Natureza do direito comparado

June 1, 2017 | Autor: J. Pinheiro Faro ... | Categoria: Comparative Law, Legal Theory, Teoria do Direito, Derecho comparado, Teoría General Del Derecho
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16/07/2016

Natureza jurídica do Direito Comparado ­ Jus Navigandi

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Natureza do Direito Comparado Natureza do Direito Comparado Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

Publicado em 02/2013. Elaborado em 12/2012.

O que a doutrina chama de "direito comparado" é, na verdade, um estudo comparativo entre direitos, ou, com uma maior exatidão, um método de interpretação comparada. Resumo: Neste pequeno ensaio pretende­se retomar o debate sobre a natureza do chamado “direito” comparado, demonstrando­se que,  por  lhe  faltar  duas  das  principais  características  que  permitiram  chamá­lo  direito  –  tanto  a  coercibilidade  quanto  a obrigatoriedade – é possível chamar­lhe, na melhor das hipóteses, de estudo comparativo de direitos. Palavras­chave: Direito. Direito comparado. Estudo comparativo de direitos. Sumário: 1. Introdução – 2. Direito: coercibilidade e obrigatoriedade – 3. O sentido de direito comparado – 4. Método comparado de interpretação – 5. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO A discussão sobre a natureza do direito comparado é antiga. Este breve ensaio trabalha com a recuperação dessa discussão. Não uma recuperação histórica, pois esgotaria o interesse do leitor antes mesmo de esgotar as breves palavras aqui expostas. Logo, recupera­se a distinção, a fim de se defender uma tese: a de que direito comparado não é direito, e sim um método de interpretação comparada. As razões que conduzem a essa afirmação são aqui expostas com brevidade, confirmando, inclusive com argumentos de defensores do direito comparado enquanto direito, a natureza de método interpretativo.

2. DIREITO: COERCIBILIDADE E OBRIGATORIEDADE Primeiro questionamento que surge ao se questionar a natureza do “direito” comparado é o do significado de direito. Direito é há muito tempo um termo impreciso em todos os sentidos, tanto que Roscoe Pound já havia observado que o problema de dizer o que é o direito existe desde pelo menos o século sexto antes de Cristo[1]. Não que não tenham sido formuladas respostas, mas nenhuma delas serviu  para  resolver  o  problema  de  uma  vez  por  todas.  A  imprecisão  do  termo  é  notória,  podendo  ele  tanto  denotativa  quanto conotativamente[2]  se  referir  a  variadas  coisas  que  tanto  podem  ser  entre  si  incompatíveis  quanto  compatíveis,  acarretando,  pois, confusão na mente do estudioso. Dentre os possíveis significados do termo, dois despontam. O primeiro é direito positivo, que transfere a ideia de um conjunto de normas jurídicas válidas num momento e local. O segundo é ciência do direito, cujo objeto é o ordenamento jurídico – conjunto de enunciados normativos. A partir desses dois significados, pode­se formular o seguinte: o direito enquanto ciência tem por objeto o direito positivo, representado pela ordem jurídica formada pelo conjunto de enunciados prescritivos dos quais se extraem as normas jurídicas. Assim escreve a doutrina: “(...) direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”, enquanto que “à Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo. [3] Assim,  pode­se  afirmar  que  o  direito  positivo  é  composto  por  um  conjunto  de  normas  jurídicas,  que  são,  genericamente,  regras prescritivas do dever­ser. Isto é, trata­se a norma jurídica como regra de comportamento elaborada por um agente competente e que enseja  a  possibilidade  de  aplicação  de  uma  sanção  institucionalizada  –  cuja  possível  aplicação  contará  com  a  atividade  estatal judiciária. As normas jurídicas se diferenciam das demais normas que regram o comportamento humano por uma série de fatores, dos quais o mais essencial talvez seja a coercibilidade, de modo que tudo aquilo a que se chama direito pressupõe­se uma ordem de conduta humana que deverá ser observada sob a possibilidade de haver uma coação institucionalizada, isto é, uma sanção direcionada para a observância na norma estabelecida. [4] Daí Kelsen afirmar que as sanções do direito têm natureza de atos de coação, pois “reagem contra as situações consideradas indesejáveis”, [5] podendo vir a ser executadas ou aplicadas através de força física. [6] Contudo, não basta apenas o elemento coerção, porque as mais diversas ordens jurídicas apresentam esse elemento, mas nem todas são obrigatórias em determinados espaço e tempo, isto é, o sistema legal norueguês contém sanções, que são aplicáveis apenas sob o âmbito  territorial  da  Noruega,  não  tendo  aplicação  obrigatória  no  território  chileno,  por  exemplo.  Neste  sentido,  deve, necessariamente, existir o elemento obrigatoriedade.

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Natureza jurídica do Direito Comparado ­ Jus Navigandi Tal elemento caracteriza o direito como uma imposição do Estado aos indivíduos, considerados isolada ou coletivamente, que devem obediência  às  suas  normas,  não  podendo  se  escusar  de  seu  cumprimento  por  não  as  conhecer.  Neste  passo,  para  que  o  direito comparado fosse visto realmente como direito seria preciso que sua norma vinculasse não apenas no âmbito do território em que foi criada,  mas  também  fora  desses  limites.  Caso  isso  acontecesse  seria  criado  um  grave  problema  quanto  à  soberania  dos  Estados. Vertendo em exemplo: a sociedade chilena não deve obediência ao ordenamento norueguês, e sim ao chileno, de modo que não cumprida uma norma legal do sistema jurídico daquele país escandinavo, não será aplicada uma sanção ao indivíduo chileno, e vice­ versa. Mas não só aos indivíduos, o sistema legal de um país também deve ser obrigatório para – ou, por outra, deve ser obedecido pelo – Estado, que deve não apenas fazer cumprir suas normas, como também sofrer as sanções caso os seus agentes descumpram tais normas. Portanto, das variadas acepções que a palavra direito pode assumir, duas despontam, isto é, direito pode se referir a direito positivo, que é o conjunto de enunciados prescritivos que, interpretados, originam normas jurídicas, e pode se referir à ciência do direito, que se ocupa do estudo e da descrição do direito positivo. Dentre as características do direito que se poderia apresentar, optou­se por destacar  duas  de  suma  importância  para  a  devida  caracterização  do  direito:  coercibilidade  e  obrigatoriedade.  Ante  isso,  cumpre verificar se o denominado direito comparado se qualifica ou não como direito.

3. O SENTIDO DE DIREITO COMPARADO Direito comparado é expressão que resulta, claramente, da junção de dois termos: direito, que, no caso, se refere a sistema jurídico, e comparado, que tem a ver com a comparação, na busca por semelhanças e diferenças entre objetos comuns pesquisados, sejam eles um sistema jurídico sejam eles um instituto jurídico. Neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida escreve que, a princípio, “o direito comparado  (ou  estudo  comparativo  de  direitos)  é  a  disciplina  jurídica  que  tem  por  objecto  estabelecer  sistematicamente semelhanças  e  diferenças  entre  ordens  jurídicas”. [7]  Decerto,  pela  hipótese  de  trabalho  já  apresentada,  não  se  diz,  de  maneira alguma, que não exista nem que nunca tenha existido o que se nomeia comumente direito comparado, a fim de evitar qualquer mal­ entendido, repetem­se as palavras de Pizzorusso: “[...] ainda que a comparação entre os diferentes ordenamentos jurídicos tenha sido praticada pelos juristas desde a Antiguidade, a reflexão sistemática sobre ela e a tentativa de individualizar um campo específico de estudos e de ação prática próprio do “direito comparado” é relativamente recente e seu início pode­se remontar aos últimos anos do século XIX[8]”. O que se questiona, como já acentuado, é sobre sua natureza. Aliás, a questão não é nova entre os acadêmicos preocupados com o estudo do direito comparado, como se pode depreender da observação feita há mais de meio século por René David, de que “não há um acordo quanto ao conceito, à definição, o método e a função do Direito Comparado”.  [9] Com mais ênfase vem crítica feita por Felipe  de  Solá  Cañizares:  “Direito  Comparado  é  a  expressão  consagrada  pelo  uso,  especialmente  nos  países  latinos,  nos  de  língua inglesa e também nos países escandinavos e eslavos. E, todavia, os autores contemporâneos coincidem ao considerar esta expressão inadequada,  podendo  levar  a  confusões,  porque  pode  fazer  crer  que  se  trata  de  um  ramo  do  direito  que  trata  de  uma  matéria determinada, como é o sentido das expressões direito civil, direito penal, direito comercial etc [10]”. Daí  que,  ante  essa  inadequação  da  expressão,  muitos  autores  sugerem[11]  e  outros  trazem  como  sinonímia, [12]  respectivamente, expressões tais como comparação de direitos, estudo comparativo de direitos. Expressões estas que a sua vez permitem melhor que a denominação de direito comparado verificar que este campo de estudo diz respeito à comparação de sistemas jurídicos distintos e/ou de institutos jurídicos pertencentes a sistemas jurídicos diferentes, a fim de se checar se há semelhanças e distinções entre os objetos comparados,  e,  quando  apresentada  a  conclusão  sobre  esse  estudo,  preencher  pelo  menos  alguma  das  funções  que  esse  estudo comparativo  possui.  Dentre  tais  funções  é  possível  citar:  (a)  satisfazer  exigências  de  ordem  cultural;  (b)  interpretar  e  avaliar  as instituições jurídicas do sistema legal nacional; (c) unificação legislativa; (d) classificação e agrupamento de ordens jurídicas; (e) conhecimento do direito estrangeiro; (f) estudo da história e da filosofia do direito; (g) preencher eventuais lacunas normativas; (h) apresentar outras possíveis interpretações para as normas. [13] Dizer  que  o  direito  comparado  consiste  no  estudo  comparativo  de  direitos  buscando  as  semelhanças  e  distinções  a  níveis  de macrocomparação (quando são comparados sistemas jurídicos diferentes) e/ou de microcomparação (quando comparados institutos jurídicos de sistemas jurídicos diferentes), já demonstra que a caracterização como direito não lhe é devida, pois se trata muito mais de um método de estudo que visa comparar direitos que propriamente um direito, com todas as características que lhe são inerentes, dentre elas a coercitividade e a obrigatoriedade.

4. MÉTODO COMPARADO DE INTERPRETAÇÃO É preciso, nesse sentido, tomar cuidado para não se confundir o método com seu objeto, é de dizer: o método de estudo comparativo de direitos com o direito estudado. O exemplo é de grande valia aqui: para um acadêmico português experto em direito português o ato de estudar o direito brasileiro ou um de seus institutos em comparação com o seu direito ou um de seus institutos consiste naquilo a que convencionalmente se chama de “direito” comparado, ou, mais propriamente, de estudo comparativo de direitos, em que o objeto é o direito estrangeiro (brasileiro) em comparação com o direito nacional (português). No mesmo sentido, embora defendendo tese diversa da aqui acolhida, pode­se citar a lição de Caio Mário da Silva Pereira: “Logo, de plano, se observa que a invocação do Direito estrangeiro, a investigação da jurisprudência estrangeira, a busca da lei estrangeira e o subsídio  da  doutrina  estrangeira,  todos  indispensáveis  para  o  desenvolvimento  de  qualquer  tema,  não  podem  ter  a  pretensão  de transformar este, ou seu estudo, em obra de Direito comparado[14]”. Semelhante  entendimento  pode  ser  encontrado  em  Héctor  Fix­Zamudio,  que,  apesar  de  também  defender  a  existência  de  um “direito” comparado, fornece argumentos para caracterizá­lo mais como método comparado de interpretação que como direito: “Em um enfoque superficial do ‘direito comparado’ nos atrevemos a afirmar que seu conteúdo pode se dividir em três setores essenciais, de acordo com o seu desenvolvimento atual:

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Natureza jurídica do Direito Comparado ­ Jus Navigandi

“a)  Exposição  do  direito  estrangeiro,  a  qual,  como  tem  assinalado certeiramente  a  doutrina,  constitui  o  antecedente  necessário  para  a comparação  jurídica,  que  não  pode  se  realizar  sem  a  análise  prévia  dos ordenamentos estrangeiros com os que se pretende efetuar o confronto; “b) Análise dos problemas metodológicos da comparação jurídica, que em nossa opinião pode ser considerado como o objeto próprio da ciência do direito comparado em sentido estrito; “c) Estudo das disciplinas comparativas de caráter específico, tais como o direito  privado  comparado,  o  direito  constitucional  comparado,  etc., ainda  abarcando  este  setor  também  a  comparação  de  instituições jurídicas particulares e não na forma exclusiva de disciplina ou ramos do direito. Não  pretendemos  sustentar  que  se  esgote  completamente  a  matéria  do ‘direito  comparado’  com  estes  três  setores,  mas  é  possível  afirmar  que, devido à evolução dos estudos jurídicos comparativos, os citados setores constituem  o  conteúdo  fundamental,  e,  portanto,  o  objeto  das  revistas especializadas em ‘direito comparado’[15]”. Verifica­se,  portanto,  que  mesmo  os  argumentos  dos  defensores  do  estudo  comparado  como  direito,  justificam  muito  mais  o entendimento dessa matéria como método de interpretação comparada do que enquanto “direito” comparado. A característica que fundamenta isso é de que há uma exposição do direito estrangeiro para que ele possa ser comparado juridicamente com o direito nacional. Se a questão é comparar institutos e normas, então não há direito, e sim mero método comparativo, já que a finalidade da comparação  é  englobar,  nos  vários  estudos  de  “direito”  comparado,  tanto  a  atividade  comparativa  quanto  explicativa  do  que  é semelhante ou distinto, ou convergente ou divergente, não bastando dizer que certo instituto jurídico existente num ordenamento também  existe  em  outro,  de  maneira  que  para  que  a  comparação  “seja  possível  e  eficiente  devem  ser  idênticos  ou  de  natureza semelhante os elementos determinantes isolados”. [16] Portanto, por tudo que se está a dizer e demonstrar há que enfatizar, corroborando tese já aqui indicada, com a observação curta e objetiva de Edgar Carlos de Amorim de que “não há, evidentemente, um Direito Comparado, e sim, um método comparativo”, ao que este autor completa: “o chamado Direito Comparado nada mais é do que um sistema de pesquisa através do qual o experto, após examinar dois institutos, desce às suas origens (...) para finalmente chegar à verdade perquirida, ou seja, à identidade existente entre um e outro”. [17] Dizer que o método comparativo é bastante em si, no entanto, não é correto, já que num processo comparativo, macro ou micro, outros tantos e variados métodos podem ser usados para melhor alcançar o objetivo previamente traçado pelo estudioso ou intérprete. Neste sentido,  pode­se  trazer  que  o  processo  comparativo  passa  por  três  fases,  sucessivas  ou  interrelacionadas,  de  acordo  com  a necessidade: (a) analítica: consistente na análise daqueles elementos eleitos ou coletados para a comparação, como, por exemplo, o estudo  de  seu  encaixe  no  sistema  legal  do  qual  dimana,  o  conhecimento  da  história  do  objeto  que  está  sob  pesquisa,  sua caracterização e aplicação segundo as normas a ele pertinentes; (b) integrativa: consistente na compreensão que o objeto estudado tem dentro da ordem em que seja aplicado, como, por exemplo, os entendimentos da doutrina e jurisprudência sobre sua inserção e interpretação em relação ao resto do sistema; e, (c) conclusiva, que consiste no confronto entre os dois objetos analisados e integrados, a fim de se extrair as diferenças e semelhanças entre eles. [18] Observado esse processo comparativo, observa­se que a conclusão à que chega o estudioso não tem qualquer nível de coercibilidade, e sim apenas demonstra que aquilo que se elegeu para um estudo comparativo encontra, ou não, correspondência em algum, ou alguns ou vários, sistemas jurídicos, ou institutos jurídicos de sistemas diferentes, de diversos Estados. Pelo  que  até  o  momento  se  expôs  o  que  se  convencionou  chamar  direito  comparado  é,  na  realidade,  muito  mais  um  estudo comparativo  de  direitos,  podendo­se  caracterizar,  então,  mais  como  uma  interpretação  comparada,  já  que,  para  se  classificar enquanto direito não possui duas das mais essenciais características, a coercibilidade e a obrigatoriedade fora de seu contexto espaço­ temporal, mesmo que haja alguma ou muita similaridade entre os direitos comparados. Reforçando o entendimento, repete­se lição de Carlos Maximiliano, para o qual o direito comparado consiste em confrontar o “texto sujeito  a  exame,  com  os  restantes,  da  mesma  lei  ou  de  leis  congêneres,  isto  é,  com  as  disposições  relativas  ao  assunto,  que  se encontrem  no  Direito  nacional,  que  no  estrangeiro”. [19]  Diante  dessa  lição,  tem­se  que,  apesar  de  o  jurista  citado  defender  a qualificação do direito comparado como direito, sua conceituação direciona muito mais ao caminho de um tipo hermenêutico que de um direito coercível e obrigatório.

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Natureza jurídica do Direito Comparado ­ Jus Navigandi Inocêncio Mártires Coelho, relembrando Peter Häberle, escreve que a comparatística deve ser vista “como um ‘quinto’ método de interpretação [ao lado dos outros quatro clássicos: gramatical, lógico, histórico e sistemático], se não para o direito, em geral, ao menos e tendencialmente para a compreensão do moderno Estado constitucional”. [20] O próprio Häberle afirma: “nas mãos dos juízes e dos intérpretes a comparação constitucional se converteu num ‘quinto modelo de interpretação’, como já sugeri em 1989 e logo foi posto em prática pelo Tribunal Constitucional de Liechtenstein”. [21] De  fato,  o  conhecido  “direito”  comparado  é  muito  mais  um  método  de  interpretação  que  um  novo  ramo  do  direito,  tendo­se  por método o conjunto de procedimentos ordenados para alcançar um fim. Assim, pode­se conceituar a interpretação comparada como a que  tem  por  objetivo  esclarecer  o  significado  de  certos  institutos  jurídicos,  normas  e  conceitos  através  da  pesquisa  de  vários ordenamentos jurídicos, identificando suas semelhanças e diferenças. Conhecer as instituições ou o sistema jurídico de um determinado direito estrangeiro, tal qual o alemão ou o francês, não quer dizer que haja a formação de um direito, enquanto ciência ou ordenamento jurídico, dotado de coatividade e obrigatoriedade fora dos limites territoriais e temporais para que foi produzido. Assim, por exemplo, um brasileiro que estude determinada instituição jurídica alemã ou francesa em comparação com similares brasileiras não está criando novo direito, ou, ainda, não incorpora novas normas jurídicas ao ordenamento nacional. O que faz, pelo contrário, é demonstrar como alguns institutos legais estrangeiros evoluíram de tal maneira a serem muito bem aplicados e a terem uma grande funcionalidade, sugerindo, então, que sua aplicação possa imigrar para a ordem legal nacional. Inocêncio Mártires Coelho escreve que “o direito comparado, essencialmente, é apenas um processo de busca e constatação de pontos comuns ou divergentes, entre distintos sistemas jurídicos, a ser utilizado pelo intérprete como um recurso a mais para aprimorar o trabalho hermenêutico”. [22] O “direito” comparado constitui­se, pois, em técnica ou método interpretativo, aplicável a qualquer área do direito, a fim de ajudar no entendimento de algum instituto jurídico, ou mesmo a fim de servir para a formação de novas normas jurídicas. Isso não quer dizer que, automaticamente, o direito estrangeiro, elaborado dentro de uma área territorial específica, objeto de estudo comparado com o direito nacional, elaborado dentro de outra área territorial, obterá a coercibilidade e a obrigatoriedade que este possui dentro do território em que foi criado, e, assim, se tornará direito nacional, também. Essas características o direito estrangeiro só adquirirá se, pelo devido procedimento, houver a sua incorporação ao ordenamento legal.

5. CONCLUSÕES Como se pode observar por todo o exposto, aquilo que se denomina “direito” comparado é, na verdade, um estudo comparativo entre direitos, ou, com uma maior exatidão, um método de interpretação comparada, que há de levar em conta pelo menos fatores como a escolha dos sistemas ou dos institutos jurídicos que serão objeto da comparação, levantando­se, então, os elementos metajurídicos, históricos e jurídicos, que tenham influência, pretérita ou presente, nos objetos da comparação, o que enseja, por si, a possibilidade de comparação e a definição do caminho a ser perseguido para promover a comparação. Portanto, o mais próximo do qualificador direito que se pode considerar o chamado “direito” comparado é como fonte material de direito, porque consistente na prática que se pode verificar no país estrangeiro acerca de sua eficácia, efetividade, concretização.

NOTAS [1]

 Pound, Roscoe, “What is law?” West Virginia Law Quarterly and the BAR, vol. 47, n. 1, 1940, p. 3.

[2]

 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, 2. ed., São Paulo, Atlas, 1994, p. 38.

[3]

 Carvalho, Paulo de Barros, Curso de direito tributário, 18. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 2.

[4]

 Neste mesmo sentido: Kelsen, Hans, General Theory of Law and State, Trad. Anders Wedberg, Clark, New Jersey, The Lawbook Exchange Ltd., 2007, p. 45: “If ‘coercion’ in the sense here defined is an essential element of law, then the norms which form a legal order must be norms stipulating a coercive act, i. e. a sanction”. [5]

 Kelsen, Hans, Teoria pura do direito, Trad. João Baptista Machado, 6. ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 35.

[6]

 Kelsen, Hans, Teoria geral das normas, Trad. José Florentino Duarte, Porto Alegre, Safe, 1986, pp. 30­31.

[7]

 Almeida, Carlos Ferreira de, Introdução ao direito comparado, 2. ed., Coimbra, Almedina, 1998, p. 9.

[8]

 Pizzorusso, Alessandro, Curso de derecho comparado, Barcelona, Ariel, 1987, p. 89.

[9]

 David, René, Tratado de derecho civil comparado: introducción al estudio de los derechos extranjeros y al método comparativo, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1953, p. 4. [10] [11]

 Cañizares, Felipe Solá, Introducción al derecho comparado, Barcelona, Instituto de Derecho Comparado, 1954, p. 95.

 Ver, por exemplo: David, René, Obra citada, nota 9, p. 5.

[12]

 Almeida, Carlos Ferreira de, Obra citada, nota 7, p. 9.

[13]

 Algumas dessas finalidades e outras que não foram destacadas aqui podem ser encontradas nas seguintes obras, por exemplo: Biscaretti di Ruffia, Paolo, Introducción al derecho constitucional comparado, México, Fondo de Cultura Económica, 1975, p. 13­15; De Vergottini, Giuseppe, Derecho constitucional comparado, Madrid, Espasa­Calpe S/A, 1985, p. 75­83; Ancel, Marc, Utilidades e métodos do direito comparado: elementos de introdução geral do estudo comparado dos direitos, Porto Alegre, Safe, 1980, p. 17­18.

[14]

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Natureza jurídica do Direito Comparado ­ Jus Navigandi [14]

 Pereira, Caio Mário da Silva, “Derecho comparado, ciencia autonoma”, Boletín del Instituto de Derecho Comparado de México, n. 17, 1953, p. 12. [15]

 Fix­Zamudio, Héctor, “Breves reflexiones sobre el objeto y la naturaleza de las revistas de derecho comparado”, Boletín Mexicano de Derecho Comparado, n. 25­26, 1976, p. 45. [16]

 Almeida, Carlos Ferreira de, Obra citada, nota 7, p. 20.

[17]

 Amorim, Edgar Carlos de, Direito internacional privado, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 10.

[18]

 Almeida, Carlos Ferreira de, Obra citada, nota 7, p. 24­28.

[19]

 Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito, 18. ed., Rio de Janeiro, Forense, 200, p. 131.

[20]

 Coelho, Inocêncio Mártires, “Métodos e princípios da interpretação constitucional”, Caderno Virtual, Brasília, vol. 1, n. 3, 2003, p. 12. [21]

 Häberle, Peter, “Comparación constitucional y cultural de los modelos federales”, Trad. Miguel Azpitarte Sánchez, Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 8, 2007, p. 172. Ver, também: Häberle, Peter, “El estado constitucional europeo”, Cuestiones Constitucionales, n. 2, 2000, p. 103. [22]

 Coelho, Inocêncio Mártires, “Métodos e princípios da interpretação constitucional: o que são, para que servem, como se aplicam”, Caderno Virtual, Brasília, vol. 2. n. 8, 2004, p. 11.

Autor Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Diretor Secretário­Geral  da  Academia  Brasileira  de  Direitos  Humanos  (ABDH).  Membro  do  Comitê  de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá, Campus Vitória (FESV). Professor de Introdução ao Estudo do Direito,  Direito  Financeiro,  Direito  Tributário  e  Processo  Tributário,  no  Curso  de  Direito  da  FESV. Pesquisador  vinculado  ao  Programa  de  Pós­Graduação  Stricto  Sensu  da  FDV.  Consultor  de  Publicações;  Advogado  e Consultor Jurídico sócio do Escritório Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados. Autor de mais de uma centena  de  trabalhos  jurídicos  publicados  no  Brasil,  na  Alemanha,  no  Chile,  na  Bélgica,  na  Inglaterra,  na  Romênia,  na Itália, na Espanha, no Peru e em Portugal. Site(s): jpfaro.blogspot.com plus.google.com/111488170033077439822/about

Informações sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Natureza jurídica do Direito Comparado . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2016.

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