Negócio da China - A Cultura de Negócios da China

August 29, 2017 | Autor: Roberto Blatt | Categoria: International Relations, Intercultural Communication, China
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40 Negócio da China 319 A economia da República Popular da China é a segunda maior do mundo, superada somente pela dos Estados Unidos. Trata-se de um mercado cobiçado, a nação com o maior crescimento econômico dos últimos 25 anos, com taxa anual de crescimento do PIB em torno de 10%. Mas negociar com os chineses requer uma abordagem diferente daquela com a qual estamos habituados. Entenda como fazê-lo

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Sócio-diretor da BREXPERTS Consultoria Empresarial Multidisciplinar e da ALLTOMATIC - Soluções em Energia e Automação. Jornalista, engenheiro eletrônico formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI-USP), M.S. in Computer Systems and Information Technology pela Washington International University e MBA em Administração de Empresas pela FGV, onde é professor. Tem 30 anos de experiência profissional, desenvolvida em empresas nacionais e multinacionais dos segmentos automotivo, eletroeletrônico e serviços, na gestão de equipes das áreas Administrativa, RH e Pessoal, TI, Financeira, Comunicação e Compras. Fluente em inglês, francês e alemão e com conhecimentos em níveis diversos de outros idiomas, entre eles o mandarim, atua na gestão de pessoas e gestão multicultural. Contatos www.brexperts.com.br www.alltomatic.com.br [email protected] [email protected] +55 (11) 988 995 467 / 3818-8985

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final, quantos são? A República Popular da China é o terceiro ou quarto país em superfície do mundo (Rússia – Canadá – China ou EUA – Brasil) e tem oficialmente cerca de 1,3 bilhão de habitantes. Mas, devido à política do filho único, há subnotificações, e o consumo de sal per capita aponta a existência de 1,6 bilhão. 92% dos chineses são da etnia Han, uma das 56 existentes. Entendeu ou quer que desenhe? São oito os principais dialetos dentre as centenas falados. O mais falado é o mandarim, no qual se baseia o idioma padrão. Com tantos dialetos – alguns tão distintos entre si que chegam a ser classificados como idiomas – e, sendo que nem todos falam o mandarim, o que fazem os chineses para se entender? Desenham! Os ideogramas são comuns a todos. Para o aprendizado dos ocidentais, existe a escrita romanizada, o pinyin. Mas o pinyin não representa a riqueza do vocabulário chinês, composto por dezenas de milhares de caracteres ou ideogramas (note-se que alguns milhares são suficientes para o dia a dia e cerca de um milhar basta para conversas coloquiais). Sociedade – o papel de Confúcio. A sociedade chinesa segue o Confucionismo, que é mais um sistema ético ou uma filosofia que uma religião e prega algumas virtudes, entre elas o respeito dos filhos em relação aos pais. Por extensão desta, são obtidas as “cinco relações”: governante para governado, pai para filho, marido para esposa, irmão mais velho para irmão mais novo e amigo para amigo. Assim é que, em mandarim, cada parentesco é caracterizado por uma designação específica, conforme seja uma relação de sangue ou não, venha da parte da família da mãe (“de fora”) ou do pai ou se trate de irmão ou irmã mais novo(a) ou mais velho(a). O sistema familiar chinês decorre do longo histórico da civilização baseada na agricultura (no lugar do nomadismo). Trata-se de um sistema patriarcal, onde podem ser encontradas até quatro gerações vivendo juntas e em que a relação de sangue precede o critério da idade na hierarquia. A autoridade dos mais velhos e experientes é admirada: eles dominam as técnicas e comandam a produção. O sistema familiar é fechado, autossuficiente e estável, seus membros apoiam-se mutuamente e as ordens são decididas por hábitos e costumes. Para o chinês, a família é a unidade social e de produção. A propriedade da terra é do grande núcleo familiar, não dos indivíduos (“unidade é poder”), e o chinês considera mais importante ter uma

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Consultoria Empresarial vida familiar bem sucedida do que uma carreira – daí tantos programas na TV para busca de parceiros e os preços das moradias subirem.

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O onipresente Papai Noel. Há outros aspectos peculiares na sociedade chinesa (apesar de que têm ocorrido várias mudanças). As cerimônias de casamento não ocorrem em templos, mas na casa do noivo. Mas, por questões de acomodação, o jantar pode ser feito num restaurante e a cerimônia em casa. Dizer “obrigado” é algo raro, especialmente dirigido a pais e irmãos. “Eu te amo” também é (mas tem deixado de ser) raro. Dar um tapinha na cabeça da criança é sinal de que se gosta dela. E, por falar em crianças, notas altas são tidas como caminho para o sucesso (e muitas famílias expressam este desejo como se desejassem “boa viagem”). Ao contrário dos ocidentais, os chineses não dão atenção à independência e à habilidade de autodidatismo. Curiosa é a maneira pela qual eles absorveram os símbolos ocidentais. Assim, a efígie do Papai Noel é onipresente mesmo fora do Natal. E os letreiros em inglês nas lojas quase sempre apresentam grafia errada (quem lê a tradução de um manual de equipamento chinês logo se dá conta disto). Estúdios fotográficos não se chamam “estúdio fotográfico”, mas sim “Barbra Streisand”... Cidadania política e a identificação étnico-cultural. No que tange à cidadania política, para se obter cidadania chinesa, a pessoa tem que ser descendente de alguma etnia chinesa. Assim, filhos de estrangeiros nascidos na China não têm a cidadania chinesa, mas considera-se chinês quem descende de etnia chinesa – mesmo os que vivem fora da China. E, como a China (com exceção de Taiwan) não permite dupla cidadania, um chinês que adquire outra cidadania perde a chinesa. Quanto à identificação étnico-cultural, para se manter o sentimento de “ser chinês”, e também certo controle sobre os chineses e seus descendentes pelo mundo, criou-se o conceito do "chinês ultramarino", através do qual um americano, um brasileiro ou outro de origem chinesa continua sendo um chinês, tendo que cumprir certas expectativas. Política, democracia, economia e o onipresente Mao. Apesar de Dèng Xiǎo Píng ser o responsável pela modernização da China, Mao ainda é cultuado e pode ser encontrado nas cédulas e nas pequenas estátuas; muitos ainda o consideram responsável pelo que aconteceu de bom na China. Essencialmente, pode-se dizer que quem era jovem à época da tomada de poder por Mao tem boas lembranças, pois ele eliminou a servidão. Porém, quem era jovem à

Roberto Blatt época da Revolução Cultural tem nele a imagem daquele que tentou destruir a cultura chinesa e os impediu de estudar. Mao partiu, mas não ocorreu uma “lavagem de roupa suja” ao estilo de Kruschev, quando da morte de Stalin. Direitos humanos para os chineses têm um significado diferente do que para os ocidentais e implicam basicamente em se ter o direito ao crescimento econômico e social. Mas não sentimos nas ruas o clima de repressão e a ausência dos terninhos cinza, padrão da época do comunismo, ajuda na boa impressão. Porém, eventos como o massacre na Praça da Paz Celestial ainda são temas sensíveis. Questionado, um chinês comum poderia dizer que se tratou de um protesto de estudantes por democracia que acabou com massacre pelos tanques. Ponto. O salário mínimo chinês gira em torno de 700 iuanes (cerca de 200 reais), com direito a férias apenas nos dias do Festival da Primavera. Greve? Nem pensar... Trabalhador que protesta é substituído. Mas espera-se que haja aumento do salário mínimo, porque o governo quer aumentar a massa de consumo, o que deverá importar em aumento de salários (e de preços...). Criminalidade – tudo na santa paz? A pena de morte é aplicada para alguns crimes, como corrupção e tráfico de entorpecentes envolvendo altas somas de dinheiro e as execuções ocorrem em estádios, mas não têm caráter tão público como se apregoa. Pública é a exposição dos prisioneiros amarrados uns aos outros nas ruas. E, sim, geralmente a conta da bala vai para a família do executado. Um exemplo sui generis de aplicação da pena capital: como um eventual atropelador é responsável pelas despesas médicas da vítima, houve o caso de um motorista que matou a vítima de atropelamento leve para não ter que arcar com tais despesas. Pagou mais caro ainda: foi executado. Apesar da aplicação da pena de morte, começam a se tornar mais comuns problemas de massacres em escolas e ainda há muita corrupção. Mas nem de longe a criminalidade nas ruas se compara com a do Brasil. Trânsito – pernas para que te quero. Se o trânsito de São Paulo parece indisciplinado, o de cidades como Wuhan e Beijing (Pequim) é caótico, incoerente com a imagem de um país conhecido pela disciplina tendendo ao militar até nos aspectos sociais mais comuns. Ruas largas, asfalto liso, sinalização adequada, mas... não há mão e contramão para bicicletas, as motos não obedecem às mãos de direção, as silenciosas bicicletas elétricas surgem do nada e os pedestres também colaboram com o caos, o que torna uma verdadeira aventura andar pelas cidades.

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Consultoria Empresarial Paradas ou mudanças de direção são bruscas e efetuadas em qualquer lugar, bastando que o motorista tenha habilidade ou ousadia para tal. Daí as imprescindíveis buzinas servirem como instrumento constante de diálogo nesta caótica paisagem. Fazendo negócios da China. Fazer negócios com os chineses exige atenção às diferenças culturais. Assim, há dez regras básicas a seguir: 1. Guānxì (relações sociais) O homem de negócios chinês não está acostumado a negociar com estrangeiros. Nem sempre será possível o contato direto com quem decide e, assim, recorre-se a eventos, delegações oficiais e mediadores.

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2. Apresentação Cartão de visitas é entregue e recebido com as duas mãos e até troco é entregue desta forma. Nomes chineses começam pelo sobrenome. Assim, quando se lê num cartão Dèng Xiǎo Píng, a pessoa deverá ser tratada por Sr. Dèng, não por Sr. Xiǎo Píng ou Sr. Píng. Formais, não? Mas não se espante se um chinês for logo perguntando seu nome, idade e salário, algo absolutamente comum. 3. Mantendo a harmonia O confucionismo tem um princípio que prega que “em paz, apesar de diferente”. Ou seja, apesar das diferenças de opiniões, interesses ou perfis, o primordial é manter a harmonia, que prevalece sobre a verdade. Assim, não espere demonstrações de nervosismo, impaciência ou confronto direto. Nada menos chinês que isto... Para o chinês, "tirar a face" consiste em alguém expor em público alguma falha, incompetência ou defeito. "Perder a face" frente às pessoas e é o que de pior pode acontecer para um chinês numa roda de negócios ou de amigos. Daí críticas diretas e contundentes serem evitadas. “Preserva-se a face" através de amenizações, mentiras ou desculpas, mesmo que todos os lados se deem conta disto; ou “dá-se a face" a alguém, por meios de elogios, por exemplo. 4. Habilidades de comunicação Formalidade e conservadorismo são a tônica. Face a face, só a conversa; nada de beijos sem que haja abertura para isto e os apertos de mão não são intensos. Tampouco use negativas diretas ou olhares intensos, que denotam inimizade ou tentativa de amedrontamento.

Roberto Blatt 5. Pontualidade Um princípio clássico do Confucionismo é não se fazer aos outros o que você não quer que seja feito contra você. Assim, atrasos são muito mal vistos. Programe-se e evite desgastes. 6. Presentes Só se desembala um presente imediatamente se solicitado... Evite presentes que evoquem o número “4” (sì), que soa como “morto” (sǐ) – daí nem sempre haver 4º andar nas edificações. Por outro lado, os números da sorte são o “3” (sān), que lembra “montanha” (shān) e é associado à longevidade; o “6” (liù), associado à serenidade; e o “8” (bā), que soa como fā (“prosperidade”, “ficar rico”). É por conta do significado do número 8 que a cerimônia de abertura dos jogos olímpicos de 2008 ocorreu às 8 h do dia 08/08/08. São benvindas aguardentes ou especialidades locais, vestimentas típicas (lembrando-se da pequena estatura dos chineses). Relógio? Não, pois “presente relógio” soa como “acompanhar os últimos momentos da vida de alguém”. Guarda-chuva? Evite, pois o som da palavra em chinês lembra “demitir”. Chapéu ou boné verde? Nunca, pois se diz que um marido traído está “usando chapéu verde”. 7. Flexibilidade Espera-se efetivamente redução de preços nas negociações. Pedir desconto é algo cultural e pode-se até começar oferecendo 10% do valor pedido. Ao ocidental, soará estranho ler o “9” numa placa de preço – isto significa que o lojista lhe vende por 9/10, ou seja, 90% do preço tabelado. 8. Paciência Paciência de chinês não é apenas uma expressão e decisões rápidas não fazem parte do processo de negociação dos chineses. A barganha pode tomar um longo tempo. Com empresas do governo, mais ainda... Por exemplo, o estabelecimento de uma filial da Volkswagen na China consumiu nove anos de negociação. 9. Detalhes a atentar Além do começo formal, devem ser estimulados os comentários da outra parte e evitar dizer coisas ruins dos rivais. 10. À mesa Na China janta-se em torno das 18 ou 19 h. Convidam-se muitas

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pessoas à mesa e é sinal de respeito o anfitrião acomodar o convidado e sentar-se à sua esquerda e servir os convidados. O prato ocidental tem elegância e controla calorias, vitaminas, proteínas etc. Já os chineses destacam cor, cheiro, sabor e forma. E, se no Ocidente pede-se a quantidade a ser consumida e leva-se o que sobrou, na China a comida é pedida em excesso, para garantir que não falte (mas os tempos mudam...). A mesa é redonda, com um disco giratório no meio, onde os pratos são logo deixados à disposição de todos (não existe o couvert), que se servem e comem com os pauzinhos (kuàizi). Usa-se muito alho e óleo e vegetais e legumes costumam ser temperados. Encontrar leite, adoçante e bebida sem açúcar ou gelada é uma tarefa difícil. E, além dos onipresentes tomate e melancia e das eventuais lichias, abacaxis ou frutas carameladas, não se servem frutas ou doces (talvez a razão de quase não se encontrar chineses obesos). Na China, o brinde (gānbēi) é feito com um toque ruidoso, não apenas com o erguer de copos, como fazem os americanos, e o anfitrião respeitosamente colocará seu copo numa altura inferior à dos convidados. E – prepare-se – o brinde implica em se tomar tudo de uma vez. Finalmente, como “a amizade não pode estar sempre de um lado”, deve-se retornar o que se recebe e organizar um jantar para retornar a gentileza do anfitrião chinês. Agradecimentos. Meus agradecimentos aos professores e colegas de curso da Universidade de Hubei, pela contribuição com o material e pelas experiências vividas.

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