NARRATIVA TRANSMÉDIA À PORTUGUESA: Mais coisa, menos coisa... Dog Mendonça e Pizza Boy

May 24, 2017 | Autor: Carla Simões | Categoria: Digital Cinema, Cinema, Transmedia Storytelling
Share Embed


Descrição do Produto

Mestrado em Empreendedorismo e Estudos da Cultura Narrativas Digitais Transmédia

NARRATIVA TRANSMÉDIA À PORTUGUESA: Mais coisa, menos coisa... Dog Mendonça e Pizza Boy Carla Alexandra Neves Simões [email protected] Nº68055 MEEC-EIC-A1 Docentes Professores Jorge Vieira e Luís Soares Janeiro, 2016

1

ÍNDICE

1. 2. 3. 4. 5. 6.

2

Notas prévias duma pré pós-moderna 3 Introdução 4 Hipermodernidade, Cultura da Convergência e Narrativas Transmédia 5 Dog Mendonça & Pizza Boy: um projecto narrativo quase transmédia 11 Dog Mendonça & Pizza Boy: um franchise de Transmédia Storytelling à americana 13 Notas finais: que narrativa é a Narrativa Transmédia 18 Bibliografia 19 Anexos: ANEXO I Narrativas Transmédia à Portuguesa: mais coisa menos coisa. Dog Mendonça & Pizza Boy (prezi: Link)

1. Notas prévias de uma pré pós-moderna Começo com uma confidência e uma declaração de (des)interesse. Nunca tinha ouvido falar de narrativas digitais transmédia e durante a primeira aula da u.c. várias vezes me perguntei porque razão tinha uma cadeira obrigatória de marketing. Só na segunda ou terceira sessão comecei a perceber os contornos desta forma particular de narrativa fluida, muito pós-moderna, muito líquida. Sou de outro mundo, do livro, do jornal impresso, das páginas dobradas, das narrativas coesas e monomédia, do filme em sala de cinema sem pipoca. Detesto blockbusters, detesto sequelas e prequelas, desde o ZX spectrum que não sei o que é um jogo de computador, quase não vejo televisão, não acompanho séries (talvez desde o Twin Peaks ou do Seven Feet Under), não ligo a anúncios e o branding leva-me às lágrimas. Uso o telefone para fazer e receber chamadas, também mando mensagens. Quanto à net, utiliza-a para fazer pesquisa e dar largas à curiosidade e a um exibicionismo moderado num perfil semi ficcional no facebook. Também estou na montra do Linkedin, num patético exercício de marketing pessoal, precariedade oblige. Não sou fã de coisa nenhuma e sempre olhei com profunda desconfiança, senão desprezo, para clubes de fãs e pessoas que canalizam o seu tempo e energia para historietas infanto-juvenis tipo “Twilights” ou quejandos. Por tudo isto, a perspectiva de trabalhar este material não me era fácil. Cheguei a pensar em subverter o conceito e abordar a narrativa transmédia com os meios da primeira metade do séc. XX: cinema, teatro e rádio, talvez televisão. Falhava o digital, falhava a interactividade da web 2.0, passaria ao lado do espírito do conceito. Teria trabalho e, conclui, nenhum proveito. Estaria condenada a repetir a cadeira, o que de facto veio a acontecer, mas por falta de tempo. Um ano depois, respirei fundo e atirei-me às leituras e a viagem não foi totalmente indigesta.

3

2. Introdução O objectivo que presidiu a este trabalho foi o de perceber o conceito de transmedia storytelling (TS) nas suas várias dimensões: económica, cultural e narrativa, e aplicá-lo a um projecto português. À escala nacional, sem majors e sem grandes grupos multimédia, o panorama é parco em escolhas, oferecia-se-me apenas o franchising “Morangos com Açúcar”, mas antes morrer. Optei pela análise do potencial transmédia (TS) do projecto português de BD: Dog Mendonça & Pizza Boy. Trata-se de uma BD da autoria de Filipe Melo, o multi talentoso pirata informático, pianista, realizador de cinema e televisão, que conta no currículo a realização do único filme de zombies português, o I'll See You in My Dreams (2003), e a série televisiva Um Mundo Catita, sobre o mundo bizarro de Manuel João Vieira. Esta BD é uma produção independente de três criativos: Filipe Melo no argumento e diálogos, Juan Cavia e Santiago Villa nos desenhos e cor. Foi publicada em Portugal pela editora Tinta da China e nos EUA pela Dark Horse Comics. A narrativa cobre as aventuras dum quarteto improvável na cidade de Lisboa: Dog Mendonça, um lobisomem português, detective do oculto; Eurico, o Pizza Boy; Pazuul, um demónio de seis mil anos instalado num corpo infantil e uma cabeça de Gárgula. Este projecto parece-me um excelente objecto de análise porque não é apenas uma BD, é uma BD com página web, facebook, twitter, um jogo (em construção), uma prequela (editada na Dark Horse Comics), e vários trailers de animação. Digamos que a equipa de criativos montou uma rede de plataformas e dispositivos multimédia

e domina linguagens (bd, animação, cinema)

suficientes para a criação dum projecto de narrativa transmédia. Mas, por ora, este é apenas um projecto de BD com uma campanha promocional transmédia. A partir duma breve passagem pelos conceitos de Hipermodernidade (Lipovetsky, 2010, 2011), Convergence Culture (Jenkins, 2006) e de uma panorâmica necessariamente incompleta sobre o estado da arte do conceito de Transmedia Storytelling, proponho fazer uma análise do potencial transmédia do projecto, descrevê-lo no seu desenho actual e propor uma extensão da narrativa para a estrutura já existente e para plataformas ainda não experimentadas. Este caminho será acompanhado de uma reflexão caseira sobre os méritos e deméritos da narrativa transmédia e sobre as razões pelas quais uma equipa que domina linguagens e plataformas multimédia não apresentar um projecto inequívoco de narrativa transmédia - opção ou impossibilidade?

4

3. Hipermodernidade, Cultura da Convergência e Narrativas Transmédia Gilles Lipovetzsky percorrendo o caminho trilhado pelos teóricos da Escola de Frankfurt na descrição do avanço global e totalitário da economia capitalista, caracteriza a ordem contemporânea - a da hipermodernidade e da cultura-mundo - como aquela que consegue somar ao processo de mercantilização generalizada da cultura, o da culturalização da mercadoria. A cultura compra-se e vende-se como um sabão, com os mesmos cálculos de marketing, targets e temas âncora, e o sabão, por sua vez, é um consumível carregado de valores e simbolismo, tão essencial à identidade e ao estilo de vida do cidadão contemporâneo quanto um terço ou um menorá o terão sido outrora. A cultura-mundo, conceito Lipovetskyano, é a ordem social contemporânea, que se instala entre os anos oitenta e os noventa com a intensificação à escala global das relações comerciais e da interpenetração cultural, com a circulação irrestrita de produtos, informação, imagens e pessoas. Efeito da acção combinada da desregulação do sistema capitalista a nível nacional e internacional, com a assunção de agentes com escalas de acção globais, e do desenvolvimento das tecnologias de informação, da web 1.0 e 2.0. A cultura-mundo, entre outras dimensões e nos termos expressivos do autor, caracteriza-se por uma “uma dilatação hipertrófica da esfera dos media, das indústrias culturais e do mundo web”, pelo “crescimento exponencial do universo da comunicação e da informação, do divertimento e da mediatização que difunde em todo o planeta uma onda ininterrupta de filmes, de músicas, de séries de televisão e de espectáculos desportivos” (Lipovetsky, 2011:56). A contemporaneidade ou a hipermodernidade distingue-se de outros momentos históricos, em particular daquele que o antecedeu - a modernidade - por um hipercapitalismo cultural, “um capitalismo no qual a cultura se impõe como um domínio económico essencial” (ibid.). Segundo dados reunidos pelo autor, a UNESCO estima em sete pontos percentuais do PIB mundial a contribuição das indústrias da cultura; nos países da OCDE este sector cresce entre 5 a 20% ao ano desde 2002; nos EUA representa 5,2% do PIB e o seu peso no comércio externo ultrapassa sectores como o da aeronáutica, da agricultura, do automóvel ou da defesa; na Europa representa 4,6% do emprego; e as trocas internacionais de bens culturais foram multiplicadas por cerca de 4 entre 1980 e 1998 e quase duplicaram entre 1994 e 2002 (ibid.:57). O seu peso é crescente mas o perfil das trocas indicia fortes desequilíbrios. Se o capitalismo é na sua essência um sistema de trocas desigual entre centros e periferias, em escalas nacionais e supranacionais, o capitalismo cultural reproduz o padrão. Trata-se de um mercado oligopolista, com um número reduzido de empresas a operar à escala mundial e a controlar a distribuição dos produtos culturais: o mercado mundial da música é controlado em 75 a 80% do seu volume de negócio por apenas 4 grandes grupos; 70% do total de registos legais de música são produzidos por 2 grandes grupos; em França quatro produtoras discográficas controlam 80% do mercado do disco; 15 grupos do audiovisual representam 60% do mercado mundial; sete majors americanas ocupam 5

80% dos ecrãs mundiais e o mercado mundial do livro é controlado a dois terços pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental (ibid.). A Cultura da Convergência ou a Convergence Culture de Henry Jenkins (2006), é a manifestação mediática da ordem económica e cultural do mundo contemporâneo, hipermoderno, pós-moderno, tardo-moderno, líquido ou gasoso, no jargão variado dos teóricos da modernidade. Este novo território mediático é aquele em que os novos e os velhos media se associam, onde consumidores e grupos mediáticos se intersectam, produtor e consumidor interagem de formas ainda experimentais e imprevisíveis quanto a limites e margens de liberdade. Este modelo resulta, segundo Jenkins, da força combinada da concentração e criação de monopólios mediáticos que agregam as várias indústrias da comunicação e entretenimento e de uma crescente cultura participativa, facilitada pelas novas tecnologias - pela interactividade da web 2.0 - mas alimentada em primeira mão pelos protocolos da cultura democrática. Veja-se, do lado da indústria, o exemplo da Warner Bros., que agrega a produção cinematográfica e audiovisual, a edição musical, páginas web, jogos de computador, merchandise, parques temáticos, a edição de livros, comics, jornais e revistas e de outros conglomerados, embora menos transversais, como a Disney, a 20th Century Fox ou a Sony. E do lado dos consumos participativos, a produção por clubes de fãs de narrativas alternativas e não autorizadas, a chamada fan fiction. Neste novo mundo do hipercapitalismo cultural, os grandes grupos mediáticos experimentam novos meios de circulação de conteúdos por novas plataformas para potenciar retornos, alargar mercados e reforçar o vínculo e a fidelidade das suas audiências1, enquanto estas se esforçam por tirar partido do potencial de comunicação e interactividade das novas tecnologias a favor da inteligência colectiva 2, e por colocar do seu lado esse novo instrumento de poder. Jenkins vê neste novo ambiente mediático um campo de possibilidades para uma circulação mais livre de ideias e conteúdos e acredita que as aprendizagens de interactividade e participação obtidas na esfera do entretenimento,

poderão, num futuro

próximo, ser canalizadas para o activismo cívico. Autores como Ross (2012) lançam algumas dúvidas sobre a extensão e a natureza “participativa” da nova era mediática, na medida em que os espaços, contornos e regras dessa “participação”, ou melhor dizendo dessa interactividade, são na maior parte dos casos definidos pelos produtores, que hesitam em considerá-la legítima sempre que escapa ao seu controlo e interesses (copyrights). Facto, aliás, que o próprio Jenkins reconhece, mas que acredita vir a ser redefinido. Convirá referir a propósito, numa nota pessoal, que historicamente o entretenimento não tem estado do lado da capacitação, mas do adormecimento cívico. Mesmo que 1

Veja-se a propósito a leitura de Scolari (2009) da narrativa transmedia como um novo tipo de branding - “ the fiction is the brand”, “from the product placed inside the fiction to the ficcional world becoming the product” (Scolari, 2009: 14) 2 Conceito do teórico francês da cibercomunicação Pierre Lévy, relativo às novas estruturas sociais que permitem a produção e circulacão de saber na sociedade em rede. Conceito que, em termos mais prosaicos, se refere à agregação e colaboração dos cidadãos/consumidores permitida pelas novas tecnologias e ao acréscimo de conhecimento trazido pela junção dos seus saberes e experiências.

6

o optimismo de Jenkins se revele certeiro num futuro próximo, como de certa forma os movimentos sociais do séc. XXI pareceram testemunhar a dada altura, ainda assim, as causas tenderão a ser perdidas enquanto de um lado estiver a consciência cívica, mesmo que amplificada pela rede e pela mediatização, e do outro o poder económico. A democracia participativa só será plena e verdadeira quando se alcançar um estádio razoável de democracia económica, e esse está nos antípodas do modelo descrito por Jenkins. O produto ficcional por excelência deste novo modelo de produção e consumo mediático (Convergence Culture)

é a Transmedia Storytelling (TS), conceito também ele cunhado por

Jenkins. “Transmedia storytelling (TS) refers to a new aesthetic that has emerged in response to media convergence—one that places new demands on consumers and depends on the active participation of knowledge communities. Transmedia storytelling is the art of world making. To fully experience any fictional world, consumers must assume the role of hunters and gatherers, chasing down bits of the story across media channels, comparing notes with each other via online discussion groups, and collaborating to ensure that everyone who invests time and effort will come away with a richer entertainment experience.” (Jenkins, 2006:20-21)

Recolhendo outros fragmentos do conceito, delineado e aprofundado por Jenkins desde 2003 em vários títulos e artigos, consegue compor-se um quadro bastante claro do produto. Trata-se de um processo contemporâneo de construção de narrativas desdobradas por uma séria de plataformas mediáticas, com uma dispersão de fragmentos narrativos por vários media de forma integrada e coordenada, em que cada parte concorre para uma explicação global do universo narrativo e onde cada media deve contribuir de forma singular para o desenrolar da história, de acordo com as suas potencialidades particulares. Trata-se preferencialmente da criação de universos narrativos, que sustentem várias histórias e personagens e que possam potenciar mais públicos, diferentes perfis sociais, diferentes dietas media e diferentes fontes de receita. Cada plataforma deve desenvolver a narrativa de modo autónomo e autossuficiente, ou seja, não deve ser necessário ver o filme para tirar partido do jogo, ou ler a BD para perceber o filme. Qualquer ponto é uma porta de entrada para o universo e o espectador é convidado a mergulhar nele de forma activa, explorando todas as suas pistas num exercício colectivo de decifração e eventualmente também de produção de sentido – fan fiction. (Jenkins, 2003:2011) Trata-se, portanto, de um produto com três dimensões essenciais: uma forma de produção, uma forma de consumo, e uma modalidade narrativa nova. O sentido económico, a estrutura produtiva tendencialmente concentrada, e o novo tipo de consumo interactivo, colectivo e tendencialmente participativo são temas tangencialmente já aflorados, falta analisar a estrutura narrativa e a forma de construção de sentido para tantos consumidores 7

implícitos. Scolari (2009) numa abordagem semiótica

sublinha o facto de se tratar de uma estrutura

narrativa particular que se expande quer através de diferentes linguagens (verbal, icónica, gráfica, musical) quer de diferentes media (cinema, bd, televisão, jogos, internet, etc.). O factor distintivo desta forma de produção, segundo o autor, reside no facto da narrativa não migrar em réplica ou de forma adaptada entre os media, mas de cada um deles participar com as suas valências próprias na construção de um universo narrativo. “This textual dispersion is one of the most important sources of complexity in contemporary popular culture” (Scolari, 2009: 2). A construção de um universo narrativo multimodal constitui a novidade da Transmedia Storytelling face à estratégia de marketing tradicional de replicar a mesma história em diferentes media e linguagens. Na análise específica da narrativa e da construção do leitor implícito, Scolari refere duas características essenciais da narrativa transmédia, o texto sedimentado ou multi-camada (sedimentary multilayer text) e uma estrutura narrativa multi-pista (multipath, multilane). Um mesmo texto deve ter várias camadas de sentido, convocar diferentes capacidades cognitivas de leitura e descodificação e o conjunto dos textos deve cobrir diferentes perspectivas dum mesmo acontecimento, diferentes momentos históricos dos personagens ou do universo. As narrativas transmédia visam uma multiplicidade de consumidores implícitos: desde o consumidor de texto único (single text consumer): o jogador dum jogo vídeo, ou o leitor de uma bd de um determinado franchise transmédia que só consome essa peça do puzzle; passando pelo consumidor de um único media (single media consumer): espectador exclusivo da produção televisiva dum determinado produto, ou da produção web desse mesmo produto; até ao consumidor omnívoro, transmédia tout court, que normalmente alia à sua função de consumidor multilinguagem e multimédia a função de produtor de novas extensões narrativas - fan fiction. Figura 1. Gráfico Consumidor Implícito

Single Text Consumer

Single Media Consumer Transmedia Consumer

8

Tomando como exemplo a narrativa transmédia 24, Scolari identifica 4 estratégias de expansão da narrativa matriz. A série televisiva, desdobrada em seis temporadas – 3 delas prequelas - constitui o núcleo matricial ou a macro-história. Entre temporadas foram criadas narrativas intersticiais – comics, online clips, jogos vídeo e mobisodes – micro histórias relacionadas com o eixo narrativo central mas deslocadas para outros pontos geográficos ou para personagens secundários. O mobisode 24: Conspiracy constitui exemplo de uma outra estratégia de extensão narrativa, a história paralela: uma narrativa desenvolvida no mesmo universo ficcional e que decorre ao mesmo tempo que a macro-história. As várias novelas da franchise são exemplo de histórias periféricas, narrativas satélites da macro-história que exploram o passado das personagens centrais, ou densificam personagens secundárias ou aspectos não cobertos da narrativa matriz. A produção narrativa dos fãs em blogues e wikis encerra o ciclo da expansão narrativa (Scolari, 2009: 13) Geoffrey Long (2007) acrescenta à reflexão sobre as extensões transmédia algumas ideias chave: as extensões devem respeitar o “cânone”, ou seja, respeitar o universo narrativo e acrescentálo; devem também respeitar o tom ou a marca distintiva do mundo ficcional. A quebra dessa marca estética pode provocar a ruptura na relação de fascínio e de “suspensão da descrença” que as audiências estabelecem com o produto. Long salienta a importância de se reforçarem os laços intertextuais entre as extensões, para combater a resistência das audiências a seguirem a narrativa noutros media. Aponta como solução o uso de códigos hermenêuticos: componentes narrativas que induzem movimento nas audiências a partir de questões deixadas em aberto, como, por exemplo, referências a personagens, eventos, locais ou outras situações que o consumidor não conhece e que activam automaticamente a negative capability, em termos prosaicos, o sentido de mistério e de dúvida que impele num primeiro momento para a construção mental de respostas e logo que possível para a resposta dada pelo autor. Portanto, as questões deixadas em aberto por intermédio da negative capability do consumidor funcionam como migratory cues, ou pistas migratórias (conceito de Marc Ruppel3) que dirigem a audiência por conexões intertextuais para outras extensões que por sua vez terão a sua quota de novos ganchos narrativos. A abertura do texto e o levantamento sistemático de novas questões é, segundo o autor, o princípio motriz de um franchise de sucesso, que se pode expandir durante décadas num big bang narrativo. Long alerta, no entanto, para a necessidade de fazer acompanhar a continuidade de consistência narrativa e de manter uma rede de conectividade entre as várias peças do puzzle. É, aliás, essa preocupação que o leva a estabelecer diferenças qualitativas de fundo entre a produção transmédia (TS) pensada de raiz e aquela que decorre de enxertias – hard, soft and chewy transmedia storytelling productions. (Long, 2007:163168)

3

9

(Rupell (2005), apud Long 2007:53-61)

A narrativa por si só não encerra, segundo Christy Dena (2009) todos os segredos do produto TS. A autora desenvolve uma teoria orientada para a prática que pretende captar o conjunto particular de saberes e competências que um projecto ficcional transmédia convoca. Cada medium tem associado um conjunto de valências (affordances), práticas e culturas próprias – ciclos e modos de produção, tempos de concepção

e de implementação, hierarquias, protocolos e processos

criativos – e o processo de articulação num projecto transmedia envolve negociações e concessões nem sempre fáceis de alcançar. Essa diferença de práticas e culturas justifica o aparecimento de novas profissões transdisciplinares, incluindo um novo tipo de guionismo, de direcção artística, de realização, produção e direcção de projecto. Dena assinala, ainda, que na articulação dos modos narrativo e de jogo, este último tem vindo a ganhar terreno. Enquanto modelo comunicacional e estético, o jogo tem vindo paulatinamente a desafiar o domínio do modo narrativo e a afirmar-se como modo cultural dominante. Dena refere a propósito o testemunho interessante de Terrence McSweeney, um teórico de jogos. “a new generation of directors have grown up playing video games” (McSweeney 2008). “While the filmmakers of the New Hollywood movement in the late sixties and early seventies like Steven Spielberg, Francis Ford Coppola and Martin Scorsese were inspired as much by the directors of the French New Wave as those of the classical Hollywood cinema; this new generation of film-makers are as likely to be influenced by the work of Shigeru Miyamoto or Hideo Kojima as they are by Quentin Tarantino or Steven Spielberg himself” (Dena, 2009:324).

McSweeney conclui deste cruzamento cultural que haverá cada vez mais realizadores de cinema envolvidos na produção de jogos e Dena acrescenta que esta fecundação recíproca dos modos não se irá manifestar apenas na forma de produção de realizadores mas também de novelistas, realizadores de televisão e artistas em geral, que tenderão a desenvolver projectos complexos, com rendilhados do modo narrativo e de jogo. A importância do jogo no complexo narrativo transmédia está relacionado com outros dois processos identificados por Jenkins e por Urgatemendia. Jenkins refere o duplo processo da Imersion e Extractability, onde o jogo desempenha um papel fundamental. O

consumidor imerge no universo do produto muito por conta da interactividade permitida pelos jogos e no mesmo acto o produto emerge na vida do consumidor, transfigurando-se em consumíveis vários4 e modos de vida performativos que transcendem a lógica do “produto narrativo”. Urgatemendia, por seu lado, fala directamene no processo de gamificação que consiste na

transformação dos comportamentos humanos em performances, desafios e competições. Feita a breve digressão teórica, baixemos agora a um caso prático muito pouco canónico.

4

Exemplos: a comercialização da marca fícticia da cerveja preferida duma personagem ou a criação de parques temáticos a partir dos universos ficcionais.

10

4. Dog Mendonça & Pizza Boy: um projecto narrativo quase transmédia Seguindo de perto os materiais promocionais do site, o texto do “making of”5 integrado nos volumes da trilogia e a informação colhida em entrevistas com o autor, 6 o projecto BD Dog Mendonça & Pizza Boy começou como uma colaboração entre Filipe Melo e Juan Cavia, um artista gráfico argentino. Foi concebido de início como guião cinematográfico, segundo Melo, uma espécie de tributo aos filmes dos anos oitenta como os Gremlins (Joe Dante), As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim (John Carpenter), Regresso ao Futuro (Robert Zemeckis) ou O Lobisomen Americano em Londres (John Landis), e aos jogos de computador como The Secret of Monkey Island e Leisure Suit Larry. Mas as portas das produtoras fecharam-se e o plano cinematográfico foi reconvertido em projecto BD. O primeiro livro foi feito via Skype durante um ano, com uma equipa pequena constituída por portugueses e argentinos – Juan Cavia no desenho, Santiago Villa nas cores, Martin Tejada e João Pombeiro, do “ Programa do Aleixo”, na adaptação do guião e Pedro Semedo no lettering. O livro, editado pela Tinta-da-china foi um sucesso imediato. Ganhou o prémio de melhor argumento no FIBDA -Festival International de la Bande Dessinée d’Alger, e no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, e os resultados editoriais permitiram mais tarde a edição da segunda aventura. Entretanto, pelas mãos de John Landis, realizador mítico 7 que prefacia o primeiro livro, Dog Mendonça & Pizza Boy chega às mãos de Mike Richardson, presidente da Dark Horse Comics, que contactou a equipa e lhes propôs quatro episódios originais para a colecção “Dark Horse Presents”, onde pontuam autores como Frank Miller, Dave Gibbons e Mike Mignola. Melo e Cavia com alguns dos colaboradores do primeiro livro avançam em 2005 para o segundo capítulo da trilogia. Este livro levou dois anos a ser concluído e foi prefaciado por outro ícone do cinema de terror, George A. Romero, autor do The Night of the Living Dead e uma referência absoluta para a dupla Melo, Cavia. Em 2015, é publicado o terceiro e, por ora, último tomo da saga, prefaciado, desta vez, por Tobe Hooper, autor do cortante Texas Chainsaw Massacre e de títulos como Poltergeist, Lifeforce e Invaders from Mars. Em 2016, será editada na Tinta-da -China uma prequela previamente editada na Dark Horse Comics, The Untold Tales of Dog Mendonça & Pizza Boy (one-shot), desta vez prefaciado por Lloyd Kaufman, uma referência dos filmes trash. Este ano, sairá também um jogo de oito horas de aventura gráfica em 2 D, The Interactive Adventures of Dog Mendonça and Pizzaboy, produzido pelo OKAM Studio.

5

Assinado por Ana Markl.

6

Programa “Até tenho amigos que são...”de Rodrigo Nogueira: entrevista com Filipe Melo Link:https://www.mixcloud.com/atetenhoamigosquesao/ Site BD Bandas Desenhadas, entrevista a Filipe Melo por Nuno Pereira de Sousa, publicada a 22.11.15. Link:http://bandasdesenhadas.com/?s=Filipe+Melo&submit=Procurar. Site Jornalismo Porto Net, entrevista a Filipe Melo por Daniel Cerejo, publicada 26.12.13. Link: http://jpn.up.pt/2013/12/26/filipe-melo-a-banda-desenhada-ainda-e-vista-como-uma-arte-menor/ Autor, entre outros filmes, de An American Werewolf in London e do video clip Thriler de Michael Jackson.

7

11

O projecto, tal como referido na introdução e nas linhas acima, não é apenas uma BD. Integra uma página web, uma conta no facebook e no twitter, um jogo em construção, uma prequela editada na Dark Horse e a editar brevemente na Tinta-da-China, três trailers de animação para cada um dos três títulos e um teaser de animação para a campanha de crowdfunding, que ajudou à produção do III volume. O conjunto das plataformas deste projecto pode ser visionado no Anexo I (Link)8. Presentemente o projecto consiste numa BD com uma campanha promocional transmedia, dentro de alguns meses, com a edição do jogo 9, será um pequeno projecto de narrativa transmédia, ou nem isso se considerarmos o requisito estabelecidos por Gomez (2007) de um mínimo de três plataformas de navegação narrativa. No entanto, com a estrutura montada, a rede de plataformas e o conjunto de linguagens dominadas por esta equipa de criativos (bd, animação, cinema, comunicação digital) é fácil perceber o potencial deste projecto para uma extensão transmedia muito mais ambiciosa. A “Fórmula de Midas”10 está lá, falta porventura uma indústria e um mercado11, se considerarmos apenas o universo de consumidores nacionais, e faltará eventualmente também uma vontade.

8

Link: https://prezi.com/x6x2176bthnf/transmedia-a-portuguesa-mais-coisa-menos-coisa/

9

Todo o material promocional do jogo e as entrevistas que fui acompanhando apontam para uma extensão narrativa, ou seja para novas aventuras deste grupo de super-heróis canhestros do fantástico e dosobrenatural. Conceito desenvolvido por Epstein (2006) para os filmes Blockbuster, que se aplica naturalmente à produção ficcional transmédia. Segundo o autor a “Fórmula de Midas” consiste na junção, entre outros, dos seguintes ingredientes: histórias infanto-juvenis baseadas em livros ou séries de banda desenhada em que o protagonista é uma criança ou um adolescente; a trama desenvolve-se em estilo conto de fadas ou de sobrenatural; as relações existentes são quase sempre platónicas ou estilizadas; têm potencial para adaptação a brinquedos ou videojogos; recorrem a animação, a classificação não deve ser mais restritiva do que para maiores de 13 anos e têm um final feliz. 14,5 milhões de entradas em sala de cinema em 2015 (12 milhões em 2014 e 2013) e uma quota de espectadores para filmes portugueses de 6,5% (4,80% em 2014 e 3,40% em 2013). Como termo de comparação atente-se nos seguintes dados: 209 milhões de entradas em França em 2014 e 1390 milhões nos EUA em 2011. Fontes: ICA, Newsletter de Janeiro 2016 e Anuários de 2013 e 2014 e UNESCO Institute for Statistics Feature Film Statistics Database.

10

11

12

5. Dog Mendonça & Pizza Boy: um franchise de Transmedia Storytelling à americana A partir da narrativa existente, e num breve exercício de especulação e delírio de grandeza à americana, enuncio neste capítulo alguns caminhos para a densificação do universo narrativo da trilogia. Eventualmente uma brincadeira de crianças para uma major, mas um verdadeiro tour de force no exíguo mercado português, seja o do livro 12, seja o do cinema (nota 9). Salve-se, embora, o mercado da internet13, mas esse, por enquanto, não traz retorno. Percorramos, então, sumariamente a narrativa. Os livros acompanham as aventuras dum grupo improvável de super-heróis canhestros forçados a salvar o mundo muito mais vezes do que o desejariam: Eurico, o Pizza Boy, Dog Mendonça, um lobisomem de meia idade, inspector do oculto, assistido por Pazuul, um demónio de seis mil anos escondido num corpo de criança e a Cabeça decepada de uma Gárgula. 1. As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça & Pizza Boy I Durante a Segunda Guerra Mundial todas as criaturas do sobrenatural procuraram refúgio em Lisboa. Vampiros, lobisomens, gárgulas, fantasmas e as mais bizarras criaturas vivem actualmente em paz com os humanos, embora os seus mundos não se toquem. No entanto, no mundo subterrâneo das sargetas, o pior dos monstros – um Hitler zombificado – prepara o seu regresso e as crianças de Lisboa começam a desaparecer. 2. As Extraordinárias Aventuras de Dog Mendonça & Pizza Boy II: Apocalipse Dog Mendonça, Pizza Boy, Pazuul e a Cabeça de Gárgula estão de regresso para salvar o mundo. Desta vez, enfrentam a pior catástrofe de sempre - o Apocalipse - tal como descrito no Livro das Revelações. Pragas de gafanhotos, criaturas de sete cabeças, cavaleiros malignos e dois milhões de demónios invadem Lisboa, arrastando os heróis para uma aventura de proporções bíblicas, com a ajuda inestimável da “Nossa Senhora”. 3. As Fantásticas Aventuras de Dog Mendonça & Pizza Boy III: Requiem Depois de enfrentarem nazis zombies e o Fim dos Tempos, os quatro heróis estão de volta para uma aventura mais pessoal. Um velho conhecido de Dog Mendonça - o Dr. Aranha – regressa para transformar a sua vida num inferno. Uma história comovente de amor, amizade, vingança e aranhas gigantes. Este volume, intitulado Requiem, acompanha a perda de poderes 12

Apenas 42% dos portugueses leram algum livro como uma atividade de lazer. Destes, 27% leu menos de 5 livros por ano, 9% leu entre 5 a 10 livros e 5% leu mais de 10 livros. Dados relativos a 2011.Fonte: INE, I.P, Estatísticas

da Cultura 2014, 2015, Lisboa – Portugal 13

Em Portugal, segundo dados de um inquérito realizado em 2013, 55,2% dos inquiridos é utilizador de Internet, 38,3% nunca a usaram e 6,5% deixaram de a usar em 2013. A maioria dos utilizadores recorre à Internet diariamente (72,9%), mas apenas 38,5% através de dispositivos móveis (telemóvel, smartphone ou tablet). Fonte:

Obercom (2014).

13

de Dog Mendonça, a sua humanização, velhice e morte, ou talvez não... O volume termina num tom ambíguo. “Dog” morreu ou vive retirado no campo, a salvo do longo braço do Estado e da Segurança Social?... A Ambiguidade abre a narrativa para desenvolvimentos futuros. De qualquer forma, e como refere Long, um texto conclusivo e de fecho não é um problema incontornável: “ignore the closure, stylistically ignore the closure, change the rules of the closure, or celebrate the closure” (Long, 2009:165). Quanto a personagens, temos um conjunto sumarento e com imensas pontas soltas para serem exploradas noutras narrativas. Eurico, Pizza Boy no primeiro volume, ex. Pizza Boy e empregado de call center no segundo, activista de causas ecológicas, casado e pai de filhos no terceiro. Dog Mendonça, um lobisomem centenário, que tal como todos os seres sobrenaturais conheceu a perseguição de Hitler e as terríveis experiências do Dr. Mengele para criar uma raça perfeita e um exército invencível com o DNA enriquecido do paranormal. “Dog” tornou-se um investigador do oculto e guardião de uma comunidade de monstros e criaturas refugiadas em Lisboa. Entretanto, tem um caso de amor funesto com uma sereia, morta às mãos do Dr. Aranha, o cientista louco que volta a cruzar o caminho de “Dog” no volume III. Pazuul, o assistente de Dog Mendonça é um espírito de seis mil anos, expulso do inferno, velho conhecido de “Nossa Senhora” e que habita presentemente no corpo de uma menina loura. Sobre a Gárgula pouco há a dizer, é decepada a cada volume e parece dar-se bem com isso. No elenco dos secundários, a oferta é também interessante. Vasco, o amigo geek de Eurico, viciado em comics; Vlad, o vampiro, líder das criaturas sobrenaturais refugiadas em Lisboa, que salva “Dog” na primeira aventura; Ana, a colega e futura mulher de Eurico e a “Senhora” Chen, um oráculo travesti, figura misteriosa e essencial no desenvolvimento da primeira e da terceira aventura. A narrativa, rica em intertextualidade, sobretudo em referências cinéfilas – Apocalipse Now; Matrix, Trinitá, Poltergeist; An American Wolf in London, The Night of the Living Dead, The Thing; Back to the Future, entre outros títulos e a presença como figurante no volume I duma figura tipica da noite lisboeta, o “Senhor do Adeus”, para os amigos, João Manuel Serra, também amante e crítico de cinema14 – tem também variadíssimos gaps e alguns cliffhangers inconclusos que podem funcionar como migratory cues (Rupell, 2005 apud Long, 2007), ou neste caso como migratory bridges para extensões ainda inexistentes. Assinalo quatro exemplos de possíveis extensões em formatos longos.

14

João Manuel Serra, na persona de “Senhor do Adeus”, entrou no filme I´II See You In My Dreams e na série Mundo Catita. Ambos criações de Filipe Melo que faz assim um exercício triplo de amizade, homenagem e intertextualidade entre três produções suas. ´

14

1. Os Extraterrestres. O volume I encerra com uma nova ameaça: objectos voadores não identificados sobrevoam Lisboa. Trata-se de um falso cliffhanger. A aventura acontece fora de campo. Sabemos no 2º volume que o quarteto salva a cidade, através dum recorte de jornal emoldurado. 2. As Aventuras de Dog Mendonça na Alemanha Nazi. No volume I, “Dog” explica a Eurico a história do uso de ADN das criaturas sobrenaturais nas experiências do Dr. Mengele e mais à frente na história Hitler reconhece “Dog” antes de o matar e trata-o pelo nome. 3. O Monstro de Loch Ness. A dado passo do volume I, “Dog” e Pazuul contam a Eurico que lhe “limparam o sebo” em tempos idos. 4. A História Por Contar de Pazuul e de “Nossa Senhora”. Durante a saga do Apocalipse, “Nossa Senhora” faz uma nova aparição em Cova de Iria e revela ter conhecido Pazuul há dois mil anos. Pazuul não comenta! Estas quatro pistas poderiam ser exploradas em longas-metragens de animação. A prova de knowhow, e do poder de sedução das personagens em movimento é feita nos 4 teasers que acompanham o lançamento dos livros e a campanha de crowdfunding e seriam seguramente um bom cartão-de-visita numa eventual candidatura ao concurso de longas metragens de animação do ICA - Instituto do Cinema e Audiovisual. Em termos narrativos e segundo a classificação de Scolari, a primeira proposta é uma prequela da macro-história e poderia ser considerada uma parte integrante do núcleo matriz, porque embora num medium diferente, integra os quatro personagens centrais no arco temporal definido pelas três histórias. As outras três propostas configuram histórias periféricas, narrativas satélite que esclarecem e densificam episódios passados dos personagens. O facto desta aventura ter começado como projecto cinematográfico, a experiência de Melo e de outros elementos da equipa nas lides da realização e do cinema fantástico, permite que consideremos também neste exercício fantasista (liberto de constrangimento financeiros e técnicos), uma extensão desse género: uma longa-metragem dedicada p.ex . à

Fantástica Ressurreição de

Dog Mendonça. O passado das quatro personagens centrais, a exploração narrativa das personagens secundárias, o intervalo temporal entre os três episódios da BD, ou, ainda, qualquer episódio desenvolvido no universo ficcional da Lisboa mutante e fantástica de Melo e Cavia, são um excelente material para pequenas narrativas periféricas e/ou intersticiais em webisodes ou movisodes de animação. Esta produção não paga deveria funcionar como aperitivo antes do lançamento das longas-metragens de animação e do filme. Por último, neste projecto a interactividade poderia ser servida, para além do jogo, através de contas de facebook ou twitter abertas em nome de cada uma das personagens centrais e onde se 15

poderia desafiar o público a entabular diálogos ficcionais ou a apontar soluções para novos casos do escritório “Dog Mendonça, Investigador do Oculto”. No site oficial, o consumidor poderia ser convocado para individual ou colectivamente produzir um guião e/ou concept drawings para web e movisodes. Figura 2. Representação gráfica do desenho actual do projecto Dog Mendonça & Pizza Boy. ________________________________________________________________________________

BD I

BD II

BD III

BD Prequela JO GO

Função: Marketing

Lançamento em 2016 Lançamento em 2016

16

Facebook Twiter e Página Web

Figura 2. Representação gráfica duma possível extensão narrativa transmédia. _____________________________________________________________________________

Filme de Animação “Dog na Alemanha Nazi”

Filme de Animação “Extraterrestres”

Webisodes

BD I

BD II

Webisodes

Filme “Ressureição”

BD III Webisodes

Filme de Animação “Pazuul e a amiga...”

JO GO

Webisodes Facebook Twiter e Página Web

Filme de Animação “Loch Ness” F

Função: Marketing & interactividade

Webisodes BD Prequela

17

Interactividade

6. Notas finais: que narrativa é a Narrativa Transmédia A montagem financeira do projecto num contexto económico determinado, ou o arranjo óptimo das peças de acordo com as valências de cada linguagem, medium ou plataforma ultrapassa largamente as competências da autora e a ambição deste trabalho. O objectivo resume-se a uma aproximação ao conceito de narrativa transmédia, a aplicação tangencial do conceito a um caso prático e uma necessária reflexão sobre as condições em que pode ser aplicado, mas também o interesse de o aplicar para além de uma mera racionalidade económica. Como refere Jenkins (2006), o Transmedia Storytelling é um produto da Convergence Culture, da convergência corporativa e da concentração mediática. É claro que a criação de universos narrativos vive muito da pluralidade dos meios convocados e do poder de sedução de media extremamente caros como o cinema, a televisão e os jogos. Os projectos independentes, que vivem à margem da grande indústria, não estão obviamente arredados deste tipo de produção narrativa, mas a capacidade de criar ambientes cada vez mais expandidos, densos e imersivos fica seguramente comprometida. É exactamente esse o caso do projecto Dog Mendonça & Pizza Boy. Falta saber se reunidas as condições financeiras e de mercado lhes interessaria esticar a história. A narrativa transmédia é o equivalente multimédia e multi-camada da telenovela, como esta foi a versão televisiva do folhetim. É um produto tão legítimo e capaz de boas e más prestações como qualquer outro, mas particularmente adaptado à lógica do entretenimento. Os exemplos mais conseguidos de narrativa transmédia: Matrix; Harry Potter; Star Wars; Lord of the Rings; Pirates of the Caribbean; Indiana Jones, obedecem todos invariavelmente ao modelo formatado da narrativa blockbuster, que Epstein (2006) designou como “Fórmula de Midas”: histórias infanto-juvenis desenvolvidas num ambiente de conto de fadas ou de mundo fantástico e sobrenatural, em que as relações são normalmente platónicas ou estilizadas e que terminam sempre, ou quase sempre, bem. A estrutura dessa narrativa é também, quase sempre, devedora do “monomito” milenar da gesta do herói, que une Ulisses a Indiana Jones. Por muito interessante que possa ser para muitos criativos (e independentemente de cálculo económico), o desenvolvimento de incontáveis variações sobre o tema, para a frente, para trás, para os lados, para cima e para baixo, imagino que para muitos outros deva ser um pesadelo. Sobretudo se estivermos a falar de autores independentes, que alimentam projectos por carolice e a expensas próprias, mais motivados pelo desafio de uma história bem contada do que por estende-la ad nauseam. “Mesmo que apareçam oportunidades de a continuar, eu acho que não vai ser boa ideia, porque isso é alterar uma coisa que acho que está boa e poderia sempre piorar. Prefiro arriscar em coisas novas do que numa que já está acabada”. Filipe Melo15

15Entrevista

publicada a 26.12.13 no site Jornalismo Porto Net. Disponivel em: http://jpn.up.pt/2013/12/26/filipe-meloa-banda-desenhada-ainda-e-vista-como-uma-arte-menor/

18

BIBLIOGRAFIA



Dena, Christy. (2009) Transmedia Practice:Theorising the Practice of Expressing a Fictional World across Distinct Media and Environments. Doctor of Philosophy (PhD) Thesis, University of Sydney, Australia. [Online]Acedido a 8 de Janeiro de 2016 em: http://ciret-transdisciplinarity.org/biblio/biblio_pdf/Christy_DeanTransm.pdf



Epstein, E. J. (2006). The Big Picture: Money And Power in Hollywood. New York: Random House.



Gomez, Jeff (2007). 8 Defining Characteristics of Transmedia Production. [Online]. Acedido a 18 de Janeiro 2016 em: http://pganmc.blogspot.pt/2007/10/pga-member-jeff-gomez-left-assembled.html



Jenkins, Henry (2003), “Moving characters from books to films to video games can make them stronger and more compelling”, MIT Technology Review. Acedido a 10 de Janeiro 2016 em http://www.technologyreview.com/news/401760/transmedia-storytelling/



Jenkins, Henry (2006 a), Convergence Culture, Where Old And New Media Collide, New York University Press, New York and London.



Jenkins, Henry (2006b), Welcome to Convergence Culture, The Official Weblog of Henry Jenkins. Acedido a 10 de Janeiro 2016 em: http://henryjenkins.org/2006/06/welcome_to_convergence_culture.html



Jenkins, Henry (2007), “Transmedia Storytelling 101”, The Official Weblog of HenryJenkins. Acedido a 11 de Janeiro 2016 em:http://henryjenkins.org/2007/03/transmedia_storytelling_101.htm



Jenkins, Henry (2009), Confronting the Challenges of Participatory Culture, Massachusetts Institute of Technology, London. Acedido a 11 de Janeiro de 2016 em: https://mitpress.mit.edu/sites/default/files/titles/free_download/9780262513623_Confronting_the_C hallenges.pdf



Jenkins, Henry (2011), “Transmedia 202: Further Reflections”, The Official Weblog of Henry Jenkins. Acedido a 14 de Janeiro de 2016 em:

http://henryjenkins.org/2011/08/defining_transmedia_further_re.html •

Lipovetsky, G. & Juvin, H. (2011). O Ocidente Mundializado: controvérsia sobre a cultura planetária. Lisboa: Edições 70.



Lipovetsky, G. & Serroy, J. (2010). A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Lisboa: Edições 70.



Long, Geoffrey A (2007). “Transmedia Storytelling Business, Aesthetics and Production at the Jim Henson Company”, Master Thesis, Massachusetts Institute of Technology. Acedido a 14 de Janeiro de 2016 em:http://dspace.mit.edu/handle/1721.1/39152#files-area



Melo, Filipe; Juan Cavia; Santiago Villa.(2010). As Incríveis Aventuras de Dog Mendonça e Pizza Boy, Edições Tinta da China lda, Lisboa.



19

Melo, Filipe; Juan Cavia; Santiago Villa (2011). As Extraordinárias Aventuras de Dog Mendonça e

Pizza Boy: Apocalipse, Edições Tinta da China lda, Lisboa. •

Melo, Filipe; Juan Cavia; Santiago Villa(2013). As Fantásticas Aventuras de DogMendonça e Pizza Boy: Requiem, EdiçõesTinta da China lda, Lisboa.



Roos, Cecília (2012). Producing Transmedia Stories – A study of producers,interactivity and prosumption, Master Thesis, Malmö University. Acedido a 8 de Janeiro de 2016 em: http://dspace.mah.se/dspace/bitstream/handle/2043/13930/Examensarbete_Cecilia_Roos_2.pdf? sequence=2&isAllowed=y



Scolari, Carlos Alberto (2009). “Transmedia Storytelling: Implicit Consumers, Narrative Worlds, and Branding in Contemporary Media Production”. University of Southern California: Internacional Journal of Communication. Acedido a 4 de Janeiro de 2016 em: http://ijoc.org/index.php/ijoc/article/view/477



Ugartemendía, José Ignácio Galán (2012). “La Transmedialidad – Una nueva gramática para el sujeto complejo”. Portal Comunicación.com [Online]. Acedido a 18 de Janeiro de 2016 em: http://www.portalcomunicacion.com/lecciones_det.asp?id=71

FONTES



INE, I.P, Estatísticas da Cultura 2012, 2013, Lisboa – Portugal. [Online]. Acedido a 17 de Janeiro de 2016 em:https://www.ine.pt/xportal/xmain? xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=12365765&

PUBLICACOEStema=55554&PUBLICACOESmodo=2 •

ICA, I P – Instituto do Cinema e Audiovisual. [Online] Acedido a 29 de Dezembro de 2015 em: http://www.ica- ip.pt/pt/



Obercom (2014). A Sociedade em Rede em Portugal 2014 – A Internet em Portugal. Acedido a 3 de Janeiro de 2016:http://obercom.pt/client/?newsId=548&fileName=internet_portugal_2014.pdf



UNESCO Institute for Statistics (2012) Feature Film Statistics Database.[Online] Acedido a 20 de Dezembro de 2015 em: http://data.uis.unesco.org/

20

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.