e sua participação nas atividades cognoscitivas quanto as tecnologias vídeoeletrônicas e conectivas são fatores fundamentais para novas consistências antropológicas profundas. Nessa abordagem, percebo uma relação muito próxima com a experiência com o Grupo de Mulheres do Alto das Pombas, na particular articulação dos assuntos de gênero em uma abordagem micropolítica levada à cena possível dessa tecnologia vídeoeletrônica.

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Referências BIRARDI, Franco. Generación post-alfa: patologías e imaginarios en el semiocapitalismo. Buenos Aires: Tinta Limón, 2007. SPANOS, W. al. Estúdios postcoloniales: ensayos fundamentales. In: MEZZADRA, Sandro et al. Madrid : Traficantes de sueños, 2008. (Mapas; 19) p. 100. ZUNTHOR, Paul. Escritura e nomadismo: entrevistas e ensaios. Tradução de Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005.

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