Nestlé: o polêmico caso da compra da Chocolates Garoto (2005). Um estudo de caso

June 14, 2017 | Autor: Giancarlo Pereira | Categoria: Engenharia de Produção, Administração, Estrategia, Estudo De Caso, Fusões e Aquisições
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Nestlé: o polêmico caso da compra da Chocolates Garoto (2005). Um estudo de caso Giancarlo Pereira e Ricardo Gemente Blanch Introdução Quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004, foi uma das datas mais marcantes na história da multinacional suíça Nestlé. Pela primeira vez em sua história, a gigante se via obrigada a desfazer uma aquisição. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão brasileiro que julga casos de concentração de mercado, decidiu vetar a compra da Chocolates Garoto pela Nestlé, efetuada em fevereiro de 2002, por R$ 560 milhões. Por cinco votos a um, os conselheiros do Cade entenderam que a Nestlé aumentaria sua fatia no mercado de chocolates de 33,9% para 58,4% e isso prejudicaria os consumidores pela excessiva concentração do mercado, que em geral favorece o aumento de preços. Depois de ter esperado dois anos por um veredicto dos órgãos antitruste brasileiros, Ivan Zurita, presidente da Nestlé brasileira, foi notificado que, em apenas 20 dias, precisaria contratar uma consultoria e uma auditoria para calcular o valor de mercado e iniciar o processo de venda da fabricante de chocolates Garoto, o que deveria ser concretizado em menos de seis meses. A decisão surpreendeu não somente Zurita, mas todo o setor de chocolates brasileiro e os executivos da Nestlé, que sempre deram o caso como ganho. A Nestlé A Nestlé foi fundada há mais de 130 anos em Vevey, na Suíça, e leva o nome de seu fundador, Henri Nestlé, o alemão que inventou a primeira fórmula de alimento infantil, chamada por ele de Farinha Láctea. A partir dessa iniciativa, a empresa foi crescendo e se tornou a maior empresa de alimentos do mundo. Em 1921, a Nestlé inaugurou a primeira fábrica no Brasil, em Araras (SP), produzindo o Milkmaid, leite condensado que estampava a moça leiteira em seu rótulo; os consumidores identificavam-no como leite da moça, daí passou a chamar-se, no Brasil, Leite Condensado Moça. Atualmente, a sua produção está voltada para achocolatados, café solúvel, fórmulas infantis, leite condensado, refrigerados, leites líquidos e cremes. Hoje, com 511 fábricas distribuídas em 86 países, a Nestlé é a maior indústria de alimentos do mundo e do Brasil, com faturamento de US$ 69 bilhões (US$ 2,9 bilhões no Brasil) e mais de 253 mil funcionários (12 mil no Brasil). Seus principais produtos são: leites, cafés, culinários, achocolatados, cereais, biscoitos, nutrição, chocolates, refrigerados, sorvetes, food services, pet care e farmacêuticos.

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A Nestlé opera em seis segmentos de negócio: Segmentos de negócio % do total das receitas mundiais Bebidas 26,7 Leite e derivados, nutrição e sorvetes 26,5 Pratos prontos e temperos 18,3 Chocolates, confeitaria e biscoitos 11,6 Produtos para animais domésticos 11,2 Produtos farmacêuticos 5,7 Suas principais marcas mundiais são: Bebidas Café: Nescafé, Taster’s Choice, Ricoré, Ricoffy, Nespresso, Bonka, Zoégas, Loumidis Água: Nestlé Pure Life, Nestlé Aquarel, Perrier, Vittel, Contrex, S. Pellegrino, Acqua Panna, Levissima, Vera, Arrowhead, Poland Spring, Deer Park, Al Manhal, Ozarka, Hépar, Ice Mountain, Zephyrhills, San Bernardo, Quézac Outros: Nestea, Nesquik, Nescau, Milo, Carnation, Libby’s, Caro Leites e Derivados Nestlé, Nido, Nespray, Ninho, Carnation, Milkmaid, La Lechera, Moça, Klim, Gloria, Svelty, Molico, Nestlé Omega Plus, Bear Brand, Coffee-Mate, Sveltesse, La Laitière, La Lechera, Ski, Yoco, Svelty, Molico, LC1, Chiquitín Sorvetes Nestlé, Frisco, Motta, Camy, Savory, Peters, Häagen Dasz, Mövenpick, Schöller, Dreyer’s Nutrição Infantil: Nestlé, Nan, Lactogen, Beba, Nestogen, Cérélac, Neslac, Nestum, Guigoz , Good Start Performance: PowerBar, Nesvita, Neston Health care: Nutren, Peptamen, Modulen Produtos culinários Sopas prontas, sopas, condimentos, massas, molhos: Maggi, Buitoni, Thomy, Winiary Produtos congelados (pratos prontos, pizzas): Maggi, Buitoni, Stouffer’s, Lean Cuisine, Hot Pockets Produtos refrigerados (produtos de carne resfriados, massas, pizzas, molhos): Nestlé, Buitoni, Herta, Toll House Chocolates, confeitaria e biscoitos Nestlé, Crunch, Cailler, Galak/Milkybar, Kit Kat, Quality Street, Smarties, Baci, After Eight, Baby Ruth, Butterfinger, Lion, Aero, Polo, Rolo Página 2 de 10

Food services e produtos profissionais Chef, Davigel, Minor’s, Santa Rica Pet care (produtos para animais domésticos) Friskies, Fancy Feast, Alpo, Mighty Dog, Gourmet, Mon Petit, Felix, Purina, Dog Chow, Pro Plan, ONE, Beneful, Tidy Cats Empresa farmacêutica Alcon Joint ventures farmacêuticas e cosméticos Galderma, Laboratórios Innéov Empresa associada L’Oréal Por seu porte e abrangência, qualquer indústria alimentícia é concorrente da Nestlé, sendo seus maiores concorrentes mundiais: China National Cereals, Oils & Foodstuffs; Coca-Cola Enterprises, Inc.; Groupe Danone; H.J. Heinz Company; Hershey Foods Corporation; Kellogg Company; Mars, Inc.; Bellis Fruit Bars; PepsiCo, Inc.; Quaker Foods North America; Revlon, Inc.; Kraft Foods, Inc. ; Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG; Candy Spain; Guylian; Dairy Farmers of America; Dannon Company; Unilever Bestfoods; Shanghai Dairy; Cadbury group; Colgate-Palmolive Company. Chocolates Garoto S/A Em 16 de agosto de 1929, o imigrante alemão Henrique Meyerfreund fundou a fábrica de balas H. Meyerfreund & Cia. num galpão localizado na Prainha, Vila Velha, ES. As primeiras balas eram vendidas por meninos, em tabuleiros, nos pontos de bonde de Vila Velha e assim logo passaram a ser chamadas balas “Garoto”. Em 1938, os negócios foram impulsionados pela entrada na sociedade de Günther Zennig que, além de capitalizar a empresa permitindo novos investimentos na modernização da estrutura produtiva e comercial, trouxe uma nova visão empresarial à Garoto. Em 1962, a H. Meyerfreund sofreu a grande perda de Zennig, falecido em um acidente aéreo ao retornar de uma viagem de negócios. No mesmo ano, a H. Meyerfreund transformou-se em uma sociedade anônima de capital fechado e passou a ser CHOCOLATES GAROTO S/A. Durante as décadas de 1970 e 1980, a Garoto ampliou e modernizou suas instalações industriais e seus processos produtivos, adotou novas políticas comerciais e marcou presença em todo o mercado nacional e internacional. Em 1972, exportou pela primeira vez manteiga e torta de cacau para a América do Sul e Estados Unidos. A partir de 1978, também passou a exportar produtos acabados para vários países do mundo.

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Hoje, uma das três maiores fabricantes de chocolate do Hemisfério Sul, a Chocolates Garoto possui um parque industrial de alta tecnologia, instalado em Vila Velha, município vizinho à Vitória, capital do Espírito Santo. Trata-se de um complexo com duas unidades industriais que somam 68 mil metros quadrados construídos em uma área disponível de 200 mil metros quadrados. As fábricas têm capacidade para produzir 140 mil toneladas anuais de chocolate, num regime de trabalho de três turnos de produção. A Garoto atua em três mercados: chocolates, achocolatados e confeitos. O investimento em tecnologia é uma política constante da Garoto, que nos últimos cinco anos aplicou R$ 75 milhões na modernização e ampliação de seu parque industrial. Desse total, R$ 25 milhões foram destinados à construção do maior e mais avançado centro de armazenagem vertical da América Latina, o Centro de Distribuição do Espírito Santo (CDES). Com uma estrutura de operação automatizada, totalmente fechada, e com dimensões de 120 metros de comprimento, 31,25 metros de largura e 23,85 metros de altura (o equivalente a um prédio de oito andares), o CDES pode armazenar 12 mil e cem paletes (bases de madeira que dão suporte às caixas de papelão sobrepostas) em condições ideais de umidade e temperatura. O CDES proporcionou economia e agilidade indispensáveis para as grandes demandas sazonais, como Páscoa e Natal, garantindo maior integridade dos produtos até o consumidor final. Nos últimos anos, a Garoto tem investido no aumento da produção de chocolates, principalmente da linha de bombons, e no desenvolvimento de novos produtos. Uma linha de fabricação de coberturas hidrogenadas foi adquirida, e 12 produtos inéditos foram lançados. Os principais produtos produzidos pela Garoto são bombons, achocolatados, tabletes, pastilhas, candy bars, confeitos e linha para culinária. A participação no mercado de chocolates brasileiro é de 23,9% com faturamento de R$ 703 milhões (ano de 2002). Seus concorrentes locais são Nestlé, Kraft, Cadbury, Arcor e Hershey. A compra da Chocolates Garoto A Garoto, terceira maior produtora de chocolates no Brasil e da América do Sul, vinha passando por dificuldades financeiras, acumulando prejuízos em 2001 e 2002. Sua receita bruta teve leve aumento, enquanto as despesas operacionais se mantinham praticamente constantes e as dívidas de curto prazo dobravam de um ano para o outro.

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(valores em milhares de reais) Lucro (Prejuízo)

A Nestlé, que vinha buscando uma forma de aumentar sua participação no mercado brasileiro de chocolates, viu na crise da concorrente uma oportunidade de negócio, uma vez que a marca “Garoto” tinha uma aceitação muito grande no mercado. As negociações correram em segredo por meses, até que em fevereiro de 2002 a Nestlé anunciou, publicamente, a compra da Garoto pelo valor de R$ 560 milhões, assumindo o controle da empresa bem como todos as suas obrigações. Consolidada a operação comercial, faltava apenas a aprovação do Cade para a efetivação do negócio. Nesse ínterim, conforme o Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação, assinado pela Nestlé, pela Garoto e pelo Cade, as operações da Garoto foram mantidas em separado, condição verificada mensalmente por auditoria externa. Regulamentação antimonopólio no Brasil De acordo com a Lei n.° 8.884 de 1994, qualquer ato de concentração que constituir uma porcentagem de 20% ou superior de mercado, necessita da aprovação do governo para se tornar efetiva. A aprovação deve passar por três estágios: 1. Secretaria de Acompanhamento Econômico (Saee), unidade do Ministério da Fazenda que fornece uma opinião sobre o impacto no mercado financeiro.

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2. Secretaria de Defesa Econômica (SDE), unidade do Ministério da Justiça que fornece uma opinião em relação aos aspectos legais do negócio. 3. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), unidade do Ministério da Justiça que é a única instituição com poder de aprovação ou veto do negócio. Os dois primeiros estágios apenas fornecem relatórios e pareceres com objetivo de ajudar o Cade na decisão final. O processo somente é considerado concretizado quando o Cade anuncia sua decisão. Todavia, influenciar a Saee e a SDE mostra-se eficiente uma vez que ambas têm certa influência na decisão final. A estratégia A estratégia mundial de expansões da Nestlé é fortemente baseada em aquisições, e a compra da Chocolates Garoto era a maior aposta pessoal de Ivan Zurita e fazia parte da estratégia de conquistar o mercado latinoamericano com uma agressiva política de exportações. O negócio de chocolates representa 10% do faturamento da operação brasileira, e com a compra da Garoto a Nestlé ocuparia a primeira posição, com 53,7% do mercado de chocolates no Brasil. Empresa Kraft Nestlé Garoto

Participação no mercado brasileiro de chocolate (2002) 33,80% 29,80 23,90

Acostumada a lidar com mercados burocráticos em todo o mundo, a Nestlé fez um estudo prévio das decisões do Cade e, baseada em casos passados, entendeu que a compra da Garoto não seria vetada, sendo portanto a estratégia mais rápida e eficaz a ser seguida. Histórico de grandes decisões do Cade Negócio

Tempo de avaliação Fusão entre 8 meses (de julho Brahma e de 1999 a março Antarctica para de 2000) compor a AmBev. Juntas, as companhias somariam cerca de 70% de participação no mercado de cerveja Compra da Wyeth- 1 ano e 8 meses Whitehall pela (de janeiro de Colgate-Palmolive. 1995

Decisão

Como ficou o mercado depois Aprovada, desde Desde então a que a AmBev AmBev perdeu vendesse a 8,2 pontos de marca Bavaria, participação de na mercado e época com 7% de surgiram participação de dezenas de novas mercado cervejarias A condição Uma série de imposta novos produtos, para a aprovação lançados foi a proibição do

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As marcas de pasta a setembro de dentes 1996) Colgate e Kolynos passariam a deter 79% do mercado

Aquisição da Liquid Carbonic pela White Martins, tornandoa a única produtora de gás carbônico no Brasil Compra da siderúrgica mineira Pains pela Gerdau

de uso da marca Kolynos por quatro anos. Para o lugar do nome Kolynos, a Colgate criou a Sorriso

2 anos e 7 meses (de janeiro de 1996 a agosto de 1998)

Aprovada, com multa de 24 milhões de reais, até hoje questionada na Justiça pela White Martins

2 anos e 9 meses (de fevereiro de 1994 a novembro de 1996)

A aquisição foi vetada. Na prática, as operações já haviam sido reunidas enquanto o Cade analisava o caso, e não houve como voltar atrás

sobretudo por redes de varejo, chegou ao mercado. Três anos após a negociação, a participação da Colgate já havia caído 5 pontos percentuais No fim da década de 90, concorrentes como a Air Liquide e a Aga entraram no mercado de gás carbônico A concentração das siderúrgicas no país fortaleceu o setor e sua capacidade de competir no mercado internacional

FONTE: Revista Exame, 12/2/2004.

A companhia não poupou esforços nem gastos na hora de eleger a equipe responsável pela aquisição e contratou os mesmos advogados que cuidaram do caso da AmBev, Carlos Francisco de Magalhães e Tércio Sampaio Ferraz Junior, e também a economista Elizabeth Farina, da Universidade de São Paulo. A operação Nestlé-Garoto seria responsável por um faturamento de R$ 5,3 bilhões, com 15 mil funcionários e 53,7% do faturamento do mercado de chocolates no Brasil. A concorrência A Kraft, líder de mercado e detentora da marca Lacta, desde o início, mostrou-se empenhada em impedir o negócio. O advogado José del Chiaro, ex-diretor da SDE, e o economista e consultor Gésner Oliveira, presidente do Cade no governo Fernando Henrique Cardoso, foram contratados para assessorar o caso. Em março de 2003, os representantes da Nestlé apresentaram ao Cade modelos matemáticos complexos, com pareceres de economistas da Página 7 de 10

Universidade de São Paulo (USP) e dos consultores da LCA e da Trevisan. A Kraft contra-atacou, primeiro com um parecer de outro economista da USP e, em seguida, com mais seis estudos de outros especialistas. Juntas, as duas companhias utilizaram uma dúzia de metodologias diferentes, o que resultou em um acúmulo de mais de seis mil páginas no processo. Dentre os concorrentes, a inglesa Cadbury é uma das poucas em condições legais e financeiras de adquirir a Garoto, uma vez que uma aquisição por parte da Kraft acarretaria o mesmo problema da Nestlé, ou seja, uma situação de quase monopólio com mais de 50% do mercado. O primeiro veto Depois de mais de 60 viagens a Brasília em 12 meses e aproximadamente R$ 10 milhões gastos no processo de aquisição, Zurita recebeu em fevereiro de 2004, um comunicado em que o Cade vetava a operação por cinco votos a um. Com exceção do jurista e presidente do Cade, João Grandino Rodas, os demais conselheiros foram unânimes ao apontar que qualquer outra conclusão, que não o veto à fusão, seria desvantajosa para a manutenção da concorrência. A fusão resultaria em um duopólio, em que 90% do mercado total de chocolates ficaria na mão de Nestlé e da Kraft. A concentração seria ainda maior em determinados segmentos. A decisão foi polêmica até mesmo dentro do próprio conselho, quando o presidente do Cade declarou em público: “Sou a favor de decisões menos radicais. Acredito que a intervenção do Estado na atividade econômica deveria ser mínima e absolutamente excepcional”. Ele se referia a casos anteriores, como o da AmBev, no qual a determinação do Cade foi a venda da marca Bavária, na época com 7% de participação de mercado. Os executivos da Nestlé esperavam por alguma restrição ou imposição do Cade e estavam preparados para acatar a decisão, mas não para um veto na aquisição. Entretanto, a dificuldade do processo ultrapassou em muito o polêmico caso da criação da AmBev. Isso porque, enquanto as disputas entre Brahma e Antarctica, de um lado, e Kaiser, de outro, não pouparam barulho na mídia, a batalha entre a Nestlé e sua concorrente Kraft, vinha se dando entre conflitantes pareceres e complexas simulações de mercado, que ocorreram nos bastidores do Cade. Os conselheiros do Cade alegaram que os relatórios apresentados pela Nestlé continham informações contraditórias e inconsistentes. A Nestlé, por exemplo, tentou provar que a incorporação da Garoto poderia até fazer os preços caírem. Dos quase 30 itens que surgiram nos diversos relatórios da Nestlé durante o processo, restaram apenas 13 no último documento emitido pela própria empresa. E, desses 13, apenas três foram aceitos pelo Cade. O relator do caso Nestlé-Garoto, economista Thompson Andrade, disse que no mercado de chocolates “separar apenas algumas marcas para vendê-las seria um péssimo negócio para um eventual comprador”, pois diferentemente do mercado de cervejas, uma marca de chocolate não tem força suficiente para atrair um comprador. Página 8 de 10

O veto do Cade gerou tamanha polêmica que chegou a ser discutido na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde os senadores fizeram apelo para que o Cade revisse a decisão, o que somente poderia ocorrer após a Nestlé entrar com recurso. Dias depois do veto, a Nestlé entraria com pedido de revisão da decisão no Cade. O segundo veto Em outubro de 2004, o Cade manteve por três votos favoráveis e dois contrários o veto à compra da Chocolates Garoto pela multinacional suíça Nestlé. Nessa data, a Nestlé sozinha detinha 33,94% do mercado de chocolates, e a fusão elevaria sua participação para 58,4%. A empresa suíça, ajudada por líderes políticos capixabas, anunciou que iria “utilizar todos os meios” para reverter a decisão e estava se preparando para tentar na Justiça Comum a reversão da decisão do Cade, alegando, principalmente, que o conselho extrapolara o prazo estabelecido na lei antitruste para julgar o caso e que isso é inconcebível no mundo corporativo de hoje. Entretanto, sabia-se que o processo na justiça seria oneroso e demorado. Nesse caso, a Nestlé poderia ganhar tempo para não ter de vender a Garoto a toque de caixa, muito provavelmente por um preço menor do que o pago aos antigos controladores. Esse processo na justiça brasileira pode levar muitos anos, e isso não interessa nem à Nestlé, que não atinge suas metas de crescimento e faturamento, nem à Garoto, que fica sem receber investimentos durante esse período. Em outros países, como nos Estados Unidos e Inglaterra, as agências reguladoras decidem pela viabilidade da operação antes da concretização dos investimentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, se o órgão regulador não se manifestar sobre a operação em 30 dias, o processo é considerado aprovado. Em casos especiais e complexos, os órgãos competentes podem requisitar mais tempo no início das análises. Situação atual O Conselho Administrativo de Defesa Econômica adiou para o primeiro semestre de 2005 a conclusão da polêmica compra da Chocolates Garoto pela multinacional Nestlé. Apesar de o veto à operação ter sido confirmado num julgamento realizado no início de outubro de 2004, até dezembro daquele ano a decisão do Cade não havia sido publicada no Diário Oficial portanto, não entrará em vigor. Para isso, primeiro o plenário terá de resolver se deve haver dois relatores do texto final da decisão, como quer o representante do Ministério Público Federal que atua no órgão. Somente após esse esclarecimento é que o veto imposto poderá ser publicado, começando a contar o prazo de 150 dias para que o negócio seja desfeito. Caso o veto seja confirmado, a Nestlé poderá optar por entrar na justiça comum contra a decisão do Cade, uma vez que não está disposta a abrir mão de um investimento de dois anos e meio de trabalho e de mais de R$

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500 milhões. Uma equipe de executivos da matriz foi enviada ao Brasil para auxiliar a filial na condução do problema. Segundo a advogada Juliana Martines, especialista em direito comercial, o Poder Judiciário está acima de toda e qualquer decisão proferida por órgãos administrativos, isso porque o artigo 5.o, inciso XXXV da Constituição Federal estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. No caso do Cade, como de qualquer ente público, toda decisão por ele proferida é passível de discussão na justiça comum, já que a própria Constituição Federal é expressa nesse sentido, quando determina que qualquer lesão ou ameaça a direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário. O legislador constituinte quis justamente garantir que ninguém ficasse imune ao Poder Judiciário, ou seja, que se criassem instituições que pudessem proferir decisões inatingíveis pela justiça. Assim sendo, a partir do momento em que uma decisão do Cade viola a pretensão de alguma empresa, esta pode recorrer ao Judiciário, a quem cabe dar a última palavra. Nota Este caso foi baseado em informações públicas, tendo como fontes as seguintes publicações: -

Datamonitor report, Reference Code: 1171, Oct. 2004 Revista Veja, edição 1875, de 13 de outubro de 2004 Revista Veja, edição 811, de 12 de fevereiro de 2004 Revista Exame, de 29 de janeiro de 2004 Revista Exame, de 12 de fevereiro de 2004 Revista Exame, de 13 de outubro de 2004 Revista Exame — maiores e melhores, de julho 2004 Jornal O Estado de S. Paulo, de 15 de dezembro de 2004 http://www.nestle.com.br http://www.garoto.com.br http://www.cade.gov.br/

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