Natureza bipolar: um processo circulatório

July 25, 2017 | Autor: Juliana Alvarenga | Categoria: Video, Video Art, Poiesis, Substância
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NATUREZA BIPOLAR: um processo circulatório

Juliana Alvarenga

Resumo: No vídeo-ensaio Natureza bipolar, de Juliana Alvarenga, formas possíveis de se abordar a natureza a partir do lítio são relacionadas com a noção de substância de Aristóteles, de mídias locativas e do pensamento do geógrafo Rob Bartram.

Natureza bipolaré uma pesquisa em vídeo sobre uma substância, o lítio, realizada em sua maior reserva natural do planeta (Salaar de Uyuni, Bolívia). Esse trabalho estuda a alternativa de uma noção expandida de natureza, na qual se imprime a relação do corpo humano com a vida, produzindo ideias e imagens que configuram um conhecimento. Natureza bipolar pode ser entendido como um processo circulatório.










Figura 1 – Paisagem duplicada do Salaar de Uyuni, Bolívia. Frame do vídeo Natureza bipolar,de Juliana Alvarenga.


A evocação da natureza surge no vídeo Natureza bipolar como metáfora de uma lei postulada pelo químico suíço Paracelsus no séc. XVI, também considerado o precursor da farmácia moderna. Como farmacêutica homeopata, estudei a lei das signaturas proposta por ele, na qual as plantas e os minerais guardam em suas formas ou em suas estruturas a semelhança com o órgão do corpo humano em que atuam farmacologicamente. O lítio é uma substância usada como medicamento na Síndrome Bipolar, doença em que o corpo humano alterna entre dois estados psíquicos. Esta dualidade é incorporada na paisagem branca do Salaar e em sua camada superficial de água de onde se extrai o lítio. Como na lei de Paracelsus, a ação do lítio na bipolaridade do corpo humano está também na aparência formal da imagem refletida e duplicada do deserto de sal. Natureza bipolar é uma coexistência de polos e estados opostos que está sempre em movimento, um em direção ao outro. Na captura destas imagens, meu corpo duplicado, grávido de cinco meses e já alterado pela altitude elevada do Salaar, pôde se inteirar com o lítio do deserto em um mesmo momento em que eu tomava Lithium CH30, liberado por meu médico homeopata para este experimento.


Figura 2 – Bússola desorientada no Salaar de Uyuni, Bolívia. Frame do vídeo Natureza bipolar,de Juliana Alvarenga.

Podemos relacionar nesse trabalho o uso da bússola com o uso do GPS nas denominadas Mídias Locativas e com o conceito de realidade aumentada, ao identificar as várias possíveis camadas (layers) que caracterizam um local em uma narrativa locativa. Segundo o artista Jeremy Hight, esta narrativa torna "[…] possível não apenas expandir as localidades físicas com informação digital, mas permitir que os lugares sejam 'lidos'." (HIGHT, 2006, tradução nossa). A bússola lê o lítio do deserto boliviano como uma desorientação dos polos, ele faz com que o aparelho perca seu norte. O lítio faz com que não exista prioridade entre quaisquer dos polos na Síndrome Bipolar tanto no corpo humano quanto na natureza, quando determina a não indicação de preferência por um dos polos da Terra como direção. Segundo o geógrafo Rob Bartram, a natureza "[…] não é mais um ponto no frame polarizado natureza-sociedade, mas um processo circulatório de intensidade e sentimentos que são provisórios e emergentes em suas configurações de significado." (BARTRAM, 2005, tradução nossa). Esse processo circulatório perpassa pelo cerne dos binômios, deixando-os manifestar ambos os polos. Mesmo quando um dos polos da imagem parece estar aprisionado em uma gaiola por onde a câmera faz sua captura, suas linhas vazadas se misturam com a própria paisagem. Neste sentido, Bartram se relaciona com a lei das signaturas de Paracelso, por suas abordagens nas quais natureza e homem estão interligados.


Figura 3 – Paisagem do Salaar de Uyuni através da gaiola. Frame do vídeo Natureza bipolar,de Juliana Alvarenga.

Como pesquisadora de duas áreas de conhecimento bastante distintas, encontrei em Aristóteles conceitos e estudos sobre a substância, que na antiguidade erambase teórica tanto para as belas-artes quanto para a medicina. (Estudos sobre a substância foram aprofundados em minha dissertação de mestrado, disponível em: http://ria.ua.pt/handle/10773/11371). A teoria da substância em Aristóteles também pode ser entendida na perspectiva de um processo circulatório, na medida em que sua noção compreende um caminho de tornar-se o que realmente é. Substância vem da palavra grega ousia, que também pode ser traduzida como essência. Para Aristóteles, a relação forma e matéria também é dinâmica, sendo a forma determinante da matéria, existindo mesmo sem a matéria. No processo aristotélico da substância não se pode determinar nenhuma prioridade entre os polos, sendo ambos necessários para o ser (a palavra substância é o infinitivo do verbo ser).

Podemos pensar a paisagem como metáfora da ligação do homem com a natureza e suas implicações na vida e na cultura – uma ligação orgânica através da substância lítio que altera nosso modo de estar e perceber. Como seres orgânicos que somos, nós e o planeta estamos sempre em transformação de estados, sendo a natureza aqui compreendida no seu duplo sentido, humana e geográfica "continuamente configurada através da produção de imagens e ideias." (BARTRAM, 2005, tradução nossa). As metáforas são, de acordo com o neurocientista IainMcGilchrist, "o único caminho para entender qualquer coisa" (McGILCHRIST, 2010). No vídeo ensaio Natureza bipolar, as metáforas são um procedimento visual artístico para potencializar a noção de que algo substancialmente permanece o mesmo até quando se alteram forma ou matéria. Segundo o processo circulatório da substância aristotélica, não importa em que ponto dessa dinâmica se está, são necessários ambos os lados para tornar-se o que é, passar do seu estado latente para o potente.

O vídeo-ensaio Natureza bipolar de Juliana Alvarenga está disponível no link: https://vimeo.com/25725886 .


Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. De Anima. Trad. Gomes dos Reis, Maria Cecília. São Paulo: Editora 34, 2012.
BARTRAM, Rob. Nature, art and indifference.Cultural Geographies, vol.12, nº1, p.1-17, jan. 2005.
HIGHT, Jeremy. Views from above: locative narrative and the landscapes .Leonardo Electronic Almanac, vol. 14, nº7/8, p.1-9, out. 2006.
MLINKO, Ange; McGILCHRIST, Iain. This Is Your Brain On Poetry. Poetry, out. 2010. Disponível em: http://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/article/240250 . Acesso em: 20 mar. 2011.


Videoartista e artista visual, mestre em Criação Artística Contemporânea pela Universidade de Aveiro, Portugal. Trabalhos exibidos em 26 países. Pesquisa processos e métodos na substância e poìesis.
"[…] it is now possible to not only augment physical locations with digital information, but to allow the places to be "read".
"Nature […] is not much a fixed point in the polarized nature-society frame, but a circulatory process of intensity and affects that are provisional and emergent in their configuration of meaning."
Nature […] as something that we continually configure through the production of images and ideas.




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