NEUROLINGUÍSTICA PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

June 1, 2017 | Autor: Marcia Radanovic | Categoria: Neurology, Speech-Language Pathology/ Communication Disorders, Cognitive Neuroscience
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NEUROLINGÜÍSTICA PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

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Todos os direitos desta edição reservados ao autor. Publicado por Editico Comercial Ltda. Av. Paulista 2073 - Conjunto Nacional - Ed. Horsa I - cj. 222 Cerqueira César • Cep:01310-940 • São Paulo/SP Tel: (11) 3179-0082 • Fax: (11) 3179-0081 e-mail:[email protected] Na internet, publicação exclusiva da iEditora: www.ieditora.com.br

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LETÍCIA LESSA MANSUR MÁRCIA RADANOVIC

NEUROLINGÜÍSTICA PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

São Paulo, 2003

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 2003 de Letícia Lessa Mansur e Marcia Radanovic Título Original em Português: NeurolingüÍstica, princípios para a prática clínica Supervisão editorial: Jorge Carlos de Brito Jr. Revisão: Sandra Garcia Cortes Capa: Vivian Valli Editoração Eletrônica: Vivian Valli Impressão: Vida e Consciência Gráfica e Editora Ltda.

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por escrito do autor. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98 Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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APRESENTAÇÃO

A linguagem e a fala são, certamente, as aquisições mais notáveis na evolução dos seres vivos. Muitas das características tipicamente humanas dependem da integridade dos sistemas anatômicos e funcionais que lhes dão substrato. Dizer que Letícia Lessa Mansur freqüenta a Enfermaria de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo desde muito cedo em sua vida profissional é muito pouco. Talvez o termo mais adequado fosse vivenciar essa Enfermaria, intensamente, carinhosamente. Durante longos anos, vencendo limites externos, barreiras internas e desafios pessoais, vem acompanhando os procedimentos diagnósticos e cuidando, no melhor exemplo de associação multidisciplinar, da recuperação dos pacientes acometidos por distúrbios na fala e na linguagem internados naquela Enfermaria. Paralelamente, Márcia Radanovic, ainda jovem neurologista, concentrou suas atividades em doentes com alterações neurológicas envolvidas em distúrbios da linguagem, sejam estes resultantes de doenças cérebro-vasculares, neoplásicas, inflamatórias, degenerativas ou desmielinizantes. Da experiência e do convívio destas duas profissionais, bem como do profundo conhecimento sobre o assunto, nasceu este livro.

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É fruto da constante dialética teoria-prática, da crítica conceitual e do confronto com os resultados obtidos não em modelos teóricos, mas no árduo dia-a-dia de quem cuida da recuperação destes doentes. A neurolingüística é certamente um dos campos mais fascinantes das neurociências. Suas relações anatômicas e funcionais, suas conexões com áreas cognitivas, suas repercussões sobre aspectos relacionados à consciência e à afetividade fazem dela, como já fizeram no passado, uma das mais intrigantes e estimulantes áreas de trabalho. Isto é particularmente verdadeiro em nossos dias, em que aspectos clínicos podem ser mais bem explorados por meio de exames de neuroimagem, em especial pela Ressonância Magnética e particularmente pela Ressonância Magnética Funcional. Este livro não é uma edição de textos elaborados por especialistas em temas restritos. É uma obra completa, criada por estas duas notáveis profissionais, que escreveram todos os capítulos. Daí resulta a notável unidade da obra, sua fluidez, seu ajuste conceitual, sua concisão, sua adequação à finalidade a que se propõe. Estas características são coroadas pela qualidade das referências bibliográficas, em que as citações fundamentais e clássicas são complementadas por aquelas referentes às publicações mais atuais. São 16 capítulos que englobam aspectos conceituais referentes à Neurolingüística e à Fonoaudiologia, aspectos particulares das afasias e sua semiologia, aspectos mais gerais da avaliação de distúrbios da linguagem e considerações sobre a atenção e a terapia fonoaudiológica, especialmente em afasias, demências e traumatismo craniencefálicos. É uma obra de interesse multidisciplinar, adequada à realidade brasileira, de extrema utilidade tanto para cursos de graduação nas diversas áreas das neurociências quanto para cursos de pós-graduação, na área específica da Neurolingüística.

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O nascimento desta obra, cuja qualidade e oportunidade há que registrar e enaltecer, é, sem dúvida, motivo de orgulho para todos os profissionais em neurociências. Prof. Dr. Milberto Scaff Professor Titular do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP.

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Quando fui convidada a escrever essa apresentação, eu tinha certeza de que estaria diante de um material de primeira qualidade: abrangente, sólido e atualizado. A parceria da fonoaudióloga Letícia Lessa Mansur com a neurologista Márcia Radanovic resultou numa obra que seguramente será referência para os interessados nos aspectos normais e patológicos das questões de linguagem em adultos e idosos, especialmente em seus aspectos cognitivos e orgânicos. Depois de vinte anos convivendo com Letícia aprendi a admirar sua erudição e a forma segura com que ela articula o trânsito fluído entre as diversas abordagens, numa área tão complexa como a Neurolingüística, e o extremo rigor científico, característico de tudo o que ela faz. A Dra. Márcia, por outro lado, tem se dedicado à docência e pesquisa, exercendo seu conhecimento na esfera da linguagem e lesão cerebral, de forma marcante, sensível às necessidades dos alunos e profissionais que buscam conhecimentos sobre o tema.

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A clareza da apresentação e da organização dos temas, além da utilização de gráficos e esquemas simples e criativos, torna a leitura acessível sem ser “básica”. A organização dos conceitos envolvidos na constituição da Neurolingüística, realizada no primeiro capítulo, ao mesmo tempo em que fornece bases sólidas para essa definição, delineia claramente as relações multidisciplinares estabelecidas, com um foco especial na Fonoaudiologia, e aponta as mais recentes tendências das pesquisas na área. A abordagem das relações entre cérebro e linguagem, no Capítulo 2, segue na mesma linha da valorização dos conceitos fundamentais e sua articulação de forma precisa, possibilitando a clarificação de um tema extremamente complexo. O foco nos processos de desenvolvimento da linguagem na adultez e no envelhecimento possibilita a discussão de aspectos fundamentais e que só recentemente receberam a devida atenção. Os estudos envolvendo o processamento da linguagem, tanto no que diz respeito à compreensão quanto à produção, por outro lado, têm recebido grande atenção nos últimos anos. Poucas vezes, no entanto, o conhecimento efetivamente disponível é apresentado de forma clara e precisa. Isso é feito com maestria pelas autoras nos capítulos 4 e 5. Evidentemente, a abordagem das afasias merece atenção especial. A abordagem adotada, no entanto, foge ao óbvio, ao mesmo tempo em que faz uma relação preciosa entre as bases do conhecimento e o que há de mais inovador nessa ciência. As referências bibliográficas desses capítulos representam um levantamento meticuloso do que é significativo na área. A segunda metade do livro constitui-se instrumento de trabalho fundamental para o fonoaudiólogo e uma grande ajuda para os outros profissionais da área, na medida em que apresenta, de forma generosamente clara, as bases para a reabilitação, as características, os elementos fundamentais para a avaliação e

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para a terapia de linguagem nas afasias, nas demências e nos traumatismo craniencefálicos. O resultado é uma obra na qual consistência e acessibilidade estão associadas, representando um material fundamental, tanto para os profissionais da área, quanto para alunos e professores envolvidos com o tema. Profa. Dra. Fernanda Dreux Miranda Fernandes Professora Livre-Docente do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP e Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia.

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SUMÁRIO

O PORQUÊ DESTA PUBLICAÇÃO .......................................................................13 CAPÍTULO I

NEUROLINGÜÍSTICA E FONOAUDIOLOGIA .........................................................15 CAPÍTULO II

ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA LINGUAGEM.......................................................43 CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NO ADULTO E NO IDOSO .........................61 CAPÍTULO IV

PROCESSOS DE COMPREENSÃO DA LINGUAGEM.............................................79 CAPÍTULO V

PROCESSOS DE PRODUÇÃO DA LINGUAGEM ...................................................99 CAPÍTULO VI

AFASIAS.........................................................................................................127 CAPÍTULO VII

AFASIA SUBCORTICAL ....................................................................................145 CAPÍTULO VIII

SEMIOLOGIA DAS AFASIAS.............................................................................173

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CAPÍTULO IX

NEUROPLASTICIDADE E REABILITAÇÃO...........................................................187 CAPÍTULO X

ALTERAÇÕES DA COMUNICAÇÃO NAS LESÕES DE HEMISFÉRIO DIREITO ........211 CAPÍTULO XI

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS .....223 CAPÍTULO XII

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NAS DEMÊNCIAS .............................................231 CAPÍTULO XIII

AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NAS DOENÇAS DE ETIOLOGIA NEUROLÓGICA.247 CAPÍTULO XIV

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA DAS AFASIAS.....................................................277 CAPÍTULO XV

ATENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NAS DEMÊNCIAS.............................................311 CAPÍTULO XVI

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS ......329

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O PORQUÊ DESTA PUBLICAÇÃO

A experiência no trabalho com pacientes que apresentam problemas de linguagem em ensino e supervisão de alunos nas disciplinas de Neurolingüística em nível de graduação em pós-graduação, bem como aulas ministradas aos acadêmicos de Medicina, residentes de Neurologia, pós-graduandos de Neuropsicologia, cursos em congressos e reuniões científicas da área, nos trouxe uma perspectiva da demanda de conhecimentos sobre os tópicos desenvolvidos no livro. A Neurolingüística vem se desenvolvendo de forma acentuada nos últimos anos no âmbito da intersecção de várias disciplinas: Neurologia, Psicologia, Lingüística, Fonoaudiologia, entre outras. Por outro lado, existe a carência de literatura em língua portuguesa, que introduza alunos e interessados no tema, tanto em aspectos teóricos quanto práticos. O livro atende ao interesse daqueles que buscam informações essenciais em Neurolingüística: os estudiosos das várias áreas afins e terapeutas – neurologistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas interessados em reabilitação e que freqüentemente se deparam com pacientes portadores de alterações de linguagem –, e particularmente aos fonoaudiólogos, que encontram, além dos fundamentos teóricos, indicações para sua prática em diagnóstico e terapia de linguagem. 13

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Considerando a grande demanda por parte dos vários cursos de graduação e pós-graduação em Fonoaudiologia, e as áreas afins já citadas, entendemos que o livro pode preencher a lacuna atual da falta de edições de livros-texto, em nossa língua, sobre o assunto. Letícia Lessa Mansur Marcia Radanovic

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CAPÍTULO I

NEUROLINGÜÍSTICA E FONOAUDIOLOGIA

NEUROPSICOLOGIA E NEUROLINGÜÍSTICA A Neuropsicologia fundamenta-se em dois alicerces – nas ciências biológicas e cognitivas. Seu estudo tem os seguintes objetivos: a) reconhecer e explicar as relações entre comportamentos humanos e substrato neural; b) definir e explicar as relações mútuas subjacentes entre comportamentos e processos cognitivos; c) estabelecer correlações entre bases biológicas e psicológicas do comportamento humano. O campo da Neuropsicologia abrange a Neurolingüística, que por sua vez engloba a Afasiologia, ponto de partida dos estudos neurolingüísticos. Mas a Neuropsicologia não se interessa somente pela patologia, ocupando-se também da aquisição, desenvolvimento, maturação e involução de comportamentos. Reconhece a pertinência de parâmetros de ordem sociocultural (escolaridade, característica de línguas faladas e escritas) para o estudo da mente e cérebro, razão pela qual valoriza a multidisciplinaridade. Reconhece a 15

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independência dos fundamentos empíricos de sua base biológica e os de sua base cognitiva, mas valoriza a interação e a possibilidade de interferência do progresso de uma área em outra.

Relação cérebro e linguagem A história da Neuropsicologia começou com estudos de linguagem, embora nessa época não se usasse o termo Neurolingüística. De início priorizou-se o conhecimento neurológico, com Paul Broca, em 1861, que identificou alterações de linguagem e relacionou-as com um sítio específico. Os estudiosos dessa época acreditavam que a análise e interpretação de alterações funcionais baseavam-se numa Neurologia localizacionista e associacionista, que considerava o cérebro como “constituído por um mosaico de centros, cada qual responsável por uma determinada função complexa” (Nitrini, 1996). Após a primeira guerra mundial, surgiu a escola semiológica, que enriqueceu a escola neurológica com conteúdos provenientes da Psicologia da época e métodos de exame mais rigorosos; foram incorporados, ainda, dados pioneiros da Fonética experimental, assim como da Lingüística que já havia obtido progressos na descrição, classificação e interpretação dos signos. Surgiu o exame da afasia – testes padronizados em população normal, mostrando os resultados inferiores dos afásicos – e modelos que interpretavam os diferentes significados de um sinal, como o de Luria, na década de 1960. Este autor defendeu a idéia de que o exercício da linguagem apoiava-se em sistemas funcionais independentes e descreveu diversas formas de tratamento para os diferentes tipos de afasia, conforme apresentam as revisoras de suas idéias para a fonoaudiologia, Kagan e Saling (1997). Ducrot e Todorov (1974) elencaram as interpretações da Lingüística para a Neuropsicologia, destacando as contribuições de Roman Jacobson, ainda na década de 1960. Martinet, nessa mesma época (1967)1, igualmente contribuiu com os estudos 16

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até hoje considerados representativos da corrente estruturalista que apoiou as descrições das síndromes afásicas. Os estudos de indivíduos normais, particularmente de aquisição de linguagem, se intensificaram, ao mesmo tempo em que rapidamente a Afasiologia se enriqueceu de termos que foram adaptados à patologia e que, segundo alguns autores, deram origem ao termo Neurolingüística. Não mais se fazia referência unicamente às afasias de Broca e Wernicke, mas a sistemas hierárquicos da linguagem normal, concebidos de acordo com parâmetros novos. O exame das patologias considerava quatro tipos principais de unidades de articulação: traço, fonema, monema, sintaxe, numa organização estrutural. Enumerava traços distintivos e descritivos, considerando aspectos paradigmáticos e sintagmáticos. Na década seguinte, Goodglass (1972)2 estudou a evolução de sintomas na afasia, dedicando-se particularmente ao estudo do agramatismo (Goodglass e Menn, 1976). As descrições dos afásicos ganharam detalhes pouco a pouco (Nespoulous, 1980; Ducarne de Ribaucourt, 1986), evoluindo os estudos em sintaxe e semântica (Warrington e McCarthy, 1984; Warrington e McCarthy, 1987; Hagoort, 1998). No fim da década de 70 e a partir da década de 80 ganharam impulso os estudos sobre discurso e pragmática (BerkoGleason, 1980; Prutting, 1982; Ulatowska, 1983, a,b; Nespoulous, 1990), que impulsionaram as investigações sobre o hemisfério direito (Molloy et al., 1990; Joanette e Goulet, 1990). Goodglass (1998) cita, entre os avanços mais significativos da área da Neurolingüística, o desenvolvimento crescente de pesquisas interdisciplinares. Um exemplo marcante é a participação de profissionais com formação em alta tecnologia de imagens, interagindo com os estudiosos de modelos cognitivos específicos e o resultante acúmulo de conhecimentos sobre relações anátomo-clínicas. O estudo de pacientes portadores de alterações 1 2

Reeditado em 1975 Reeditado em 1983

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de linguagem engloba, hoje em dia, além dos pacientes com traumatismo cranioencefálico (população alvo das duas grandes guerras), aqueles com afecções vasculares, tumores cerebrais, assim como os com patologias degenerativas.

Fonoaudiologia e Neurolingüística Não se tem informação precisa de quando a Fonoaudiologia iniciou o diálogo com as ciências que se interessavam pela Neurolingüística. Provavelmente isto ocorreu durante o período da segunda guerra mundial, momento em que se abriu espaço para profissões consideradas de reabilitação, ou seja, com acentuado caráter de atividade clínica, com o intuito de atender aos pacientes com seqüelas de ferimentos de guerra. O fato de o fonoaudiólogo acompanhar de perto a evolução dos pacientes afásicos em reabilitação fez que se vislumbrasse seu papel de pesquisador. Destacam-se entre os temas estudados a busca de suporte teórico à reabilitação e a verificação de resultados terapêuticos em termos de eficácia e efetividade. Tal movimento permitiu: • sofisticar a descrição dos dados disponíveis para o estudo da linguagem, cooperando para a construção, revisão ou negação de modelos, em suma, ampliando a discussão sobre modelos teóricos de linguagem; • igualmente contribuir e interagir com a Psicolingüística na construção, validação e adaptação dos modelos cognitivos, fornecendo dados para o estudo da normalidade e patologias de linguagem; • utilizar o modelo de estudo das afasias para a investigação e atividade clínica em outros quadros como demências e traumatismos cranioencefálicos; • contribuir para o estudo de plasticidade neural e aprendizagem; 18

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• cooperar em equipe para o diagnóstico e tratamento dos pacientes.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM NEUROLINGÜÍSTICA: NÍVEIS DE ANÁLISE LINGÜÍSTICA

Linguagem A American Speech and Hearing Association (ASHA) adota a seguinte definição: “Linguagem é um complexo e dinâmico sistema de símbolos convencionais que é utilizado de vários modos para o pensamento e a comunicação. Visões contemporâneas da linguagem sustentam que: a) a linguagem evolve no âmbito de contextos históricos, sociais e culturais específicos; b) é um comportamento governado por regras, descrito por pelo menos cinco parâmetros – fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático; c) o aprendizado da linguagem e seu uso são determinados pela interação de fatores biológicos, cognitivos, psicossociais e ambientais; d) o uso efetivo da linguagem para comunicação requer um largo entendimento da interação humana incluindo fatores associados, tais como pistas não verbais, motivação e papéis sociais.”

Fonética Os estudos fonéticos estão dirigidos para aspectos acústico19

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perceptuais e articulatório-motores da fala. Trata-se do estudo de variações de produção da fala, que se encontram fora do âmbito da distinção de significados.

Fonologia A Fonologia pode ser dividida entre os estudos de aspectos segmentais (dos fonemas) e supra-segmentais (da prosódia). Os fonemas apresentam as seguintes características: a) têm função distintiva; b) não se podem decompor numa sucessão de segmentos, tendo cada um deles uma função; c) são definidos apenas pelas características que neles têm valor distintivo, a que os fonólogos chamam pertinentes. Os estudos de fonologia preocupam-se com regras que governam a distribuição e seqüência dos sons de fala. Incluem a descrição dos traços componentes (preocupação específica da fonética), as regras de distribuição, que governam como os sons podem ser usados em variadas posições nas palavras, e a regras de seqüência que descrevem quais sons podem ser combinados. As regras de distribuição são particulares a cada língua. Os estudos em Fonologia evoluíram de forma notável nesses últimos 20 anos. Após o período gerativista, conhecido como o dos estudos dos Padrões Sonoros do Inglês (Sound Pattern of English) seguiu-se uma revolução no estudo de regras e representações, com a adição de elementos da área prosódica. Na verdade, o componente fonológico foi inteiramente repensado e formalizado na gramática gerativa, em conseqüência da Fonologia lexical e prosódica (Paradis, 1993). 20

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Morfologia A Morfologia ocupa-se do estudo da evolução histórica das palavras, bem como de suas formas. Adicionalmente às palavras de conteúdo, que se referem a objetos, entidades e eventos, existe um grupo de palavras e inflexões que veiculam significados sutis e servem para especificar funções gramaticais e pragmáticas. Estes termos têm sido referidos como morfemas gramaticais, cuja função é modular o significado. Os estudiosos de morfologia reconhecem um número de subsistemas de regras ou processos; a aplicação dessas regras e subsistemas tem por objetivo identificar a fonte dinâmica de diversos fenômenos, os quais se reagrupam, sob os títulos freqüentemente empregados: derivação, flexão, composição, etc. Cada um destes títulos nomeia um subtipo de morfologia. Tradicionalmente, esses estudos vinham sendo realizados de forma quase indissociada da sintaxe. Recentemente, a Morfologia conheceu renovação no sentido de ser reconhecida como área autônoma (Villiard, 1993).

Sintaxe Refere-se a um sistema de regras que governa a combinação das palavras em unidades de significado mais complexas (frases, proposições, sentenças). As regras sintáticas especificam a ordem das palavras, a organização das sentenças e a relação entre palavras, classes de palavras e constituintes de sentenças, como frases nominais e frases verbais. Os trabalhos em sintaxe têm sido realizados com fundamentos da gramática gerativa e somam um grande número de publicações realizadas por lingüistas de todo o mundo. O resultado deste investimento aparece sob várias subteorias de sintaxe gerativa. Um dado importante na evolução desses estudos foi a criação da semântica gerativa. As divergências dessas teorias têm acordo em um ponto central: trabalham com a idéia de que, em larga medida, as estruturas da frase podem 21

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ser preditas a partir do sentido do léxico. Pouco importa a teoria utilizada, dá-se importância primordial ao léxico e à sua estrutura e existe especial interesse pelos fenômenos sintáticos que não podem ser explicados pela semântica lexical (Roberge, 1993).

Semântica É o aspecto da linguagem que governa o significado das palavras e da combinação de palavras. Alguns autores consideram a divisão semântica lexical e relacional. A semântica lexical envolve o significado individual das palavras: trata-se dos “itens em um dicionário”. A semântica relacional refere-se aos sentidos depreendidos da relação entre as palavras. Os estudos na área de Semântica têm merecido considerável investimento dos pesquisadores na área de Neurolingüística. Os estudiosos de processos mentais têm como tema central a recuperação do significado das palavras. Nesta linha, a noção de léxico mental constitui ponto de partida para muitos estudos sobre produção e compreensão da linguagem. O léxico mental refere-se ao conhecimento do usuário a respeito da sua língua. Este conhecimento especifica não somente padrões sonoros e ortográficos das palavras, mas também suas propriedades gramaticais (por exemplo: classe de palavra e gênero), sua estrutura morfológica e seu significado. Existem evidências, tanto por estudos neuropsicológicos quanto por estudos de imagem, de que esses diferentes tipos de conhecimento são largamente representados, de forma distribuída, em áreas do cérebro. O papel do léxico mental no processamento da linguagem é mediar a representação garantindo o acesso ao significado.

Pragmática É o estudo da linguagem em contexto. Preocupa-se especial22

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mente com sua função de comunicação, examinando as intenções dos usuários e as imposições, restrições e necessidades do contexto. Os estudos no âmbito da pragmática incluem os que se ocupam do contexto lingüístico, para-lingüístico e extralingüístico. Nos primeiros, o contexto é o discurso ou texto, considerado em sua macroestrutura (a organização geral de sua arquitetura) e microestrutura (proposições). Um tipo especial de discurso que tem merecido atenção é a conversação. Estudos na linha de análise de conversação analisam o saber compartilhado na construção do tópico, bem como rituais de interação interpessoal, além do conhecimento prévio entre os interlocutores (Hupet, 1993).

ESTUDO DAS ALTERAÇÕES DA FALA, LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO DOS LESADOS CEREBRAIS

Alterações de fala – nível fonético As alterações de fala compreendem as disartrias, resultantes de comprometimentos em vários níveis do sistema nervoso. A definição clássica refere-se a alterações em pelo menos dois dos quatro sistemas que participam da produção da linguagem: sistema respiratório, fonador, articulador e ressoador. O estudo clássico de Darley (1976) admite cinco tipos de disartrias, conforme o sítio de lesão. Quando o comprometimento é no neurônio motor inferior, as alterações de fala variam conforme o par craniano acometido: V par (trigêmeo) resulta em alterações no controle mandibular durante a produção oral; VII par (facial) afeta o controle labial, trazendo como conseqüências distorções no controle dos fonemas bilabiais e alterações no controle da pressão intra-oral para a emissão de plosivas e fricativas; X par (vago) leva a alterações na direção oral 23

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do ar durante a fonação, resultando em excessiva e inadequada nasalidade; XII par (hipoglosso) responde pelas desordens dos movimentos de língua, e, portanto, de todos os fonemas que envolvem sua movimentação. Darley (op. cit.) denomina este quadro de disartria flácida. As doenças do neurônio motor inferior resultam de quadros tumorais, traumáticos, infecciosos, tóxicos, degenerativos, etc. Alterações no nível subcortical levam a desvios da produção, relacionados principalmente ao processo de monitoração de aspectos segmentais e supra-segmentais da fala: controle de intensidade, ritmo, prosódia, além das alterações fonéticas. Estas são classificadas, no modelo de Darley (op. cit.), como disartrias hipocinéticas e hipercinéticas (lentas e rápidas). Os quadros mais conhecidos que podem levar a estas disartrias são doenças degenerativas como a doença de Parkinson e doença de Huntington, entre outras. Alterações no cerebelo levam igualmente a dificuldade na regulação dos componentes do movimento durante a produção dos fonemas: força, direção, duração e alcance. O resultado é uma fala escandida, com alterações prosódicas. Darley (op. cit.) denomina este quadro de disartria atáxica. Doenças degenerativas, vasculares ou tumores extensos dos pares cranianos podem comprometer o cerebelo. Lesões no neurônio motor superior podem ocasionar disartrias que se caracterizam pelo aumento do tônus muscular e liberação de reflexos do tronco encefálico. Afetam todos os subsistemas envolvidos na produção oral. São conhecidas como disartrias espásticas. Doenças vasculares, desmielinizantes, tumorais e degenerativas podem desencadear esse tipo de disartria. Darley (op. cit.) admite quadros mistos, em que se notam sintomas decorrentes de lesões mais difusas: é o caso da esclerose lateral amiotrófica, onde aparecem sinais de acometimento de neurônio motor superior e inferior, e da Doença de Wilson, classificada como atáxica-espástica-hipocinética.

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Alterações de fala: passagem do nível fonológico para o fonético Darley (op. cit.) admite em seu modelo um nível conceitualprogramador que seria responsável pela tradução dos engramas motores em movimentos efetivos de produção da linguagem oral. Alterações nesse nível levam a dificuldades de programar/produzir, desde movimentos isolados, em casos graves, até a fala encadeada, na qual as junções e passagens necessitam programação refinada. O estudo destes aspectos toma como modelo a apraxia de fala, doença que decorre de afecções vasculares, tumorais, infecciosas ou tóxicas no sistema nervoso central (SNC), e acomete regiões corticais frontais e parietais ou mesmo sítios subcorticais.

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM – NÍVEIS FONOLÓGICO, MORFOLÓGICO, SINTÁTICO, SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO Afasias Afasia é o distúrbio adquirido da linguagem que se encontrava plenamente desenvolvida e intacta no indivíduo, decorrente de uma lesão cerebral focal. Desde as primeiras descrições clínicas de indivíduos afásicos, realizadas por Paul Broca (1861) e Karl Wernicke (1874), em meados do século XIX, observou-se que as alterações de linguagem poderiam apresentar diversas formas distintas, em decorrência de lesões em sítios anatômicos diferentes. Na prática clínica, o uso de classificações toma por base a descrição sindrômica dos sinais encontrados nos vários quadros afásicos, bem como a sua correlação com a lesão anatômica correspondente mais provável. A classificação atualmente compartilhada pelos estudiosos de linguagem é a de Wernicke-Geschwind (Goodglass, 1983). Podemos dividir, de 25

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forma bastante genérica, as afasias em anteriores (em relação à fissura sylviana, portanto em lobo frontal) e posteriores (em lobo temporal e áreas de associação posteriores). Nas afasias anteriores predominam os distúrbios de produção oral, com perda da fluência, anomia, agramatismo, disartria e apraxia de fala. A compreensão é relativamente preservada. São representadas, na classificação de Gescwhind pela afasia de Broca, afasia transcortical motora e afemia. Nas afasias posteriores ocorre um maior prejuízo da compreensão, com discurso fluente, parafasias semânticas e literais, dissintaxia e anomia. São representantes deste grupo a afasia de Wernicke, afasia transcortical sensorial, afasia de condução, afasia anômica e surdez verbal pura. As afasias globais e transcorticais mistas combinam elementos das duas categorias. Afasias devido a lesões subcorticais também ocorrem, sendo que nas lesões de núcleos da base predominam as alterações motoras-articulatórias e dificuldades lexicais enquanto nas lesões acometendo o tálamo podemos observar anomia, alterações de repetição e de compreensão. (Brunner, 1982; Mega, 1994; Crosson, 1985, 1998).

Alterações de linguagem em doenças degenerativas Ao lado das síndromes focais, inúmeras doenças degenerativas do SNC apresentam alterações de linguagem que lhe são peculiares. Estas doenças também representam um valioso material para análise das desordens da linguagem e fala. Entre estas, destacamos a doença de Alzheimer, em que ocorre um processo de deterioração progressiva de múltiplas funções cognitivas (demência), que geralmente se inicia por alterações de memória (episódica e semântica), e culmina em uma inabilidade de realizar tarefas de autocuidado de forma independente (higiene pessoal, alimentação, etc.). As alterações de linguagem são precoces, paralelas ao acometimento da memória. 26

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Outro grupo de doenças degenerativas é o das afasias progressivas primárias (APP) fluentes e não fluentes, nas quais há relativa preservação da maioria das funções cognitivas, ao menos por dois anos. A forma fluente tem evolução relativamente rápida e, do ponto de vista da linguagem, os pacientes apresentam produção abundante, vazia no conteúdo lexical e dificuldades de compreensão do contexto sintático, predominando alterações semânticas. APP não fluente tem evolução mais lenta, com produção oral difícil e telegráfica, longas pausas para resgate lexical e freqüentes erros fonológicos e gramaticais. Entre as parafasias, predominam as fonêmicas. A compreensão está preservada para os aspectos semânticos, havendo dificuldades com a sintaxe. (Mesulam, 2000).

MODELOS PARA O ESTUDO DA LINGUAGEM Modelo de lesão É o mais clássico e antigo modelo científico de estudo de funções cerebrais conhecido, durante muito tempo o único disponível, tendo permitido numerosos avanços na compreensão dos processos fisiopatológicos envolvendo o cérebro e suas funções. Consiste em estabelecer uma correlação entre uma lesão circunscrita a uma região cerebral e um padrão de alterações clínicas em algum aspecto da função cognitiva e / ou comportamental. Em outras palavras, a partir de uma teoria sobre o funcionamento de uma rede de circuitos cerebrais, a existência de uma lesão em algum ponto deste circuito permite verificar a veracidade ou não da teoria (Damasio, 1997). Iniciado a partir de estudos anatomopatológicos, o método de lesão passou a ser utilizado também no contexto de intervenções cirúrgicas, mas ganhou seu impulso definitivo após 27

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o advento dos modernos métodos de neuroimagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética) e dos estudos de atividade cerebral funcional através da análise da perfusão cerebral (tomografia por emissão de fóton único – SPECT, tomografia por emissão de pósitrons – PET, ressonância magnética funcional). O método de lesão possui limitações, tais como a impossibilidade de se “criar” lesões predeterminadas de acordo com a necessidade do pesquisador (em humanos) e a existência de variações anatômicas cerebrais individuais, que podem levar a erros de interpretação quando uma lesão é comparada com um modelo anatômico padronizado. Além disso, freqüentemente as lesões cerebrais decorrentes de doenças são extensas, interferindo no desempenho do indivíduo em diversas funções interligadas, o que exige do pesquisador um enorme grau de habilidade em manipular e interpretar os dados obtidos a partir destas observações. Lesões focais: constituem lesões numa área delimitada do tecido cerebral, identificável através de um método de imagem, podendo ser decorrentes de um insulto que se estabelece de forma aguda e não progressiva, ou por vezes de um modo subagudo e rapidamente progressivo. Os exemplos mais freqüentes na prática clínica são os acidentes vasculares cerebrais, os traumatismos cranioencefálicos, neoplasias intracranianas e alguns tipos de quadros infecciosos (abscessos cerebrais, granulomas). Lesões não focais: caracterizam-se por não serem anatomicamente delimitadas. São difusas (distribuem-se por todo o tecido cerebral), embora possam predominar em uma determinada região. Em geral são associadas a doenças degenerativas, de caráter progressivo. Na prática clínica predominam as afecções tóxicas, metabólicas, alguns quadros infecciosos (meningites, encefalites) e doença de Alzheimer.

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Modelo lingüístico O modelo lingüístico parte da premissa de que a linguagem é uma função específica, abstrata, atividade cognitiva governada por regras. Jacobson (op. cit.) foi um dos precursores da aproximação entre os estudos lingüísticos e as alterações de linguagem. Lesser e Milroy (1994) mais recentemente publicaram interessante revisão das idéias da aplicação dos estudos lingüísticos à Afasiologia. O referencial lingüístico, como não poderia deixar de ser, constitui a base descritiva para os estudos de linguagem e comunicação. No entanto, algumas áreas da Neurolingüística beneficiaram-se em particular da aproximação com teorias lingüísticas. O campo em que ocorreu grande número de estudos com base lingüística é o dos afásicos com dificuldades de processamento sintático. As dificuldades de compreensão são explicadas por teorias estruturais de inspiração gerativista, que buscam definir elementos de estruturas sintáticas cuja ausência poderia levar a uma dificuldade de compreensão; essa mesma linha entende que determinados conhecimentos procedimentais implicados nas operações para a depreensão do significado a partir da sintaxe estariam perdidos (Grodzinsky, 1986, 1995; Beretta, 1998a, b, 1999). Estas idéias encontram um ponto em comum nas chamadas “teorias do movimento”, oriundas da Lingüística Gerativa. Essa teoria diz que “para compreender uma sentença que sofreu movimento, o elemento movido tem de ser posto na sua posição de origem”. Sentenças que sofreram movimento de alguma de suas partes (nos casos estudados, para uma posição mais à esquerda) são mais difíceis de processar quando a ordem canônica (padrão) dos argumentos é alterada; é o caso de orações em voz passiva, em que a ordem dos participantes na ação é diferente da ordem padrão. Teorias que consideram o problema como sendo uma inabilidade de estabelecer a relação entre um elemento deslocado e uma lacuna (traço) (Grodzinsky, 1986) e teorias que consideram 29

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o problema no âmbito da necessidade de manter dependências (Beretta, 1999) explicam os déficits de forma diversa. Em relação à terapia, as aplicações visam a recuperar a atividade lingüística, organizando os estímulos de acordo com seu referencial teórico. Thompson et al., em várias publicações (1994, 1995, 1997), defendem a idéia de que os programas de tratamento das afasias deveriam levar em conta as propriedades sintáticas das sentenças. A idéia é que o paciente extraia o significado estabelecido a partir das relações da sentença, como por exemplo, o que se depreende a partir da realização da pergunta “QUEM” para o verbo? Quanto à produção, a teoria que enuncia as regras de combinação sintática (Government Binding – GB) parte das propriedades lexicais dos verbos e leva em conta a dificuldade dos pacientes agramáticos em recuperá-los (maior dificuldade para verbos em relação a nomes) (Gainotti, 1998). Outro ponto é a maneira como as propriedades lexicais dos verbos interagem com a sintaxe, o que, segundo o princípio de projeção, acontece em todos os níveis de produção da linguagem. Entre estas propriedades, que são geradas em estrutura profunda, encontra-se a das exigências em relação a papéis temáticos (agente-tema-objeto) (Shapiro, 1997). A tendência atual é a de considerar as idéias do modelo lingüístico interagindo com as do modelo neuropsicológico, como, por exemplo, o papel da memória operacional na compreensão e produção de frases.

Modelo neuropsicológico O enfoque dado pela Neuropsicologia Cognitiva ao estudo da linguagem enfatiza primariamente sua arquitetura funcional, construindo modelos, numa abordagem complementar aos aspectos puramente clínicos e anatômicos. Uma premissa básica deste método de investigação é a de que as rupturas nas etapas de processamento da linguagem, observáveis em sujeitos com lesões 30

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cerebrais, refletem os componentes naturais deste sistema. Assim, “... o comportamento do paciente com lesão cerebral orgânica reflete amplamente capacidades que existiam no estado pré-mórbido. Poderíamos, então, fazer algumas inferências sobre a organização da função linguagem normal a partir de padrões de preservação e prejuízo funcional:...” (Marin et al., 1976). Este enfoque permite a valorização da pureza de um determinado déficit sobre a freqüência de sua ocorrência numa população de afásicos.

DISTÚRBIOS DO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM Processamento de palavras Compreensão: Tais alterações são freqüentes em indivíduos afásicos, e podem ocorrer em diferentes formas. Desordens do processamento fonológico (recuperação de unidades reconhecidas como palavras, em meio aos diversos padrões sonoros que podem ser produzidos pelo trato vocal humano) podem ser avaliadas por testes de percepção fonêmica. O tipo de afasia que mais se presta a este estudo é a surdez verbal pura. Algumas questões que permanecem altamente controversas na literatura dizem respeito ao prejuízo do processamento auditivo em nível pré-fonético em contraposição ao prejuízo específico do manejo (manipulação) fonético. O processamento lexical diz respeito ao emparelhamento entre a entrada auditiva e elementos da memória lexical que representam a forma fonológica da palavra. A perda do acesso à representação fonológica pode ser avaliada por tarefas de decisão lexical, através da comparação entre o desempenho a partir da entrada auditiva e escrita. Outro aspecto que pode estar acometido neste processo é o acesso ao significado da palavra, testado através das provas de compreensão auditiva. 31

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Os déficits de processamento semântico, que envolvem a perda do significado das palavras, ocorrem com bastante freqüência, especialmente associados a outros prejuízos (como na afasia de Wernicke). Existem, no entanto, casos em que esta desordem ocorre de forma relativamente isolada, como nas afasias transcorticais sensoriais, em casos de encefalite herpética e nas demências semânticas, onde aparecem lesões especialmente em porções médias e inferiores do lobo temporal. Um aspecto que vem merecendo destaque crescente na literatura é o estudo das perdas semânticas seletivas ou de “categorias-específicas”, em que pode predominar o prejuízo do acesso semântico para palavras abstratas, com preservação do mesmo para palavras concretas, ou em que aparecem dificuldades em relação a elementos animados (animais), mas não para elementos inanimados. A existência destes déficits específicos estimula a discussão sobre a possível existência de um sistema semântico unitário ou subdividido para tipos diferentes de conhecimentos. Produção: Na visão psicolingüística tradicional, a produção das palavras envolve múltiplas etapas, começando pela conceituação e terminando nos movimentos articulatórios. Os modelos modernos trabalham com a noção de processamentos simultâneos nos vários níveis. Neste caso, são amplamente aceitos como modelos válidos de interpretação dos fenômenos concernentes a esta tarefa a observação e análise dos erros de produção efetuados por indivíduos normais (Dell, 1986). Assim, tomando-se como exemplo um aspecto da produção verbal, a saber, o resgate das palavras prévio à codificação articulatória, encontramos a possibilidade de haver erros de substituição de ordem semântica e fonológica, ou mistos, sendo que a maior diferença entre estes erros e os encontrados em indivíduos afásicos é a maior freqüência de ocorrência de não-palavras nos últimos. A questão referente à interdependência entre os processos de seleção lexical e codificação fonológica permanece como um campo ainda aberto 32

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a estudos. Outra variável que também desponta como elemento integrante do processo de seleção lexical é a classe gramatical. Diversos pacientes apresentam maior inabilidade na recuperação de substantivos em comparação a verbos, sendo que as lesões frontais parecem comprometer principalmente a produção de verbos, enquanto as lesões temporais afetam principalmente a produção de substantivos.

Processamento de sentenças Compreensão: A compreensão de sentenças vai envolver não apenas os aspectos relativos à apreensão do significado das palavras isoladamente, como também a capacidade de lidar com os aspectos sintáticos da linguagem e habilidades não lingüísticas relacionadas à memória operacional. A afasia de Broca é o modelo mais adequado à análise da disfunção sintática, mas neste campo também é de grande valor a observação do desempenho de indivíduos normais frente a material de diferentes graus de complexidade sintática. Vários enfoques têm sido desenvolvidos na literatura a fim de tentar caracterizar qual o problema primário subjacente à ruptura da organização sintática, entre eles: o prejuízo no processamento das palavras de classe fechada; a perda do conhecimento gramatical; a hipótese da “capacidade limitada”, segundo a qual os processos de análise e interpretação se tornam mutuamente exclusivos pela falta de capacidade operacional para se realizar os dois; a “hipótese do mapeamento”, observando que os pacientes “assintáticos” conseguem analisar as sentenças, mas não conseguem realizar outras operações, com a transposição da representação sintática para o plano temático (Linebarger et al., 1983). Um aspecto que tem sido valorizado de forma crescente em relação à compreensão de sentenças é a participação da memória operacional, especialmente no seu componente fonológico. Dentro 33

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desta perspectiva, vários estudos têm ressaltado a presença de alterações de compreensão sintática em pacientes com doença de Parkinson, sendo tema de interesse crescente na literatura o papel desempenhado pelas alterações de atenção e memória nesta disfunção (Lieberman, 1992; Grossman et al., 1992). Produção: A moderna teoria psicolingüística sustenta que a produção de sentenças envolve a recuperação de uma estrutura sintática que determina a ordem das palavras (artigo-substantivoverbo-etc.), e que serve como modelo para a inserção das palavras específicas. Os indivíduos com afasia de Broca parecem apresentar uma ruptura nesta “estrutura-molde”, levando à redução das possibilidades de construção sintática.

Modelo conexionista Os modelos de redes conexionistas, redes neurais ou PDP (processamento de distribuição paralela) baseiam-se em modelos computacionais das funções cognitivas. Este método de estudo é relativamente recente, tendo se iniciado por volta da década de 1950. O princípio das redes neurais fundamenta-se na compreensão de suas características básicas, a saber: • as redes são constituídas por unidades elementares que se interconectam de forma que cada unidade tem várias interligações com outras, interferindo com estas a partir de mecanismos de excitação e inibição; • as redes podem ser distribuídas em camadas de funcionamento; todas as unidades geram determinadas saídas a partir da soma de entradas recebidas, quando estas ultrapassam um determinado limiar de ação; • as características e propriedades de funcionamento das redes são determinadas por um conjunto de regras e 34

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algoritmos a elas aplicados a fim de regular a conexão entre as unidades; pode haver “aprendizado” a partir de um algoritmo de “propagação retrógrada de erros” (Eysenck e Keane, 1994). A partir desta estrutura de funcionamento é possível obter reações a um padrão de estímulos, e hipóteses teóricas sobre o funcionamento cognitivo podem ser testadas (figura 1). O modelo conexionista, entretanto, tem limitações, visto que não existe ainda uma representação que possa reproduzir a complexidade do cérebro humano, tanto do ponto de vista da quantidade de interligações entre os milhões de neurônios de sua rede, como pela infinidade de entradas que são processadas simultaneamente no desempenho das funções cognitivas (incluindo motivação, emoção, etc.), características ainda difíceis de serem reproduzidas num modelo computacional.

Figura 1 - Adaptação do modelo computacional de espaço de ativação de Hinton e Shallice (1991) para dislexia profunda, mostrando os atratores para duas palavras. Após lesão nas unidades semânticas, as correntes de atração mudam das mostradas em linhas contínuas para aquelas mostradas em linha tracejada, gerando erros.

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O quadro abaixo sintetiza a relação entre os estudos das neuropatologias da comunicação e os diferentes níveis lingüísticos.

DOENÇA

Doenças vasculares Doença de Parkinson Doença de Huntington Esclerose lateral amiotrófica Doença de Wilson Doenças vasculares Trauma cranioencefálico Doenças vasculares Neoplasias Doenças infecciosas Demência

Doenças vasculares Neoplasias Doenças infecciosas

NÍVEIS DE INVESTIGAÇÃO LINGÜÍSTICA ALTERAÇÃO DE FALA, LINGUAGEM E FONÉTICO FONOLÓGICO MORFOSSINTÁTICO SEMÂNTICO PRAGMÁTICO COMUNICAÇÃO

disartria

apraxia de fala

afasia alterações lingüísticocognitivas alterações da comunicação

Quadro 1 – Relação entre as doenças neurológicas e os níveis de investigação da linguagem

INTERFACE ENTRE LINGUAGEM E OUTRAS FUNÇÕES CEREBRAIS Não existe função cognitiva que se realize de forma independente de outras funções cerebrais. Algumas vezes esta relação se dá na forma de complementaridade, outras vezes na forma de modulação. No caso específico da linguagem, duas outras funções

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cognitivas se prestam particularmente a este papel de suporte: a atenção e a memória. Atenção é a habilidade do indivíduo de focalizar e dar relevância a um estímulo específico, sem distração por outros estímulos internos ou ambientais (Umilta, 1988). A concentração diz respeito à capacidade de atenção sustentada por um período de tempo (Strub e Black, 1993). Alguns exemplos de como alterações de atenção podem afetar o desempenho do indivíduo em tarefas que dependam da linguagem podem ser encontrados em pacientes com lesões frontais (redução da fluência verbal, adinamia, alterações do discurso), em pacientes com heminegligência (dislexia por heminegligência) e naqueles com doença de Alzheimer (podendo levar a alterações da compreensão e erros de produção). A memória está envolvida em praticamente todos os passos do processamento lingüístico. Déficits na memória operacional podem se refletir em alterações da compreensão, na aquisição de vocabulário e mesmo na produção da fala. Mais uma vez, a doença de Alzheimer constitui um exemplo de patologia que se presta ao estudo da influência das desordens de memória na linguagem. A memória desempenha papel da maior relevância no aprendizado ou re-aprendizado, em situação de reabilitação. Uma inter-relação importante que ocorre entre duas funções cerebrais é aquela existente entre linguagem e emoção. Os aspectos emocionais são expressos na linguagem especialmente por intermédio da prosódia. Expressões exclamativas, expletivas, gírias e provérbios também são formas de tradução do componente emocional de um discurso (Van Lancker et al., 1998). Alterações deste aspecto da linguagem podem ser encontrados em pacientes com lesões hemisféricas focais (especialmente à direita), e em doentes com demência, nos quais costuma ocorrer uma perda do caráter afetivo do discurso.

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CAPÍTULO II

ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA LINGUAGEM

LINGUAGEM – ONTOGÊNESE O desenvolvimento da linguagem, no grau de diferenciação conseguido pelos seres humanos, permitiu que a espécie desenvolvesse uma estrutura de organização social sem paralelo entre as demais. Postula-se que a adoção da postura bípede, associada a um uso diferenciado das mãos, oponência do polegar e indicador, maior ênfase no sentido da visão (levando a alterações crânio-faciais peculiares) foram os fatores que criaram as condições para que o aparelho fonador pudesse se desenvolver, permitindo uma gama inédita de sons produzidos por um ser, até então (Kay et al., 1997). Associada a este fenômeno, a evolução de todo o cérebro, e, particularmente dos lobos frontais, permitiu que o homem adquirisse a capacidade de converter idéias (significados) em símbolos, que podem ser compartilhados com seus semelhantes.

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LINGUAGEM - AQUISIÇÃO Teorias atuais favorecem o ponto de vista de que a linguagem é inata, baseada na expressão genética de determinadas características do sistema nervoso central humano, e subordinada a fatores biológicos comuns a toda a espécie humana. No entanto, em fases precoces do desenvolvimento da criança, o potencial biológico sofre diferenciação e molda-se de acordo com o ambiente cultural a que o indivíduo pertence. Assim, uma criança nascerá com um aparato auditivo que lhe permite reconhecer todos os fonemas que podem ser produzidos em todas as línguas, mas perderá progressivamente esta capacidade à medida que o tempo passa, o que explica por que a aquisição de uma segunda língua torna-se mais trabalhosa, quando aumenta a idade do indivíduo. Um argumento a favor da determinação biológica da linguagem é o fato de que seu aprendizado obedece à mesma série de estágios, independente da cultura, o que provavelmente reflete o mecanismo de maturação cerebral. Crianças com aproximadamente seis meses de idade iniciam o balbucio, com cerca de um ano falam palavras isoladas, aos dois anos passam a combinar palavras progressivamente, sendo que ao redor dos quatro anos conseguem formar frases com estrutura sintática similar à de um adulto. A constatação de que as crianças aprendem as regras sintáticas por observação da conversação informal reforça a idéia da existência de um substrato biológico predeterminado, o qual “conhece”, previamente, os elementos universais da linguagem (Chomsky, 1972). A partir dos universais, aspectos particulares de cada língua serão inseridos, de acordo com o ambiente social. Com algumas semanas de idade, a criança começa a emitir sons, que, a partir dos seis meses, são constituídos de combinações entre consoantes e vogais, adquirindo progressivamente pausas, inflexões e entoações. Até esta etapa, crianças ouvintes e surdas apresentam desempenhos semelhantes. Sabe-se que ao redor dos 44

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três meses, a retroalimentação por via auditiva e a imitação dos sons produzidos pelos demais indivíduos (especialmente a mãe) passam a desempenhar um papel importante no acréscimo da gama de sons que a criança aprende a reconhecer e produzir, havendo a consolidação de um circuito auditivo-proprioceptivo-motor envolvendo o sistema nervoso central e a musculatura relacionada à fala. A capacidade de imitação de sons vai proporcionando uma variedade cada vez mais complexa de combinações, culminando com a primeira palavra, em torno dos 12 meses. É oportuno notar que as idades de aquisição das diversas fases descritas podem variar grandemente entre os indivíduos, sendo que os dados fornecidos representam uma média do usualmente observado. As primeiras palavras ditas por uma criança em geral dizem respeito a pessoas e, posteriormente, a objetos. Isto reflete a integridade dos circuitos entre a área auditiva (giro temporal superior esquerdo) e o centro de controle motor da fala (giro frontal inferior E) para as palavras que são aprendidas ao serem ouvidas e entre as regiões occipitais e temporal esquerda para o aprendizado de objetos que são vistos. Gradativamente a criança vai aprendendo mais nomes, seguidos de verbos e palavras relacionais, sendo que ela aperfeiçoa o desempenho, usando como referência a linguagem dos indivíduos próximos. No segundo ano de vida a criança aprende a combinar palavras (dois ao final dos dois anos, quatro ao final dos três anos). Do ponto de vista fonológico, é possível que ainda não consiga pronunciar todos os fonemas da língua até os cinco anos de idade (na língua portuguesa), especialmente os encontros consonantais. Aos quatro anos de idade, uma criança conhece um grande número de palavras e é capaz de combiná-las a ponto de poder realizar narrativas, e estima-se que aos seis anos de idade já consiga estabelecer relações espaciais, temporais e causais. Aos cinco anos, está apta a dominar mais uma habilidade da linguagem, que é a leitura (Adams et al., 1997). A leitura é uma atividade que exige associação de modalidades (auditiva e visual), pois implica a capacidade de converter as imagens auditivas e cinestésicas das palavras aprendidas em 45

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símbolos gráficos, o que pressupõe a integridade das conexões entre o giro temporal superior e áreas de associação parieto-occipitais à esquerda. Habitualmente, a escrita se segue à aquisição da leitura, e nesta ocorre a conversão das imagens já citadas em movimentos peculiares da mão. A partir do desenvolvimento completo das habilidades acima descritas, haverá um aperfeiçoamento do uso da linguagem no sentido de se integrar ao comportamento complexo do indivíduo, tanto no planejamento de todas as ações, solução de problemas como no processo extremamente sofisticado de representação interna, que constitui o pensamento. É importante que o profissional de saúde conheça o papel que desempenha cada uma dessas variáveis, pois dessa maneira terá mais facilidade para compreender o que ocorre nos indivíduos lesados com alterações de linguagem, em termos de prognóstico e aplicação de medidas terapêuticas.

FATORES QUE INTERFEREM NA ORGANIZAÇÃO CEREBRAL DA LINGUAGEM

Dominância Hemisférica e Manual A prevalência de pessoas que utilizam a mão direita como preferencial é muito superior ao que se esperaria com base em uma probabilidade aleatória (50%), o que indica claramente que em alguma fase do desenvolvimento o cérebro “opta” por efetuar uma distribuição das funções entre os hemisférios. O correlato anatômico que explica a singularidade da habilidade lingüística repousa no conceito de lateralização hemisférica, a assimetria funcional existente entre os dois hemisférios cerebrais, cuja expressão mais exuberante e facilmente observável é a preferência manual. 46

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A especialização funcional do hemisfério esquerdo (HE) para a linguagem foi admitida por Marc Dax em 1836 e posteriormente por Bouillaud e Broca, em 1861 (Springer e Deutsch, 1998). A dominância manual e para a linguagem não está determinada ao nascimento, mas é um processo que se consolida ao longo de vários anos. Um conjunto de fatores, genéticos e sociais associados, deve atuar em maior ou menor grau para esse fim: fatores predeterminados geneticamente, fatores relacionados ao desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central. Pressões ambientais e culturais assim como interferências danosas, tanto na embriogênese quanto em doenças, podem contribuir para variações na dominância de mão e hemisfério não dominantes (Subirana, 1969). O planum temporale, região do lobo temporal relacionada à fala e que inclui a área de Wernicke, é maior no lado esquerdo da maioria dos indivíduos destros (Geschwind e Levitsky, 1968), sendo que esta diferença anatômica já se manifesta no período gestacional, em torno da 31.ª semana de vida intra-uterina. Embora esta assimetria tivesse sido inicialmente interpretada como decorrente do maior desenvolvimento do planum temporale esquerdo, Galaburda (1987) propôs que o volume desta região à esquerda é constante, sendo o plano direito maior em cérebros simétricos. Assim, temos que o HE, nos indivíduos destros e na maioria dos canhotos, será o “hemisfério dominante”, concepção derivada das primeiras observações de lesados cerebrais esquerdos, com graves disfunções da linguagem e práxicas. Entretanto, pouco tempo se passou até que se reconhecesse que lesões de hemisfério direito (HD, “não-dominante” para a maioria dos indivíduos) também produziam sérias conseqüências do ponto de vista funcional (Jackson, 1958 apud Springer e Deutsch, 1998). A idéia da especificidade funcional de cada um dos hemisférios ganhou consistência a partir dos estudos de indivíduos submetidos a comissurotomia (secção do corpo caloso, a principal estrutura que conecta e permite o tráfego de informação entre 47

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os dois lados do cérebro). Nessa condição os dois hemisférios passam a funcionar de forma “independente” tornando-se possível compreender melhor o papel que cada um desempenha nas funções mais complexas do comportamento humano. De fato, considera-se atualmente que as diferenças hemisféricas são de ordem qualitativa e não quantitativa, refletindo programações genéticas distintas para maturação cortical. Esta é medida pela mielinogênese (processo de formação das camadas de mielina do sistema nervoso), que reflete as possibilidades funcionais do sistema nervoso, para cada estágio do desenvolvimento humano. Como exemplo, sabemos que a maturação de fibras que partem do tálamo para o córtex visual ocorre no final do quarto mês de vida do bebê, enquanto as fibras que partem do tálamo para o córtex auditivo só estarão plenamente mielinizadas ao fim do quarto ano de vida, o que é compatível com o maior tempo necessário para que a criança desenvolva totalmente suas habilidades lingüísticas. Num nível cortical, este processo de maturação pode se estender até a idade adulta, por exemplo, em áreas de associação (Lecours, 1970). Uma das primeiras assimetrias manifestadas pelos neonatos se dá no comportamento de virar a cabeça espontaneamente ou em resposta à estimulação: a maioria das crianças vira a cabeça mais freqüentemente para o lado direito do que para o esquerdo (Liederman, 1987). Esta assimetria tem sido relacionada à dominância manual dos pais (Liederman e Kinsbourne, 1980), assim como a subseqüentes preferências durante a infância (Coryell, 1985). Aos quatro meses o bebê manipula por mais tempo objetos com a mão direita e aos 5-7 meses manifesta preferência na manipulação unimanual direita. Em torno de um ano de idade é possível observar uma predominância de uma das mãos em tarefas bimanuais (Ramsay, 1983). Assimetrias também podem ser observadas em atividades perceptuais, como audição dicótica, mostrando superioridade do ouvido direito para detectar sons relacionados à fala, em bebês com idades de 22 a 140 dias (Best 1988). Tais estudos, embora empolgantes, devem ser vistos 48

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com critério, pois envolvem muitas dificuldades metodológicas e, em alguns casos, as diferenças observadas são discretas. Um modelo genético que tenta explicar como ocorre a dominância manual foi proposto por Annett, em 1985. Um gene dominante (RS+) seria responsável pelo desenvolvimento da linguagem no HE, o que aumentaria as chances de preferência manual direita. Sua forma recessiva (RS-) determinaria ausência de qualquer tendência para dominância na linguagem ou uso preferencial da mão. Supondo que tais genes ocorram em igual freqüência na população, teríamos a seguinte distribuição das possíveis combinações: 25% RS+ RS+, 50% RS+ RS- (todos estes serão indivíduos destros, com dominância hemisférica esquerda para linguagem) e 25% RS- RS-, onde os fatores ambientais seriam altamente determinantes para a lateralidade, o que num ambiente não viciado levaria, neste grupo, à ocorrência de metade de indivíduos destros e metade canhotos. Este modelo prevê, no geral, um índice de preferência manual esquerda em torno de 12,5%, o que se aproxima do encontrado na população em geral e também se harmoniza com as várias possibilidades de assimetria funcional hemisférica nos canhotos, para funções cognitivas, incluindo a linguagem. Tendo se consolidado a especialização hemisférica, no fim da infância, dificilmente essa programação será alterada, a não ser em casos de patologias. Em 1971, Oldfield propôs o inventário Edinburgh, o qual foi subseqüentemente estudado por outros pesquisadores (Ellis et al., 1988; Brito et al., 1989; Ransil e Schachter, 1994). As investigações deram consistência a esse método de quantificação da dominância manual que, a partir daí, foi largamente aplicado na pesquisa e prática clínica em neurolingüística. A partir do uso de questionários sobre atividades praticadas na vida cotidiana ou provas que observam manipulações com objetos reais, determinase o quociente de lateralidade, que reflete a preferência manual do indivíduo. Embora as questões interessantes aventadas nos primeiros estudos tenham sido reexaminadas, a maioria delas ainda não dispõe de respostas definitivas. 49

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Não há diferenças de distribuição de preferência manual entre os sexos (Ellis et al., 1988). Por outro lado, a verificação de intensificação da dominância manual direita com a idade (Ellis et al., 1988) não pode ser interpretada precipitadamente como relativa ao fator da idade, tomado isoladamente. A análise de múltiplos fatores poderia dar conta de dados sobre inadaptações de canhotos, obrigados a viver num mundo construído para destros, podendo refletir a importância do fator social no estabelecimento da dominância. A população brasileira, na avaliação pelo Edinburgh (Brito et al., 1989), revela dominância em acordo com a população de outros países. De 956 sujeitos estudados a incidência de canhotos é de 6,2 (escrita) a 27% (ação de varrer) para os homens e 3,9 (escrita) 21,9% (ação de varrer) para as mulheres. Atualmente a dominância não é mais considerada em termos absolutos. Sabe-se que existem indivíduos com acentuada dominância manual e, portanto, para a linguagem, e outros com dominância menos acentuada, tanto para o HE quanto para o HD. Por outro lado, o próprio conceito de dominância para a linguagem foi questionado, pois os novos conhecimentos de aspectos prosódicos, semânticos e pragmáticos da linguagem permitiram verificar a dominância do HD entre os destros, para esses aspectos. É interessante lidarmos com o conceito de dominância para determinados aspectos específicos da linguagem, o que não exclui a participação do outro hemisfério (não dominante) na atividade. NÍVEL

HEMISFERIO DIREITO

HEMISFÉRIO ESQUERDO

Prosódia

Entoação

Ritmo

Fonemas

Vogais

Consoantes

Sintaxe

aspectos semânticos

regra de seqüenciação temporal

Semântica

interpretação não literal

tratamento refinado de conceitos

Quadro 1 - Predomínio dos hemisférios em relação aos níveis de tratamento lingüístico

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Idade Sabe-se que a idade traz modificações no substrato anatômico, incluindo-se aí o da linguagem. No entanto, nem sempre essas alterações têm expressão funcional. O exemplo mais evidente é a diminuição de tamanho e atrofia do cérebro idoso, sem que ocorram alterações cognitivas notáveis. No entanto, várias fontes mostram que há uma reorganização funcional que ocorre em paralelo às mudanças neurais. Diferenças ocasionadas pela idade, em relação à linguagem, não são somente conseqüência das modificações biológicas do envelhecimento, relacionando-se também às experiências e doenças. Transformações relacionadas à senescência não são exuberantes a ponto de, por longo tempo, se acreditar que a linguagem permanecia quase intacta com o processo de envelhecimento. No entanto, quando se examinaram os dados em detalhe, essas idéias caíram por terra. Notou-se que o envelhecimento alterava seletivamente alguns aspectos do funcionamento lingüístico. Esses dados serão examinados com mais detalhe no próximo capítulo. A compreensão do vocabulário, por exemplo, melhora com a idade, enquanto aumenta a dificuldade na recuperação ativa das palavras. As pesquisas psicolingüísticas desses últimos 15 anos confirmaram, por sua vez, essa conclusão e trouxeram descrições mais precisas sobre a deterioração de certos aspectos da linguagem. Em seu estudo da linguagem dos idosos normais, Ryan (1995) chama a atenção para diferenciações da idade, as quais parecem estar relacionadas a elementos multifatoriais, como perdas sensoriais, especialmente auditivas e visuais, e outras cognitivas, relacionadas ao processamento da informação. Entre essas, destacam-se dificuldades de atenção e de memória, que são as que mais diferenciam grupos de jovens e idosos. São constatadas diferenças entre esses dois grupos no tempo e eficiência geral (Van der Linden, 1994), sendo que a lentidão no processamento diz respeito à percepção, à organização da estocagem e da resposta, 51

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diretamente proporcionais ao esforço solicitado, ou seja, às condições da tarefa. A evidência de redução de recursos para o processamento é constatada pelo aumento do tempo de reação e pela redução da capacidade de dividir a atenção. A amplitude dos efeitos do envelhecimento sobre as capacidades verbais, então, varia largamente em função das exigências específicas de cada prova. Essas exigências dizem respeito ao tempo de apresentação, número de processos solicitados e complexidade das operações em termos inferenciais e de simultaneidade, entre outras. Classicamente, observa-se maior dificuldade nas provas ricas em operações sobre conteúdos léxico semânticos de memória de longa duração. Dificuldades são maiores para fornecer a definição de uma palavra na ausência de qualquer índice, do que quando se trata de reconhecer essa definição entre outras. A prova de fluência é um exemplo; além disso, exige um tratamento rápido de uma quantidade maior de informações do que a nomeação (em que se trata um elemento de cada vez). Do mesmo modo, ocorrem mais dificuldades nas provas de raciocínio verbal do que nas provas de vocabulário. Em contrapartida, nota-se boa performance dos idosos em tarefas com baixa solicitação cognitiva, típicas da vida cotidiana. Isto reforça a idéia de que o envelhecimento está longe de trazer uma deterioração generalizada da linguagem, sendo que ocorrem desvantagens quando se exige tratamento acelerado ou complexo. Em outras palavras, os idosos perdem flexibilidade, espontaneidade, raciocínio abstrato e diminuem a iniciativa. As dificuldades atencionais, de memória operacional e outras, como solucionar problemas e gerar soluções, estão nessa mesma linha. Mittenberg et al. (1989) identificam as mudanças cognitivas dos idosos com aquelas descritas numa síndrome frontal. As modificações constatadas não chegam a ponto de expressar diferenciações em dominância hemisférica ao longo da vida. Atualmente prepondera a evidência de que funções do HE tendem a permanecer no HE e que as do direito tendem a permanecer no HD (Hiscock, 1998). Do ponto de vista neurofisiológico, estudos 52

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recentes, através de tomografia por emissão de pósitrons (PET) comprovaram não haver diferenças nos níveis de metabolismo de glicose, entre HE e HD e em núcleos da base à esquerda e à direita (Duara, 1984).

Sexo Usando estudos psicométricos, diversos pesquisadores têm tentado documentar a existência de diferenças de desempenho em tarefas cognitivas quando se comparam homens e mulheres e, além disso, tentado estabelecer uma correlação entre estes resultados e um possível “padrão de uso” diferente dos dois hemisférios para os dois sexos, sendo que as mulheres tenderiam a usar o cérebro de forma mais “global” e “integrada” que os homens. Este é um assunto altamente controverso na literatura, especialmente levando-se em consideração a grande variabilidade individual, tanto em termos de potencial quanto pela dificuldade em se poder afirmar com certeza, para um sujeito, o quanto cada hemisfério está efetivamente participando de uma dada tarefa complexa, pois o mesmo problema pode ser resolvido mediante diferentes estratégias. Kimura (1992) publicou interessantes resultados em que indivíduos do sexo feminino executaram melhor tarefas relacionadas a percepção visual, como identificar pares de figuras idênticas ou deslocamento de objetos, tarefas de fluência verbal, precisão manual e cálculos aritméticos. Os homens, por sua vez, desempenharam de forma melhor tarefas de percepção espacial (especialmente rotação mental de objetos), tarefas motoras de atingir alvos e raciocínio matemático. As hipóteses para explicar tais diferenças tentam buscar respaldo em diferenças anatômicas entre cérebros de homens e mulheres (Wada, 1975; Alien et al., 1991), que podem resultar, entre outras coisas, do papel desempenhado pelos hormônios na diferenciação sexual. 53

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Multilingüismo Uma questão que se segue naturalmente a como se comportam indivíduos com lesão cerebral nas áreas de processamento da linguagem é: como se comportam os indivíduos que falam mais de uma língua? Uma das questões que ocupou os estudiosos do tema por muito tempo foi a possível lateralização diferenciada entre diversas línguas aprendidas: indivíduos que aprendessem as duas línguas numa idade precoce usariam o HE da mesma forma para ambas; indivíduos que aprendessem a segunda língua mais tardiamente apresentariam uma distribuição mais homogênea entre os dois hemisférios (Vaid, 1983). Outros autores optaram por enfocar as diferenças entre a língua materna e línguas aprendidas posteriormente no método de aquisição. A língua materna em geral é aprendida de modo informal, em padrões conversacionais, o que leva a uma referência a um processo de aprendizado implícito. A segunda língua, em geral, é aprendida através de processos formais, metalingüísticos, lançando mão de estratégias de aprendizado explícito (Paradis, 1994). Até o momento os estudos sobre a participação dos diferentes hemisférios no processamento de várias línguas aprendidas por um sujeito não trouxeram dados conclusivos. Paradis (1990) defende a idéia de que a base neurobiológica utilizada na aquisição e uso das várias línguas é a mesma, localizada no hemisfério dominante. A aparente relevância do HD na segunda língua provavelmente residiria no maior uso de estratégias pragmáticas de inferência para seu desempenho quanto menos competente o indivíduo fosse nesta língua. Segundo este autor, o processamento cognitivo realizado pelos unilíngües e bilíngües é essencialmente o mesmo, havendo paralelismo entre eles: por exemplo, bilíngües permutam línguas, unilíngües realizam um processo semelhante quando trocam os registros; bilíngües misturam e tomam emprestadas expressões, enquanto unilíngües o fazem com os registros; bilíngües traduzem de uma língua para outra e unilíngües realizam paráfrases (Paradis, 54

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1998). É interessante notar que na aquisição precoce de uma segunda língua (até cerca de sete anos de idade), a capacidade de processamento automático das palavras de classe fechada será maior (semelhante às de categoria lexical), enquanto indivíduos mais velhos tenderão a se apoiar preferencialmente em processos conscientes, como vocabulário.

Escolaridade Em 1971, Cameron et al. propuseram a idéia de que a dominância hemisférica esquerda para a linguagem é atenuada em analfabetos. Seu argumento baseava-se na observação de afasias por lesão do HE, que acometiam predominantemente indivíduos alfabetizados de mesmo grupo racial e social. Outros estudos se seguiram na tentativa de dar consistência a essas constatações. Lecours et al. (1988) examinaram 296 sujeitos: 153 homens e 143 mulheres/ 188 lesados cerebrais e observaram diferenças em provas de designação e compreensão. Nas primeiras, levados em conta somente os erros que não poderiam ser atribuídos à negligência visual, ocorreram diferenças significativas entre os controle e os lesados de HE alfabetizados e analfabetos; não foram encontradas diferenças significativas entre os controle e os lesados à D, tanto alfabetizados quanto analfabetos. Em tarefas de nomeação, foi possível observar que os lesados cerebrais à direita analfabetos e os lesados à esquerda significativamente diferiam de seus controles. Castro-Caldas (1998) estudou 12 mulheres destras (seis analfabetas de 65 +/-5anos e seis alfabetizadas de 63 +/- 6 anos), que não poderiam ser incluídas na categoria de analfabetas funcionais. Utilizou seis listas de 20 estímulos de alta freqüência, com três sílabas, e listas de não-palavras, construídas com base nas palavras reais, modificando-se as consoantes. O registro da ativação cerebral foi feito por tomografia por emissão de pósitrons 55

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(PET). Seus resultados mostram que a maior diferença de resultados ocorre na repetição de não-palavras. Essas diferenças dizem respeito à quantidade de erros (84% de respostas corretas nos alfabetizados e 33% nos analfabetos) e à qualidade dos mesmos (léxico-semânticos e fonológicos, tanto no início meio ou fim das não-palavras). Por outro lado, os analfabetos realizaram bem rimas, embora tenham apresentado dificuldades na segmentação em início de palavras ou não-palavras. Os analfabetos tendiam a transformar não-palavras em palavras reais. O PET mostrou redução de ativação específica para a análise de palavras e não-palavras. A escolaridade e, particularmente, o analfabetismo, pode acarretar conseqüências sobre diversas capacidades cognitivas, conforme constata Kolinsky (1996). Entre elas, enumera o autor: a) relacionadas à análise metacognitiva, como, por exemplo, em tarefas de subtração fonológica em que o indivíduo examinado deveria omitir o fonema inicial da seqüência dita pelo examinador (pak Æ ak); b) relacionadas à compreensão da linguagem falada, como reconhecimento de palavras, em tarefas de “ilusão fonológica”, que induzem à fusão; nessa tarefa os indivíduos são induzidos a ouvir palavras diferentes em cada ouvido (por exemplo, dia/grama). O tratamento dos estímulos era realizado por diferentes estratégias, pelos analfabetos e alfabetizados, sendo que esses últimos apoiavam-se num processamento paralelo, auditivo e ortográfico. c) relacionadas à memória de curta duração, como retenção de dígitos; d) relacionadas a capacidades para julgamento gramatical de frases. Além das inabilidades relacionadas a aspectos lingüísticos, outras podem ser observadas: 56

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a) dificuldades no tratamento visual da informação (filtrar informações não pertinentes, orientação, discriminação e classificação de imagens em espelho, análise perceptiva de conjuntos, dificuldades com percepção tridimensional); b) rebaixamento em testes que realizam medidas globais de inteligência, como o WAIS (Wechsler’s Adult Intelligence Scale).

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CAPÍTULO III

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM NO ADULTO E NO IDOSO

IDADE, LINGUAGEM E COGNIÇÃO É importante que entendamos como é a linguagem do adulto e do idoso para que possamos estudar as doenças que se sobrepõem e interagem com as características dessas faixas etárias. Os indivíduos adultos e, particularmente, os idosos que podem se comunicar eficientemente são percebidos como competentes nos seus ambientes. O desenvolvimento da linguagem, embora ocorra de forma mais notável em determinadas fases do crescimento, pode ser constatado ao longo da maturação e envelhecimento do indivíduo. É um processo intrincado e complexo que envolve variáveis nos domínios físico, sensorial, cognitivo, emocional e social. Esta visão abrangente e integrada é importante para o entendimento das alterações da maturidade e senescência.

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A ADULTEZ A linguagem do adulto raramente é objeto de exame. Em geral a aquisição de novas habilidades ocorre informalmente, nos contextos da vida social e profissional. Embora se possam encontrar descrições na área de sociolingüística, pouco se interpreta sobre o processo de sua aquisição. Nas bases de dados para consulta bibliográfica, constam somente quatro títulos referentes a este tema, nos últimos 40 anos.

Que papel a linguagem desempenha na adultez e envelhecimento? Obler (2001) enumera solicitações sociais da vida adulta e a exigência de exercício de linguagem. São habilidades bastante refinadas, que diferenciam o indivíduo no exercício social e profissional. Diferentes ocupações do adulto induzem o desenvolvimento de habilidades específicas, nos diversos domínios lingüísticos. O caso mais notável é o do léxico particular a uma determinada área, que permite a comunicação precisa entre os profissionais, restringindo, por outro lado, o entendimento a quem não pertence ao grupo. Muitas vezes o adulto é pressionado a desenvolver habilidades bastante distantes do que se poderia considerar como “natural”, como lidar com a linguagem dos computadores. Determinados formalismos das comunicações científicas mostram como é possível tornar a linguagem livre de emoções, na perspectiva de obtenção de neutralidade e imparcialidade. Obler (2001 op. cit.) lembra ainda os “malabarismos” de um tradutor simultâneo que, diferentemente da maioria da população, desenvolve a capacidade de falar e ouvir ao mesmo tempo. O uso social acrescenta outros aprendizados, de cunho pragmático, a esta lista: o adulto desenvolve, quase sem se dar conta, a 62

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possibilidade de usar a linguagem para exercer influência e poder, seduzir e afastar, conforme seus desejos. Um exemplo interessante é o uso refinado, no adulto, de figuras de linguagem como ironia e sarcasmo, aprendidas em torno dos seis a oito anos (Creusere, 1999). Goffman (1972) descreve, ainda, a criação da “face”, termo definido por ele como “o valor social positivo que alguém reivindica para si..., a auto-imagem delineada em termos de atributos sociais aprovados”, a personagem social que pretendemos ser, o que envolve todo um ritual de usos da linguagem. Pretti (1991) apóia-se na idéia de Goffman, observando que a preservação da “face” depende da aceitação do discurso e que os idosos apresentam estratégias sutis para preservar a face, como valorizar o passado ou identificando seus valores com os dos ouvintes mais moços. Na mesma linha, Lubinski (1997) lembra que a linguagem contribui para o desenvolvimento e fortalecimento do senso de identidade, pois permite o exercício da autonomia. Ao mesmo tempo, proporciona a troca afetiva relacionada à interação social e a recepção de benefícios estéticos e humorísticos do ambiente.

O envelhecimento O envelhecimento da população foi uma conquista recente, possível a partir da evolução científico-tecnológica, que garantiu sobrevida e saúde aos indivíduos, até aos mais frágeis, levando-os a resistir a doenças e adversidades do meio. O conhecimento sobre a linguagem dos idosos põe em relevo uma série de contradições, poucas certezas e muitas interrogações. Do ponto de vista metodológico, um exemplo de viés diz respeito aos critérios de medida de diferenças cognitivas. É o caso do tempo de reação, medida largamente utilizada para estudos de memória e linguagem (Dirkx e Richard, 1996). O tempo de reação pode estar relacionado à percepção da situação, à tomada de decisão 63

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e a parâmetros físicos que conduzem à resposta. Tarefas que envolvem medidas de tempo geralmente estão prejudicadas pela idade. No idoso, fatores como a maior lentidão motora e diferenças de motivação podem limitar o tempo de resposta devendo os estudiosos se preocupar em subtrair possíveis interferências desta ordem. Entre as contradições, destacamos as metodológicas, nas quais fica evidente a diferença de critérios utilizados para se constituir os grupos de sujeitos idosos, bem como o instrumental de linguagem, e os delineamentos que ainda privilegiam pesquisas transversais. Estudos recentes têm revelado o crescente cuidado dos autores quanto aos critérios de categorização dos idosos, desde a consideração de problemas gerais de saúde, com possível impacto no desempenho cognitivo (Ryan, 1995) até queixas “leves” do ponto de vista cognitivo, num idoso ainda independente e ativo (Mesulam, 2000). Que variáveis deveriam ser consideradas quando constituímos os grupos de idosos para estudo? Sexo, subgrupos de idade (idosos-jovens, idosos-idosos, muito idosos), problemas de saúde (considerados somente em relação a desconforto, drogas utilizadas, hospitalizações), perdas sensoriais, condições de moradia, nível de escolaridade ou ocupação (considerada em sua solicitação cognitiva), suporte social? O estudo de Walker et al. (1981) elege, entre as variáveis essenciais a serem consideradas, condições de saúde e moradia. Ryan (1995) adota uma perspectiva denominada sociocognitiva para o estudo da linguagem, do adulto e do idoso, na qual se estuda de forma interativa aspectos sociais (história de vida, o conhecimento prévio sobre a linguagem), circunstanciais (demandas física, emocional, procedimental, interpessoal do ambiente) e sua influência no processamento da informação. As características biográficas (sexo, personalidade), interagindo com a história individual, são influenciadas pelo ambiente em que o indivíduo se desenvolve (educação, número de línguas aprendidas, status socioeconômico, saúde). Para o adulto ativo, o ambiente é sempre 64

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estimulador e levemente acima das possibilidades imediatas, o que induz à melhor performance. Para a autora, estratégias sociais, como por exemplo, objetivos diferentes de jovens, adultos e idosos, poderiam responder por estilos peculiares das faixas etárias. Para o idoso, ganham relevo os objetivos relacionados às funções de participação no próprio cuidado, autocontrole e independência, atenuação da solidão, depressão e ansiedade, possibilidade de reflexão sobre a continuidade do passado, presente e futuro, e a possibilidade de interagir com estímulos sensoriais e interpessoais, mantendo redes sociais com indivíduos de própria escolha (Lubinski, 1997). Estas funções determinam estratégias que não estariam desvinculadas do aspecto cognitivo, podendo representar compensações para declínios nesse âmbito. A natureza interativa dos componentes sociocognitivos pode ser ilustrada pela atitude de tentar dominar a conversação. Que interpretações caberiam para essa situação? • tendência ao egocentrismo? • perda da habilidade de perceber a perspectiva da comunicação? • compensação de dificuldades auditivas ou falhas de memória?

Quem são os idosos? Uma análise da população americana mostra expectativa de vida de 71 anos para os homens e 78 anos para as mulheres. Os idosos têm mais problemas crônicos de saúde (artrite, hipertensão, cardiopatias, problemas ortopédicos, perdas visuais e auditivas). Essas condições tendem a ter maior impacto nos idosos acima de 75 anos e, embora não sejam prejudiciais em curto termo, contribuem para limitações funcionais e muitas vezes provocam privações cognitivas nesses indivíduos. As alterações sensoriais, 65

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particularmente, aumentam com a idade e têm efeitos devastadores na qualidade de vida dos idosos. Sobre a população brasileira, sabe-se que o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, realizado em 2000, identifica 9.935.100 idosos (com idade entre 65 e 100 ou mais anos), o que corresponde a aproximadamente 5,85% do total de 169.799.170 habitantes. Esses idosos estão concentrados principalmente nas regiões sul e sudeste do país, que apresentam a maior proporção de idosos na distribuição populacional e alcançam, em algumas cidades, taxas de envelhecimento comparáveis às européias (média de 15,6% de idosos, na cidade de Colinas, e 15,2% em Santa Tereza, ambas no Rio Grande do Sul).

IDADE E MUDANÇAS NA LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO As mudanças são sutis, inter-relacionadas e complicadas pelas condições físicas de saúde, depressão e mudanças no funcionamento cognitivo. A idade traz alterações no plano físico, cognitivo, emocional e social que afetam direta ou indiretamente o desempenho e a competência para o uso da linguagem do indivíduo.

Mudanças físicas Mudanças estruturais e morfológicas podem ser detectadas nos órgãos sensoriais, nos órgãos relacionados à produção da linguagem, no sistema nervoso periférico e central, no sistema locomotor, na aparência. De um modo geral o organismo tende a perder tecidos e a se enrijecer. No sistema auditivo, a perda é periférica (sistema de transmissão e recepção dos sons) e central (transmissão neural pelo VIII 66

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nervo craniano e processamento auditivo central, particularmente em regiões córtico-subcorticais). A potencial coexistência destes comprometimentos cria um complicado perfil auditivo para os idosos, que resulta em dificuldades no processamento para compreensão da fala, entre outras. No sistema visual, as perdas mais importantes para a comunicação são a diminuição da capacidade para enxergar a curta distância e dificuldades para adaptação em relação à distância ou luminosidade. Numa situação de interação, os interlocutores devem levar em conta o contexto, incorporando seus estímulos e restrições. No sistema locomotor, dificuldades de deambulação podem dificultar o acesso a conteúdos de comunicação e a busca ativa de interlocutores (Lubinski, 1984). A aparência desencadeia preconceitos em relação à idade (menosvalia, improdutividade), que dificultam a análise da situação comunicativa específica e desconsideram a diversidade de desempenho dos idosos. As alterações físicas não determinam necessariamente disfunções a ponto de interferir na atividade comunicativa. A maioria das transformações que o idoso sadio sofre pode ser compensada, havendo manutenção da funcionalidade. Embora cada estágio da vida possa ser visto nesta perspectiva adaptativa, na velhice isto se caracteriza por uma base reduzida de recursos. Habilidades físicas e mentais podem estar reduzidas, assim como as cognitivas e sociais. O número, co-existência, progressão e efeitos dessas mudanças variam de indivíduo para indivíduo e num mesmo indivíduo.

MUDANÇAS NA COGNIÇÃO E LINGUAGEM Se distribuíssemos um questionário sobre a linguagem dos idosos para a população, provavelmente teríamos incluídas as inabilidades abaixo:

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São distraídos Não compreendem São egocêntricos Só falam do passado Contam histórias sem fim Não percebem o que é importante São repetitivos São lentos

Esta visão reflete o conhecimento produzido pelos estudiosos, o qual enfatizava déficits e doenças. Entre as mais freqüentemente detectadas estavam dificuldades de nomeação, diferenças na habilidade de definir conceitos e deficiências de compreensão. Atualmente, o foco do estudo de linguagem dos idosos voltou-se para as estratégias utilizadas considerando de forma mais precisa os níveis de processamento cognitivo. Dessa forma, pode-se identificar melhor os déficits e valorizar os aspectos cognitivos preservados.

Aspectos fonológicos Não ocorrem mudanças substanciais com o aumento da idade. Mudanças observadas nas línguas não ocorrem numa geração ou entre gerações. Alguns autores valorizam o bilingüismo como elemento desencadeador de mudanças.

Aspectos lexicais Em tarefas de nomeação por confrontação, na qual se apresenta uma figura para o indivíduo nomear, observou-se que idosos na faixa dos 70 anos têm desempenho pior do que os jovens adultos. Nicholas et al., 1985 realizaram vários estudos 68

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em que mostram que indivíduos na faixa etária dos 30 anos têm desempenho pior do que os de 50, ocorrendo um leve declínio aos 60 e um substancial declínio aos 70 anos. Estudo longitudinal dos mesmos sujeitos indicou declínio importante nos indivíduos com 50 anos e mais idosos, ao longo de sete anos (Au et al., 1995; Barth et al., 1999). Nomes próprios, de pessoas, mesmo que bem conhecidos, são particularmente difíceis de serem recuperados com o avanço da idade (Cohen e Burke, 1993; Brédart, 1994). Por outro lado, consistentemente tem sido observado que o léxico passivo permanece disponível para os idosos. Adultos e idosos não diferem nas estratégias empregadas em tarefas de nomeação (Nicholas et al. op. cit.). Embora os idosos tendam a realizar maior número de circunlocuções e comentar mais a tarefa, os autores concluem que para a maioria dos indivíduos os “erros” eram termos relacionados (por significado). Sua interpretação é que a maior ocorrência de circunlocuções se dá quando a tarefa é mais difícil. Não se notou diferenças entre as classes de palavras: o mesmo padrão de erro foi verificado para nomes próprios, verbos e substantivos. O grau de dificuldade parece estar relacionado à exposição e à experiência de uso da linguagem. Goulet et al. (1994) argumentam que se desconhece o efeito de drogas e do declínio do estado geral de saúde na capacidade de nomeação dos idosos e que um estudo de nomeação deveria considerar os múltiplos fatores envolvidos. Em resumo, com a idade, o acesso às palavras para produção é mais difícil do que para os jovens e pode haver uma leve deterioração semântica. Condições de pressão, principalmente de tempo (solicitação de resposta rápida) intensificam a dificuldade. É possível que a habilidade para aprender novas palavras sofra um decréscimo com a idade.

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Habilidades de compreensão Déficits auditivos sensoriais e de processamento central da informação interagem, no idoso, dificultando a compreensão da linguagem. Obler (2001 op. cit.) destaca dois aspectos que devem ser levados em conta quando se estuda a compreensão do idoso: a) mudanças no substrato do sistema nervoso central em relação à compreensão; b) as estratégias que o idoso utiliza para compensar os déficits. Diferenças nas estratégias de compreensão entre jovens e adultos não são bem conhecidas. Em relação aos idosos, não houve diferenças quando foram comparados com jovens, nem em relação ao maior uso de estratégias de associação mnemônica, nem de associações utilizando imagens. Um experimento conduzido pela autora citada acima mostrou que os idosos se comportavam da mesma maneira que os jovens em relação ao uso de pistas semânticas numa tarefa de compreensão e no apoio na “leitura da face”. Numa tarefa de percepção de fala, em que deveriam identificar a complementação de sentenças por itens previsíveis e não previsíveis em condições de ruído, eles também se comportaram como os jovens. Por outro lado, os idosos apóiam-se mais do que os jovens na plausibilidade para analisar sentenças e estórias (Obler et al., 1991; Kahn e Till, 1991). Até o momento, não há dados conclusivos sobre as diferenças de estratégias entre adultos e idosos. Há necessidade de se identificar diferencialmente as alterações auditivas, de memória operacional e de interpretação da linguagem, e seu papel nos déficits de compreensão. Alguns autores apontam que determinadas construções sintáticas são particularmente difíceis de serem entendidas pelos idosos, como aquelas topicalizadas. Este resultado foi verificado em estudo realizado com população brasileira, com 70

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indivíduos na faixa de 65 a 85 anos. Este tipo de sentença solicita a manutenção em memória do início da sentença, para o posterior tratamento. Não é possível demonstrar, pelos estudos citados, que os idosos usem estratégias específicas, relacionadas à idade, a não ser quando o tratamento do material envolve análise de significado, particularmente solicitando armazenamento em memória.

Aspectos discursivos

A descrição de habilidades discursivas no idoso é freqüentemente associada à dificuldade para ser objetivo, sem desvios e derivações do tópico ou realizar associações enfim. As habilidades de linguagem parecem estar afetadas de forma diferente na idade. Algumas se mantêm intactas, enquanto outras se deterioram de modo evidente. O quadro abaixo sintetiza as informações apresentadas até aqui: HABILIDADES QUE SE PERDEM COM A IDADE

HABILIDADES INTACTAS Compreensão de palavras (vocabulário passivo)

Emprego ativo de vocabulário preciso (nomeação, conversação)

Fala e outras atividades automáticas

Produção de sintaxe complexa

Compreensão de frases simples

Compreensão de sentenças complexas

Tarefas que envolvam discriminação e reconhecimento

Tarefas que envolvam organização, iniciativa, planejamento Eleição de relevância em narrativas espontâneas Produtividade (taxa de informações) e precisão referencial Retenção de conteúdos em recordação imediata e tardia

Capacidade para narrar Fluência

Quadro 1- Perfil da modificação das habilidades de linguagem em função do envelhecimento

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As mudanças naturais da idade podem sofrer, potencialmente, um efeito de problemas secundários, como acidentes vasculares cerebrais, e doenças crônicas e/ou progressivas (como demência e depressão). Fragilidade física geral também contribui para diminuição das habilidades comunicativas. Impedimentos na comunicação podem ser seqüelas de cada um desses distúrbios e, assim, complicam a diferenciação do idoso normal e do patológico. As alterações de linguagem não ocorrem de forma independente das desordens de outras funções cognitivas. Interessa-nos particularmente examinar as alterações da memória no idoso, na medida em que elas podem afetar diretamente processos lingüísticos de compreensão e produção.

MEMÓRIA E ENVELHECIMENTO Embora dificuldades de memória estejam entre as queixas mais freqüentes de idosos, o envelhecimento afeta de forma diversa os subsistemas e componentes das memórias. No que tange à memória de longa duração declarativa: a) em relação à recuperação do material aprendido, temos que as condições de recuperação livre são as mais difíceis para os idosos. Por outro lado, são facilitadoras as situações que envolvem pistas e situações de discriminação (Dirkx, e Richard, 1996). Craik (1987) resume as dificuldades dos idosos, atribuindo-as à natureza da tarefa proposta. As diferenças são mínimas ou inexistentes entre jovens e idosos quando esses últimos são “guiados” pela tarefa (por exemplo: de múltipla escolha). Por outro lado, são importantes as marcas da idade numa situação em que o indivíduo deve iniciar de forma independente a produção e organização da resposta. 72

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b) em relação à codificação, a possibilidade de usar estratégias que envolvem associações ou relações semânticas, como compor frases para lembrar palavras, por exemplo, auxilia a codificação do material, embora alguns autores observem que os idosos usam menos do que os jovens estratégias semânticas de organização do material (Haut et al., 1999). c) quanto à estocagem (tempo entre a codificação e a recuperação da informação), não parece haver interferência do tempo decorrido, no comportamento dos idosos. Em relação à memória de longa duração implícita, estudos com pré-ativação mostram que o efeito da apresentação prévia é levemente menor nos indivíduos idosos do que nos jovens (Chiarello et al., 1988; Hultsch et al., 1991). Investigações que verificaram o efeito de treino em tarefas de procedimento, como escrita e leitura em espelho, mostram que os idosos beneficiam-se deste, embora exista alguma discordância sobre uma possível leve desvantagem dos idosos (Harrington e Haaland, 1992). No que tange à memória de curta duração, quando a recuperação do material a ser memorizado é imediata, não ocorrem diferenças entre idosos e jovens. Quanto a diferenças entre jovens e idosos na recuperação de material após tarefa distratora, não há consenso entre os autores sobre o efeito da idade (Parkin, e Walter, 1991; Inman e Parkinson, 1983). Por outro lado, a quantidade de informação retida diminui discretamente com a idade (Maylor et al., 1999). Estudos sobre a memória de curta duração no envelhecimento retomam a discussão sobre a interpretação do predomínio do envelhecimento em lobo frontal (Mittenberg et al., 1989; Maylor et al., 1999; Haut et al., 1999). Quanto à memória operacional, vários estudos mostram de forma consistente grandes diferenças entre jovens e idosos (Dirkx e Richard, 1996). As interpretações sobre essas diferenças ainda são matéria de debate. Gathercole e Baddley (1993) consideram 73

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que as relações entre memória operacional e funções atencionais são estreitas, sendo o administrador central um sistema de controle de atenção. Assim, as dificuldades dos idosos para realizar duas tarefas simultaneamente refletem redução no sistema atencional. Verhaeghen (1999) valoriza mais a lentidão no processamento do que o fator simultaneidade como responsável pelas diferenças entre idosos e jovens. Nunca é demais sublinhar que, assim como em outros aspectos cognitivos, existe grande diversidade nas capacidades e desempenhos em relação aos diferentes sistemas e subsistemas de memória dos idosos. Fatores como aptidão verbal, nível de educação e grau de atividade cotidiana podem interferir favorável ou desfavoravelmente no desempenho. A maior mudança que a idade acarreta parece residir na utilização menos eficaz das operações de codificação e recuperação da informação. Existe tendência a se considerar que esse menor desempenho deva-se à redução da quantidade de recursos de tratamento da informação, necessários à memorização “ideal” (Dirkx, e Richard, 1996). Esta hipótese ainda necessita ser comprovada, mas satisfaz a necessidade de uma explicação que possa integrar de modo coerente uma variedade de dados, como é o caso do envelhecimento.

1 - Para revisão completa sobre o tema, indicamos a leitura do texto de Jacobs-Condit e Ortenzo (1985).

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CAPÍTULO IV

PROCESSOS DE COMPREENSÃO DA LINGUAGEM

LINGUAGEM ORAL A compreensão da linguagem é uma das chaves da independência do indivíduo. O estudo da compreensão da linguagem é importante na Neurolingüística, pois esta freqüentemente está acometida nos quadros afásicos, traumatismos cranioencefálicos, quadros demenciais. Além disso, existe a crescente tendência de se estabelecer relações entre os processos envolvidos na compreensão de indivíduos sadios e aqueles relacionados à produção. A compreensão da linguagem tornou-se viável a partir da capacidade do ser humano de distinguir com grande precisão os sons ambientais, de forma a selecionar, agrupar, manipular e integrar aqueles que compõem o código conhecido da fala. Isto se deve ao desenvolvimento de habilidades pertinentes aos lobos temporais, em especial ao lobo temporal esquerdo. Outra capacidade necessária foi a de organizar estes sons numa seqüência temporal, de forma a permitir a “montagem” de palavras e frases. Existem muitas evidências neurofisiológicas de que o lobo temporal manipula de forma maciça os estímulos auditivos que recebe das estruturas subcorticais, reagrupando-os, filtrando estí79

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mulos desnecessários, preenchendo lacunas e assim por diante, de forma que permita a criação de um todo coeso que possa fazer sentido para quem ouve.

Vias auditivas O processamento auditivo se inicia a partir da condução das ondas sonoras através do ouvido externo, alcançando a membrana timpânica e provocando sua vibração, que por sua vez é transmitida aos ossículos do ouvido médio e para a cóclea, onde as alterações de pressão do fluido coclear são convertidas em transmissão neural. A partir daí, os impulsos seguem através dos axônios do VIII nervo (porção coclear) até o núcleo coclear, localizado no bulbo, em seguida para o núcleo olivar superior (ainda no bulbo) e ascendem para o mesencéfalo através do lemnisco lateral que se conecta aos colículos inferiores. Estes últimos se projetam aos corpos geniculados mediais no tálamo, de onde partem conexões para os lobos temporais. Cada hemisfério recebe informações provindas de ambas as cócleas, mas há um predomínio das informações cruzadas, ou seja, o lobo temporal esquerdo recebe mais aferências do ouvido direito e vice-versa. A organização da via auditiva é tonotópica, desde a cóclea até o córtex auditivo (Hudspeth, 2000). Sons de alta freqüência são recebidos nas porções ântero-mediais e sons de baixa freqüência são encaminhados para as porções póstero-laterais do lobo temporal superior (Merzenich, 1973).

Processamento auditivo O processamento auditivo ocorre, na sua maior parte, de forma inconsciente e é extremamente rápido: indivíduos normais podem reconhecer palavras faladas em menos de 125 mseg, ou seja, antes destas serem pronunciadas por completo (Marslen80

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Wilson, 1978; Tyler, 1983). Durante todo o trajeto, os impulsos transmitidos sofrem um intenso processo de filtragem, ajuste de amplitude, repetição e até mesmo de rearranjo de sua ordem temporal, graças a mecanismos de retroalimentação e às inúmeras interconexões existentes entre as estruturas que compõem as vias auditivas (Luria 1981, Joseph 1996a). Este mecanismo ocorre ainda de forma mais intensa e sofisticada no córtex auditivo, onde os sons podem ser “retidos” por períodos de até um segundo (Luria, 1981) para que sejam mais bem analisadas suas características de freqüência e tempo. Esta análise temporal dos estímulos devese às interligações do córtex auditivo com o lobo parietal inferior, envolvido em tarefas de seqüenciamento (Joseph, 1996a). Desta forma, os sons que interessam ao indivíduo (fala) podem ser mais bem identificados e selecionados para um tratamento mais acurado. Estudos com tarefas de audição dicótica demonstram que o hemisfério esquerdo é mais hábil processar material verbal (Kimura, 1961; Studdert-Kennedy, 1970). Esse sistema não pode nunca ser desativado, isto é, em condições normais, uma palavra não pode deixar de ser reconhecida como tal, uma vez tendo alcançado o sistema auditivo (Marslen-Wilson, 1987). O processo de aquisição de uma língua envolve, então, este ajuste fino da sensibilidade neuronal num cérebro jovem que, através do aprendizado (plasticidade), se torna cada vez mais apto a discernir os sons pertencentes à sua língua nativa, em detrimento de uma perda progressiva da sensibilidade para sons estranhos a esta. Assim, temos na criança o potencial para o aprendizado de qualquer idioma, o qual diminui progressivamente à medida que o ambiente molda o seu córtex auditivo com estímulos específicos de sua cultura. Do ponto de vista neurofisiológico, a dificuldade crescente para a aquisição de uma segunda língua com o avançar da idade pode decorrer de uma perda neuronal por desuso em células do córtex auditivo (Joseph, 1996a). Os sons aprendidos pela criança vão ser então organizados e reproduzidos com base em regras de processamento têmporo81

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seqüenciais (gramática), que repousam sobre a própria estrutura do sistema nervoso central. Tal sistema de regras é, portanto, inato, tendo sido denominado de “gramática universal” por Chomsky (2000). Os estudos sobre compreensão da linguagem podem ser agrupados em três grandes enfoques (Denhière e Baudet, 1992): a) os que se ocupam da superfície concreta das palavras e sintaxe; b) os que se voltam para o significado num nível proposicional (frases); c) os que capturam o alvo de uma situação descrita por uma emissão baseando-se para isso em modelos mentais.

COMPREENSÃO DE PALAVRAS Ao examinar a compreensão de palavras (nível a), é freqüente o uso de modelos que se iniciam com a percepção da onda sonora, progredindo até a identificação de unidades no sistema semântico.

Figura 1 – Etapas do processamento auditivo das palavras 82

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Segui (1997) resume três linhas distintas para a abordagem da percepção da palavra falada: 1) a abordagem articulatória, que entende que os gestos articulatórios têm o valor de fonemas, unidades mínimas de comunicação; 2) a abordagem auditiva, que considera o tratamento do sinal acústico da fala no quadro da percepção geral dos sons; 3) a abordagem psicolingüística, que visa a caracterizar a natureza dos procedimentos e representações mentais que permitem ao ouvinte associar ao sinal da fala uma entidade particular da língua (fonema, sílaba, palavra e frase). Sendo a fala um ato contínuo, como explicar o fato de que a percebemos de forma segmentada e que critérios utilizamos para essa segmentação? Até uma data recente, admitiu-se que essas unidades de segmentação correspondiam àquelas propostas pelos lingüistas, ou seja, os fonemas. Atualmente, cogita-se que essas unidades tenham natureza diferente dos fonemas e que possam variar conforme as línguas e ainda conforme a organização rítmica da língua. Mehler et al. (1989), numa linha que valoriza a unidade silábica, constatam que o tempo que o indivíduo leva para detectar uma mesma seqüência de fonemas varia de acordo com o valor da sílaba na palavra. Sílabas iniciais em palavras francesas são percebidas mais rapidamente, assim como sílabas tônicas. Outras experiências nessa mesma linha mostram que esse efeito constatado no francês não vale para o inglês. Para alguns autores, isto se deve ao fato de o inglês não ser estruturado numa métrica silábica. Alguns segmentos são ambissilábicos, ou seja, pertencem a mais de uma sílaba, ao mesmo tempo. O interessante é que sujeitos falantes de francês e de inglês tentam empregar as 83

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estratégias costumeiras para a análise de suas línguas quando vão analisar outras línguas, mesmo que essas não sejam eficientes para essas outras situações. Os princípios de segmentação seguem os de organização sonora das línguas. Assim, o português, francês, espanhol e catalão têm segmentação que parece apoiar-se em base silábica. Isso não acontece com o japonês que se apóia na unidade chamada “mora”. Por outro lado, o inglês parece se apoiar na intensidade das unidades, sendo que a sílaba forte guia os procedimentos de segmentação. A existência de uma relação estreita entre a natureza rítmica das línguas e os procedimentos perceptivos de segmentação permitem a aproximação entre a percepção e produção de linguagem, pois os gestos articulatórios integrados que sustentam os processos de produção podem corresponder às unidades de percepção. Os mecanismos neuropsicológicos exatos subjacentes à compreensão da linguagem ainda estão longe de ser conhecidos por completo. Basicamente, podemos considerar duas correntes de pensamento dentro da Psicolingüística, que tentam explicar o reconhecimento das palavras através da entrada auditiva: mecanismo serial e interativo. A teoria do mecanismo serial defende a primazia da informação sensorial, ou seja, a palavra é reconhecida a partir da agregação de unidades fonológicas percebidas pelo sistema auditivo (análise bottom-up), sendo então encaminhada para a etapa de processamento lexical e semântico. O emparelhamento da percepção sensorial e das representações lexicais começa quando o sistema dispõe de um mínimo de informações para delimitar um conjunto de representações correspondentes às palavras possíveis de se encaixarem nos indícios percebidos. Um modelo bastante conhecido que explica esses processos é o modelo de Cohorte de Marslen-Wilson (1984). Admite que a seleção de um Cohorte de itens será progressivamente reduzida em função da compatibilidade de informações “periféricas” e centrais até o ponto em que existe somente um “candidato” a ocupar o posto, o que não necessariamente acontece após o término da audição da palavra. O 84

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modelo de Cohorte não explica de modo convincente um aspecto: a necessidade de se apoiar nas sílabas iniciais das palavras, as quais estão bastante indistintas na fala contínua. Outro modelo, o TRACE (McClelland e Elman, 1986), serve como alternativa ao modelo de Cohorte. Insere-se entre os modelos conexionistas interativos. O mecanismo interativo propõe a existência de processamento paralelo da informação, em que prevalece a análise de itens selecionados de acordo com a freqüência de ocorrência na língua (análise top-down) e no grau de conformidade com o sinal de fala percebido; assim que os primeiros elementos acústicos da palavra são apresentados, inicia-se um processo de recrutamento de todas as opções lexicais disponíveis adequadas àquele estímulo e ativadas segundo critérios lingüísticos. A teoria postula ainda que os itens “competem” e não “são eliminados” como pretende a teoria do Cohorte. Embora seja capaz de explicar inúmeras situações em psicolingüística, é difícil justificar, por essa teoria, como ocorre a competição entre um número tão grande de itens permanentemente ativados. Para isso, criou-se a alternativa da SHORTLIST (Norris, 1994). Nesta proposta, haveria a geração de um número reduzido de candidatos que competiriam entre si. A informação de que se vale o modelo para ativar representações lexicais está baseada não só em elementos segmentais, mas também supra-segmentais como acentuação ou ênfase. As evidências para esse modelo encontram suporte na língua inglesa, em que a informação de estarmos ouvindo uma sílaba forte é um indício importante do início da palavra. Uma questão que não pode ser deixada de lado é que o tratamento da informação acústica prevê o tratamento da palavra contínua. A explicação da percepção da palavra contínua apóia-se na admissão de um tratamento infralexical em que se detectariam índices do tipo: alongamento das vogais iniciais e finais, duração variada de intervalos no interior das palavras e entre palavras, acentuação da palavra, entre outros. Em posição contrária a essa, afirma-se que a segmentação em palavras é o resultado do 85

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reconhecimento delas e não condição para esse reconhecimento. Adicionalmente, outra linha de estudos considera que no tratamento da informação baseamo-nos no contexto fonológico para extrair ou admitir propriedades como sonorização. Esse fato é bastante corriqueiro no uso das línguas, chamado de assimilação ou ligação fonológica, e leva os estudiosos a refletir sobre as limitações de modelos que consideram os itens isoladamente. O tratamento da fala contínua deve ser estudado considerando-se outras variáveis, como a prosódia.

Figura 2 – Representação esquemática da recepção da fala encadeada.

COMPREENSÃO DE SENTENÇAS, DISCURSOS E TEXTOS Os modelos até o momento descritos procuraram demonstrar as teorias referentes à compreensão de palavras. A compreensão de frases, discursos e textos é um processo muito mais complexo, cujos componentes ainda não foram totalmente decifrados. Sabese que alguns dos elementos envolvidos na compreensão de longos trechos de informação são a memória de curto e longo prazo, o domínio das regras gramaticais (que permitem reconhecer extratos de linguagem plausíveis ou não), o conhecimento prévio de mundo 86

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e a capacidade de realizar inferências (a partir do contexto ou do conhecimento próprio armazenado) para preencher as lacunas do que é dito/escrito de forma ambígua ou daquilo que está ausente. Um problema interessante que deriva destas constatações é que o entendimento a posteriori de um discurso/texto sempre estará na dependência da interpretação particular que o indivíduo já tenha realizado previamente sobre aquele assunto, e assim por diante. Recentemente a atenção dos psicolingüistas vem se voltando para o papel da prosódia enquanto elemento determinante da compreensão do discurso contínuo, onde as pausas não coincidem com os limites das palavras. Embora não se encontrem estudos semelhantes realizados na língua portuguesa, evidências da língua inglesa mostram que a ênfase (acentuação) silábica desempenha um papel preponderante na escolha lexical (Cutler e Norris, 1988). Nesta língua, é muito grande o contingente de palavras cuja sílaba inicial é tônica, o que leva o ouvinte a uma tendência natural de segmentar o discurso de acordo com as ênfases percebidas. Mecanismos de segmentação análogos podem ser inferidos como ocorrendo de forma particular em cada língua, de acordo com a relação existente entre os limites das palavras e a acentuação (Cutler, 1990). Evidentemente, este não é o único mecanismo utilizado, pois há um número significativo de palavras que se iniciam por sílabas átonas, o que mostra que o mecanismo de processamento engloba outras estratégias, como já descrito. A prosódia aparece como elemento auxiliador da compreensão do discurso também quando relacionada à sintaxe: levandose em conta a estreita correlação entre entonação e significado (reconhecida especialmente em situações de expressão emocional, ironia, etc.), parece plausível supor que haja uma inter-relação entre prosódia e sintaxe da mesma forma que entre prosódia e léxico. De fato, recentes teorias propõem que a segmentação prosódica do discurso segue de perto a segmentação sintática, ou seja, os limites das frases prosódicas coincidem com os das sintáticas (Steedman, 1990). 87

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De maneira análoga ao que ocorre na compreensão auditiva, mecanismos de inferência contextual, regras de sintaxe, conhecimento semântico e de mundo também ocorrem na leitura de textos e apóiam a extração do significado do material escrito. A possibilidade de tomar notas, sublinhar frases ou “recitar” também são estratégias que facilitam a compreensão. O esquema abaixo resume as principais idéias até aqui expostas:

Figura 3 – Representação esquemática do processo de compreensão de sentenças.

Pesquisas mostram que nossa categorização e identificação de um segmento fonêmico pode ser afetada por informações derivadas do léxico interno. Em situações de ambigüidade, temos percepção indistinta, ao passo que num contexto não ambíguo, identificamos nitidamente a unidade que dá sentido à palavra. O debate sobre o momento em que ocorre essa identificação - em fase “pré” ou “pós” perceptiva – estende-se também à identificação dos itens lexicais. Embora ainda se tenha muito a investigar sobre a compreensão de palavras, recentemente tem-se admitido a importância de estudar a compreensão de sentenças e discurso, pois o processamento desses segmentos reflete as necessidades dos ambientes naturais. 88

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Compreensão de sentenças Muitos modelos elegeram a sentença como unidade de processamento para compreensão pelo fato de corresponderem, grosso modo, a blocos de idéias (Dell, 1986; Garrett, 1997). Existem regras que auxiliam a entender como o significado se distribui nesses blocos. O conhecimento dessas regras é implícito, sendo que alguns autores defendem que sua organização se dá segundo um sistema lógico e rígido, enquanto outros admitem um sistema mais flexível, não determinista, denominado parsing. Para esses últimos a busca do significado ocorreria segundo “estratégias” que auxiliariam a identificar as fronteiras dos conjuntos de significado. O termo estratégia não é empregado no sentido de opções conscientes ou intencionalidade. Um exemplo de estratégia “parsing” seria: “quando você encontrar um morfema gramatical, um novo constituinte maior do que uma palavra terá início”, como no caso de “ela gosta de maçãs, mas ... (aqui a previsão é a de ocorrência, na seqüência, de um constituinte maior do que uma palavra) hoje está indisposta”. A recepção e compreensão de sentenças envolvem processamento complexo, e apresentam dificuldades de ordem multifatorial (Delvene, 1998). Assim, modelos de análise devem considerar: as relações gramaticais que organizam palavras e frases em torno de um verbo, numa sentença coerente; elementos semânticos que devem ser processados para estabelecer o significado da sentença, tais como restrições seletivas que especificam quem realiza a ação descrita pelo verbo, ou a utilização do contexto para desfazer ambigüidades. Adicionalmente, leva em conta componentes cognitivos sensíveis às demandas deste processamento, tais como: atenção seletiva para aspectos críticos da sentença e inibição e ativações de padrões de interpretação, capacidade de reter e manipular a informação da memória de curta duração e estratégias de coordenação de múltiplos componentes deste processamento, que operam de forma concorrente. Em re89

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sumo, é possível detectar componentes cognitivos e lingüísticos: memória, sintaxe e semântica. A compreensão de sentenças demanda o apoio da memória de curta duração. É preciso que se realizem operações imediatas sobre o material para extrair significado. Os modelos de memória operacional têm sido utilizados para explicar esses processos. A memória operacional serve para um armazenamento de capacidade limitada em que processamentos acústicos, sintáticos e algumas análises semânticas podem ser realizados. Uma vez que o conteúdo da sentença é detectado, a forma é abandonada e esse conteúdo é transferido para memória de longa duração. Os subcomponentes da memória operacional têm diferentes papéis no processamento. O executivo central presta-se a gerenciar as diferentes entradas de informação e a alocação de recursos cognitivos para seu tratamento, enquanto a alça fonológica responderia pela análise da extensão do estímulo, e verificação de similaridades (Baddeley, 1997). O indivíduo armazena em memória de curta duração dados a serem processados sintática e semanticamente. Muitos estudos citam a complexidade sintática como fator de dificuldade para o entendimento de frases. Essa complexidade é identificada como as transformações operadas num padrão de sentença afirmativa e em ordem canônica, ou seja, organizada de tal forma que a apresentação dos elementos inicia-se pelo agente, seguido pela ação e objeto da ação. Transformações do tipo introdução de sentenças encaixadas, apresentação em negativa ou voz passiva induzem padrões mais complexos de busca do “mapeamento do significado”. Quanto aos aspectos semânticos, sabemos que o verbo pode determinar os papéis de sujeito e predicado e, deste modo, facilitar a extração do sentido. Por exemplo, o verbo “comprar” só permite a construção com agentes animados humanos e, em geral, admite objetos não humanos. Por outro lado, temos verbos que permitem livre atribuição de papéis; é o caso do verbo “olhar”, na 90

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frase “O cão olha o menino”. Nesse caso não há restrição semântica para “menino” e “cão” ocuparem o papel de sujeito ou objeto, o que dificulta a identificação.

Compreensão de discurso A compreensão do discurso está acima da compreensão de sentenças. A maioria dos modelos de compreensão de discurso estabelece um nível de proposições (microestrutura) e um nível de organização global (macroestrutura). O reconhecimento da proposição como unidade básica de tratamento do discurso tem sido consistente na literatura. Por outro lado, não se sustenta a idéia de decomposição semântica intraproposições como obrigatória para a busca do significado. Para a compreensão do discurso é necessário que se realizem inferências: a identificação do tema, a macroestrutura, é realizada através desse processo. Dado que, na linguagem oral, o falante geralmente não provê o ouvinte com todas as informações, estas são “preenchidas” pela construção de implicaturas ou pelo estabelecimento de relações entre proposições. Estes procedimentos permitem a reconstrução da “trama” discursiva através da recuperação da coerência global e estabelecimento da continuidade de idéias (coesão), que permitem identificar o tema e sua orientação em relação a um ponto de vista. Argumentos em comum (que se repetem) permitem que identifiquemos laços referenciais. Coesão e coerência facilitam a compreensão e memorização de discursos. Na compreensão do discurso falado, o contexto desempenha importante papel no preenchimento de informações, assim como o conhecimento compartilhado entre falante e ouvinte, tanto para indivíduos normais quanto lesados cerebrais. Idéias organizadas em “esquemas” refletem a maneira como indivíduos de uma determinada cultura costumam lidar com rotinas relacionadas ao 91

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tema. Esses esquemas organizadores de discursos determinam expectativas que “dirigem” a compreensão. Em geral, tendemos a prestar atenção em fatos novos ou que “ferem” os esquemas habituais.

Leitura É provável que a habilidade de representar graficamente os sons tenha se originado, no ser humano, como uma combinação entre o refinamento das habilidades manuais (possibilidade de representação pictórica) e a comunicação gestual. Inicialmente, a representação continha um caráter concreto ou literal (cenas do cotidiano, avisos). Posteriormente, um caráter abstrato e simbólico passou a emergir, culminando na possibilidade de combinar sinais visuais e auditivos: os sinais gráficos se tornam palavras, significam algo, e podemos ter acesso ao significado pelo seu som. A evolução do lobo parietal inferior na nossa espécie foi um elemento decisivo para a aquisição desta capacidade (Joseph, 1996b). A possibilidade de compreender e interpretar símbolos gráficos depende da integridade das vias de conexão entre o sistema visual e as áreas da linguagem, configurando uma associação multimodal (visual-auditiva) entre o córtex temporal e áreas parietooccipitais adjacentes. O córtex visual é composto por sub-regiões especializadas em certos padrões de reconhecimento visual (cores, formas, movimento, etc.), em função especialmente do número crescente de camadas neuronais ativadas pelos estímulos. Existem áreas especializadas no reconhecimento de palavras e similares, próximas à área para reconhecimento de faces e objetos (áreas 37, 19 e 20 de Brodmann), especulando-se que possam ter derivado de populações neuronais adaptadas para o processamento destes últimos (Nobre et al., 1994, Petersen et al., 1988, Puce et al., 1996). O lobo temporal medial recebe aferências do córtex estriado (área primária visual, no lobo occipital) e córtex de associação 92

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visual, projetando-se para o lobo temporal inferior e córtex parietooccipital ipsilateral, e para o lobo temporal medial contralateral. A leitura compreende dois componentes: decodificação (reconhecimento da palavra) e compreensão do material escrito. Do ponto de vista da psicologia cognitiva, especula-se que a leitura se faça a partir de uma hierarquia de fenômenos que variam de acordo com a habilidade do leitor e com o tipo de estímulo apresentado (palavras de alta versus baixa freqüência, palavras versus nãopalavras). Em um nível mais elementar, ocorre o reconhecimento visual das características das letras; num nível intermediário, há o reconhecimento da letra como um todo e, num nível superior, o reconhecimento da palavra. Cada etapa do reconhecimento está sujeita a mecanismos bottom-up e top-down, sendo um exemplo deste último o fato de ser mais fácil recordar, em tarefas experimentais, a posição de letras inseridas em palavras do que em não-palavras. Processos bottom–up serão mais ativados na leitura de palavras isoladas e descontextualizadas, enquanto processos top-down estarão mais presentes na leitura em nível discursivo ou quando parte do material é ilegível (por exemplo, letra cursiva “ruim”). O estudo de indivíduos disléxicos, isto é, que perderam a capacidade de ler adequadamente após uma lesão cerebral específica, possibilitou a concepção teórica dos mecanismos de leitura numa abordagem da Neuropsicologia Cognitiva (Ellis e Young, 1988). Esta reconhece três estratégias distintas para a leitura de palavras: 1. conversão grafema-fonema: processo de atribuição direta em que um símbolo escrito é relacionado a um som, de acordo com regras conhecidas previamente pelo indivíduo (“de pronúncia”). Corresponde ao primeiro estágio de aprendizado da leitura na criança e pode ser utilizada por indivíduos em qualquer estágio do desenvolvimento, na leitura de palavras não conhecidas ou de não-palavras. 2. leitura lexical: a palavra visualmente apresentada ativa 93

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o sistema de armazenamento lexical, que reconhece a palavra, e acessa o seu significado no sistema semântico. É a rota mais usada por leitores hábeis. Representa o estágio subseqüente do aprendizado da leitura em crianças; a partir do aperfeiçoamento deste estágio, os processos de decodificação se tornam cada vez mais automáticos, permitindo que o indivíduo concentre progressivamente sua atenção no significado do que está lendo. 3. leitura lexical sem acesso ao significado: a palavra é reconhecida no sistema lexical, porém não há acesso sistema semântico. A estratégia utilizada para a leitura de palavras familiares, não-familiares e não-palavras difere, e disfunções em cada uma delas dão origem a um tipo particular de dislexia.

Figura 4 – Representação esquemática do processo de leitura de palavras. Cinza: via peri-lexical; pontilhado: via lexical.

Existem algumas diferenças básicas entre a linguagem oral e a escrita: a linguagem oral apresenta seqüência temporal, é efêmera, não existe na ausência de “alguém que fale” e é totalmente subordinada, na sua forma, a este; é uma atividade compartilhada entre indivíduos, dinâmica, acompanhada de comunicação gestual 94

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e contextual que facilitam o entendimento: qualquer mal entendido pode ser esclarecido mediante reformulação imediata. A linguagem escrita, por outro lado, repousa mais numa essência espacial, é durável (pode ser relida tanto quanto necessário para sua compreensão); tanto a leitura quanto a escrita são, em geral, atividades solitárias, onde não há intercâmbio imediato entre o emissor e o receptor; o texto escrito não pode ser reformulado com a mesma facilidade que a fala, não conta com as pistas contextuais e gestuais, daí a necessidade de maior precisão e cuidado na sua formulação. A leitura mais freqüentemente leva à reflexão, sendo, por este motivo, conceituada como “pensamento guiado pela letra” (Kamhi e Catts, 1989). As diferenças entre a compreensão do texto escrito e a linguagem falada são mais marcantes nas fases iniciais do processamento, devido a particularidades das modalidades de entrada do estímulo. Uma vez atingido o significado, o processamento ulterior de ambos apóia-se na realização de inferências, na utilização do conhecimento de esquemas, roteiros e quadros, e da gramática da estória, para atingir níveis mais complexos de interpretação.

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CAPÍTULO V

PROCESSOS DE PRODUÇÃO DA LINGUAGEM

A FALA Os processos de produção da fala englobam atividades distintas do córtex cerebral. Estas atividades se iniciam na concepção do que se pretende dizer e culminam no plano articulatório para sua pronúncia. Este processamento é altamente preciso: mesmo produzindo uma média de três palavras por segundo, num discurso normal, o índice de erro de seleção é de uma por milhão (extraídas de um dicionário mental composto por milhares de palavras) e os erros de pronúncia também perfazem apenas um em um milhão (Levelt, 1989). As etapas de produção da fala não devem ser entendidas como um simples “reverso” dos mecanismos de compreensão. Existem algumas similaridades e pontos em comum entre os dois processos, mas em muitos aspectos as dessemelhanças são igualmente significativas, cada um apresentando suas particularidades. Uma parte significativa da atividade cortical envolvida na produção é realizada no lobo frontal. O lobo frontal é o maior lobo cerebral, e realiza boa parte das funções “exclusivas” dos seres humanos, sendo o principal coordenador das atividades volitivas 99

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humanas. Lesões no lobo frontal modificam grandemente aquilo que conhecemos como personalidade do indivíduo e afetam o comportamento normal. Muitas destas alterações irão se projetar em aspectos relativos à linguagem e com eles se entrelaçar. O desenvolvimento filogenético deste lobo e sua especialização para controle de movimentos finos permitiram a emergência dos padrões de movimentos refinados necessários à articulação da fala. A seguir exporemos, de forma resumida, aspectos anátomofisiológicos relacionados à produção da linguagem1. Os lobos frontais podem ser subdivididos em regiões funcionais: as áreas motoras compreendem a área motora primária (giro pré-central), área pré-motora e área motora suplementar (AMS), esta última localizada medialmente; estas se relacionam ao controle voluntário dos atos motores. A área de Broca localiza-se na porção pósteroinferior (terceira circunvolução) do lobo frontal esquerdo (áreas 44 e 45 de Brodmann). As regiões órbito-frontais estão relacionadas à vigília e atenção, bem como à motivação emocional e iniciativa, graças às suas intensas conexões com o sistema límbico. Alterações em qualquer destes aspectos levarão a manifestações relacionadas à produção da linguagem. A área de Broca recebe aferências das áreas visuais, auditivas e somestésicas, permitindo uma integração multimodal; através do fascículo arqueado, recebe informações da área de Wernicke e do lobo parietal inferior. Assim sendo, reúne os atributos necessários para sediar os processos de formulação da fala. Uma vez que a informação que se pretende transmitir tenha sido gerada nas porções posteriores da área da linguagem, esta é transferida para o lobo frontal, local anatômico onde se dá a montagem final (sintática e motora) da fala. A área motora relacionada à articulação é então ativada e os impulsos são levados através dos tratos córtico-bulbares, que trafegam de forma descendente até o tronco cerebral, para os nervos cranianos correspondentes (VII, IX, X, XII) à musculatura facial, oral, faríngea e laríngea. A articulação da fala é um processo sujeito a uma dimensão 100

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temporal, isto é, não possuímos um tempo “indefinido” para pronunciar uma resposta ou inserir um comentário numa conversação, sob pena de sermos negligenciados. Assim, a produção motora da fala deve obedecer a princípios de otimização do tempo. Estudos integrando dados sobre o padrão de erro em normais com conhecimentos da Neuroanatomia e Neurofisiologia (com algumas extrapolações a partir dos mecanismos de controle do movimento dos membros em primatas) parecem apontar para uma solução que consegue satisfazer a necessidade de automação (rapidez) com a flexibilidade no decorrer da produção da fala. Assim, existem evidências experimentais de que a articulação de um determinado fonema pode ser obtida, com o mesmo efeito sonoro, a partir de variadas combinações de músculos, ou seja, para se produzir um determinado som da fala não são contraídos necessariamente os mesmos músculos em todas as ocasiões: fatores locais, interferências inesperadas no trato vocal no momento da emissão e a própria combinação entre os diversos fonemas podem colocar em atividade grupos musculares (e, conseqüentemente, padrões de movimento) distintos para que se obtenha o mesmo resultado sonoro. Estes achados coadunam-se com o princípio da equivalência motora (Hebb, 1949 apud Keller, 1987), segundo o qual uma série de comandos é aprendida, selecionada e ajustada a fim de se obter um determinado objetivo. Com a experiência, aprendemos uma variedade de combinações de grupos musculares que atendem a um determinado objetivo sonoro, e estes padrões se tornam automatizados, com base na freqüência com que os sons são utilizados numa língua. Palavras de classe fechada são um exemplo de expressões que podem estar contidas dentro de um “pacote automático” (inseridas na frase já em fase de final de processamento motor), enquanto as de classe aberta estarão sujeitas a uma elaboração mais refinada (cognitiva) e com maiores possibilidades de sofrer modificações circunstanciais. Deste modo, podemos contar com um número de seqüências motoras estocadas para uso em condições “padrão”, associando101

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se a possibilidade de “modificações de última hora” em função de perturbações ou necessidades que ocorram no momento da emissão. Em situações habituais, estes “pacotes motores” parecem atuar sem a necessidade de um mecanismo de retroalimentação para ajuste da produção; no entanto, há situações em que esta mesma retroalimentação se torna um elemento fundamental, como nos estágios de aprendizado da língua materna pelas crianças, no aprendizado de uma segunda língua, ou quando ocorrem anormalidades de qualquer natureza no sistema de produção da linguagem. Quando comparado ao controle motor dos membros, é notório que o controle da musculatura articulatória é realizado de forma mais direta pelo próprio córtex cerebral. Cerca de 30% do córtex motor primário humano está relacionado à musculatura responsável pela vocalização. Estudos de estimulação cortical cirúrgica mostram que a ativação das áreas motoras primárias bilateralmente (embora de forma mais consistente à E) produz vocalizações e imprecisão da fala (Penfield e Roberts, 1959 apud Keller, 1987), enquanto a estimulação do córtex motor secundário à esquerda leva a repetição de sílabas e distorções da pronúncia, bem como a distúrbios da mímica para movimentos oro-faciais seqüenciais (Ojemann, 1980 apud Keller, 1987). Estes achados parecem sugerir que o córtex primário está envolvido no comando muscular mais elementar (unidades musculares sinérgicas controlando movimentos de laringe, línguo-palatais, labiais, etc.), enquanto o córtex secundário comanda movimentos agregados e mais organizados fonologicamente (produzindo fonemas ou sílabas). O córtex primário pode ser a sede dos movimentos em forma mais “padronizada”, e o córtex secundário permite um maior grau de programação prévia à execução motora. Estes dados são extensamente apresentados por Keller (1987). Do ponto de vista neurolingüístico, a produção da fala pode ser entendida nas seguintes etapas:

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1. No nível da palavra: • ativação da palavra a partir dos conceitos (acesso lexical): pressupõe integridade dos aspectos semânticos; • conversão da representação sonora da palavra em sua forma de produção articulatória (planejamento articulatório) • articulação. 2. No nível da sentença: • construção da estrutura sintática; • produção dos papéis temáticos. Embora os resultados dos estudos funcionais ainda sejam conflitantes em vários aspectos, podemos assumir que tanto o léxico quanto as funções de interação léxico-semântica ocorrem em grande parte no córtex perisylviano (fronto-temporal esquerdo), e que as regiões corticais mais posteriores estejam relacionadas principalmente ao acesso semântico (Warburton, 1996; Cappa, 1998; Perani, 1999).

TEORIAS PSICOLINGÜÍSTICAS DA PRODUÇÃO DA LINGUAGEM Os processos de produção da linguagem são inferidos especialmente pela observação das falhas deste processamento, tanto em lesados cerebrais quanto em indivíduos normais. Assim, através da análise dos erros é possível teorizar a respeito dos diversos mecanismos e subcomponentes da produção lingüística. Dois enfoques teóricos merecem particular atenção: o de Garret (1976, 1984 apud Eysenck, 1994) e o de Dell (1986). Estes dois teóricos partem do pressuposto que a fala é sempre precedida de um planejamento mental. De acordo com Garret, a produção da fala é realizada em quatro níveis, como se segue: 103

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• nível da mensagem: onde é concebida a idéia essencial (significado) que se deseja comunicar (o que será dito); • nível funcional: onde é elaborado o “esboço” do que será dito, em termos de estrutura gramatical, como a posição dos elementos na frase, presença de palavras modificadoras (adjetivos), etc.; • nível posicional: seleção das seqüências de sons e fonemas que representem adequadamente o que foi planejado nas etapas anteriores. Esta seleção se dá em forma de composição morfema-raiz mais inflexão. Representa a transição do abstrato para elementos mais concretos. • nível fonético-articulatório: moldagem final da fala. O modelo busca, em caráter seqüencial, pôr em evidência o processo desencadeado pela concepção do ato comunicativo de fala (vagamente colocado no modelo) até a produção oral. Ao longo dessas etapas – da concepção até a produção – podem ocorrer desvios da “intenção semiótica” inicial que determinam os processos de correção. Tais reformulações têm então como “norte” a representação da mensagem gerada pelos processos inferenciais.

Figura 1 – Representação esquemática do modelo de produção da fala. 104

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Algumas críticas podem ser feitas a esse modelo: talvez a mais importante seja o seu caráter serial que admite a idéia de um plano inicial, “uma concepção” prévia da atividade de produção, quando a análise da atividade formulativa sugere seu caráter provisório e dinâmico, com múltiplas possibilidades de ajuste em face da imprevisibilidade da interação comunicativa. Outro ponto de crítica é que Garrett não explica determinados desvios da produção e também não esclarece o papel da retroalimentação na correção e produção de fala. Numa situação interativa, como a que propomos em nosso estudo, essa retroalimentação abarcaria todos os indicadores externos ao sujeito (da pergunta, do interlocutor, do ambiente) e aqueles internos ao sujeito (motivações, necessidades e percepções). A estas críticas, somam-se outras, relativas ao foco do modelo, que não dá conta de níveis de produção de maior extensão do que a frase, como o discurso, e de menor extensão, como a sílaba (Nespoulous, 1987). Embora tenha deixado de lado a preocupação com unidades maiores (de nível discursivo), o modelo de Garrett serviu de partida para muitas propostas de estudo da produção oral. Interessam-nos particularmente três: a de Dell (1986), a de Mitchum, e Berndt (1992), e a de Patel e Satz (1994). Exporemos a seguir essas três propostas, realizadas a partir de aspectos específicos da teoria de Garrett (op. cit.).

A adaptação de Dell A teoria de Dell (op. cit.) é conhecida como teoria da “ativação-propagação”. O autor considera níveis lingüísticos distintos na produção oral: • nível semântico, que diz respeito ao que vai ser dito e não merece explicações detalhadas do autor;

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• nível sintático, que diz respeito à estrutura sintática das frases; • nível morfológico, que diz respeito a unidades mínimas de significado do plano; • nível fonológico diz respeito a fonemas ou unidades mínimas do som que comporão a produção. Aproximações podem ser estabelecidas entre seu modelo e o de Garrett (1976). São elas: • existem regras de categorização em cada um desses níveis, que delimitam categorias dos itens e as combinações das categorias de acordo com o grau de aceitabilidade para a construção das representações; • podem ser estabelecidas analogias entre os níveis funcional (Garrett) e sintático (Dell), entre o posicional (Garrett) e o morfológico (Dell), e entre o articulatório (Garrett) e o fonológico (Dell). Na medida em que existe considerável planejamento da fala, os níveis relacionados à concepção do significado seriam ativados prioritariamente. A respeito das regras de categorização, Dell admite um dicionário, em forma de rede e com nós para conceitos, palavras, morfemas e fonemas. A ativação de um nó gera a propagação a todos os que a ele estão relacionados. Considera, ainda, regras de inserção que selecionam os itens a serem incluídos na representação de cada nível, segundo critérios que se baseiam no nível de ativação atingido pelo item. Dell previu, em sua teoria, uma série de “tipos de erros”, encontrados nas pessoas normais. Alguns deles (spoonerismos) também foram estudados por Garrett (op. cit.): • a maioria dos erros pertence à categoria apropriada; • devem ocorrer muitos erros de antecipação; 106

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• as trocas de palavras devem referir-se a itens existentes na língua; • as trocas resultam da ativação de múltiplos níveis ao mesmo tempo (nessa situação teríamos erros concomitantemente fonológicos e semânticos, por exemplo) Entre os erros de fala de pessoas normais, Dell aponta: • o fenômeno da “ponta da língua”, situação em que é possível ao sujeito adivinhar a primeira letra, o número de sílabas ou outra característica identificatória da palavra (o nível presumido é o posicional); • erros de trocas de palavras, no qual duas palavras numa frase trocam de posição (o nível do erro seria o funcional); • erros de trocas de morfemas, no qual são trocadas raízes de duas palavras; • spoonerismo ou erro de trocas de fonemas entre duas palavras pertencentes à mesma oração (está relacionado a seleções no nível posicional da produção e, na teoria de Dell, no nível fonológico); • hesitações e pausas, que fornecem informações importantes sobre os processos de produção, na medida em que são usadas durante o planejamento, e a revisão. Garrett estudou “erros” de sujeitos que sofreram lesões cerebrais e que dão respaldo à sua teoria. São eles: • as anomias, ou seja, as dificuldades que envolvem a expressão verbal da palavra, de diversas naturezas. No caso de envolvimento do sistema semântico, a “falha” estaria entre os níveis da mensagem e os demais níveis funcionais, nesse caso o sujeito não daria mostras de 107

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reconhecer a palavra e não evidenciaria os fenômenos de “ponta-de-língua”. Nesse último caso, em que existem informações residuais da palavra na memória, a “falha” estaria entre os níveis funcional e posicional. • problemas sintáticos, que levam a erros para formular esboços gramaticais ou sintáticos apropriados no nível funcional.

As idéias de Van Dijk e Kintsch Já em 1983, Van Dijk e Kintsch tentam chegar a componentes discursivos, na produção da linguagem, a partir do detalhamento de dados de memória (os autores sugerem, aqui, a referência a dados de memória semântica e episódica, dados do contexto situacional e restrições discursivas). A abordagem desses componentes do nível “pré-mensagem” traz a necessidade de referência ao universo de conceitos relacionados à composição discursiva, mais particularmente àqueles que são pré-requisitos para que se estabeleça a coerência do texto. Neste ponto, faz-se necessária a menção a alguns conceitos, que dizem respeito a questões discursivas e a processos cognitivos: Conhecimento de mundo: refere-se ao conhecimento sociocultural geral, que está subjacente à interpretação e produção de qualquer discurso. A representação desse conhecimento pode ser previsível em determinadas situa-ções que se repetem. Os estudos sobre a organização da estocagem deste conhecimento derivam de modelos da Inteligência Artificial. Duas maneiras de arquivar esse conhecimento são freqüentemente consideradas: aquelas relacionadas aos frames e scripts. Frames: a teoria dos frames foi proposta por Minsky (apud Baddeley, 1998), que se preocuparam principalmente com a organização dos dados percebidos no mundo. Para esses autores, 108

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os frames contém slots preenchidos por expressões, fillers (que podem se constituir em outros frames). Uma situação particular é tratada como instance. O termo é usado em sentido bem genérico como quadro de referência. Script: é uma noção usada por Schank e Abelson (apud Baddeley, 1998), em analogia à teoria dos frames. Diz respeito a um aspecto dinâmico das representações, as seqüências de eventos. Cenário: envolve um “extenso domínio de referência” para a interpretação de um texto. Esquemas: são o mais alto e complexo nível de estruturas de conhecimentoe funcionam como “esqueletos de idéias” na organização e interpretação da experiência. Os esquemas são considerados como determinantes para predispor a interpretação da experiência, em formas fixas (por exemplo, expectativas relacionadas a determinados grupos culturais). Processamento top-down e bottom-up: diretamente relacionadas à compreensão dos textos, as noções de processamento topdown e bottom-up também são oriundas da Inteligência Artificial. O processamento bottom-up é realizado passo a passo, e começa com a detecção do estímulo auditivo. Já o processamento top-down enfatiza a importância dos “arquivos” de memória na forma de frames, scripts, cenários e esquemas. Diante de uma situação nova, a tendência é que predomine o reconhecimento bottom-up e, frente a uma situação habitual, a tendência é que se utilizem recursos conhecidos de frames, scripts, esquemas e cenários.

A adaptação Patel e Satz Outra adaptação proposta ao modelo de Garrett (op. cit.) diz respeito à relação memória-linguagem. Foi feita por Patel e Satz (1994) e consiste em admitir distintamente os processamentos fonológicos e sintáticos e os processamentos semânticos e, além 109

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disso, admitir que a complexa interação entre os níveis de Garrett depende da memória operacional. A representação do modelo é a seguinte:

Figura 2 - Adaptação do modelo de Garrett (baseado em Patel e Satz)

Questões adicionais sobre os modelos: 1- O funcionamento em série ou em paralelo: Feyereisen et al. (1991) fazem observações interessantes a respeito da proposta de Garrett em relação à produção oral e ao debate que se criou a seu respeito. Consideram, no contexto das discussões, posições concordantes com a interpretação de funcionamento dos níveis em série e outras visões que a refutam. Se, por um lado, a produção oral e a detecção dos erros falam em favor de um processamento em paralelo com nós em conexão, a autocorreção, por outro lado, fala em favor de um plano ou guia para a correção serialmente organizado. Os estudos provenientes das falhas de produção trouxeram muitos elementos para se admitir o funcionamento em paralelo. Os erros do tipo “ponta da língua”, 110

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em que são ativados os níveis fonológico e lexical simultaneamente e os erros do nível posicional, que se projetam no nível funcional de organização da mensagem são alguns exemplos. Ficam aí evidentes ativações de múltiplos níveis do modelo durante a produção oral, com diferentes níveis de processamento, representados por redes paralelas de nós em conexão, os quais trocam informações. 2- Sobre o momento da monitoração: Levelt (1983) e Schlenck et al. (1987) consideraram, além das falhas de produção, “preparações” que poderiam ser interpretadas como “buscas”, antes da ocorrência do erro. A constatação desses mecanismos levou os autores a sugerirem que a monitoração pode ocorrer antes do momento da articulação. A observação desses casos serviu de base à sugestão de Levelt, de que esse processo de monitoração prévia estava baseado em mecanismos de compreensão. A tendência atual é admitir-se as reformulações na “encruzilhada” entre a produção e a compreensão (Patry e Nespoulus, 1990). 3- A formulação no texto conversacional - perspectiva lingüística: Hilgert (1989) baseia-se nas noções da teoria dos atos de fala para explicar a formulação da linguagem. A análise dos atos de linguagem, em situações concretas, revela a sutileza dos mecanismos interpretativos que entram em jogo na comunicação mais corriqueira. A interpretação do significado é examinada segundo três perspectivas: 1) do conteúdo semântico em enunciados; 2) das relações entre o enunciado e o falante; 3) o efeito comunicativo dos enunciados, de acordo com as combinações de diferentes valores das duas categorias precedentes. Quanto à natureza da formulação, é compreendida como intrinsecamente vinculada ao ato de produzir, no qual estão embutidos os sentidos de representação e construção. Nesse ensaio de produzir inserem-se as atividades de composição textual, numa 111

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busca ativa de pistas e sugestões para que o enunciatário chegue a bom termo de entendimento do enunciado. O enunciador se vale de procedimentos como: acentuação, complementação, correção, exemplificação, explicação, paráfrase, precisão, repetição e resumo. Tal “fazer” supõe, por um lado, a negação de um processo seqüencial de planejamento seguido de realização, conteúdo seguido de forma, ou intenção seguida de enunciação e, por outro, a rejeição de esquemas apriorísticos de “soluções de formulação” baseados em noções estáticas como “repertório de alternativas prontas” às quais o falante recorreria. Estes procedimentos são desencadeados por uma “situaçãoproblema”, no que se refere à compreensão do enunciador em relação ao enunciatário e várias são as estratégias admitidas para resolvê-los. Nessas soluções ocorrem manutenções das equivalências semânticas, no caso de paráfrases e repetições, ou anulações parciais, ou restrições da abrangência semântica, ou, ainda, ampliações das mesmas, no caso das correções. A produção textual e a reformulação confundem-se enquanto atividade. 4- Problemas de formulação Koch et al. (1990) estudam a reformulação na perspectiva do processamento do fluxo da informação, relacionado-a à progressão do tema no discurso oral dialogado. São casos de descontinuidade, que configuram rupturas com importantes funções pragmáticointerativas. Para os autores, inserem-se entre os processos de reconstrução do texto nas repetições com variação, que por sua vez comportam os reparos e as paráfrases. Todas as atividades de reformulação textual, paráfrases, correções e repetições pressupõem a presença de um enunciado de origem (problema) e um enunciado reformulador (solução). Admitese ainda um terceiro elemento: os marcadores de reformulação, indicadores do processo, antecedendo, em geral, o enunciado reformulador; e também um quarto elemento: os ratificadores da reformulação. 112

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No caso das repetições, em que ocorre a invariância tanto do enunciado a ser reformulado quanto do reformulador, os índices de reformulação se dão por traços supra-segmentais. Existem diversas propostas para se considerar as atividades de reformulação; estas atividades se distinguem pela relação semântica que existe entre o enunciado reformulado e o reformulador. Podemos admitir, num extremo, a equivalência total, como é o caso das repetições, e no outro, a modificação total do significado, ditada pelas correções. Em situação intermediária, as paráfrases admitiriam relativa equivalência. Hilgert considera as repetições como casos extremos de paráfrases, mas com feições próprias e com várias funções: ratificar uma afirmação anterior, formalizar uma resposta afirmativa, dar força estilística à formulação, pedir confirmação de uma afirmação anterior, assegurar o turno, introduzir a resposta a uma pergunta do interlocutor, recontextualizar uma formulação, reiniciar um enunciado interrompido, demarcar um núcleo ou subnúcleo temático. Nas reformulações por correção, a anulação do enunciador em relação ao enunciado-fonte é total ou parcial, o que distingue dois tipos de correção: a infirmação, em que o enunciado reformulador (correção) simplesmente substitui o enunciado de origem (enunciado corrigido) e a retificação, em que na formulação do enunciado fonte não ocorre anulação, mas somente uma correção parcial. Os marcadores da atividade de reformulação são de natureza verbal e não verbal. Hilgert (1990) nota que a ocorrência de marcadores de reformulação fortes nas relações parafrásticas e de correção é inversamente proporcional ao grau de equivalência ou de contraste semânticos entre os enunciados dessas relações: quanto mais evidente for a equivalência e o contraste semânticos, respectivamente, nas relações de paráfrase e de correção, menos necessidade terá o enunciador de explicitar, por marcadores de reformulação forte, essa equivalência ou esse contraste.

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A Correção A correção refere-se a um segmento produzido e considerado inadequado (“errado”) por um dos participantes da conversação. O termo “erro” refere-se ao desvio do planejamento psicolingüístico e à necessidade de ajuste a uma concepção inicial, ou mesmo a um ajuste acidental. Exemplo de correção: E- hum . a sua diversão é essa? EFA- é ... i a tarde a gente dor ... descansa um pouco depois a gente pega um cine:ma ... u: ... ah inventa qualqué coisa ... vai fazê uma visi:ta né? O “erro” pode desencadear atitudes diversas nos interlocutores: pode ser simplesmente assinalado sem correção posterior; assinalado e corrigido por qualquer dos interlocutores, em diferentes momentos, mediante diferentes estratégias e com diferentes finalidades. Barros e Zapparoli Castro Melo (1990) salientam que “a competência do falante para produzir textos, principalmente orais, e do ouvinte para compreendê-los, dependem, em larga medida, do conhecimento das estratégias de correção” (p. 17).

A iniciativa e a autoria da correção A iniciativa da correção pode ser tomada por qualquer um dos “sujeitos envolvidos na interação verbal” (Barros e Zapparoli Castro Melo, 1990). Denominamos autocorreção quando é o próprio autor do “erro” que realiza a reformulação e heterocorreção quando é o seu parceiro que “resolve o problema”. As autocorreções são muito mais freqüentes no corpus de indivíduos sadios. Quando é o autor do erro que inicia o processo, dizemos que houve uma autocorreção autoiniciada; quando é desencadeada pelo interlocutor, heteroiniciada.

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O momento da correção A garantia da boa interação determina não só a iniciativa e resolução do processo, mas também o momento da correção, em que se marca a preferência pela sinalização e resolução no próprio turno “fonte do erro”, realizada pelo próprio autor do equívoco. De modo geral, os participantes da conversação, sempre no intuito de garantir o bom entendimento, não deixam passar as situações de correção sem fazê-lo. Assim, a distância entre o enunciado-fonte do erro e o enunciado-resolução tende a ser a menor possível.

O objeto da correção O objeto da correção é assim considerado segundo o julgamento dos participantes, podendo dizer respeito a qualquer aspecto da forma ou conteúdo do texto. Barros e Zapparoli Castro Melo reconhecem três “blocos de erros”: fonético-fonológicos, morfossintáticos e semântico-pragmáticos.

As estratégias da correção Os rituais ou modos recorrentes pelos quais os falantes assinalam o erro e sua reformulação envolvem marcadores que podem ser não verbais (curva entoativa, acentuação do elemento corretor) ou verbais, compostos por expressões estereotipadas ou não. Podem ainda ser fortes ou fracos, em relação inversamente proporcional à necessidade de evidenciar relações semânticas fracas (marcadores fortes) ou claramente opostas (marcadores pouco específicos). Examinando o elenco de marcadores de correção expostos por Barros e Zapparoli Castro Melo, vemos os seguintes elementos: pausa, prolongamento de vogais, repetição, truncamento ou interrupção, expressões verbais estereotipadas, 115

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mudança de curva de entoação, aceleração do ritmo. Além desses outros marcadores como certas expressões verbais estereotipadas (advérbios, conjunções e interjeições). O não é o marcador mais característico da correção. De todos esses, a preferência é pelo uso de pausa seguida de reedição do texto. Tais dados evidenciam: 1) que a tendência é pela correção entre oposições semânticas fortes (já que o elemento pausa é fraco, pouco marcado), em outras palavras, corrige-se preferencialmente aquilo que levaria ao entendimento numa direção oposta à pretendida; 2) o movimento na direção da garantia da intercompreensão determina rituais idênticos nas línguas estudadas pelos autores da presente exposição (português, alemão e inglês).

As funções da correção Quanto às funções da correção, as autoras citadas adotaram acima a seguinte tipologia: função cognitivo-informativa (põe em evidência as necessidades de intercompreensão que dependem do texto, considerado objetivamente), pragmática ou enunciativa (leva à compreensão do falante, suas opiniões e sentimentos e seu papel social), ou interacional (leva ao reconhecimento das intenções do falante, no que toca às relações intersubjetivas e aos envolvimentos emocionais).

As paráfrases As paráfrases são identificadas a partir de unidades de informação ou de conversação definidas pela unidade e completude de sentido e pelos marcadores verbais ou prosódicos que delimitam o enunciado em questão. Exemplo de paráfrase: E - que bom... então... e qual que é a sua atividade agora? 116

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O- não faço nada E- agora nada?... e o senhor lê:... jornal... assiste televisão... O - televisão... eu num: tolero muito aqueles programas... de.. negócio de nove:la e tal... mas jornal da da televisão assisto todos os dias...

A autoria e iniciativa de reformulação parafrástica Assim como nas correções, as paráfrases, do ponto de vista da autoria, podem ser classificadas em autoparáfrases e as heteroparáfrases: as primeiras, realizadas pelo próprio enunciador do “erro”, e as segundas, realizadas pelo parceiro. Do ponto de vista da iniciativa, as auto-iniciadas são aquelas produzidas pelo mesmo enunciador da matriz e as heteroiniciadas produzidas por um enunciador diverso daquele que emitiu a matriz. Em termos gerais, a preferência dos participantes de uma interação é pela autoparáfrase auto-iniciada. Esta escolha é a única que não conta com a participação dos dois interlocutores, de forma explícita.

O momento de realização das paráfrases Enquanto os erros a serem corrigidos parecem ter caráter de solução urgente, não há menção no trabalho de Hilgert a respeito da necessidade de “pressa na resolução” quando se trata de realizar uma paráfrase. Deduz-se, do exposto pelo autor, que a preferência é pela situação adjacente, nos limites da garantia do entendimento a respeito do termo a que se refere a paráfrase.

O objeto das paráfrases Assim como nas correções, não há restrições à aplicação 117

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do procedimento de parafrasear, tanto do ponto de vista da forma quanto do conteúdo. Embora haja menor número de paráfrases relativas a aspectos formais, elas também ocorrem nesse plano.

Extensão e complexidade As unidades conversacionais determinam paráfrases simples, que têm a dimensão de uma unidade conversacional; paráfrases segmentais, que constituem um segmento de uma unidade conversacional; paráfrases complexas, formadas por mais de uma unidade conversacional. Por sua vez, as matrizes dessas paráfrases podem estar constituídas por construções com formas simples, segmentais e complexas, limites esses determinados também pela unidade conversacional. São inúmeras as possibilidades combinatórias, em termos formais, de matrizes e paráfrases: temos, por exemplo, matrizes simples combinadas com paráfrases complexas, matrizes segmentais combinadas com paráfrases simples e complexas etc. As reformulações internas ao enunciado parafrástico em geral tendem a não ocorrer nas frases simples, o que não significa a ausência de problemas, mas sim que estes são do tipo “não verbalizado”. Mas, a par dessa tendência geral, ocorrem problemas de formulação solucionados por repetições, paráfrases ou correções.

As estratégias de realização das paráfrases Nas paráfrases segmentais, a tendência é apresentar a reformulação em paralelismo formal (mesma categoria gramatical entre matriz e paráfrase, ao menos nos núcleos). Em unidades conversacionais sintaticamente complexas, estabelecem-se relações parafrásticas por meio do emprego de sintagmas oracionais. 118

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Do ponto de vista semântico, as paráfrases são organizadas através de processos de decomposição e recomposição semêmicas, que se textualizam respectivamente na expansão e condensação sintático-lexical. Em síntese, tem-se que a condensação parafrástica denomina uma definição e resume uma explicitação. A expansão, por outro lado, define uma denominação e explicita (ou exemplifica) um resumo. Na variação temos a mesma extensão da matriz e a mesma composição semêmica.

Os marcadores parafrásticos Citam-se entre os não segmentais formas do tipo “ah, eh, éh, ahn, ehn, uhn, mh”, que se constituem como recursos fáticos ou de hesitação. Além dessas formas são marcadores não segmentais: pausas, alongamentos vocálicos, hesitações, paralelismos morfológicos e sintáticos, enunciações fáticas traduzidas em tom mais baixo ou enunciações mais rápidas ou mais lentas. Os marcadores não-segmentais (prosódicos) são marcadores parafrásticos fracos, isto é, não bastam por si só para caracterizar determinado enunciado como parafrástico. Além disso, eles não são marcadores exclusivos de relações parafrásticas e nem mesmo de atividades de reformulação. Sua alta ocorrência justificaria estudos mais extensos e dirigidos especificamente para eles. A posição dos marcadores é ocorrer, pela ordem, preferencialmente, no início da paráfrase, no meio do enunciado e, mais raramente, no final deste.

Funções das paráfrases a) lingüístico-discursiva, quando promovem a condução e o desdobramento temático; b) interacional, quando, instaurando a solidariedade conversacional, conferem dinâmica e continuidade à interação; 119

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c) função organizacional, quando, na evolução do texto, definem atividades lingüísticas dominantes e subsidiárias, garantem a unidade temática de um tópico e, no desenvolvimento deste, assinalam a conclusão.

A ESCRITA De acordo com Hayes e Flower (1986), a escrita acontece a partir de três processos principais: planejamento, geração de frases e revisão, cada qual apresentando subprocessos específicos. Escritores com diferentes graus de habilidade utilizam estratégias diferentes para formular um texto escrito, tendo em vista seus objetivos. Pode incluir a realização de um esboço ou plano de tópicos, e em geral é sempre finalizado com uma revisão e eventual correção do que foi escrito, segundo uma tendência natural de simplificação, enquanto não se trate de produção de cunho literário, onde as metas do escritor se expandem além da simples tentativa de transmitir uma informação de forma clara e objetiva. Planejamento: diz respeito à produção das idéias e sua organização em um plano de escrita, envolvendo a geração, organização e estabelecimento de metas e submetas, lançando mão da memória de longo prazo. Nesta etapa, o conhecimento sobre o assunto desempenha um papel crítico, embora apenas domínio sobre um assunto não garanta um texto bem escrito, sendo este também dependente de uma adequada estratégia de organização dos tópicos num todo coeso e coerente (conhecimento estratégico). Muitos indivíduos não desenvolvem esta última habilidade, persistindo num padrão de produção escrita característico de uma fase do desenvolvimento da criança, onde o que é conhecido sobre um assunto é apenas agrupado numa seqüência de informações não trabalhadas para formar um conjunto. Em contrapartida, escritores 120

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habilidosos em geral reformulam constantemente o que escrevem em função de metas que vão emergindo no decorrer da produção, como simplificar o texto, enfatizar ou destacar uma idéia, integrar a informação com opinião pessoal, etc. Geração de frases: é o processo de transformação do conhecimento em proposições. Nesta etapa é efetuada a tradução das idéias em linguagem e sua conformação em termos sintáticos, ortográficos, etc. Revisão: tem por objetivo a correção e melhoria do texto. Escritores habilidosos costumam enfocar, nesta etapa, aspectos estruturais e de compreensibilidade do texto, enquanto escritores menos hábeis concentram-se em correções gramaticais e ortográficas.

PROCESSOS DA ESCRITA A escrita é um processo de conversão onde ocorre a transformação de um som em um símbolo gráfico traduzido em ato motor. Tal processo pode ser executado de diversas maneiras e no esquema a seguir descreveremos a proposição de Ellis e Young (1988). Tal esquema teórico foi postulado após diversas observações clínicas de lesados cerebrais, onde ocorrem, em muitos casos, dissociações entre habilidades de fala e de leitura e escrita. Primeiramente, a palavra que se quer escrever, se for familiar, terá acesso ao léxico de saída grafêmico, onde estão armazenadas as formas escritas das palavras conhecidas. Este acesso pode ser obtido através do sistema semântico ou do léxico de saída da fala (onde estão as formas verbalizadas das palavras), sendo as duas rotas utilizadas em conjunto pelos indivíduos normais. Palavras desconhecidas (ou não-palavras) são escritas através da conversão direta entre fonema e grafema, baseadas em suas formas acústicas. Nesta rota de conversão, serão seguidas as regras preestabelecidas 121

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pela língua; isto pode levar, eventualmente a erros de regularização na grafia de palavras irregulares (figura 2). Devemos lembrar também que a escrita pode partir de uma entrada visual, como no caso da cópia, ou originar-se diretamente do sistema semânticolexical, quando escrevemos a partir de nossas próprias idéias e pensamentos.

Figura 3 - Representação esquemática dos processos de escrita, adaptado de Ellis e Young (1988).

1 - Para um estudo mais detalhado deste tópico, sugerimos os textos de Brodal (1984) e Joseph (1996).

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CAPÍTULO VI

AFASIAS

Afasia é o prejuízo da compreensão e formulação da linguagem, causado por uma disfunção em regiões específicas do cérebro (Damasio, 1992). Os aspectos considerados na definição de afasia referem-se mais especificamente às funções da linguagem (corretamente adquirida e previamente intacta) gerenciadas pelo hemisfério dominante, ou seja, os aspectos fonológicos, morfológicos, léxico-semânticos e sintáticos. O estudo das afasias, iniciado há mais de 100 anos, baseouse desde o início na identificação de sinais relativamente “independentes” (mas que de fato eram apenas proeminentes em cada tipo de afasia considerado) e sua correlação com a lesão anatômica em sistema nervoso central. Tal método de correlação anátomoclínica deu origem à classificação sindrômica das afasias. Alguns dos problemas que emergem desta forma de classificação são os seguintes: • baseia-se numa forma dicotômica de apresentação do sintoma, ou seja, “existe” ou “não existe” alteração de compreensão, o que dificilmente corresponde à realidade clínica, em que há um espectro de acometimento de menor / maior intensidade. 127

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• não leva em conta a fisiopatologia subjacente ao sinal. Alterações de repetição, por exemplo, podem ser devidas a problemas de discriminação auditiva ou memória de curto prazo. • o quadro sindrômico não é estável, num mesmo paciente ou entre pacientes diferentes, mesmo que o local de lesão seja. • a classificação de síndromes se baseia num conjunto de sinais, mas nem todos estão presentes num determinado paciente. Embora apresente estas dificuldades, a classificação é de grande utilidade no uso prático, na medida em que permite uma troca de informações padronizadas entre os profissionais que cuidam do paciente ou estudam o assunto, sobre o quadro clínico, provável localização anatômica e evolução do déficit. Uma das vantagens desta classificação é a facilidade de correlação anátomo-clínica, como se segue: as lesões anteriores à fissura sylviana correspondem às afasias não-fluentes, nas quais ocorre especialmente prejuízo da expressão. Lesões posteriores à fissura sylviana dão origem às afasias fluentes, em que ocorre predominantemente alteração da compreensão. As lesões de região perisylviana provocam as afasias com prejuízo da repetição e as lesões que poupam a área perisylviana cursam com quadros em que não há alteração da repetição (figura 1). Podemos considerar a existência de três sistemas complementares interagindo para a percepção e produção da linguagem (Dronkers et al., 2000): • sistema de implementação: composto pelas áreas de Broca e Wernicke, córtex insular e núcleos da base. Este sistema analisa os estímulos auditivos para posterior ativação do sistema conceitual, realiza a construção gramatical, fonêmica e controle motor articulatório. 128

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• sistema de mediação: composto por diversas regiões dos córtices de associação frontal, temporal e parietal, como o nome indica, realiza a mediação entre o sistema de implementação e o sistema conceitual. • sistema conceitual: composto por áreas extensas e difusas de córtices de associação uni e heteromodal, onde se distribui o conhecimento semântico.

Figura 1 – Visão lateral do cérebro – áreas corticais relacionadas à linguagem: B – área de Broca; W – área de Wernicke; SM – giro supramarginal; A – giro angular.

A pesquisa semiológica das alterações de linguagem inclui o exame dos seguintes itens (uma exposição mais detalhada sobre semiologia encontra-se no capítulo IX): • fala espontânea: avaliação da fluência em entrevista informal, prova funcional (entrevista dirigida) e testes específicos: ver quadro 1. • compreensão oral e escrita: através da apresentação de material por entrada auditiva e visual, com complexidade crescente (fonema/grafema/palavra/frase/texto) 129

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• repetição / leitura oral: também testados em ordem crescente de complexidade • nomeação: esta função está sempre alterada nas afasias, já que esta se trata de uma disfunção do código simbólico. As formas mais freqüentes de realizar esta avaliação são a nomeação por confrontação visual (o indivíduo nomeia objetos que lhe são mostrados) e a nomeação responsiva (o indivíduo nomeia o objeto com base na descrição de sua função, fornecida pelo examinador). • escrita: são aqui avaliados a cópia (escrita mecânica), escrita sob ditado e expressão escrita • sintomas associados, auxiliares para localização anatômica da lesão: hemiparesias, hipoestesias, apraxias, hemianopsias, agnosias. O exame pode ser realizado através de questões elaboradas pelo examinador de forma livre, apenas respeitando os vários passos a serem avaliados, ou através de protocolos específicos de avaliação da linguagem, como o Boston Diagnostic Aphasia Examination (BDAE – Goodglass e Kaplan, 1972, 1983), Western Aphasia Battery (WAB – Kertesz, 1982), protocolo BETA (Nespoulous et al., 1986), Token Test (De Renzi e Vignolo, 1962). TIPO

CARACTERÍSTICAS DA FALA

FLUENTE

NÃO FLUENTE

Número de palavras

100 a 200

< 50

Prosódia

normal

disprosódia

Articulação

normal

disartria

Esforço inicial

normal

grande

Extensão das frases

5 a 8 palavras

curta (1)

Conteúdo das palavras

faltam substantivos

faltam palavras funcionais

Parafasias

freqüentes

raras

Quadro 1 – Caracterização da fala espontânea

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Partindo-se das etapas de processamento da compreensão e produção da linguagem já discutidas em capítulos prévios, podemos entender como o local da lesão vai repercutir na sintomatologia do paciente. Assim, descreveremos a seguir as características clínicas das afasias, salientando os pontos em comum e as diferenças entre síndromes cujas lesões correspondentes compartilham proximidade anatômica. SINTOMA / AFASIA

Fluência Característica típica

Compreensão

Repetição Nomeação Escrita Local da lesão (sempre hemisfério dominante)

Sinais associados

Fisiopatologia

Síndromes fracionadas

BROCA

TRANSCORTICAL MOTORA

não fluente

não fluente

agramatismo (fala e escrita)

simplificação gramatical ecolalia, dificuldade de iniciação da fala

variável (oral e escrita) em função do grau de agramatismo

compreensão boa (oral e escrita), podendo haver prejuízo em função de perdas cognitivas relativas à lesão frontal

ruim

boa

ruim (erros semânticos)

prejudicada (parafasias, perseverações)

proporcional à fala

proporcional à fala

frontal dorso-lateral + substância branca periventricular (SBPV) frontal + núcleos da base

frontal dorso-lateral + SBPV área motora suplementar frontal mesial

hemiparesia D, apraxia oro-facial, depressão

hemiparesia D, grasping, apraxia oro-facial

rede fronto-estriatal: produção complexa (sintaxe e discurso narrativo)

déficit gerativo e da iniciação da fala (ativação frontal por vias ascendentes dopaminérgicas)

afemia (alteração residual da articulação e prosódia)

Quadro 2 – Lesões anteriores (frontais) e sintomatologia:

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WERNICKE

TRANSCORTICAL SENSORIAL

CONDUÇÃO

fluente, porém vazia (parafasias, circunlóquios)

fluente

fluente

jargonafasia dissintaxia

parafasias semânticas circunlóquios

parafasias fonêmicas

ruim (oral e escrita), desde o nível de discriminação de palavras a material complexo

ruim (oral e escrita)

boa (oral e escrita)

Repetição

ruim

boa

desproporcionalmente ruim

Nomeação

ruim (parafasias, circunlóquios, ausência de resposta)

prejudicada

prejudicada de forma variável

proporcional à fala

proporcional à fala

pior que a fala, podendo ocorrer alexia com agrafia

Local da lesão (sempre hemisfério dominante)

giro temporal superior área têmporo-parietooccipital: predomina alexia

giro temporal médio e inferior, área têmporoparieto-occipital: predomina alexia

giro supramarginal (parietal inferior)

Sinais associados

hemianopsia D, anosognosia, agitação

agnosias

hipoestesia D, quadrantanopsia

desordem do processamento semântico (interface linguagem / memória semântica)

desordem do processamento fonológico (vias curtas de associação têmporo-parietais) alteração da memória verbal de curto prazo

SINTOMA / AFASIA

Fluência

Característica típica

Compreensão

Escrita

Fisiopatologia

Síndromes fracionadas

surdez verbal pura (agnosia auditiva para palavras) em geral, lesões bilaterais

Quadro 3 – Lesões posteriores (temporais / parietais) e sintomatologia: 132

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SINTOMA / AFASIA Fluência

PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

GLOBAL

TRANSCORTICAL MISTA

não fluente

não fluente

fluente circunlóquios e palavras de enchimento em geral quadro residual de outras afasias

Característica típica

estereotipias

ecolalia

Compreensão

ANOMIA

ruim (oral e escrita)

ruim (oral e escrita)

boa

Repetição

ausente

boa

boa

Nomeação

ausente

prejudicada

ruim

Escrita

ausente

escrita e leitura reduzidas

variável com o grau de anomia

Local da lesão (sempre hemisfério dominante)

fronto-parietotemporal extensa córtico-subcortical frontal córticosubcortical temporal + SBPV frontal

área TCM + área TCS com preservação da região perisylviana frontal tálamo anterior

quando quadro primário: área TCM ou área TCS

Sinais associados

hemiplegia D, hipoestesia D, apraxia oro-facial e de membros, hemianopsia D

hemiparesia D, grasping, apraxia oro-facial

lesões anteriores: disartria, hemiparesia D, apraxia oro-facial lesões posteriores: hemianopsia D e alexia

Fisiopatologia

Síndromes fracionadas

destruição da área da linguagem, desconexão frontotemporal evolução freqüente para afasia de Broca

recuperação lexical a partir do sistema semântico evolução freqüente para transcortical motora

Quadro 4 – Lesões combinadas (fronto-parieto-temporais) e sintomatologia

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Ao lado da classificação clínica, pode-se lançar mão dos conhecimentos da Psicolingüística para o estudo das alterações de linguagem. Esta abordagem (cognitiva) enfatiza o sintoma numa tentativa de estabelecer modelos do funcionamento mental normal a partir das perdas que ocorrem no indivíduo lesado. Na abordagem cognitiva não existe a preocupação de “classificar” o paciente, antes de identificar o mecanismo subjacente ao sintoma (por exemplo, desordem da conversão grafema-fonema, do planejamento articulatório, e assim por diante). Nesta linha, Westbury e Bub (1998) propuseram o uso de diagramas para representação dos déficits neurolingüísticos, a fim de especificar o sintoma em função do modelo de processamento lingüístico. Neste diagrama, construído a partir de dados obtidos através de testes psicolingüísticos (PAL, Caplan e Bub, 1990), descreve-se a disfunção encontrada, especificando-se também associações e dissociações encontradas em testes de contra-prova. A título de ilustração, imagine-se um paciente cuja notação apareça como a seguir:

A sigla PFA indica tratar-se da notação para emparelhamento palavra-figura por entrada auditiva. O círculo negro grande representa que o paciente obteve pontuação abaixo da nota de corte neste quesito, e o número em seu interior indica quantos desvio134

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padrão abaixo da média foi este desempenho. Pontuações acima da nota de corte são representadas por círculos cinza. Os braços que derivam dos círculos relacionam-se a efeitos de interesse e possíveis dissociações: no caso em questão, compara-se alta freqüência (AF) x baixa freqüência (BF), palavras longas (L) x curtas (C), orgânicos (OR) x inorgânicos (IN), objetos (OB) x animais (AN), animais x frutas e vegetais (FV). As dissociações positivas são representadas em preto e as inexistentes em cinza. Neste exemplo, temos que o paciente obteve desempenho global de cinco desvios-padrão abaixo da média, apresentando dissociação entre elementos orgânicos x inorgânicos (privilegiando OR) e nestes, com dissociação entre objetos x frutas e vegetais (privilegiando FV, como indicado pelo número negativo no interior do círculo). As outras dissociações possíveis não ocorreram. Para análise dos erros qualitativos, adota-se a seguinte notação:

Assim, temos a representação de oito erros semânticos: um na leitura (LEIT), um em nomeação escrita (NOM E), dois em nomeação oral (NOM O) e quatro na repetição (REP). Os esquemas a seguir estabelecem uma relação entre as síndromes afásicas clássicas e as respectivas disfunções do processamento psicolingüístico. 135

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Figura 2 – Processamento da palavra. Em cinza-claro: comprometimento na afasia de Wernicke; em cinza-escuro: afasia de Broca; em preto: ambas.

Figura 3 – Processamento lingüístico na compreensão de sentenças. Em cinza-claro: comprometimento na afasia de Wernicke; em preto: afasia de Wernicke e Broca. 136

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Figura 4 – Processamento lingüístico na produção de sentenças. Em cinza-claro: comprometimento na afasia de Wernicke; em cinza-escuro: afasia de Broca; em preto: ambas.

INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A LINGUAGEM E OUTRAS FUNÇÕES COGNITIVAS

Alterações de linguagem e prejuízo da capacidade de comunicação podem ocorrer em pacientes nos quais, aparentemente, o processamento lingüístico básico não se encontra muito comprometido. Isto decorre do fato de que o processamento da linguagem se apóia em outras funções do cérebro, cuja integridade é necessária para um bom desempenho lingüístico. Entre estas, 137

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destacamos os mecanismos de atenção, a memória operacional e o sistema executivo central. Atenção: O termo atenção diz respeito à capacidade do SNC em estabelecer um foco delimitado para onde direciona suas atividades perceptuais e de processamento. Este sistema é composto de subfunções específicas, como se segue (Mirsky et al., 1991): • foco-execução: capacidade de atender e responder seletivamente a um estímulo. A rede cognitiva envolvida engloba o córtex parietal inferior, temporal superior e estriado. • troca: capacidade de alterar o foco de um estímulo para outro em função da demanda da tarefa que está sendo executada. Envolve integridade das regiões pré-frontais. • manutenção: capacidade de sustentar a vigilância, função desempenhada pelo mesencéfalo. • codificação: habilidade de registrar, manipular e recordar informações, com grande participação da amígdala e hipocampo. Outra abordagem do sistema de atenção, feita por Posner et al. (1990), descreve a atenção em termos de orientação ao estímulo (contém elementos presentes na foco-execução e troca no modelo de Mirsky), detecção (contida na codificação de Mirsky) e manutenção do alerta. Os mecanismos de atenção afetam a ordem com que os estímulos são processados a partir do sistema sensorial. Aqueles estímulos para os quais o sistema está voltado são processados em primeiro lugar e com maior riqueza de representação, pois este tem a capacidade de “amplificar” os estímulos de interesse e inibir os competidores, além de servir como filtro para informações irrelevantes ao contexto considerado. Estes mecanismos atuam 138

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de forma importante no processamento auditivo (reconhecimento de palavras), na produção da fala (seleção lexical) e na leitura (movimentos sacádicos e de varredura do olhar). Exemplos de doenças em que os mecanismos de atenção estão prejudicados incluem a doença de Alzheimer, a dislexia por negligência (o indivíduo não consegue dirigir a atenção para o hemicampo esquerdo, sendo então incapaz de ler a metade esquerda de textos, sentenças e palavras) e a desordem de atenção-hiperatividade em crianças (Eviatar, 1998). Memória: Memória é o termo utilizado para designar o processo mental que permite ao indivíduo guardar informação para recuperá-la mais tarde (Squire e Butters, 1984), estando intimamente relacionada ao aprendizado. A formação da memória obedece a um mecanismo composto de várias etapas: registro da informação, estocagem de curto prazo (memória de curto prazo/ operacional), consolidação, estocagem de longo prazo (depende de repetição e/ou integração com outras informações adquiridas) e recuperação (lembrança). Do ponto de vista da neuropsicologia cognitiva, admitem-se os seguintes tipos de memória: • memória de curta duração / operacional: representa o arquivamento temporário de uma quantidade limitada de informação, que se destina à execução de uma tarefa (Baddeley, 1992). O substrato anatômico admitido é o córtex parietal e pré-frontal. A fronteira entre atenção e memórias imediata e de curta duração é tênue. Muitos modelos consideram, por exemplo, que o subcomponente executivo central, do modelo de memória operacional, está vinculado à atenção. • memória declarativa (explícita): o indivíduo tem consciência de sua aquisição e recuperação, engloba a memória para fatos / eventos (pessoal) e semântica (geral) (Squire e Zola, 1996). Seu substrato anatômico é o sistema 139

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límbico, especialmente o complexo hipocampo-entorrinal (Moscovitch, 1992). • memória não-declarativa (implícita ou processual): o indivíduo não tem consciência de como adquiriu o conhecimento, ou mesmo de que o possui. Inclui o aprendizado não associativo (vias reflexas), o condicionamento clássico e operante, aprendizado de habilidades e hábitos e a pré-ativação (recuperação induzida mediante associação entre dois estímulos) (Squire e Zola, 1996). O sítio anatômico ainda é desconhecido, com exceção do condicionamento com respostas emocionais, mediado pela amígdala (Rogan et al., 1997), estando possivelmente relacionada a regiões neocorticais, núcleos da base e cerebelo (Knowlton et al., 1996; Molinari et al., 1997). Estas informações estão resumidas no quadro abaixo: TIPO

CARACTERÍSTICAS

SUBCATEGORIAS

SUBSTRATO ANATÔMICO

operacional

arquivamento temporário de informação em quantidade limitada para execução de uma tarefa

• alça fonológica • alça visuo-espacial

córtex pré-frontal e parietal

declarativa (explícita)

o indivíduo tem consciência de sua aquisição e recuperação

• eventos / fatos (pessoal) • semântica (conhecimento geral)

sistema límbico (complexo hipocampoentorrinal)

nãodeclarativa (implícita, processual)

o processo de aquisição não é consciente

pouco conhecido, • aprendizado nãopossivelmente associativo (vias reflexas) neocórtex, núcleos da • condicionamento base e cerebelo clássico e operante (para condicionamento • habilidades e hábitos com respostas • pré-ativação emocionais: amígdala)

Quadro 5 – Tipos de memória

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A memória operacional possui dois subcomponentes: a alça fonológica e a alça visuoespacial. A alça fonológica ocupa-se da estocagem e recuperação de material verbal. A alça visuoespacial é especializada na estocagem de imagens visuais, usada no planejamento do movimento e recuperação de material visual (Baddeley, 1992). Déficits na alça fonológica levam a distúrbios da recordação imediata de seqüências de letras e palavras, bem como a alterações da compreensão auditiva, através do prejuízo da análise sintática inicial da sentença. Este prejuízo é mais evidente nas sentenças em que a ordem das palavras tem importância para sua compreensão, isto é, em sentenças sintaticamente mais complexas (Van der Linden, 1998). Outro aspecto que pode estar bastante comprometido nas disfunções de alça fonológica é a aquisição de vocabulário (Baddeley et al., 1988). Sistema Executivo Central: A área pré-frontal desempenha, entre outras, a função de supervisionar a alocação dos recursos do sistema de atenção e da memória operacional. A isto denominamos de função executiva central: sistema de controle de atenção responsável pela seleção de estratégias e pelo controle e coordenação dos processos envolvidos na estocagem de curto prazo e nas tarefas de processamento. As lesões frontais freqüentemente levam a uma ruptura neste sistema. Muitas alterações de linguagem encontradas em quadros psicóticos, como em pacientes esquizofrênicos ou maníacos, parecem ter sua origem mais em disfunções da memória operacional/executivo central do que em problemas primários do processamento lingüístico (Harvey e Serper, 1990; Barr, 1989). De maneira inversa, a afasia compromete o desempenho do indivíduo na maior parte dos exames neuropsicológicos, já que a linguagem é uma das funções básicas necessárias para o desenvolvimento de habilidades intelectuais superiores (julgamento, raciocínio lógico, abstração, entre outras). Grande parte do processo 141

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de pensamento se constrói a partir da internalização do discurso egocêntrico da criança, no decorrer do seu amadurecimento (Joseph, 1982). Existem evidências de que distúrbios da linguagem podem comprometer inclusive tarefas sustentadas por estratégias perceptuais (Cohen e Kelter, 1979). Além disso, boa parte dos testes requer entrada e raciocínio sobre material apresentado verbalmente, no mínimo em forma de instruções para sua realização, quando não para a própria execução. Embora existam baterias de testes que privilegiam o trabalho sobre material não-verbal, os déficits de compreensão em especial tornam bastante limitada a possibilidade de execução e interpretação do exame neuropsicológico.

1 - Memória operacional é um conceito mais recente, proposto por Baddeley (1992) e que é utilizado muitas vezes como sinônimo de memória de curta duração.

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CAPÍTULO VII

AFASIA SUBCORTICAL

Muito tem sido discutido na literatura a respeito do papel das estruturas subcorticais na linguagem e fala. Parece claro papel das estruturas dos núcleos da base nos processos puramente motores, incluindo articulação, e do tálamo em funções da linguagem que envolvam diretamente a memória, porém a existência de um papel mais específico de estruturas subcorticais na linguagem é objeto de controvérsia na literatura. Alguns autores, como Nadeau e Crosson (1997), negam que as estruturas subcorticais exerçam um papel direto na linguagem, à exceção do tálamo. Outros autores advogam a existência de “afasias subcorticais” como entidades clínicas distintas, com características próprias que as diferenciam das afasias corticais, embora todos sejam unânimes em admitir que ainda não existe uma compreensão muito clara dos fenômenos fisiopatológicos e neuropsicológicos subjacentes aos achados clínicos. A ausência de consenso na literatura e a complexidade em termos de quantidade de estruturas acometidas levou à dicotomização do conceito de afasia subcortical em “afasias talâmicas” e “ afasias não-talâmicas” (que englobam as lesões de núcleos da base e vias de substância branca). Há mais de um século já se discute o papel das estruturas subcorticais na linguagem. Broadbent (1872 apud Crosson, 1995) 145

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já defendia a idéia de que os núcleos da base “geravam” as palavras da mesma forma que os atos motores, embora tal idéia não fosse amplamente aceita. Kussmaul (1877 apud Crosson, 1998) atribuiu um papel puramente motor aos núcleos da base. Carl Wernicke (1874 apud Wallesch et al., 1983) e Lichtheim (1885 apud Wallesch et al., 1983) argumentavam que as lesões subcorticais provocariam alterações de linguagem apenas quando houvesse interrupção das vias de conexão entre os centros corticais da linguagem, excluindo uma participação direta dos núcleos profundos (núcleos da base e tálamo) em qualquer função nervosa superior. Grande parte do estudo dos distúrbios de linguagem causados pelas lesões subcorticais é baseado nas teorias de Pierre Marie (1906 apud Wallesch et al., 1983) sobre alterações de fala secundárias a lesões no núcleo caudado, putâmen, cápsula interna e tálamo, às quais denominou de anartria. Com relação ao tálamo, Penfield e Roberts (1959 apud Wallesch et al., 1983) sugeriram que o mesmo desempenhava um papel integrativo na linguagem. Schuell et al. (1965 apud Crosson, 1984) especularam que o tálamo estaria envolvido na retroalimentação pré-verbal sobre a adequação de respostas formuladas. Estudos efetuados em pacientes submetidos a cirurgias estereotáxicas para doença de Parkinson levaram a uma revisão conceitual dos modelos clássicos de localização das áreas relacionadas à linguagem, pela observação de que a lesão e estimulação do tálamo ou globo pálido provocavam alterações de linguagem durante e após o ato cirúrgico. O grande avanço no estudo das lesões subcorticais aparece após o surgimento da tomografia computadorizada de crânio (TC), visto que, até então, a determinação do sítio lesional subcortical era conseguida primariamente através de estudo anatomopatológico, o que dificultava a observação de um número muito grande de casos por estudo. A TC de crânio e, mais recentemente, a ressonância magnética de encéfalo (RM), facilitaram grandemente a observação de lesões localizadas em regiões profundas do 146

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encéfalo. Ficou então mais evidente a relação entre determinados sítios lesionais subcorticais e diversas alterações neuropsicológicas decorrentes, entre elas os distúrbios afásicos, nas lesões de hemisfério dominante. Um número cada vez maior de estudos tem sido publicado, especialmente nos últimos quinze anos, utilizando variadas técnicas de investigação, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e métodos em eletrofisiologia (potenciais evocados corticais), o que tem aumentado o nosso conhecimento sobre o papel das estruturas subcorticais na linguagem.

As afasias não-talâmicas Neuroanatomia dos núcleos da base: o sistema frontoestriatal e o striatum (constituído pelo núcleo caudado e putâmen) recebe aferências maciças provenientes de todo o córtex cerebral. O sistema frontal-estriatal compreende pelo menos cinco circuitos, cada um envolvendo diferentes regiões anatômicas do córtex, do striatum e também diferentes núcleos talâmicos, a saber: circuito motor, oculomotor, pré-frontal dorsolateral, orbitofrontal lateral e anterior do cíngulo (Alexander et al., 1986). Entretanto, para propósitos funcionais, podemos agrupá-los em duas divisões principais: o circuito motor está envolvido particularmente em funções motoras de alta complexidade, como iniciação, manutenção e seqüência de movimentos complexos. Este circuito inicia-se no córtex sensorimotor primário e de associação, incluindo área motora suplementar, projeta-se sobre o putâmen, daí conectandose ao globo pálido e, em seguida, ao tálamo (núcleo lateral e ventral-anterior), de onde retorna ao córtex pré-motor, fechando assim o circuito córtico-estriato-pálido-tálamo-cortical. O circuito cognitivo ou associativo relaciona-se a funções cognitivas superiores, especialmente executivas. Sua origem compreende o córtex orbital, aspecto dorsolateral do córtex pré-frontal, áreas de associação do córtex temporal e parietal, amígdala, hipocampo e 147

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cíngulo, que se conectam mais maciçamente com o núcleo caudado e striatum ventral (núcleo accumbens), daí para o pálido ventral e substância negra (pars reticulata), de onde seguem para o tálamo medial e ventral anterior, o qual se projeta de volta ao córtex préfrontal. (figura 2). Os principais neurotransmissores envolvidos nas vias de projeção dos núcleos da base são: sistemas colinérgicos, abundantes no striatum (especialmente em seus interneurônios); sistemas dopaminérgicos, presentes nas vias mesostriatais e mesolímbicas; sistemas gabaérgicos, densamente encontrados no striatum, substância negra e globo pálido (Mello e Villares, 1997).

Figura 1 –Anatomia das estruturas subcorticais. F – frontal; TP – temporal; C – núcleo caudado; G - globo pálido; T – tálamo; P – putâmen; CI – cápsula interna.

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Figura 2 – Principais vias de conexão dos núcleos da base. As setas em preto indicam o circuito motor e as setas brancas indicam o circuito cognitivo. Leg.: i- segmento interno; r- pars reticulata.

Numerosos estudos nas décadas de 60, 70 e 80 implicaram os núcleos da base na linguagem, sendo que as primeiras tentativas de explicar seu papel em mecanismos de fala e linguagem baseavam-se nos modelos de função motora retirados da neurofisiologia, os quais enfatizavam a participação desses núcleos na geração de programas motores seqüenciais precisos. As inúmeras conexões dos núcleos da base com quase todas as áreas corticais também faziam parecer provável que tais estruturas tivessem participação nas funções cognitivas. Os mecanismos que tentam explicar a participação das estruturas subcorticais não-talâmicas nas afasias podem ser agrupados em quatro categorias principais: 1) síndrome de desconexão das estruturas corticais; 2) disfunção de estruturas a distância da área lesada, por fenômeno de deaferentação (diásquise); 3) lesão direta de estruturas subcorticais envolvidas primariamente na função linguagem; 4) defeito na regulação da liberação de segmentos da linguagem formulados em nível cortical. 149

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Discutiremos mais detalhadamente cada um destes mecanismos e seus principais defensores na literatura. 1) síndrome da desconexão entre as áreas corticais envolvidas na linguagem: O primeiro modelo de participação de estruturas subcorticais na patogênese da afasia previa um papel indireto destas estruturas: um mecanismo de interrupção das vias de conexão entre as áreas clássicas da linguagem (áreas de Wernicke e Broca), sendo defendido por Wernicke (1874) e Lichtheim (1885). Sob este ponto de vista, os núcleos da base não desempenhariam nenhum papel primário em funções da linguagem. Recentemente este conceito foi retomado por Alexander, Naeser e Palumbo (1987) num estudo em 19 pacientes com lesões subcorticais não-talâmicas. Neste estudo, os autores observaram que as lesões circunscritas ao striatum ou cápsula interna (braço anterior) não produziam sintomas afásicos ou, quando muito, levavam a discretos distúrbios de nomeação e hesitações. No entanto, as lesões maiores, que acometiam adicionalmente a substância branca periventricular (anterior ou posteriormente), istmo temporal, ínsula ou cápsula externa, em diversas combinações, levavam a alterações de fala e linguagem num padrão bem mais consistente, sugerindo que as vias de conexão de substância branca são as estruturas críticas cuja lesão produz sintomas afásicos. A interrupção de vias de conexão entre o corpo geniculado medial e lobo temporal no istmo temporal e das vias de associação auditivas calosas na substância branca periventricular posterior explicam as alterações de compreensão dos pacientes com lesões nestas localizações. Lesões na cápsula externa, cápsula extrema e fascículo arqueado parecem críticas para o surgimento de alterações da repetição e parafasias fonêmicas. As alterações de fala são mais freqüentemente observadas em lesões de substância branca periventricular superior e joelho da cápsula interna, onde se encontram fibras corticobulbares descendentes. Lesões na substância branca periventricular ântero-superior provoca interrupção das vias entre a área motora suplementar a 150

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área de Broca, levando a afasia transcortical motora. Além disso, várias vias calosas anteriores podem ser comprometidas quando há envolvimento da substância branca frontal, joelho do corpo caloso e substância branca periventricular superior. Naeser et al. (1989) também enfatizaram o papel do comprometimento de substância branca como fator determinante da gravidade da disfluência, especialmente por interrupção das conexões relativas aos aspectos de iniciação e preparação dos movimentos da fala e seus aspectos límbicos (lesão do fascículo longitudinal medial), além de prejudicar a execução motora e a retroalimentação sensorial para a área cortical da boca (lesão da substância branca periventricular adjacente ao corpo do ventrículo lateral, abaixo do córtex sensorimotor correspondente à boca). Um argumento adicional que leva à ênfase de alguns autores sobre a lesão de substância branca como elemento crucial para a presença de afasia é o fato de que outras doenças degenerativas que acometem estruturas estriatais (doença de Parkinson, doença de Huntington) produzem desordens predominantemente motoras da fala (disartria, hipofonia, alterações do ritmo) (Critchley, 1981), embora também ocorram deficiências de compreensão sintática complexa na doença de Parkinson (Grossman et al., 1992; Lieberman et al., 1992). Além disso, estudos com uso de PET demonstram que as lesões de substância branca são mais efetivas em provocar áreas de hipometabolismo à distância do que as lesões nos núcleos da base propriamente, o que leva à conclusão de que o efeito de prejuízo funcional por deaferentação é mais importante nas primeiras (Kushner et al., 1984). 2) mecanismo de diásquise: As técnicas de estudo de perfusão cerebral, como a infusão intracarotídea de Xenônio radioativo, tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e PET permitiram a identificação de anormalidades funcionais em áreas onde muitas vezes não se evidenciava lesão estrutural pelos métodos de imagem. Assim, aparecem diversos estudos na literatura 151

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enfatizando a existência das lesões à distância, por deaferentação funcional de uma região a partir de um foco de lesão original com a qual esta se conecta. Tal consideração leva alguns autores a defender a idéia de que a lesão cortical continua a ser, em última instância, o principal mecanismo fisiopatológico nos distúrbios de linguagem, mesmo quando a lesão original (estrutural) situase em região subcortical. Estudos com SPECT têm relacionado a persistência de sintomas neuropsicológicos (afasia ou negligência) ao grau de hipoperfusão cortical associado às lesões subcorticais, mesmo quando os exames de TC ou RM não mostram lesão cortical (Perani et al., 1987, Vallar et al., 1988). 3) lesão de estruturas subcorticais diretamente envolvidas na linguagem: O estudo de lesões puras acometendo uma pequena porção das estruturas subcorticais (ou mesmo uma estrutura isoladamente) é difícil de ser conseguido na prática clínica, em parte devido ao pequeno tamanho das estruturas consideradas (onde poucos milímetros significam uma grande diferença em termos de localização anatômica), em parte pelas peculiaridades de vascularização da região, que torna improvável a lesão de territórios vasculares seletivos o suficiente para permitir uma individualização. Com a possível exceção dos infartos lacunares, sempre existe um acometimento variado de sítios anatômicos. Mesmo assim, alguns autores propuseram-se a estudar a possível participação dos núcleos da base na gênese da afasia, circunscrevendo as lesões tanto quanto possível. Damasio et al. (1982) descreveram nove pacientes com infartos acometendo a cabeça do núcleo caudado, putâmen e braço anterior da cápsula interna no hemisfério dominante. Nos seus resultados, observaram como características compartilhadas pela maioria dos pacientes a presença de disartria e disprosódia, afasia não-fluente (apenas um caso apresentava quadro semelhante a afasia de Wernicke) e recuperação rápida dos sintomas. Os autores postulam que a lesão estriatal, prejudicando sua função 152

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de programação do movimento e organização da percepção, facilmente explica sintomas como disartria e disprosódia, bem como pode levar a distúrbios da compreensão auditiva. A lesão de braço anterior da cápsula interna, por sua vez, interromperia algumas vias de importância nos processos de produção lingüística, como projeções do córtex frontal para a ponte, projeções do córtex auditivo à cabeça do núcleo caudado, projeções do tálamo para o córtex motor e projeções do tálamo dorsomedial ao córtex préfrontal, também contribuindo para a presença de disartria, produção de parafasias e alterações da compreensão auditiva. Naeser et al. (1982) propuseram a descrição de três síndromes afásicas após lesões acometendo o putâmen e cápsula interna, como se segue: a) lesão putamino-capsular com extensão ântero-superior (a extensão diz respeito ao acometimento adjacente da substância branca periventricular) – os pacientes apresentaram predominantemente alterações articulatórias, com alguma deficiência de nomeação e boa compreensão semântica; a lesão de substância branca periventricular foi considerada pelos autores o elemento essencial para o quadro encontrado. b) lesão putamino-capsular com extensão posterior – os pacientes apresentaram um quadro caracterizado por discurso fluente e parafásico e grande prejuízo da compreensão; neste caso, a lesão se estendia em direção às radiações auditivas no istmo temporal, bem como para partes do globo pálido, núcleo caudado, cápsula externa, cápsula extrema, claustrum e ínsula. c) lesão putamino-capsular com extensão ântero-superior e posterior, resultando numa afasia global. A extensão da lesão acometia globo pálido, substância branca periventricular profunda à área de Broca e istmo temporal, levando ao isolamento da área de Broca. 153

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Esta tentativa de estabelecer uma correlação entre lesões anteriores (putâmen e braço anterior da cápsula interna) com uma apresentação clínica de afasia não-fluente e de lesões posteriores (putâmen e braço posterior da cápsula interna) com quadros de afasia fluentes também foi realizada por Cappa et al., em 1983. Em um trabalho publicado em 1982, Brunner et al. definiram a existência de lesão subcortical como fator determinante para a ocorrência de automatismos e expressões recorrentes, na análise de 40 pacientes com lesão subcortical. Destes, apenas oito apresentavam lesão exclusivamente subcortical e, nestes casos, o achado mais consistente foi de uma afasia com características semelhantes à afasia transcortical motora. Mega e Alexander (1994) tentaram definir o padrão de afasia encontrado em lesões estriato-capsulares, enfatizando em seus achados a presença de prejuízo da linguagem produtiva (fluência verbal, discurso), com anomia, sendo a compreensão e repetição preservadas, sugerindo uma deficiência restrita de seleção lexical. O acometimento de sistemas fronto-estriatais seria a base dos distúrbios encontrados, podendo ocorrer nas regiões dorso-laterais do córtex frontal ou do striatum, bem como em suas conexões na substância branca frontal. 4) defeito na regulação da liberação de segmentos da linguagem formulados a nível cortical: Crosson (1985) propôs o seguinte circuito para explicar o mecanismo das lesões subcorticais na linguagem: os núcleos da base influenciariam o tônus das áreas anteriores da linguagem regulando o fluxo de impulsos excitatórios provenientes do núcleo ventral anterior do tálamo. Assim, as afasias fluentes seriam o resultado da ausência de inibição do globo pálido sobre o tálamo, liberando a ativação cortical; as afasias não-fluentes seriam o resultado da lesão do núcleo caudado, cuja função em circunstâncias normais seria a de inibir o globo pálido: a lesão provocaria então uma superinibição do globo pálido sobre o tálamo, levando a redução da atividade cortical. Além disso, segmentos de 154

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linguagem seriam inicialmente formulados e então “armazenados” até que pudessem ser verificados semanticamente por mecanismos posteriores (temporoparietais) usados na decodificação da linguagem. O papel dos núcleos da base seria prover um sinal iniciando a liberação do segmento de linguagem formulado para a programação motora, uma vez que houvesse sido semanticamente verificado, utilizando o circuito talâmico acima descrito. Esta teoria não atribui aos núcleos da base nenhuma função de processamento lingüístico, apenas disparam a liberação de segmentos de linguagem para a programação motora. Wallesch e Papagno (1988) sugeriram que os núcleos da base estariam envolvidos na monitorização de alternativas lexicais múltiplas geradas no córtex a fim de selecionar a que melhor se adequa às exigências semânticas e motivacionais.

Figura 3 – Representação esquemática da interação córtico-subcortical nos mecanismos de processamento da linguagem, conforme proposto por Crosson (1985). O sinal + indica estimulação e o sinal – indica inibição.

PERSPECTIVA ATUAL SOBRE O PROBLEMA DAS AFASIAS SUBCORTICAIS NÃO-TALÂMICAS: O FATOR HEMODINÂMICO Uma série de estudos de investigadores em doença cerebrovascular, especialmente Weiller et al. (1993) ofereceu uma 155

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explicação fisiopatológica alternativa para a origem das afasias subcorticais envolvendo núcleos da base e vias de substância branca adjacentes. Partindo do princípio que lesões estriatocapsulares são causadas por oclusão do segmento inicial da artéria cerebral média dominante, ou ocasionalmente por oclusão da artéria carótida interna, a presença de afasia significante após lesão dos núcleos da base seria determinada por dois fatores: precocidade da recanalização da ACM e adequação da circulação anastomótica, ocorrendo principalmente nos casos de recanalização tardia e circulação por anastomose leptomeníngea pobre. Assim, a dinâmica circulatória desempenha um papel crucial na manifestação dos sintomas de linguagem e no grau de recuperação após lesões dos núcleos da base, os quais seriam determinados pelo grau de perda neuronal cortical após oclusão prolongada da artéria cerebral média. Nadeau e Crosson (1997) retomaram esta teoria em maiores detalhes, apontando que os infartos estriato-capsulares são causados primariamente por oclusão do segmento inicial da artéria cerebral média ou da artéria carótida interna, o que leva a um risco de toda a circulação da ACM. Esta circulação inclui o córtex perisylviano, essencial para as funções da linguagem. Mesmo em presença de circulação anastomótica adequada, a posição da oclusão freqüentemente não permite que a circulação colateral supra o território subcortical infartado. Assim, teremos uma situação em que a circulação cortical é parcialmente restabelecida, o que impede o estabelecimento de um infarto maciço, porém podendo ocorrer disfunção neuronal transitória, suficiente para provocar sintomas de alteração de linguagem, embora sem lesão estrutural visível pelos métodos de neuroimagem. Nos casos de infartos acometendo braço posterior da cápsula interna com extensão temporal, em que o território acometido é o da artéria coroidéia anterior, os autores sustentam que as alterações de linguagem encontradas devem-se, aqui, a uma desconexão entre o tálamo e o córtex, levando a achados de afasia talâmica. 156

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Nas hemorragias de núcleos da base, os autores também notaram alterações circulatórias que afetaram o córtex e, portanto, desempenharam um papel nos sintomas apresentados (disfunção cortical induzida por pressão adjacente). Sua conclusão é de que qualquer papel dos núcleos da base dominantes sobre a linguagem é, no mínimo, obscurecido pela disfunção cortical associada, sendo mínimo ou não existente. Outros pesquisadores chegaram a conclusões similares. Por exemplo, Bhatia e Marsden (1994) reviram 240 casos de lesões em núcleos da base. Nos casos em que as lesões eram confinadas a uma única estrutura, alterações de fala e linguagem eram muito infreqüentes para o núcleo caudado (dois casos em 43), putâmen (um caso em 20) ou globo pálido (um caso em 17). Assim, as evidências mais recentes sugerem que os núcleos da base não desempenham nenhum papel direto nos processos de linguagem.

As afasias talâmicas A idéia de uma participação do tálamo como elemento integrante dos circuitos relacionados à linguagem parece surgir a partir da descrição de Fisher (1959), de afasia como achado clínico em casos de hemorragia talâmica no hemisfério dominante. Também em 1959, Penfield e Roberts apud Wallesch (1983) sugeriram que o tálamo pudesse desempenhar um papel de integração das funções de linguagem. Schuell (1965) apud Crosson (1984) defendia a participação do tálamo em processos complexos de retroalimentação entre sistemas lingüísticos e não-lingüísticos. Geschwind (1967), no entanto, não concordava que o tálamo exercesse qualquer papel na gênese de afasias verdadeiras, mas de distúrbios de fala, com diminuição de sua produção, podendo chegar ao mutismo. Também Luria (1977) e Benson (1979 apud Crosson, 1985) questionavam a existência de uma entidade definida que pudesse ser denominada afasia talâmica. No entanto, com base em inúmeros 157

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trabalhos publicados, tanto em pacientes com lesões (vasculares ou cirúrgicas), como de estudos com estimulação elétrica em tálamo dominante, tornou-se possível identificar um padrão de alterações de linguagem razoavelmente consistente, que se assemelham às afasias transcorticais. Este padrão inclui dois tipos de distúrbios: no primeiro, ocorre uma afasia com diminuição da fluência (embora ainda fluente), anomia, com numerosas parafasias (podendo deteriorar em jargão), compreensão menos afetada do que a produção, e ausência de distúrbio de repetição (ou acometimento mínimo), e está presente principalmente em casos de lesão dos núcleos ventral lateral e ventral anterior. No segundo tipo, ocorre uma afasia fluente, com presença de neologismos, e ocorre especialmente em lesões acometendo pulvinar e núcleo póstero-lateral. Do ponto de vista da anatomia vascular, os quadros afásicos são mais freqüentemente encontrados com lesões das artérias tuberotalâmica (polar) e interpeduncular profunda (paramediana talâmica) dominantes e, por se tratarem de lesões predominantemente de pequenos vasos, é pouco provável que haja alguma implicação de disfunção cortical associada (Crosson, 1998).

Anatomia do tálamo e suas conexões O tálamo localiza-se profundamente nas porções medianas e centrais dos hemisférios cerebrais, sendo dividido em tálamo direito e esquerdo pelo terceiro ventrículo. Lateralmente ao tálamo encontramos o putâmen e o globo pálido, que são separados deste pelo braço posterior da cápsula interna (figura 1). Outras estruturas dos núcleos da base que se relacionam com o tálamo são a cabeça do núcleo caudado, situada anteriormente, e sua cauda, localizada posteriormente. Juntamente com o hipotálamo, a glândula pineal e o núcleo subtalâmico formam o diencéfalo, assim chamado por sua posição entre os hemisférios cerebrais e o tronco cerebral (Kelly, 1985). 158

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O tálamo pode ser dividido em três porções principais: núcleo anterior, núcleo dorsomedial e complexo nuclear lateral, separados entre si pela lâmina medular interna. O complexo nuclear lateral é formado pelos núcleos ventral anterior, ventral lateral, ventral posterior, lateral dorsal, lateral posterior e pulvinar, além dos corpos geniculados medial e lateral. Além disso, compõem o tálamo o núcleo intralaminar (localizado na intimidade da lâmina interna medular) e o núcleo reticular, que se assemelha a uma concha envolvendo grande porção do tálamo, com eferências inibitórias (gabaérgicos) para a maioria dos seus núcleos. Esta estrutura desempenha inúmeras funções, entre as quais podemos destacar a de relê dos sistemas sensoriais e movimento voluntário e seu papel crucial nos mecanismos de atenção e memória. Para executar todas estas funções, é evidente que o tálamo apresenta um número grande de conexões aferentes que provêm das mais diversas áreas corticais, subcorticais e do tronco cerebral, bem como se projeta de forma maciça para estas mesmas áreas. Nossa exposição neste texto se limitará às principais conexões do tálamo que podem interessar no processo de linguagem. Estudos de estimulação elétrica e lesões cirúrgicas com efeito sobre a linguagem parecem apontar para a participação do núcleo ventral lateral (Samra et al., 1969), o pulvinar e o núcleo ventral anterior. Estas estruturas recebem aferências do córtex motor, pré-motor e temporoparietal, respectivamente. Além disso, o núcleo ventral anterior recebe uma grande quantidade de aferentes da formação reticular, o que pode explicar o papel do tálamo nos mecanismos de alerta e atenção, os quais foram implicados como fatores contribuintes para os distúrbios afásicos (ou “quase afásicos”, na concepção de Luria em 1977) encontrados em lesões talâmicas. As conexões do tálamo com os núcleos da base já foram discutidas sumariamente em seção anterior deste trabalho (figura 2).

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ENFOQUES TEÓRICOS SOBRE A FUNÇÃO DO TÁLAMO NA LINGUAGEM: 1) teoria da participação não-específica do tálamo: Este enfoque pressupunha um papel ativo do tálamo na linguagem, porém sem especificar em que funções especificamente este estaria envolvido, muitas vezes enfatizando apenas as inúmeras conexões tálamo-corticais como explicação suficiente para que a lesão talâmica simplesmente interrompesse o fluxo de informações ascendentes para o córtex, provocando assim distúrbios na linguagem. 2) teoria da ativação: Esta teoria apóia-se na função do tálamo no alerta e ativação cortical. Entre seus principais defensores destacamos Luria, que em 1977 descreve o caso de um paciente com malformação aneurismática em tálamo à E, submetido a cirurgia para remoção da mesma, evoluindo com um distúrbio de linguagem que compreendia um discurso marcadamente parafásico e com perseverações, com flutuações na compreensão e repetição altamente prejudicada. Luria mostrou-se mais propenso a concluir que as alterações encontradas deviam-se a um prejuízo parcial da vigilância, interferindo com a especificidade do processo de fala, não considerando o distúrbio como uma afasia verdadeira. Riklan e Cooper (1975) encontraram disfluência numa série de pacientes submetidos a lesão cirúrgica estereotáxica em núcleo ventral lateral e pulvinar do tálamo, porém com boa recuperação subseqüente; estes autores argumentam em seu trabalho que o processamento da informação lingüística provavelmente requer maior “energia de ativação” cortical para sua elaboração, o mesmo se aplicando em relação à ativação das áreas corticais sensorimotoras, relacionadas aos aspectos da fala como fluência e articulação. McFarling et al. (1982) descrevem dois casos de infarto talâmico à esquerda: um paciente apresentou afasia transcortical 160

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motora e o outro, transcortical mista. Os autores concluem que a função de alerta específico exercida pelo núcleo ventral lateral esquerdo, lesado nos casos em questão, levando a um distúrbio de alerta cortical e atenção (com conseqüente prejuízo da memória verbal de curto prazo, como proposto por Ojemann em 1976), seria o mecanismo suficiente para explicar seus achados clínicos. Em 1991, Lazzarino et al. também evocam um distúrbio parcial da atenção envolvendo processos verbais em sua descrição de dois pacientes com infarto tálamo-mesencefálico, acometendo núcleo paramediano do tálamo no hemisfério dominante; um paciente apresentava quadro semiológico compatível com afasia transcortical motora e o outro uma afasia fluente, porém com numerosas parafasias. Além disso, os autores chamam a atenção para o envolvimento do núcleo dorsomediano nos dois casos, o qual por suas conexões com as áreas de Wernicke e Broca poderia ser responsável por alguns dos achados clínicos encontrados. 3) teorias do papel de integração do tálamo: monitorização semântica da produção verbal: Deve-se a Penfield e Roberts (1959) apud Wallesch et al. (1983) o início do conceito de função integrativa exercida pelo tálamo na linguagem. Estes autores, estudando a linguagem no pré e pós-operatório de pacientes com crises epilépticas que foram submetidos a ressecções de lobo temporal (com maior ou menor retirada de massa subcortical associada), concluíram que as estruturas subcorticais tinham o papel de coordenar e integrar as funções corticais, através de suas fibras de projeção. Este conceito era também aprovado por Ojemann et al. (1968), ao descrever anormalidades na memória verbal de curto prazo após estimulação elétrica do pulvinar à esquerda. Schuell (1965) apud Crosson (1984) acreditava que o tálamo realizaria um papel de monitorização da linguagem formulada, através de um mecanismo de retroalimentação via sistema auditivo, antes que se efetuasse a expressão verbal. Darley et al. (1975) encontraram alterações de linguagem em 23% de 123 pacientes submetidos 161

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a talamotomia para alívio de sintomas da doença de Parkinson, especialmente quando em combinação com palidotomia. Posteriormente, outros autores teorizaram sobre circuitos de integração envolvendo o córtex, o tálamo e tronco cerebral, especialmente a substância reticular ativadora, porém considerando que tal papel integrativo se realizaria de alguma forma com a participação da memória, e mais especificamente, memória verbal (Metter, 1983). Reynolds et al. (1979), por exemplo, postularam um mecanismo atencional controlando o armazenamento e resgate da memória verbal. Já Cappa e Vignolo, em 1979, atribuíram ao tálamo o manejo de palavras enquanto unidades semânticas, excluindo sua participação em processos fonêmicos, o que explicaria a pouca alteração da repetição em indivíduos com afasia talâmica. Esta idéia de distinção fonêmica-semântica também foi sustentada por Crosson (1981, 1984), com sua hipótese de que o tálamo estaria implicado no processo de seleção de palavras (ou checagem da acurácia semântica) prévio à expressão verbal, através de uma alça entre as áreas de formulação (frontal) e decodificação (temporoparietal) da linguagem. Goodglass e Kaplan (1983) também defendem este conceito propondo que o tálamo dominante é o centro do mecanismo que permite que os centros de linguagem posteriores (temporoparietais) realizem a monitorização da produção verbal. Tal conceito implica na utilização do circuito envolvendo as áreas anteriores da linguagem-núcleo ventral anterior-lâmina medular interna-pulvinar-córtex temporoparietal. Em 1985, Crosson acrescentou mais um conceito à sua teoria de monitorização semântica: o tálamo também exerceria um papel de regulador da liberação de segmentos de linguagem formulados (após sua verificação semântica) para as áreas de programação motora da fala. Neste processo, existe participação conjunta dos núcleos da base, conforme já discutido anteriormente (figura 4).

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Envolvimento seletivo dos mecanismos corticais como um papel para os núcleos talâmicos na linguagem Em 1977, Yingling e Skinner formularam a hipótese de que haja um circuito envolvendo os lobos frontais – pedúnculo talâmico inferior – nucleus reticularis – núcleo centromediano (sistema mediotalâmico-frontocortical), cuja função seria a de exercer um controle sobre as reações de orientação por inibição seletiva de impulsos sensoriais ascendentes considerados irrelevantes. Em outras palavras, este circuito regularia a atenção voluntária, contrapondo-se à formação reticular mesencefálica, que estaria mais relacionada aos aspectos gerais de alerta e atenção reflexa. A partir deste modelo, Nadeau e Crosson (1997) sugeriram que este mesmo circuito poderia participar, de forma similar, de um processo de ativação de sistemas corticais seletivos necessários para a realização de diversas funções cognitivas. No caso da linguagem, este princípio se manifestaria em termos de controle dos processos de seleção lexical, de tal modo que, na ausência deste mecanismo, não haveria diferença de ativação entre um determinado item lexical e outros semanticamente correlatos, levando a erros de seleção, traduzidos clinicamente pelos erros de nomeação e parafasias semânticas. Alguns autores consideram que as afasias talâmicas podem ser o resultado da associação de alguns dos fatores acima mencionados: para Samra et al. (1969) e Cooper et al. (1968) os processos de ativação e integração estavam interligados, sendo a ativação dos núcleos talâmicos um fator necessário para a modulação e integração da linguagem. Ojemann (1983) sugeriu que os processos de alerta talâmicos ativam seletivamente as áreas corticais específicas (mosaicos) apropriados para o processamento lingüistico, à semelhança do que ocorre com relação aos processos motores (“resposta de alerta específico”). Gorelick et al. (1984), numa descrição de caso de infarto de tálamo dominante, encontrando alterações como diminuição do volume 163

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de voz, fala não-fluente com parafasias verbais e fonêmicas, contaminações, alteração da compreensão, perseveração e flutuações no desempenho à fala, dividiram os achados em quatro categorias: alterações extrapiramidais (diminuição do volume de voz), por interrupção das aferências pálido-nigrais ao tálamo; alterações de acesso lexical (disfluência), por desconexão entre o córtex frontal-núcleo ventral anterior do tálamo; distúrbio do alerta (intrusões, contaminações, neologismos); alterações da compreensão, por interrupção das conexões tálamo-córtex frontalfascículo longitudinal superior-área de Wernicke. No esquema de Wallesch e Papagno (1988), o papel do tálamo na linguagem estava primariamente relacionado a sua posição nas alças córtico-estriato-pálido-tálamo-cortical (figura 3).

CEREBELO O cerebelo sempre foi considerado como uma estrutura primariamente relacionada ao controle e coordenação do movimento voluntário, tendo em vista que a lesão cerebelar repercute de forma importante na execução do ato motor, levando a sinais neurológicos como incoordenação da marcha, dismetria e decomposição do movimento em olhos e membros, alterações do equilíbrio e disartria (fala escandida). No entanto, os estudos anatômicos e neurofisiológicos progressivamente colocaram em evidência a complexidade e sofisticação estrutural do cerebelo, e, mais ainda, suas numerosas conexões recíprocas com todo córtex de associação e paralímbico (Schmahmann e Pandya, 1992, 1993, 1997). Isto levantou a discussão em torno do papel do “cerebelo cognitivo”, composto pelos hemisférios cerebelares laterais e núcleos denteado e emboliforme, que mantêm ligações com as áreas descritas acima (Schmahmann e Pandya, 1987; Schmahmann, 1991) e, como subproduto desta questão, sua 164

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função na linguagem (Leiner et al.,1989). Dados adicionais foram incorporados a partir de publicações de casos clínicos, especialmente de crianças com tumores cerebelares apresentando desde demora na aquisição da linguagem e dificuldades de iniciação da fala, até mutismo (Levisohn et al., 2000). Alterações já descritas na literatura incluem principalmente dificuldades na produção da fala, como: respostas curtas, falta de elaboração, dificuldades em iniciar conversação (mesmo em crianças com escores normais em testes verbais), longas latências para resposta e dificuldades para encontrar palavras (Bracke-Tolkmitt et al., 1989; Akshoomoff et al., 1992; Appolonio et al., 1993; Schmahmann e Sherman, 1998; Silveri et al.,1998). Além disso, estudos funcionais usando PET e RM mostram ativação cerebelar, especialmente em duas regiões: lóbulo VI do hemisfério cerebelar direito e lóbulos IV a VIIA da região vermiana (Petersen et al., 1989; Petersen e Fiez, 1989, Raichle et al. 1994, Desmond et al 1997, Ackermann et al., 1998, Buckner et al. 1995, Price et al. 1996) em indivíduos executando tarefas de linguagem. No entanto, como estas tarefas são muito variadas nos diversos trabalhos (geração de nomes, leitura, repetição silenciosa e completar palavras), o papel exato do cerebelo no processamento lingüístico ainda não está estabelecido. As intensas conexões desta estrutura com o córtex pré-frontal e striatum fazem pressupor que sua contribuição possa estar ligada a processos de seleção e monitorização da adequação de respostas (Desmond et al., 1998). Com relação à atividade motora, atribui-se ao cerebelo a função de regular sua força, ritmo e acurácia, permitindo que o resultado desta atividade seja harmonioso. A função cerebelar preservada garante um ajuste contínuo, detectando, prevenindo e corrigindo diferenças entre a atividade pretendida (estratégia) e a realizada (comportamento frente ao ambiente). E, embora complexa, a microestrutura do cerebelo é bastante homogênea e repetitiva, o que torna pouco plausível que apresente muitas modalidades diferentes de processamento, como o córtex cerebral. 165

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Assim, de forma análoga ao seu papel na atividade motora, podese imaginar que o cerebelo realize funções de modulação das atividades cognitivas, entre elas a linguagem, regulando velocidade, capacidade, consistência e propriedade destas, também detectando e corrigindo “erros do pensamento” (Ito, 1993).

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CAPÍTULO VIII

SEMIOLOGIA DAS AFASIAS

Há mais de um século o modelo clássico de “áreas de linguagem” (Wernicke e Broca) e suas interligações têm sido a base do raciocínio sobre fisiopatologia em estudos de afasia. Mais recentemente, o modelo de Wernicke-Geschwind (Dronkers et al., 2000) (figura 1) sedimentou esta forma de raciocínio clínico e as baterias de exame de linguagem têm, em geral, o objetivo de permitir a identificação e classificação dos sintomas de forma que preencham os critérios de enquadramento nas síndromes clássicas. No entanto, o acúmulo de evidências clínicas tem demonstrado que muitos pacientes desafiam uma possibilidade de enquadramento nestas síndromes. Segundo Dronkers (2000), apenas 50 a 60% dos pacientes com lesão na área de Broca possuem uma afasia de Broca persistente e 30% dos pacientes com lesão na área de Wernicke são afásicos de Wernicke crônicos. Em contrapartida, 15% dos pacientes com afasia de Broca crônica não têm lesão na área de Broca, o mesmo acontecendo em 35% dos pacientes com afasia de Wernicke. Pacientes com afasia de condução mais freqüentemente apresentam lesão no lobo parietal inferior do que no fascículo arqueado. Um fato freqüentemente negligenciado é que os pacientes afásicos nos quais Broca e Wernicke se basearam para suas 173

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descrições estão longe de se constituir em casos modelo para os nossos padrões atuais: os dois pacientes autopsiados nos quais Paul Broca baseou sua descrição da afasia de expressão apresentavam, respectivamente, múltiplos infartos e demência. Nos dois principais casos de Wernicke, observamos que um não foi submetido a autópsia e o outro também apresentava demência (Dronkers, 2000). Assim, não é difícil concluir que muitas das observações clínicas subseqüentes não se encaixem no modelo criado com tantas limitações.

Figura 1 - Modelo de Wernicke-Geschwind das áreas de linguagem. FA – fascículo arqueado 1

Os métodos mais recentes de investigação clínica (neuroimagem estrutural e funcional), bem como os avanços teóricos nos campos da Neurologia Cognitiva, Psicolingüística e Neurofisiologia nos convidam a reformular nossa concepção das relações lesãosintoma em linguagem. Assim, ao se considerar os circuitos neuronais (extensa e amplamente distribuída entre diversas áreas e 1 - Imagem de ressonância magnética gentilmente cedida pelo Dr. Luiz Antonio Pezzi Portella.

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estruturas cerebrais) responsáveis pela linguagem, a lesão em uma das partes destes circuitos tenderá a afetar a função como um todo, embora em graus e formas variados.

EFEITOS DAS LESÕES CORTICAIS NA LINGUAGEM Lobo frontal A área de Broca recebe projeções das áreas auditiva, visual e somestésica, bem como maciças projeções do lobo parietal inferior e área de Wernicke, via fascículo arqueado. Recebe também projeções da amígdala e giro do cíngulo anterior, integrantes do sistema límbico. É a região responsável pela “montagem final” do pensamento na forma sintática e gramatical, a fim de ser organizado e expresso em seqüências motoras de articulação ordenadas temporalmente (fala). Permite a transmissão dos impulsos provenientes das áreas posteriores da linguagem para os neurônios motores primários que coordenam a atividade oro-facial (lábios, língua, mandíbula). Assim, lesões nesta área originam alterações de articulação, fluência verbal, capacidade de processar estruturas gramaticais e prejudicam todas as modalidades de produção oral (nomeação, repetição, leitura em voz alta). Lesão da convexidade frontal esquerda (área de Exner) leva a uma dificuldade na implantação dos atos motores necessários para a execução da escrita, traduzindo-se numa anormalidade do controle motor dos grafemas. Os mesmos tornam-se mal-formados, sendo em geral a escrita cursiva mais afetada que a letra de imprensa. Podem ocorrer alterações da seleção dos grafemas, como omissões, substituições e adições. A área de Exner possivelmente recebe as informações da área de Broca (que por sua vez as recebe das áreas posteriores da linguagem) e retransmite para as áreas motoras primárias e secundárias, também localizadas 175

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nos lobos frontais (Lesser, et al. 1984). Micro e macrografia estão relacionadas à lesão de lobos frontais, especialmente à direita. Lesões frontais à direita alteram a linha melódica / emocional da fala. Quando profundas (associadas a lesões do cíngulo e gânglios da base), alteram a prosódia, e o paciente adquire um certo “sotaque”. Lesões frontais à esquerda produzem alterações de prosódia mais graves, podendo levar à “síndrome do sotaque estrangeiro”, onde ocorre distorção especialmente na produção de vogais (Graff-Radford, 1986, Blumstein, 1987). Lesões frontais à direita, ou bilaterais, podem produzir também sintomas como tangencialidade (em que as proposições são conectadas por similaridade sonora ou por alguma associação semântica pouco óbvia para o ouvinte) e confabulação, em que o paciente faz associações irrelevantes, apresenta tendências perseverativas, com dificuldades em mudar o cenário (set) ou manter um raciocínio coerente, podendo ocorrer discurso com conteúdo bizarro e fantástico. Tais alterações ocorrem dentro do contexto da síndrome de desinibição frontal (Joseph, 1996).

Lobo parietal Noções visuo-espaciais, temporais, cálculo, imagem corporal e gerenciamento da movimentação das mãos na exploração do espaço são as funções principais executadas pelos lobos parietais. Os lobos parietais inferiores representam áreas de confluência de informações provenientes de todo o córtex e subcórtex, sendo importantes áreas de associação. Assim, lesões dos giros angular e supramarginal (parietal inferior esquerdo) prejudicam gravemente a nomeação. O giro supramarginal é também um relê de comunicação entre as áreas de Wernicke e Broca, e sua lesão provoca uma síndrome de desconexão na forma de afasia de condução, onde há prejuízo da capacidade de repetir, ler em voz alta e escrever sob ditado. A lesão em que ocorre perda da 176

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ligação com o córtex visual provoca alexia, pois os impulsos visuais não conseguem ser transmitidos à área de Wernicke. Acredita-se que os engramas sensório-motores necessários para a produção e percepção da escrita localizam-se no lobo parietal esquerdo (Strub e Geschwind, 1983), já que esta região é responsável por guiar e observar o movimento das mãos. Sua lesão pode provocar agrafia, com omissões, distorções ou inversões das letras. Em geral este distúrbio é acompanhado de alexia e, eventualmente, de alexia / agnosia para números. Alexia e agrafia para números, acompanhadas de acalculia podem ser encontradas em lesões do giro angular (Benson, 1972). Pacientes com lesão parietal esquerda também apresentam dificuldades com relações gramaticais, devido ao prejuízo das funções seqüenciais temporais gerenciadas por esta região (Luria, 1980).

Lobo temporal O lobo temporal executa a organização temporal dos sons percebidos, além de realizar a “sintonia fina” do sistema auditivo que permite a formação da representação auditiva dos fonemas (Joseph, 1996). Lesões de lobo temporal provocam uma inabilidade no processamento das características de seqüência temporal dos sons. A desconexão entre o córtex auditivo primário e a área de Wernicke, por exemplo, provoca uma incapacidade de reconhecimento dos sons lingüísticos conhecida como surdez verbal pura (lesões à esquerda ou bilaterais). A inabilidade de processar os sons de forma seqüenciada no tempo leva a dificuldades graves na compreensão verbal (déficit na separação temporal entre as palavras), bem como a hiperfluência, parafasias e produção de não-palavras. As porções medial e inferior do lobo temporal recebem conexões das áreas de associação parietais, sendo que a porção inferior está particularmente relacionada ao reconhecimento visual de formas. Assim, lesões nestas áreas levam a distúrbios da 177

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nomeação, particularmente em confrontação visual, e também da memória verbal (Joseph, 1996; Luria, 1980).

Lobo occipital O lobo occipital relaciona-se primordialmente ao processamento visual. Lesões desta região interferem com habilidades de leitura e escrita ao provocar déficits de campo visual (hemianopsias, quadrantanopsias) ou mesmo cegueira cortical. Alexia sem agrafia (agnosia visual para palavras) pode ocorrer nas lesões de lobo occipital esquerdo associadas a lesão de corpo caloso (Geschwind, 1965). Neste caso, estando o lobo parietal inferioresquerdintacto, o paciente tem a capacidade de escrever preservada. Anomia para cores (desconexão entre a área occipital de reconhecimento para cores e área de Wernicke) também é uma rara síndrome clínica associada a lesão occipital.

Figura 2 – Efeito das lesões corticais nas habilidades da linguagem. Fonte: Adaptado de Hécaen e Angelergues, in de Reuck & O’Connor, CIBA Foundation Symposium on the Disorders of Language, 1964, Churchill Press, 222-256.

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O esquema acima mostra que as alterações encontradas nos quadros afásicos não são exclusivas; o que diferencia estes quadros é a combinatória desses sintomas e a intensidade com que se manifestam. Adicionalmente, a natureza da alteração do processamento pode ser diversa nos diferentes quadros. Por exemplo, um déficit de compreensão pode refletir processos tão diferentes quanto discriminação auditiva einabilidades de decodificação sintática ou semântica. A avaliação da linguagem através de testes padronizados presta-se a alguns propósitos, como podemos enumerar (NeilsStrunjas, 1998): • determinar se o indivíduo é normal • estabelecer um diagnóstico diferencial • estabelecer quais habilidades lingüísticas estão preservadas e quais os déficits presentes (aqui se incluem a classificação da afasia e a determinação de sua gravidade) • determinar a habilidade residual do paciente em comunicar-se (aspecto funcional) Embora existam numerosos testes padronizados, estes em geral têm em comum a avaliação de alguns elementos básicos: compreensão auditiva, produção da fala, escrita e leitura, além de habilidades visuais e práxicas. Testes para habilidades específicas (compreensão sintática, nomeação, fluência verbal, etc.) podem ser utilizados para aprofundar a caracterização do déficit lingüístico. A estrutura geral dos testes de avaliação global da linguagem é organizada de forma a contemplar fundamentalmente os seguintes aspectos do processamento lingüístico: I - COMPREENSÃO ORAL: verifica a possibilidade de utilizar a “entrada auditiva” para acessar o sistema semântico, trabalhando várias categorias semânticas e com

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crescente complexidade dos estímulos (palavras, frases simples e complexas). II - EXPRESSÃO ORAL: abrange aspectos de linguagem não proposicionada e outros mais voluntários. Permite a caracterização associada de quadros de disartria, apraxia de fala. Provas de repetição e leitura oral envolvem a transcodificação audiofonatória, o que acontece com ou sem o acesso ao significado. A leitura oral de sentenças, além de solicitar a habilidade de realizar esta transcodificação audiofonatória, põe em cheque a capacidade de lidar com as conexões sintáticas previstas na organização seqüencial do material. III – NOMEAÇÃO: avaliação do léxico, que pode ser realizada por estímulo auditivo ou visual, esta última permitindo a análise dos múltiplos componentes do processamento da nomeação, desde a percepção do objeto até a emissão de seu nome. Provas adicionais de fluência por categorias testam o conhecimento da categoria semântica, bem como de suas subclassificações, o que permite criar estratégias de evocação e busca. IV - COMPREENSÃO ESCRITA: envolve a discriminação visual e reconhecimento de material gráfico, capacidade de estabelecer a relação entre “som e forma gráfica” (conversão fonema-grafema), memória operacional e funções executivas, associações e extração de significado de material complexo. V - EXPRESSÃO ESCRITA: abrange desde aspectos mecânicos (motores) até a construção de significado em níveis maiores de complexidade. Verifica a integração e transcodificação visual e audiográfica, compondo-se em geral de uma parte realizada sob a forma de ditados e outra de formulação escrita dirigida. Os estímulos também são apresentados de forma que permitam a avaliação da

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capacidade de realizar construções gramaticais mais complexas. O modelo abaixo ilustra as provas do Teste Boston para Diagnóstico da Afasia (Goodglass e Kaplan, 1972, 1983), de acordo com a modalidade de entrada do estímulo e de saída da resposta.

Figura 3 – Representação esquemática do Teste Boston para Diagnóstico da Afasia.

ASPECTOS PSICOLINGÜÍSTICOS DA SEMIOLOGIA DAS AFASIAS Nível fonológico Os estágios da codificação fonológica são acesso, planejamento e implementação. Erros de processamento podem ocorrer em qualquer dos estágios, resultando em diferentes sintomas. Erros no estágio 1 (acesso às representações subjacentes) dão origem 181

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às dificuldades de discriminação auditiva e parafasias literais, encontradas nas lesões temporais (exemplos clínicos são afasia de Wernicke e surdez verbal pura). Quando os erros ocorrem no estágio de planejamento ou construção das representações fonêmicas (estágio 2), temos os sintomas presentes na afasia de condução, onde ocorre a conduta de aproximação (tentativa de correção sistemática com gradual aproximação do alvo). Erros na etapa de implementação (estágio 3) serão encontrados na afasia de Broca (erros fonéticos). Os erros que ocorrem nos estágios 1 e 2 tendem a comprometer mais a produção de consoantes. Alterações da prosódia, tanto de produção quanto percepção, são encontradas em lesões de hemisfério esquerdo (embora não exclusivamente), abrangendo os aspectos relacionados ao acento lexical, frasal, enfático e entonação. Uma das síndromes clínicas em que a produção prosódica se encontra grandemente comprometida é a síndrome do sotaque estrangeiro.

Alterações da fluência Diminuição da fluência verbal pode ser tanto o resultado de dificuldades articulatórias, morfológicas e de mecanismos de iniciação da fala, quanto de empobrecimento semântico. Essas funções organizam-se nos lobos frontais, temporais e parietais. Lesões nas áreas motoras produzem disartria e apraxia de fala. Anormalidades do processamento morfológico representam a incapacidade de manejar elementos formativos gramaticais, tanto na sua forma livre (auxiliares, determinantes, pronomes, preposições) quanto os acoplados (afixos inflexionais). Indivíduos com prejuízo neste nível do processamento geralmente apresentam um mau desempenho lingüístico quando lidam com elementos de classe fechada, com relativa preservação do desempenho quanto aos elementos de classe aberta (categorias lexicais). As alterações morfológicas constituem parte dos sintomas encontrados no 182

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agramatismo. Em geral as alterações morfológicas se traduzem como omissão ou substituição de afixos, porém respeitando algumas regras, tais como: • as alterações são específicas para cada língua considerada; • não são produzidas não-palavras (tanto nas omissões quanto nas substituições); • as alterações produzem elementos relacionados morfologicamente a um núcleo (ou “família morfológica”); • os elementos produzidos por omissão são fonológica e morfologicamente bem formados.

Nível sintático Dificuldades adicionais de construção das proposições, presentes no agramatismo, refletem prejuízo do processamento sintático. Atualmente admite-se que os indivíduos com este prejuízo passam a apresentar déficits em diferentes níveis do processamento: desde a dificuldade para recuperar a estrutura sintática e a informação léxico-semântica até integrar as duas informações (Delvenne, 1997). Essas operações envolvem atividades de cunho lingüístico (Grodizinsky, 1986) e não lingüístico (Daneman e Carpenter, 1980; Caplan, 1995).

Nível léxico-semântico – alterações da nomeação Dificuldades de nomeação ou de “achar palavras” podem representar dois tipos de processo: prejuízo ao acesso lexical ou uma degradação real da representação da palavra no sistema semântico. No primeiro caso, o fornecimento de pistas fonêmicas ou semânticas deve facilitar a retomada da palavra pretendida. 183

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Pacientes com dificuldades neste nível do processamento apresentam parafasias semânticas (a palavra produzida guarda similaridade semântica com a palavra pretendida). Exemplos de déficits semânticos relativamente puros são a afasia transcortical sensorial e a demência semântica. Existe nos afásicos, em geral, maior dificuldade no emprego de palavras abstratas quando comparadas com concretas. Isto pode ser explicado pela combinação dos seguintes fatores: palavras concretas apresentam um código duplo, verbal e nãoverbal (imagem), ao contrário das abstratas que apresentam apenas o código verbal; palavras concretas são representadas por um maior número de características semânticas; além do mais, estão inseridas num contexto perceptual maior, apresentando uma gama de atributos sensório-motores que facilitam sua retomada. Outra dissociação já descrita na observação clínica é aquela existente entre as categorias animados (animais, frutas e vegetais) versus inanimados (instrumentos e móveis), que podem estar seletivamente prejudicados em um paciente. Um modelo diferente de prejuízo do processamento léxicosemântico pode ser encontrado nas dislexias. Na dislexia profunda, ocorrem erros de leitura em base sensorial; pode haver substituições semânticas (gato / cachorro), visuais (gato / rato / goto) e também aqui palavras concretas induzem a um melhor desempenho. Na dislexia de superfície, por outro lado, não ocorrem associações de significado, pois o sujeito é capaz de realizar mecanismos superficiais de conversão grafema-fonema.

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CAPÍTULO IX

NEUROPLASTICIDADE E REABILITAÇÃO

O Sistema Nervoso Central (SNC), adquirido mais recentemente na escala filogenética, permite ao animal a modulação de seu comportamento. Sabemos que uma série de comportamentos (que visam à interação do animal com o meio ambiente, possibilitando sua sobrevivência) é instintiva e considerada inata, isto é, geneticamente determinada para uma dada espécie. Os comportamentos instintivos, por mais estereotipados que sejam, podem sofrer alguma espécie de modificação de acordo com a pressão do meio ambiente. O aprendizado, por sua vez, implica na mudança de um comportamento através da experiência e exige como pré-requisitos a aquisição de conhecimento a respeito do mundo e a memória, para codificar, estocar e acessar este conhecimento. Para os profissionais que lidam com reabilitação, aprendizagem é uma palavra-chave. Como o homem desenvolve suas capacidades para atingir uma relação equilibrada com seu meio ambiente? Daí surgem três outros termos importantes: “desenvolvimento”, “capacidade” e “relação equilibrada com o meio”. Todos eles dizem respeito à mudança, transformação e capacidade adaptativa do indivíduo e às possibilidades do sistema nervoso e podem ser entendidos no tema da PLASTICIDADE. 187

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Nesta linha, algumas questões pedem espaço para discussão: • os comportamentos humanos são herdados ou aprendidos? • a prioridade de aspectos genéticos/ ambientais • o papel do papel ativo do indivíduo no processo E ainda: • Como é possível a aprendizagem? • Como o indivíduo em condições de lesão aprende? • Como o terapeuta de pacientes com lesão cerebral lida com a questão da aprendizagem? O indivíduo aprende a se comportar levando em conta o equilíbrio com o meio ambiente. Sobrevivência e otimização do desempenho determinam o grau de participação de mecanismos genéticos ou ambientais. Exemplificando, programas predeterminados geneticamente garantem a atividade muscular relacionada à alimentação. Tal condição “pré-programada” pode ser alterada, pois mesmo os padrões de alimentação podem ser variados conforme as diversas culturas: comportamentos sociais relacionados ao ato de ingerir os alimentos e consistência dos mesmos levam o sistema nervoso a se adaptar a essas necessidades. Por outro lado, a linguagem, a mais plástica das atividades mentais está aberta e dependente da interação com o meio ambiente, mas nesta também se pode reconhecer mecanismos geneticamente determinados. Essa razão de utilidade aplica-se a mecanismos micro e macroestruturais de organização do sistema nervoso e segue marcha de desenvolvimento tal que inicialmente esse equilíbrio indivíduo/meio ocorre seguindo programas fortemente determinados pela genética. Gradativamente o indivíduo “conhece” o seu meio e aprende a reagir a ele e isso ocorre porque seu sistema nervoso tem capacidade adaptativa, é plástico. 188

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Examinando-se os significados do termo APRENDIZAGEM no dicionário, temos que se define como “conduta adquirida, pois torna-se possível através de exercício que a sedimenta e aperfeiçoa”. Depreende-se daí a noção de estabilidade e possibilidade refinamento e o papel ativo entre o aprendiz e o objeto a ser aprendido. Outros significados de aprendizagem podem ser encontrados no dicionário: agir, tomar, apoderar-se de, torná-lo próprio, o que reforça a idéia de um processo sensoriomotor, em primeira instância, sendo a percepção seu ponto de partida. Daí a vizinhança dos termos: aprender, prender e apreender (= tomar com as mãos). Em resumo, temos que a aprendizagem é um processo de captura ou apropriação, de base inicialmente perceptual, que conduz a uma capacitação. Na última década os conceitos a respeito da plasticidade neuronal vêm sofrendo extensas modificações. Durante muitas décadas considerou-se que apenas o sistema nervoso imaturo ou em desenvolvimento era capaz de sofrer influências externas que permitissem uma reorganização estrutural a nível celular para compensar uma lesão. A recuperação do sistema nervoso após uma lesão era considerada um evento restrito ao período de infância e pré-adolescência, não sendo teoricamente possível num cérebro “maduro”, a não ser dentro de limites bastante estreitos. Atualmente este conceito vem sendo gradativamente mudado através de diversos experimentos e observações que têm demonstrado um potencial neuronal de regeneração antes não imaginado.

DESENVOLVIMENTO, PERÍODOS CRÍTICOS E A EMERGÊNCIA DO COMPORTAMENTO

Durante o período embrionário inicia-se a cadeia de processos que vai culminar no que conhecemos como diferenciação 189

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e especialização celular. No caso das células nervosas, este processo implica na capacidade de sintetizar neurotransmissores e enzimas, desenvolver receptores protéicos e formar conexões específicas com outras células na sua periferia e a distância. Numa fase muito precoce da formação do embrião, suas células, ainda indiferenciadas, organizam-se em três camadas denominadas endoderma (a mais interna), mesoderma e ectoderma (a mais externa). Cada uma destas camadas dará origem a determinados tecidos do organismo. As células nervosas (neurônios e células gliais) formam-se a partir de uma estrutura embrionária denominada placa neural, derivada da camada ectodérmica. Resumidamente, podemos dizer que a seqüência de eventos que levam uma célula indiferenciada a se transformar em um neurônio inclui a determinação (“separação” de um grupo de células que vai se expressar geneticamente como neurônios e sua disposição em regiões específicas do embrião) e diferenciação (engloba a proliferação e formação de neurônios, sua migração para os locais adequados e desenvolvimento de suas interconexões). Já que todas as células de um indivíduo contêm a totalidade da informação genética, a diferenciação (o que permite que um neurônio seja diferente de uma célula da parede intestinal, por exemplo) ocorre como resultado da expressão de genes específicos para cada tipo de célula, com inibição de outros. Este processo é regulado através de substâncias químicas denominadas fatores de indução, que são liberadas por células adjacentes do microambiente embrionário. Estes fatores de indução, ao se ligarem a receptores específicos nas membranas de suas células-alvo desencadeiam uma cadeia de eventos intracelulares que culminam na expressão dos genes que codificam as proteínas responsáveis pela função específica daquela célula, completando-se assim o processo de diferenciação. A partir deste momento a célula passará a executar algumas funções exclusivas de sua linhagem, porém não será capaz de realizar aquelas para as quais a expressão genética não foi ativada (especialização) (Jessell, 2000). Cada evento ocorrido desencadeia 190

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uma seqüência de outros eventos, e assim sucessivamente, numa cadeia interdependente. O último estágio deste processo, a formação de interconexões entre os neurônios, inicia-se neste período, porém só vai se completar na fase pós-embrionária, através da influência adequada de fatores ambientais. A formação das sinapses: As sinapses constituem a estrutura através da qual as células nervosas intercambiam informações e substâncias nutricionais e tróficas. Uma célula nervosa deprivada de suas interconexões com outras células sofre degeneração e morre, por ausência destes fatores, o que representa um mecanismo de amplificação de lesão. A comunicação entre neurônios se faz através dos chamados neurotransmissores, substâncias que têm a propriedade de excitar ou inibir a membrana do neurônio seguinte, assim permitindo a transmissão ou bloqueio de uma informação. A sinapse é composta pelo neurônio pré-sináptico (que libera os neurotransmissores e demais substâncias), fenda sináptica (espaço onde são liberadas as substâncias) e neurônio pós-sináptico (que recebe a informação).

Figura 1 – Representação esquemática de uma sinapse

O mecanismo de formação de sinapses entre as células nervosas é altamente complexo, pois exige que um número imenso de células “encontre” seus alvos adequados a fim de formar os diferentes tratos e regiões cerebrais, para constituir finalmente todo o sistema nervoso central e periférico. É um processo delicado e de alta precisão, cujos fenômenos ainda não são completamente compreendidos. De maneira simplificada podemos entender que um grupo de células nervosas “sabe” qual o seu destino 191

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através do reconhecimento de marcadores moleculares (guias) presentes em sua constituição que devem “casar-se” com os do local alvo. Os marcadores guias permitem que um determinado axônio “reconheça” todo o trajeto até o seu destino final. Através da completa combinação de marcadores, como uma “senha”, estabelece-se a conexão entre as células. Após o estabelecimento inicial destas conexões, ocorrem modificações adicionais levando à moldagem da massa de células, com aumento da diferenciação, retirada da população excedente (em geral por deprivação de fatores de crescimento e nutricionais) e remodelação das sinapses. Finalmente, haverá um ajuste mais fino, sendo que neste último e mais sofisticado processo o aprendizado passa a ter um papel crucial. Todas estas etapas de interação celular são altamente complexas e, portanto, são etapas críticas para um correto desenvolvimento de toda a futura rede neuronal. Erros de migração celular levam a uma série de outras aberrações no processo, que culminam com as chamadas malformações congênitas de sistema nervoso. Estas podem ser induzidas, por exemplo, pelo uso de drogas durante o período crítico de diferenciação celular (primeiro trimestre da gestação). Temos então, a partir de um certo estágio do desenvolvimento, o aumento da importância do fator ambiental na expressão da maturação do sistema nervoso. A experiência e o aprendizado passarão a desempenhar um papel fundamental para a integração das regiões cerebrais, e para promover alterações estruturais celulares no sentido de especialização crescente. Também nesta fase temos os chamados “períodos críticos”, em que a criança deverá se exposta a determinados fatores ambientais a fim de permitir o adequado desenvolvimento de suas habilidades perceptuais, motoras, cognitivas e sociais. Vários experimentos em animais e observações em bebês humanos têm demonstrado a importância de manter um nível de estimulação sensorial e motora, associado a interação social adequada para permitir que o sistema nervoso complete a sua maturação. Bebês deprivados de contato 192

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físico e estimulação ambiental própria (crianças hospitalizadas por longo tempo, por exemplo) apresentam desempenhos cognitivos e sociais bem abaixo do normal, com atraso na aquisição da marcha, linguagem e sua interação com outras crianças e adultos torna-se deficitária. Outro exemplo que ilustra bem o papel da estimulação ambiental como determinante da fase final de maturação do sistema nervoso pode ser inferido a partir da seguinte observação: crianças com estrabismo congênito, não sendo capaz de fixar os dois olhos no mesmo foco pela presença de desvio em um deles, favorecem um dos olhos, e podem perder parte da visão no olho não favorecido, por privação sensorial. O reconhecimento deste fato permitiu que os oftalmologistas passassem a intervir mais cedo, mesmo cirurgicamente, para a correção do estrabismo, a fim de preservar a acuidade visual normal e permitir a restauração da visão binocular.

NATUREZA DA APRENDIZAGEM (EM TERMOS FISIOLÓGICOS) As Neurociências – entre as quais se incluem múltiplas áreas do conhecimento, desde as que se preocupam com aspectos estruturais do substrato neural até aquelas voltadas para aspectos mais abstratos das representações – vêm buscando conhecer os processos de organização da experiência e o modo pelo qual ela é retida e transformada.

Aprendizagem e memória Sobre o processo de constituição de arquivos sabe-se que características específicas das habilidades determinam distintos tipos de codificação. A memória processual ou procedimental, a do “como fazer”, tem como resultado o aprendizado implícito, que ocorre durante a realização. O conhecimento estocado não 193

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tem acesso à consciência e dificilmente pode ser verbalizado; é o aprendizado perceptual, de habilidades, procedimentos e regras. A memória declarativa, ou de “o que” fazer tem como resultado o aprendizado explícito de fatos ou eventos (Xavier, 1996). É composta pela memória episódica (de eventos ou autobiográfica) e memória semântica (para fatos). Nesta memória, o conhecimento pode ser acessado por esforço consciente (lembrado), facilitado a partir de pistas, pois o conhecimento se encontra distribuído em diversas áreas de representação corticais e pode ser ativado por diversos canais, como pistas visuais, verbais, odores, etc. Uma diferença importante entre os dois sistemas é o tempo gasto para aprender: a memória processual é lenta e requer muitas repetições (sessões de treino), enquanto a declarativa pode ser muito rápida e ocorrer após um simples evento. Outra diferença é a especificidade do aprendizado: o sistema declarativo responde por um sistema de conhecimento mais flexível, que pode ser mais facilmente generalizado e aplicado a novas situações; o sistema processual é mais dependente dos indicadores específicos da situação de treino. Uma última diferença diz respeito ao Substrato neuroanatômico: estudos de Brenda Milner (1966 apud Kandel et al., 2000; 1968 apud Squire e Kandel, 1999) sobre dupla dissociação em paciente amnésico (H.M.) e estudos com animais nos quais foi danificado o sistema límbico sugerem que a memória declarativa em vertebrados, especialmente em humanos dependa da integridade do lobo temporal medial (hipocampo, córtex entorrinal, perirrinal e parahipocampal) e estruturas relacionadas do diencéfalo, cruciais para que as informações adquiridas sejam convertidas em memórias de longo prazo, as quais são estocadas em diferentes regiões do córtex de associação. O aprendizado processual ocorre independentemente do processamento nessas áreas cerebrais; seu substrato neural envolve estruturas do sistema límbico (especialmente amígdala), striatum, cerebelo e sistema sensorial e motor de acordo com a tarefa aprendida. 194

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Um tipo particular de aprendizado implícito é conhecido como pré-ativação (priming). Neste caso, a exposição prévia do indivíduo a uma lista de palavras ou objetos provoca uma facilitação da chamada espontânea destes elementos à memória, mesmo que o indivíduo não tenha a lembrança de ter sido exposto previamente àqueles elementos. Isto se torna nítido especialmente quando o indivíduo é exposto conscientemente a fragmentos do estímulo (por exemplo, a sílaba inicial das palavras apresentadas). Resumidamente, temos a seguinte classificação para os vários tipos de memória e seus correlatos anatômicos: • memória explícita (declarativa): para fatos (semântica) e eventos (autobiográfica); lobo temporal medial para codificação e consolidação, córtex de associação para estocagem • memória implícita (não-declarativa): pré-ativação (priming): neocórtex procedimentos (habilidades e hábitos): striatum aprendizado associativo (condicionamento clássico e operante) com resposta emocional: amígdala com resposta motora: cerebelo aprendizado não-associativo (habituação e sensibilização): vias reflexas Paradigmas de aprendizado levam em conta a forma de codificação e a recuperação da informação. Os estudos sobre aprendizagem consideram dois tipos de paradigmas para o entendimento da relação do aprendiz com o meio: associativo e não associativo. O paradigma não-associativo diz respeito à aprendizagem de dados elementares não envolvendo o estabelecimento de relações. O animal aprende a respeito das propriedades de um único estímulo. Refere-se a tarefas repetitivas que muitas vezes são básicas para a aprendizagem de outras mais complexas. 195

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O aprendizado, em qualquer de suas formas, apresenta um substrato neurofisiológico que vem sendo progressivamente desvendado em seus aspectos moleculares. Há mais de um século, desde os estudos neuroanatômicos descritivos de Ramon y Cajál, já se acreditava que o aprendizado pressupunha uma capacidade de “mudança” no arcabouço do sistema nervoso, a fim de permitir a incorporação de novos padrões de comportamento baseados em experiências prévias (Squire e Kandel, 1999). Hoje sabemos que as sinapses são estruturas bastante plásticas, e que a neurotransmissão é um processo capaz de comportar variações; assim, o que conhecemos como aprendizado é um conjunto de alterações moleculares e bioquímicas que ocorrem em nível sináptico, e que denominamos facilitação e fortalecimento sináptico. As formas mais comuns de aprendizagem não-associativa são a habituação e a sensibilização. A habituação pressupõe uma diminuição na resposta comportamental a um dado estímulo repetitivo, não nóxico, como, por exemplo, deixar de se assustar com o barulho de rojões que sejam disparados repetidamente no decorrer de um jogo de futebol. O que ocorre nestes casos, em nível molecular, é uma diminuição da quantidade de neurotransmissores liberada na fenda sináptica pelo neurônio sensitivo que recebe o estímulo, depois de o mesmo ter sido repetido algumas vezes, o que provoca uma diminuição de disparos do neurônio motor, responsável pela resposta. A sensibilização é um aumento da resposta reflexa do indivíduo a uma variedade de estímulos após ter sido submetido a um estímulo nóxico; por exemplo, um animal apresentará uma resposta de retirada vigorosa a um estímulo tátil inócuo após ter recebido uma série de leves choques elétricos. Neste tipo de aprendizagem, há um aumento da liberação de neurotransmissores na fenda sináptica após uma série repetida de estímulos semelhantes. Ocorre um fenômeno de facilitação pré-sináptica, da seguinte forma: os neurônios sensitivos (que recebem o choque) encontram196

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se conectados a neurônios motores (que comandam a retirada do membro afetado) e a neurônios intermediários (interneurônios), que, por sua vez, também se comunicam com outros neurônios sensitivos (que recebem estímulos táteis simples), excitando-os. Estimulações repetidas (choques) do neurônio sensitivo levam a um aumento da atividade dos interneurônios, com conseqüente aumento da estimulação dos neurônios sensitivos táteis, facilitando o disparo de uma resposta motora mesmo a um estímulo tátil não nocivo (Kandel, 2000). A aprendizagem não-associativa também está presente nos processos de aprendizagem sensorial (formação do registro de uma experiência sensorial) e até na linguagem, através do processo de imitação. Também devemos notar que as alterações que ocorrem até aqui são transitórias, cessando algum tempo após a interrupção da estimulação. Por outro lado, pode haver uma interação entre estes fenômenos, como no caso de um novo estímulo sensibilizante provocar uma desabituação (um indivíduo já habituado a um padrão de disparos de rojão pode se assustar novamente se houver uma súbita mudança na freqüência ou intensidade dos sons). O paradigma associativo, por sua vez, prevê o estabelecimento de relações entre dois estímulos (condicionamento clássico) ou entre um comportamento e suas conseqüências (condicionamento operante). No condicionamento clássico, estabelece-se uma relação entre determinados eventos no meio ambiente, enfatizando-se assim que o aprendizado envolve associação de idéias. Por exemplo, se uma luz é acesa (estímulo condicionado) sempre imediatamente antes do oferecimento de carne a um cão (estímulo não-condicionado), após algumas repetições, este passará a apresentar as respostas fisiológicas (salivação) sempre que a luz for acesa, mesmo antes de receber a carne. Isto ilustra a capacidade do cérebro de estabelecer relações causais entre os eventos exteriores. Um pré-requisito fundamental para que se estabeleça esta relação causal entre os estímulos condicionado e não-condicionado é que haja um intervalo máximo de tempo entre 197

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suas apresentações (experimentalmente 0,5 segundo), o que se denomina facilitação atividade-dependente. Neste caso, de forma semelhante ao mecanismo da sensibilização, ocorre uma facilitação pré-sináptica mediada por interneurônios excitatórios. No entanto, esta relação temporal (contigüidade) não é, por si só, suficiente para que se estabeleça este tipo de aprendizado; é necessária uma relação de contingência. Em outras palavras: tão importante quanto a relação temporal entre os estímulos é que não haja muitas dissociações no pareamento entre eles (especialmente do tipo estímulo condicionado positivo / estímulo não condicionado negativo). Isto é importante para que o animal aprenda a diferenciar eventos que realmente têm correlação daqueles que ocorrem aleatoriamente, permitindo maior capacidade de previsão e adequação de respostas.

Figura 2 – Representação esquemática do fenômeno de sensibilização e condicionamento clássico. Na sensibilização: o neurônio sensitivo 1, ao ser estimulado, gera uma resposta motora e, ao mesmo tempo, ativa o neurônio sensitivo 2, através de um interneurônio, deixando-o num estado de pré-ativação. Após algumas repetições, um estímulo no neurônio sensitivo 2 causará a mesma resposta comportamental que o neurônio sensitivo 1 causaria. No condicionamento clássico, a relação de contiguidade temporal (pareamento) entre o estímulo ao neurônio sensitivo 2 (condicionado - luz) e ao neurônio sensitivo 1 (não-condicionado – visão da carne) faz com que após algumas repetições (treino) o disparo do neurônio motor siga-se automaticamente ao do neurônio sensitivo 2.

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No caso do condicionamento operante ou aprendizado por tentativa e erro, o animal aprende a associar um comportamento (que inicialmente pode ter ocorrido ao acaso) com uma certa conseqüência: a partir daí, tenderá a procurar ou evitar este comportamento caso a conseqüência tenha sido prazerosa (recompensa) ou desagradável (punitiva). Esta tendência de comportamento é conhecida como “lei do efeito” e é considerada por muitos psicólogos experimentais como o elemento básico do comportamento voluntário. Neste caso também é importante que haja uma relação temporal entre o comportamento e a sua conseqüência, para que a relação se estabeleça. Recentes estudos mostram que a melhora de desempenho obtida pelo treino e repetição provoca modificações no substrato neural: “O ganho na performance reflete e é auxiliado por uma mudança no processamento neural, que é obtida pela prática” (Karni, 1997). Essas mudanças neurais podem ser duradouras, assim como habilidades adquiridas são retidas por longo intervalo de tempo. As investigações sobre mudanças no substrato neuronal no cérebro, quando uma nova habilidade é adquirida pela prática, têm proporcionado uma série de respostas a questões levantadas pelos terapeutas reabilitadores, clínicos e profissionais envolvidos com o conhecimento do desenvolvimento humano. Para que o aprendizado adquira um caráter definitivo, menos vulnerável à perda, é necessário que a memória de curto prazo se converta em memória de longo prazo (consolidação). No caso do aprendizado implícito, a liberação aumentada de serotonina pelos interneurônios excitatórios em decorrência da repetição do estímulo (treino) leva a alterações na expressão genética, que por sua vez induzem a síntese de proteínas e crescimento de novas conexões sinápticas que fortalecem e solidificam as ligações entre os neurônios – estabelece-se uma via neuronal que corresponde à representação de um conhecimento. No caso da memória declarativa, o mecanismo neurofisiológico responsável pela consolidação é a potenciação de longo termo, um aumento de amplitude de potenciais excitatórios pós-sinápticos em 199

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neurônios do hipocampo, desencadeado pelo estímulo repetido em suas vias sinápticas (treino). Da mesma forma que no aprendizado implícito, ocorre a partir daí uma alteração da expressão genética dos neurônios envolvidos, com síntese protéica e brotamento sináptico. Assim, através das extensas ligações do córtex temporal medial com o córtex de associação heteromodal, a consolidação e a estocagem do conhecimento tornam-se possíveis. Embora os dois paradigmas sejam utilizados na atividade clínica, é importante que o profissional de reabilitação esteja consciente de suas possibilidades e especificidades enquanto proposta terapêutica. Seria absurdo, por exemplo, o ensino de aspectos semânticos da linguagem através de atividades que envolvessem condicionamento. Por outro lado, pode-se utilizar o princípio de habituação para o tratamento de algumas desordens psiquiátricas, como as fobias, em que a exposição sistemática e gradativa ao estímulo que originalmente provoca medo, torna o indivíduo mais tolerante e indiferente a este estímulo, sendo a base da terapia comportamental para algumas desordens de ansiedade. Isto também se aplica a algumas habilidades pragmáticas de conversação que devem ser reaprendidas pós-lesão, como se sentir à vontade numa situação em que há maior demanda de tempo para encontrar as palavras e terminar a frase. Deve-se levar em conta ainda que, em geral, tarefas complexas exigem a participação concomitante e em graus variados de diferentes tipos de aprendizagem. Um conceito biológico importante com referência ao aprendizado associativo é que o mesmo se encontra restrito a algumas regras de funcionamento do SNC. A primeira delas diz que este aprendizado não se dá de forma aleatória e arbitrária, mas que deve haver algum propósito para o estabelecimento de relações entre estímulos. Por exemplo, se um animal ingerir uma substância tóxica acidentalmente e sentir náuseas e dor abdominal após algum tempo, evitará expor-se novamente ao alimento que provocou sua doença. No entanto, se um animal de laboratório ficar 200

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nauseado após receber um estímulo auditivo, não desenvolverá aversão a este, pois o sistema nervoso não está programado para relacionar “som” com “envenenamento alimentar” e a relação entre os dois eventos terá grande chance de ser interpretada como não ameaçadora à integridade do indivíduo. Outra importante regra diz respeito aos aspectos motivacionais: o aprendizado é facilitado pelo interesse da informação em termos adaptativos biológicos, e será tanto mais efetivo quanto mais a nova informação for associada e integrada de forma significativa ao conhecimento preexistente, de forma a “fazer sentido”. Neste ponto torna-se importante ressaltar a importância do sistema límbico no aprendizado. Estímulos capazes de provocar medo e reações de evitação são altamente eficazes na indução de comportamentos condicionados, estando inclusive implicados na gênese de comportamentos disfuncionais, como os transtornos de ansiedade e fobias. A construção de memórias com alto valor emocional depende especialmente de circuitos límbicos envolvendo a amígdala. Toda a circuitaria do lobo temporal medial que se ocupa da codificação e consolidação da memória (estágio prévio para a estocagem definitiva) tem íntimas e recíprocas conexões com as estruturas do sistema límbico. Considerando-se que uma informação será tanto mais bem lembrada quanto mais sólidos forem os mecanismos iniciais de codificação e consolidação, a relevância dos aspectos motivacionais no aprendizado e retenção do conhecimento tornam-se evidentes. O domínio desse conhecimento tem importantes implicações para a atividade clínica. O fonoaudiólogo às voltas com o ensino da produção oral da linguagem deve levar em conta as características desse tipo de codificação (rotinas, encadeamento de engramas articulatórios) e proporcionar condições que favoreçam sua memorização. Do mesmo modo, o ensino de aspectos semânticos será beneficiado com o reconhecimento e prática em condições favorecedoras para sua apropriação (atividades que favoreçam o tratamento de relações, abstrações, entre outras). Se a aquisição 201

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de habilidades ocorre em bases específicas de codificação, sabese que o refinamento e o aperfeiçoamento dessas habilidades ocorre no sentido de otimização do desempenho. A economia de utilização de recursos é alterada em situações de lesão.

A LESÃO NEURONAL E SUA REPERCUSSÃO CLÍNICA Vamos considerar inicialmente os fenômenos que ocorrem no nível estrutural, do ponto de vista microscópico. De modo resumido, após uma lesão axonal, ocorre uma interrupção no transporte de substâncias sintetizadas no corpo do neurônio para os terminais axônicos (fluxo axoplasmático), levando a uma degeneração distal por privação das substâncias necessárias ao metabolismo desta porção celular. Como este fluxo também se realiza em direção retrógrada, o mesmo fenômeno ocorre em relação à porção proximal do neurônio, podendo resultar em morte do corpo celular. Além disso, existe em condições normais uma troca de substâncias nutricionais entre um neurônio e seus vizinhos, através das sinapses. A lesão de um determinado neurônio levará então a uma perda desta troca, resultando em lesões degenerativas dos neurônios ao seu redor, e desta forma a lesão se amplia em rede. Isto explica o fato de que uma lesão numa determinada área cerebral freqüentemente leva a disfunção em regiões a distância, porém interconectadas. Finalmente, ocorre uma reação de proliferação de astrócitos (células de sustentação do tecido nervoso) e micróglia (células que agem realizando a fagocitose ou “limpeza” dos restos celulares), formando-se ao final deste processo uma cicatriz fibrosa, que vem a constituir uma barreira adicional à reconstituição das conexões neuronais. No entanto, como já exposto anteriormente, existe um potencial de regeneração mesmo em células altamente especializadas como os neurônios. Dependendo do tipo de lesão, o segmento 202

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proximal (próximo ao corpo celular neuronal) de um axônio pode se regenerar e reconectar aos seus locais antigos de sinapse, desde que não tenha havido morte do corpo celular. Vários experimentos com animais e células em cultura têm demonstrado a capacidade de “brotamento” de novas terminações pré e pós-sinápticas, bem como reorganização das redes sinápticas já existentes (Wang, 1991; Heidemann, 1996, Ramirez, 1997). Muitas substâncias neurotrópicas têm sido descritas, constituindo-se de peptídeos e proteínas necessárias ao desenvolvimento e sobrevivência dos neurônios normais. Atualmente uma grande ênfase tem sido dada a estas substâncias como potenciais promovedores de regeneração das células nervosas. Entre elas, destacam-se o “brain-derived neurotrophic factor” (BDNF), implicado na aceleração do crescimento de células nigrais mesencefálicas fetais em cultura, o fator de crescimento neuronal (“nerve growth factor” ou NGF), estudado como possível fator de melhora em casos de neuropatia diabética, e o “insulin growth factor-1” (IGF-1), em estudo para o tratamento da esclerose lateral amiotrófica (Lindholm, 1997; Goldman, 1997). O último tabu científico a ser quebrado com respeito à possibilidade de regeneração do sistema nervoso diz respeito à possibilidade de geração de novas células, ou, em outras palavras, de multiplicação celular. Um conceito clássico da fisiologia celular é o de que a especialização celular é inversamente proporcional à capacidade de reprodução da célula, portanto quanto mais diferenciada e especializada é uma célula em sua função, menor a sua capacidade de multiplicação. O neurônio é a célula mais altamente sofisticada e especializada dos organismos vivos, o que levava a uma crença de que seu potencial de reprodução era nulo, uma vez tendo atingido seu estágio de diferenciação total. Porém, experimentos recentes têm mudado rapidamente este conceito, uma vez que já foram observadas células nervosas de mamíferos que retêm sua capacidade de gerar novas células. Em humanos, células progenitoras da zona subventricular do lobo temporal 203

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podem ser cultivadas in vitro e induzidas a produzir novos neurônios e células gliais (Muller, 1997; Ramirez, 1997; Goldman, 1997). Resta, no entanto, discutir como a recuperação do sistema nervoso se manifesta do ponto de vista clínico. A compreensão dos fenômenos subjacentes à regeneração em nível celular é de suma importância na tentativa de se desenvolver modalidades terapêuticas eficazes, mas a maioria das descobertas experimentais ainda não apresenta uma aplicação clínica bem definida. Na prática clínica, podemos lidar apenas com evidências indiretas de que esteja ocorrendo algum grau de recuperação estrutural, através da observação da recuperação funcional do indivíduo que sofre uma lesão. Assim, tentamos inferir os processos que provavelmente estão acontecendo, com base no conhecimento da fisiologia. Os métodos existentes para estudo clínico do sistema nervoso são ainda bastante grosseiros, não permitindo uma individualização adequada de pequenas áreas cerebrais, tanto em termos de neuroimagem como os estudos neurofiosiológicos, como eletroneuromiografia, potenciais evocados cerebrais, etc. Some-se a isso o nosso relativo desconhecimento sobre a fisiologia das funções corticais e teremos um panorama da dificuldade em se avaliar os “comos” e “porquês” e “como podemos ajudar?” referentes ao processo de restauração de uma função perdida ou prejudicada, para nós clínicos traduzido na palavra “prognóstico” do paciente. Descreveremos algumas situações clínicas que exemplificam o processo recuperação, pelo menos parcial, de uma função. Os mecanismos básicos envolvidos na recuperação funcional podem ser englobados, com variações para cada função considerada, em tipos principais: restauração e substituição. Para Blomert (1998), estes termos são centrais tanto para as teorias neurobiológicas como para as cognitivas. a) Reativação: existe algum grau de melhora após a lesão, pela resolução de todo processo inflamatório associado. É um 204

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processo rápido, sendo evidenciado em alguns dias. Aplica-se a lesões pequenas, mas não a lesões extensas e talvez esteja restrita aos tecidos adjacentes. Existe a expectativa de que o comportamento original seja totalmente recuperado. A recuperação através da reativação talvez seja mais bem justificada pela redundância de neurônios num sistema do cérebro (Lesser, 1993). Quanto à evolução qualitativamente diferenciada de sintomas num período de tempo, não dispomos de explicações convincentes. Ainda predomina o desconhecimento quando se trata de explicar os mecanismos subjacentes à recuperação de um quadro afásico (Cappa, 1998). A reativação direta pode ser obtida por tratamento farmacológico para certos tipos de afasia (transcorticais motoras); investigações sugerem que a bromocriptina auxilia o início da fala através da atuação em mecanismos subcorticais (Albert, 1988). No caso da lesão de áreas que participam da atividade lingüística, considera-se que a reativação é a via mais plausível de recuperação de aspectos léxico-semânticos, ou seja, compreensão do vocabulário, pois essa representação está largamente distribuída no cérebro. Existe reserva suficiente de tecido neural para prover as bases da recuperação original desta função. Parece ocorrer precocemente e bem, em pacientes que não têm lesões bilaterais extensas. b) Reorganização funcional: é o deslocamento de funções para áreas adjacentes ou homotópicas no hemisfério cerebral contralateral. Lesser (1993) reconhece que neste processo a função deva ser realizada através de áreas que anteriormente não estavam ativamente envolvidas, talvez porque estivessem inibidas por neurônios que, depois da lesão, foram excluídos da atividade. Nos adultos, a função recuperada pode não ser totalmente idêntica à que foi perdida. Na reorganização de afásicos adultos destros, com alterações da sintaxe (como no agramatismo), outras áreas do próprio hemisfério esquerdo podem participar da recuperação. A reabilitação compreende programas que usam treinos sintáticos para 205

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pacientes com restrições crônicas de sintaxe (Healm-Estabrooks, 1981). Partem do pressuposto de que o substrato neural para a produção sintática está no hemisfério esquerdo (já que o mesmo se ocupa de atividades seqüenciadas temporalmente). c) Compensação: aperfeiçoamento ou substituição de uma função por outra não afetada, com intuito compensatório. Por exemplo, a recuperação que conta com a participação do hemisfério direito para compensação de lesões de hemisfério esquerdo em indivíduos destros. O caso extremo é o de crianças que parecem ser capazes de compensar a perda da linguagem mesmo quando o hemicórtex esquerdo foi removido. Nestes casos, a função recuperada não é idêntica à original, embora o nível de recuperação seja bastante satisfatório. Estratégias espontâneas de compensação funcional podem ser identificadas entre as adaptações feitas por pacientes com alterações do tipo agramatismo. Estes pacientes tendem a utilizar elementos de preenchimento de turno, estereótipos verbais, repetição de palavras para substituir ou intensificar advérbios. d) Substituição: baseia-se numa expectativa menos otimista de que o cérebro não vai adquirir a função nem pela ativação nem pela reorganização, mas existem meios alternativos que podem ser buscados para alcançar o objetivo. No caso da comunicação, é possível a utilização de estruturas cerebrais intactas, que servem também a outros propósitos. Um dos exemplos mais marcantes é a utilização de leitura de posições da boca e face no caso de surdez central. Na substituição por próteses temos a utilização de computadores, nas propostas conhecidas como Comunicação Alternativa (Ducarne de Ribacourt, 1997; Garrett e Yorkston, 1997).

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CONCLUSÃO O cérebro humano desenvolve habilidades e se especializa ao longo da vida, não só na infância e adolescência, mas também na velhice em condições normais e patológicas (Hiscock, 1998). Este é o maior argumento para a apresentação de propostas terapêuticas. O sucesso da terapia depende da reorganização possível da estrutura lesada e da solicitação de realização da função no meio ambiente. Somente o reconhecimento da natureza da demanda cognitiva determinará, por exemplo, a duração das sessões terapêuticas, a prática global ou analítica, a prática mental, a ênfase no ritmo e na precisão do treino, instruções dirigidas ou “soluções de problemas”, tipos de pistas, independência e a eleição dos métodos para reorganização de representações e uso do conhecimento.

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CAPÍTULO X

ALTERAÇÕES DA COMUNICAÇÃO NAS LESÕES DE HEMISFÉRIO DIREITO

Na Afasiologia, a linguagem foi enfaticamente estudada em seus aspectos sintáticos (estrutura gramatical), lexicais (significado das palavras) e morfológicos, sendo de longa data conhecido o papel do hemisfério cerebral dominante (hemisfério esquerdo na maior parte dos indivíduos) nestes processos. No entanto, há outros componentes, relacionados a aspectos pragmáticos, que são essenciais para que se realize a comunicação efetiva. Consideraremos neste capítulo as repercussões das lesões de hemisfério direito (HD), não dominante para a linguagem na maior parte da população, na comunicação. Uma das primeiras controvérsias neste tema é se o conjunto de sintomas produzidos pelas lesões de HD deve ser chamado de afasia. Considerando-se a definição de afasia enquanto alteração da linguagem adquirida e secundária a lesão cerebral, há autores que defendem o seu uso para lesões em ambos os hemisférios. No entanto, esta não é a prática usual na literatura especializada, em que as alterações secundárias a lesões são denominadas de forma mais genérica, como “alterações da comunicação verbal”, em parte pela própria dificuldade em se determinar de forma precisa qual o distúrbio subjacente aos sintomas observados. O estudo da narrativa e dos aspectos pragmáticos da linguagem é relativamente recente em 211

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comparação às descrições das afasias, datando da década de 70 (Patry, 1990). Para se compreender os efeitos da lesão de HD na comunicação, é importante ter em mente duas funções para as quais este hemisfério apresenta alta especialização: a atenção e habilidades visuo-espaciais. É possível que muitas das alterações que os lesados de HD apresentam sejam decorrentes dos impactos do prejuízo destas duas funções cognitivas sobre a linguagem (Glosser e Goodglass, 1990). De fato, os estudos sobre os efeitos da lesão de HD em algumas funções lingüísticas (discriminação auditiva, nomeação, fluência verbal, compreensão, etc.) são contraditórios em diversos estudos, e, o que é mais importante, parecem apontar para um resultado negativo quando as tarefas são manipuladas de forma que minimizem a interferência de déficits de atenção (negligência) e espaciais. Por exemplo, indivíduos com dificuldades no reconhecimento de formas podem ter um baixo desempenho no Teste Token (DeRenzi e Vignolo, 1962), ou aqueles com negligência podem apresentar prejuízo da leitura, sem que isto reflita um distúrbio lingüístico primário. Por outro lado, estudos com ressonância magnética funcional dão suporte à idéia da interrelação entre funções lingüísticas e espaciais na compreensão de sentenças (Carpenter, 1999). Na prática clínica, o mais habitual é que o paciente com lesão de HD não se dê conta de que suas habilidades de comunicação encontram-se comprometidas. Muitas destas alterações podem até ser confundidas com problemas de comportamento (inadequação social, indiferença) ou, então, os familiares podem se queixar de que o paciente “fala” em “quantidade normal”, mas sua comunicação não é efetiva. O desempenho destes indivíduos encontra-se particularmente comprometido no que diz respeito à decodificação das intenções, significados implícitos e caráter emocional do discurso. Gestos, linguagem corporal, expressão facial, prosódia, relações entre personagens e papéis dos interlocutores, nuances

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de humor e ironia e apreensão do tema central de uma conversa ou narrativa são aspectos da comunicação em que os lesados de HD encontram maior dificuldade.

Aspectos léxico-semânticos Os pacientes com lesão em HD podem apresentar dificuldades para completar frases, dar a definição de uma palavra ou realizar associações palavra-imagem (Joanette, 1993). Manifestam também dificuldade em lidar com relações de antonímia (Gardner, 1978), embora não de sinonímia (Goulet, 1988) e em gerar listas de categorias semânticas incomuns (por exemplo, objetos que são usados em uma pescaria) (Hough, 1994). Os fatores que determinam a natureza destes distúrbios ainda não se encontram plenamente esclarecidos, podendo englobar os já citados distúrbios visuo-espaciais, atencionais ou presença concomitante de síndrome frontal (déficit na flexibilidade mental) (Joanette, 1993). Estudos mais recentes têm especulado que a função do HD no processamento léxico-semântico é subestimada. A avaliação do desempenho de indivíduos normais e lesados em tarefas de decisão lexical através de métodos funcionais (PET, ressonância magnética funcional), aponta para uma distribuição maior do que a antes imaginada para estas funções entre os dois hemisférios, sendo que a maior ou menor ativação de um hemisfério específico estará em grande parte condicionada ao tipo de palavra-estímulo, por exemplo, em termos de imageabilidade (processamento de palavras abstratas provoca maior ativação do HD) ou de quais outras tarefas cognitivas estão sendo solicitadas concomitantemente (efeito de “saturação” de um hemisfério) (Kiehl, 1999; Querné, 2000). A classe gramatical também parece influenciar a maior ou menor participação de cada hemisfério, sendo que verbos parecem ser menos eficientemente processados pelo HD (Nieto, 1999; Sereno, 2000).

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Aspectos textuais e pragmáticos A lesão em HD interfere com a habilidade de organizar uma narrativa (Joanette, 1986), contar uma história ou uma piada, escrever uma carta. Há um prejuízo também na apreciação de histórias narradas ou compreensão de piadas, bem como de fornecer a síntese ou moral de uma história a partir das informações implícitas ou explícitas contidas no texto. Estes indivíduos são especialmente deficitários em lidar com textos cuja compreensão envolva fortemente o contexto, tais como humor, sarcasmo ou ironia. Tal dificuldade pode ser devida em parte a outra inabilidade muito freqüente nestes pacientes, que é a dificuldade de rejeitar informações incongruentes ou pouco plausíveis, mais do que um déficit de tratamento do próprio material irônico ou humorístico em si (Gardner, 1983). Uma das teorias que tentam explicar a função do HD na comunicação verbal é a capacidade de executar inferências (Myers, 1994). Uma inferência é uma hipótese ou crença formulada a partir de informações sensoriais. Inferir pressupõe a capacidade de perceber pistas (atenção), selecionar as mais relevantes, integrar estes dados entre si e com a experiência prévia (conhecimento de mundo). Mais ainda, pressupõe a habilidade de rever as hipóteses, reformulá-las em face de novas informações contextuais oferecidas e gerar significados alternativos quando o óbvio não é satisfatório. Desta forma, cria-se um significado que está além do mero reconhecimento literal ou referencial da informação (significado implícito). Parece também ser função do HD a capacidade de detectar conteúdos absurdos e reintegrá-los à informação prévia (base do entendimento do humor e da ironia). A lesão de HD provoca uma incapacidade na produção do conteúdo informativo. O paciente usualmente parece apresentar um discurso com muitas digressões, recheado de detalhes pouco integrados num contexto e, muitas vezes, irrelevantes para fornecer a idéia pretendida ou solicitada, tangencialidade, e até mesmo 214

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confabulação (Sherrat, 1990; Roman, 1987; Tompkins, 1985), esta última especialmente nas lesões mais anteriores. A confabulação pode estar presente especialmente em situações onde, diante de narrativas com finais surpreendentes ou sem sentido (por exemplo, piadas), o indivíduo tenta “dar um sentido” mais convencional à história. Não há um prejuízo na quantidade de material produzido (em número de palavras), mas na qualidade da informação que é transmitida. A inabilidade com inferências parece até mesmo interferir com a capacidade do indivíduo de julgar o que está sendo “pretendido” pelo interlocutor durante uma conversa. A elaboração da macroestrutura do discurso é tarefa difícil para pacientes com lesão em HD. Considerar o significado das sentenças, descartar as informações irrelevantes, integrar o significado apreendido dentro de um todo coerente, gerando uma narrativa organizada são habilidades prejudicadas nestes indivíduos. Ao contrário, apresentam uma tendência de se ater a listas de elementos individuais ou pouco importantes, não realizando uma conexão entre estes elementos para formar um todo (Brownell, 1988; Joanette, 1986). Por exemplo, na conhecida prancha do “Roubo dos Biscoitos” do Teste Boston para o Diagnóstico da Afasia (Goodglass e Kaplan, 1983), o indivíduo pode descrever exaustivamente o cenário (uma mulher lavando louças, duas crianças, uma sobre um banco, etc.) ou mesmo concentrar-se sobre detalhes do jardim, número de pratos, e assim por diante, sem integrar estes dados na composição de uma cena de “roubo”. Evidentemente, podemos considerar que os já citados aspectos de atenção e habilidades visuo-espaciais têm um papel subjacente neste comportamento. A compreensão do discurso coerente, em estudos funcionais, provoca maior ativação no lobo frontal D do que a leitura de sentenças não relacionadas (Robertson, 2000; Kircher, 2001). Estes pacientes têm dificuldade em compreender a linguagem indireta (por exemplo: “Você poderia abrir a janela?” – pressupõese não ser uma referência à competência de alguém para o ato, mas um pedido) (Weylman, 1989), revelando uma inabilidade 215

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em lidar com o sentido não literal do discurso (Stemmer, 1994). São afetados também na sua compreensão de textos metafóricos, optando em geral por atribuir-lhes um sentido literal. Outra característica observada nestes pacientes é o comprometimento da capacidade de trabalhar com o sentido conotativo ou metafórico das palavras, aparentando uma maior atração e habilidade em lidar com seu sentido literal. Tais alterações, entretanto, são mais evidentes quando os indivíduos são submetidos a tarefas que envolvam uma atuação voluntária e controlada, mais do que em tarefas automáticas, podendo refletir um déficit predominante da ativação proposicional da informação semântica, antes de um comprometimento da representação semântica em si. De uma maneira mais genérica, poderíamos conceituar este déficit como prejuízo na geração de significados alternativos (Myers, 1981; Winner, 1977), o qual pode estar presente já na interpretação de palavras isoladas, onde o sentido denotativo terá prioridade sobre o conotativo. A interpretação literal, estatisticamente mais provável (possivelmente uma atribuição do hemisfério esquerdo), será mais facilmente acessada, com prejuízo dos sentidos alternativos e menos prováveis (Faust, 1998; Coney, 2000). Isto torna difícil a compreensão de metáforas, expressões idiomáticas, provérbios, pedidos indiretos e piadas. A lesão de HD provoca uma dificuldade de re-interpretação e revisão do significado, a qual exige acesso ao conhecimento e experiência prévios, com posterior integração da nova informação recebida a este conhecimento (Myers, 1994; Hagoort, 1996; Kiefer, 1998). Tal déficit interfere de forma importante com o entendimento de situações de humor, em que os elementos surpresa e incongruência requerem uma revisão das expectativas originais quanto ao desenrolar da narrativa e a necessidade de buscar uma nova forma de coerência com base na experiência prévia. A percepção de uma tirada sarcástica ou irônica e o reconhecimento de uma mentira ou brincadeira também exigem o mesmo processo de retomada e readaptação. Ainda aqui pode estar subjacente um déficit de rejeição das informações incongruentes ou pouco 216

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plausíveis. As evidências em favor da habilidade do HD em gerar significados alternativos têm importantes implicações também no estudo das habilidades de raciocínio e pensamento, pois parecem apontar para um papel de destaque deste hemisfério no pensamento criativo e solução de problemas (Goel, 2000; Seger, 2000).

DIFICULDADES NA COMPREENSÃO E EXPRESSÃO DA EMOÇÃO Aspectos prosódicos O processamento do componente afetivo do discurso (prosódia e linguagem gestual) é em grande parte uma atribuição do HD. Pacientes com lesão no HD apresentam com grande freqüência uma inabilidade cognitiva em reconhecer e classificar estímulos afetivos, além de uma dificuldade de discriminação perceptual das entonações afetivas do discurso, expressas em parte através da prosódia, a variação da inflexão da voz, acento e melodia do discurso que permitem uma atribuição de significado às palavras e frases muito além de sua definição precisa pelo dicionário. Modulações na prosódia (melodia, tom, altura e tempo) podem interferir significativamente no resultado final de um discurso. O termo prosódia lingüística refere-se à utilização de variações da entonação para realizar o acento lexical, enfático e de modalidade (por exemplo, interrogação vs. afirmação); a prosódia emocional, por outro lado, refere-se à expressão do estado emocional do indivíduo. Esta é a que se encontra mais comprometida nos pacientes com lesão em HD (Weintraub, 1981; Heilman, 1984). Tal acometimento ocorre tanto na percepção do componente afetivo da fala (em tarefas que envolvam a apresentação auditiva ou visual das palavras com conteúdo emocional), quanto na capacidade de expressar o conteúdo emocional do discurso, resultando numa fala monótona, aprosódica. 217

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Ross, em 1981, propôs uma classificação das alterações da prosódia obedecendo aos mesmos critérios taxonômicos utilizados para a classificação das afasias. No entanto, tal classificação apresenta alguns problemas, entre eles a dificuldade metodológicas concernentes à avaliação da prosódia emocional, e a própria imprecisão dos critérios taxonômicos, do mesmo modo que ocorre nas afasias. O defeito neuropsicológico subjacente às alterações observadas ainda não está totalmente estabelecido. O distúrbio descrito pode refletir um aspecto particular das várias modificações no comportamento emocional que acompanham as lesões de HD. Freqüentemente os lesados de HD apresentam prejuízo no reconhecimento de expressões faciais, podendo concorrer para isto tanto um distúrbio afetivo mais global (indiferença?), as já descritas dificuldades perceptuais vísuo-espaciais (interpretação da posição dos olhos, boca, sobrancelhas, etc. que compõem a face alegre, triste e assim por diante) (Kosslyn, 1987) ou ainda o déficit de atenção (Schlanger, 1976). No entanto, estes pacientes apresentam prejuízo não apenas no componente afetivo da prosódia, mas também no componente lingüístico, e indivíduos com lesão em hemisfério esquerdo também mostram desempenho abaixo do normal em tarefas que envolvam aspectos prosódicos do discurso. No entanto, nenhum dos déficits aqui descritos foi comprovado de modo satisfatório como específico das lesões de hemisfério não dominante, havendo sobreposição de sintomas em alguns pacientes que apresentam lesão apenas no hemisfério esquerdo. É possível que nas lesões de hemisfério esquerdo, a afasia decorrente impeça a detecção de desordens de outra natureza. A maior dificuldade metodológica para que se identifiquem com precisão as funções do HD está na complexidade das tarefas exigidas. Tome-se como exemplo uma tarefa que pretende testar habilidades de compreensão da prosódia emocional: neste caso, é necessário que a informação lingüística oferecida ao paciente 218

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seja dissociada da apresentação prosódica (do contrário, o mesmo pode resolver a tarefa apenas com a informação lingüística executada pelo hemisfério esquerdo) e isto exige do paciente o processamento de uma dupla tarefa, o que pode sobrecarregar um sistema atencional e executivo já deficiente. Finalizando as considerações aqui expostas, devemos citar o papel do HD como provável fonte dos automatismos lingüísticos residuais nos indivíduos com afasia global. É bastante plausível também que funções controladas por este hemisfério sirvam como suporte no processo de recuperação de pacientes com afasia grave após destruição das áreas da linguagem no hemisfério esquerdo. Devemos também lembrar que lesões de HD podem provocar afasia em indivíduos destros, uma condição rara denominada “afasia cruzada”.

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CAPÍTULO XI

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS

Dentre as seqüelas cognitivas resultantes do traumatismo cranioencefálico (TCE), afasia não é considerada um sintoma freqüente, embora não haja estatísticas brasileiras referentes a este dado. Sua incidência é estimada entre dois e 30% em adultos (Arseni, 1970; Heilman, 1971; Sarno, 1988), sendo mais prevalente a afasia anômica. No entanto, um complexo de alterações cognitivas e comportamentais pode ocorrer após o TCE, e alterações da comunicação verbal estão inseridas neste contexto. Classicamente, temos que as alterações de memória e de comportamento (desordens de ansiedade, depressão, transtornos de personalidade) estão entre as seqüelas mais habitualmente referidas. Nos casos de lesões focais (por exemplo, hematomas subdurais e intraparenquimatosos e contusões intraparenquimatosas), a ocorrência de afasia vai estar condicionada ao local da lesão, podendo ser relativamente mais freqüente entre as contusões, já que nestas o local predominam as lesões fronto-mediais e temporais (pois o mecanismo de aceleração-desaceleração do crânio favorece o choque destas regiões contra a caixa óssea). Nas lesões difusas (lesão axonal difusa e swelling), afasia não será um achado freqüente, mas alterações de comunicação 223

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poderão ocorrer em função das múltiplas lesões distribuídas pelo cérebro, ou secundariamente aos transtornos de memória, atenção e funções executivas. A importância deste tema deve-se ao fato de que a população mais acometida pelo TCE é jovem, em idade produtiva, e em geral saudável; os distúrbios da comunicação são um fator adicional à dificuldade de reintegração destes indivíduos no ambiente social e profissional pré-mórbido. Quando submetidos a testes formais, muitos destes pacientes apresentam alterações na nomeação por confrontação, fluência verbal e discriminação auditiva (como no Teste Token) (Levin, 1976; Sarno, 1988). Nem sempre estes achados se traduzem em queixas do paciente ou da família, podendo ser encarados como “subclínicos”. De fato, na prática clínica, o mais comum é que as queixas se restrinjam a uma certa “ineficácia da comunicação”; o paciente é muitas vezes descrito pelos familiares como confuso, “não conversa direito”, “está com a cabeça ruim” ou pouco comunicativo. Pela heterogeneidade dos mecanismos de lesão no TCE, bem como pelo seu caráter muitas vezes difuso e multifocal, a diversidade de achados clínicos é grande. Na literatura há uma grande variedade de descrições das alterações de comunicação pós-TCE, e muitas são conflitantes. Há escassez de estudos com grandes casuísticas de lesões semelhantes, o que dificulta a possibilidade de se extrair conclusões que sejam aplicáveis de forma mais genérica. Em geral, existem três variedades principais de alterações da comunicação que podem ser encontradas: • pacientes que falam bastante, porém apresentando grande quantidade de informação irrelevante e tangencial, mudando de tópico para tópico de forma desordenada (Snow, 1998; Hartley, 1992). • pacientes que falam pouco, tanto em quantidade quanto em variedade de informação, com pausas longas e respostas incompletas (Chapman, 1992; Thomsen, 1975). 224

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• pacientes cujo discurso é confuso e desorganizado, muitas vezes com caráter confabulatório (Hartley, 1992). Do ponto de vista lingüístico podemos considerar estas alterações de linguagem ocorrendo principalmente em um dos três níveis: A) Discursivo: Em estudos utilizando como tarefas o discurso narrativo e de procedimento, foi observado que pacientes pós-TCE em geral usam menos palavras significativas, suas unidades de informação são mais curtas, produzem menos informações por minuto e usam menos proposições ambíguas. Além disso, falam mais lentamente, o que muitas vezes pode ser devido à disartria associada, ou eventualmente às dificuldades já descritas em testes de fluência verbal e nomeação (Hartley, 1991). A análise de coerência do discurso mostra que estes indivíduos usam menos palavras de coesão, ou o fazem de forma diferente dos controles, realizam menos interpretações. Seu pior desempenho se dá na formulação de estórias (quando comparada à simples recontagem), onde têm uma tendência maior de produzir episódios incompletos. No discurso de procedimento, observa-se que estes pacientes tendem a dar poucos detalhes (muitas vezes omitindo informações essenciais), são repetitivos, invertem prioridades, cometem erros de seqüência e fornecem uma grande quantidade de informação irrelevante (Liles, 1989; Hartley, 1991; McDonald, 1993; Coelho, 1995; Turkstra, 1995). B) Pragmático: A realização de inferências também se encontra prejudicada, sendo que o desempenho de indivíduos pósTCE é inferior ao de normais em tarefas que exijam a compreensão de significados alternativos, pedidos indiretos e expressões irônicas ou sarcásticas (McDonald, 1992, McDonald e van Sommers, 1993; Pearce, 1995). De forma similar, têm maior dificuldade em formular atos de fala indiretos e pedidos complexos (envolvendo algum 225

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grau de argumentação para “convencer” o interlocutor) (McDonald, 1993). C) Conversação: Muitos pacientes pós-TCE apresentam importantes dificuldades na conversação, o que constitui o aspecto mais disfuncional no complexo de alterações que podem apresentar. Várias descrições clínicas relatam prejuízo na iniciativa e manutenção de tópicos, às vezes com mudanças de tópico para tópico feitas de forma incoerente e sem sinalização de que esta será realizada. Em discussões de problemas, apresentam respostas inábeis, referencial egocêntrico e provocam altas taxas de comportamento facilitador no interlocutor. Também produzem menos informações novas e são deficientes em envolver o interlocutor na conversa através de perguntas ou reforçadores verbais (Ehrlich, 1989; Spence, 1993; Flanagan, 1995; Godfrey, 1991). Mais recentemente tem havido uma tentativa de se organizar o conhecimento a respeito do comportamento de indivíduos com alterações de linguagem pós-TCE, buscando modelos cognitivos que possam justificar a variedade de apresentações clínicas encontradas. É muito fácil perceber, por exemplo, a similaridade entre o quadro apresentado por estes pacientes e aqueles com lesão de hemisfério direito ou indivíduos com lesão em lobos frontais. De fato, muitas vezes estas regiões estão comprometidas, especialmente as regiões fronto-mediais, como já citado. Devemos lembrar que as alterações de atenção e memória, associadas a lentidão no processamento de informações (altamente prevalentes em indivíduos com TCE) podem ser fatores que contribuem para o estabelecimento das deficiências descritas, embora aparentemente as alterações de memória episódica interfiram muito menos do que as de funções executivas e memória operacional (Alexander, 1989, Hartley, 1991; McDonald, 1993; Coelho, 1995). A alteração da atenção leva a um prejuízo da compreensão e da capacidade de manter um fluxo organizado de conversação; a lentidão no processamento de informações também 226

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compromete a compreensão (mesmo com vocabulário adequado) em função da taxa, quantidade e complexidade da linguagem a ser processada; alterações de memória (codificação, estocagem ou recuperação) podem ter seus correlatos em tarefas verbais (Ylvisaker, 1985). O quadro abaixo tenta correlacionar os diversos déficits cognitivos e comportamentais encontrados na síndrome frontal com algumas das alterações presentes em pacientes pós-TCE. Esta tentativa é baseada na comparação entre desempenho lingüístico e testes neuropsicológicos, representando um exercício teórico, que necessita de comprovação empírica com maior número de sujeitos.

ALTERAÇÃO FRONTAL

REPERCUSSÃO NA HABILIDADE DE COMUNICAÇÃO

pensamento concreto e dificuldade de abstração

redução das inferências

deficiência de planejamento e da monitorização do comportamento

dificuldade com a macroestrutura do discurso

perseveração

discurso com episódios incompletos

desinibição

discurso tangencial e desorganizado dificuldade com pedidos indiretos (“descolar-se” da intenção real)

apatia, inércia

discurso repetitivo

prejuízo da memória operacional

deficiência de coesão e da realização de inferências

prejuízo na formação de conceitos

dificuldade na compreensão de inferências, pedidos indiretos e sarcasmo

Quadro 1 – Correlação entre as alterações frontais e desordens da comunicação

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CAPÍTULO XII

ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM NAS DEMÊNCIAS

Conceitua-se como demência a deterioração crônica e progressiva das funções intelectuais e do comportamento que ocasionem prejuízo das atividades rotineiras do indivíduo (na ausência de alterações motoras, sensoriais ou do alerta que possam justificar essa perda), secundária a lesão cerebral (Mesulam, 2000). Neste conceito não estão incluídos os casos de retardo ou não aquisição de habilidades cognitivas. Pelos critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM – IV), a síndrome demencial é caracterizada pela alteração de memória associada a declínio de qualquer outra função cognitiva. As causas de demência são variadas e incluem doenças degenerativas primárias do SNC, doenças vasculares, distúrbios metabólicos (como hipotireodismo), alcoolismo, doenças infecciosas (como neurolues), neoplasia de SNC e TCE. Do ponto de vista epidemiológico, os quadros demenciais ocorrem principalmente em idosos. Entre as doenças degenerativas primárias de SNC destacamse a doença de Alzheimer (DA) e a demência fronto-temporal (DFT) como exemplos de demências corticais, ou seja, onde a degeneração privilegia neurônios do córtex cerebral. Na DFT, o comprometimento do comportamento do indivíduo é precoce (síndrome frontal). A doença de Parkinson, doença de Huntington e Paralisia 231

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Supranuclear Progressiva (PSP) são exemplos das chamadas demências subcorticais, em que ocorre acometimento importante e precoce de estruturas subcorticais como núcleos da base, tálamo e substância branca. Nestas, em geral, o acometimento motor (disartria, hipofonia) é mais evidente. As demências vasculares são secundárias a lesões vasculares (AVC) múltiplas, e seu quadro clínico varia de acordo com as combinações dos locais de lesão; também aqui as alterações motoras, incluindo apraxias, são muito freqüentes. Depressão também é um diagnóstico que deve ser lembrado em idosos com declínio cognitivo, especialmente quando a investigação através de exames subsidiários não revela nenhuma causa que possa justificá-lo. Pela sua maior prevalência e aumento relativo de incidência em função do progressivo envelhecimento da população, especialmente nos países desenvolvidos, a DA é relativamente mais estudada, em comparação com outras etiologias de demência. Por este motivo, destacaremos as alterações de linguagem descritas na DA (Caramelli, Mansur e Nitrini, 1998).

COMPREENSÃO Com relação à compreensão, parece haver consenso na literatura quanto ao fato de que a performance é estreitamente dependente da complexidade da tarefa. Muitas avaliações de compreensão de linguagem envolvem solicitações complexas de realização da resposta (dificuldades pós-interpretativas). No entanto, algumas controvérsias ainda persistem. Com relação ao processamento de sentenças, Kempler (1995) constata que embora a maioria das descrições de alterações de linguagem nas DA admita que as habilidades sintáticas permanecem intactas, poucas investigações foram realizadas sobre o tema. A idéia de que sintaxe é resistente à degeneração apóia-se principalmente 232

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no fato de os pacientes realizarem correções sintáticas ignorando erros semânticos em frases. No que diz respeito à compreensão, desde a década de 70 os estudos constatam alterações (Schwartz et al., 1979). O fato de os estudos constatarem sua habilidade para corrigir sentenças do ponto de vista sintático corrobora o fato de que eles têm possibilidades de utilizar dados do sistema de memória implícito, pois a correção apóia-se em regras. As principais dificuldades descritas são: • sentenças complexas, envolvendo inferências, comparações e relações causais (Appel et al., 1982; Cummings et al., 1985) • processamento de “mapping atípicos” (mapeamentos a partir da sintaxe, quando não expressos) relacionados com a apreciação de restrições semânticas associadas ao verbo da sentença (Grossman, 1998). É o caso em que o simples exame do sujeito e do objeto não permite inferir quem praticou e quem recebeu a ação (por exemplo, verbo jurar: “Maria jura que sua mãe ...” Quem jura? Maria ou a mãe?). Por outro lado são capazes de realizar julgamento de anomalias sintáticas, por exemplo, falta de concordância entre sujeito e predicado (Grossman et al., 1996).

PRODUÇÃO ORAL Níveis fonético-fonológico e sintático A maioria dos pacientes não apresenta dificuldades no aspecto fonético-fonológico da produção até estágios muito avançados (Bayles et al. 1993), porém existe controvérsia quanto à 233

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preservação da sintaxe. Kempler et al. (1987) estudaram a fluência de indivíduos com DA e constataram que a complexidade estrutural era bem menor nestes indivíduos em relação aos indivíduos-controle. É possível que a sintaxe correta seja mero reflexo estereotipado, limitado a contextos rotineiros, e situações de produção mais voluntária poderiam evidenciar dificuldades (Patel e Satz,1994).

Nível lexical - processamento léxico-semântico: A presença de dificuldades léxico-semânticas nos indivíduos com demência é bem estabelecida, restando discussão a respeito da natureza desses déficits. Duas hipóteses são defendidas na literatura, a primeira considerando que ocorre deterioração na “bagagem semântica”, ou seja, na representação conceitual (Chertkow, 1990; Martin, 1983; Huff et al., 1986), e outra admitindo apenas dificuldades de acesso ao estoque semântico (Nebes, 1988; Ryan, 1995). Existem alguns dados indicadores de que existe conservação do estoque semântico (Ryan, 1995), como o fato de que nas tarefas de nomeação por confrontação os pacientes com DA freqüentemente podem emitir um nome relacionado ou um circunlóquio; além disso, a compreensão das palavras é superior à produção das mesmas palavras, indicando que o nome não pode ser gerado ou recuperado voluntariamente; os pacientes com DA podem se valer de pistas fonêmicas para auxiliar a recuperar palavras e freqüentemente usam gestos para indicar a função de um objeto que não pode ser nomeado. A tendência é de que se aceite uma progressiva deterioração da informação semântica, desencadeada a partir da perda de atributos periféricos ao estímulo (processamento bottom-up). Esses atributos “periféricos” referem-se ao tratamento semântico circunstancial. O desempenho na nomeação em pacientes com DA está relacionado a variáveis como freqüência, imageabilidade, categoria e razão entre atributos funcionais e perceptuais. 234

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Os erros mais freqüentemente cometidos por pacientes com DA em provas de denominação são de categoria coordenada (martelo – chave de fenda), supra-ordenação (cão – animal), uso de termos associados (pão – manteiga), erros por similaridade visual (cinto – cobra) ou respostas não relacionadas (gato – lâmpada).

Nível discursivo Estudos baseados em esquemas para produção de narrativas em pacientes em estágio leve de DA (Ska e Guenard, 1993) mostraram que estes produziram menor número de componentes textuais do que os sujeitos controle nas três situações, erraram mais no relato de seqüência de eventos e produziram maior número de proposições irrelevantes, mesmo quando dispunham do apoio de imagens, situação em que se excluía a variável memória. Em situação de diálogo, pacientes com DA têm dificuldade para introduzir e mudar de tópicos de maneira coerente e ativa (Garcia, 1991; Mentis et al., 1995), apresentam freqüência maior de troca de turnos e menor número de enunciados, o que significa pobreza de elaboração do tópico discursivo (Garcia, op. cit.), e freqüentemente se referem ao insucesso das correções, produzindo segmentos irrelevantes para a comunicação (Marcie et al., 1994). Na produção de atos de fala, sujeitos com DA em grau leve e moderado apresentaram as piores respostas em situações complexas, enquanto atos que envolviam situações de alta freqüência, como convenções sociais, permaneceram relativamente preservados (Fromm e Holland, 1989).

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PERFIL

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DA LINGUAGEM NOS DIFERENTES ESTÁGIOS DA

DOENÇA (Cardebat, 1991; Bayles, 1994)

A- Estágios iniciais (a comunicação já está comprometida): • dificuldade para iniciar e acompanhar conversações em situação complexa (em grupo, por exemplo); • tendência à digressão e ser repetitivo; • situações que envolvem o entendimento de humor, sarcasmo, analogias verbais e atos de fala indiretos trazem dificuldades; • anomia, é dado marcante, tanto em situações estruturadas quanto espontâneas, evidenciada pelo uso de circunlóquios e raras parafasias; • a expressão oral mostra-se reduzida, com omissão de itens e uso de termos genéricos e imprecisos; • aspectos fonológicos e sintáticos estão preservados; • a compreensão da leitura e a escrita apresentam sinais de comprometimento, bem como a geração espontânea da escrita (apesar da integridade dos mecanismos de produção da leitura e escrita); • a compreensão auditiva está relativamente preservada, exceto para novas informações e situações que demandem abstração, assim como preservam-se a repetição e a leitura em voz alta. B - Estágio mais avançado: • as habilidades semântico-pragmáticas estão gravemente comprometidas; • ferem os princípios conversacionais; • têm dificuldades para inibir e corrigir os próprios erros; • têm dificuldades compreender enunciados com sentido não literal;

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• apresentam repetições freqüentes; • a estabilidade de habilidades fonéticas e fonológicas é ainda evidente; • no nível sintático, a produção de fala é fragmentada; • automatismos são usados como estratégias compensatórias; • anomia torna-se mais freqüente; • ocorrem parafasias verbais e semânticas, ocasionalmente concomitantes a não-palavras; • há perda das habilidades para ler e escrever e para a compreensão auditiva, especialmente para situações complexas; • a repetição e a leitura em voz alta estão relativamente preservadas. C - Estágio final: • todas as funções lingüísticas estão comprometidas; • há acentuada redução da expressão oral; • ocorrem graves problemas de compreensão; • persistem alguns automatismos e perseverações; • em alguns pacientes a repetição é ainda possível. Um tema ainda em debate na literatura diz respeito a quadros em que o acometimento de linguagem é relativamente isolado e antecipa-se à síndrome demencial por um espaço de vários anos. Esta síndrome foi descrita por Mesulam em 1982, recebendo o nome de Afasia Progressiva Primária (APP) e, para este autor, engloba tanto os casos em que o maior prejuízo é na produção (forma não-fluente), quanto aqueles em que a compreensão é acometida, com menor prejuízo da produção (forma fluente). No entanto, alguns autores consideram que pacientes em que o déficit de compreensão é muito intenso desde o início da doença devem ser considerados como pertencentes a outra entidade

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clínica denominada demência semântica (Snowden, 1989, Hodges, 1992). O quadro 1 ilustra as características clínicas mais relevantes da APP e demência semântica em comparação à DA. CARACTERÍSTICAS DEMÊNCIA SEMÂNTICA

AFASIA PROGRESSIVA PRIMÁRIA

DOENÇA DE ALZHEIMER

Idade do início

geralmente < 65 anos

geralmente < 65 anos

geralmente > 65 anos

Progressão

geralmente rápida

lenta

variável

Linguagem espontânea

fluente e correta (gramática), mas vazia no conteúdo lexical

difícil, telegráfica, longas pausas para resgate lexical, erros fonológicos e gramaticais

fluente

Parafasias

semânticas

fonológicas

semânticas ao início, fonológicas posteriormente

comprometida

preservada

inicialmente intacta

preservada

comprometida

inicialmente preservada

normal para palavras isoladas

erros fonêmicos

geralmente preservada

preservada para eventos recentes

preservada

Função executiva

preservada

preservada

Habilidades vísuo-espaciais e perceptuais

preservadas

preservadas

Comportamento

apropriado ao início / síndrome frontal na evolução

apropriado até estágios tardios

Compreensão de palavras isoladas Compreensão da sintaxe Repetição Memória episódica

Achados neurológicos

não encontrados

Neuroimagem

atrofia temporal, maior à esquerda

apraxia buco-facial + sinais unilaterais em membros atrofia perisylviana esquerda

gravemente comprometida já ao início da doença provavelmente comprometida freqüentemente comprometidas desde o início da doença normal ao início / alterado tardiamente normal até os últimos estágios atrofia do hipocampo

Quadro 1 – Comparação dos dados de linguagem na Demência Semântica, Afasia Progressiva Primária e Doença de Alzheimer

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DEMÊNCIA VASCULAR (DV) A demência vascular apresenta um quadro clínico mais heterogêneo, em função da variedade de locais de lesão. No entanto, de modo geral, podemos sintetizar as alterações de linguagem mais típicas como: fluência verbal reduzida, problemas de acesso lexical ou anomia semântica com inabilidade de identificar o significado das palavras, preservações na fala, compreensão alterada, repetição comprometida, leitura e escrita com déficits sutis no reconhecimento de palavra e freqüente associação de quadros motores (disartria, apraxia) (Cherrier et al., 1998; Bowler e Hachinski, 1997).

ALTERAÇÕES MOTORAS NAS DEMÊNCIAS Nas demências progressivas do tipo cortical não ocorrem disartrias, ao menos nos estágios iniciais. Vários quadros motores ocorrem nos estágios finais, se o paciente sobreviver por período extenso. As demências subcorticais, em geral, estão associadas com distúrbios do movimento e, nestas, as alterações motoras não são rapidamente identificáveis nos padrões das classificações usualmente aceitas: são mistas e alteram-se à medida que a doença progride e maior número de estruturas está envolvido (Campbell-Taylor, 1995). A identificação da disartria tem valor de diagnóstico diferencial. Os traços da fala podem ser tão importantes quanto medidas de tônus muscular, força e alterações do movimento levando a descrições sobre a natureza do processo da doença. Darley (1975) descreveu os quadros de disartria associando-os de acordo com traços distintivos, relacionados a patologias. Conhecemse as disartrias do Parkinson, da Esclerose Lateral Amiotrófica, etc. 239

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Por outro lado, desconhecem-se as disartrias das demências, pelo fato de estes quadros não serem puros. No início do quadro demencial, se a voz ou a fala são anormais, isto é, muito fracas, muito intensas, monótonas, levemente indistintas, o paciente deve ser examinado por um otorrinolaringologista, audiologista ou fonoaudiólogo. Apraxia de fala não é encontrada em estágios iniciais de demências corticais como DA tampouco em demências não corticais porque os locais da lesão não são focais, nem confinados ao córtex frontal esquerdo. Disfluência adquirida é encontrada nas demências envolvendo os gânglios da base, presumindo-se que seja causada por disfunção frontal, resultando da íntima relação entre gânglios da base e lobos frontais. Quando ocorre numa demência cortical como DFT é devido a lesão do córtex pré-frontal. Alguns tipos de demência que podem causar disartrias são: doença de Creutzfeldt-Jakob, doença de Parkinson, degeneração corticodentatonigral, demência e parkinsonismo com placas amilóides (não Alzheimer), doença de Huntington, paralisia supranuclear progressiva (PSP), complexo Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) – demência – Parkinson.

LOCAL DE LESÃO NAS DISARTRIAS DAS DEMÊNCIAS Apresentaremos a seguir uma síntese da correlação entre local da lesão e alterações da fala nos quadros demenciais.1 • Sistema ativador reticular ascendente (SARA), sistema límbico e sistema neocortical: podem resultar em posturas fixas e impedimentos para movimentos finos; o envolvimento grave resulta em mutismo acinético. 1 - Para informações mais detalhadas sugerimos a leitura de Campbell-Taylor, 1995.

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• Neocórtex: produzem apraxia de fala e/ou disartria. • Cápsula interna: afasia e disartria. • Cerebelo: disartria atáxica (fala lenta, com sílabas de igual duração e pitch mais variável do que o normal). • Vias corticobulbares ou corticoespinais: disartria pseudobulbar (neurônio motor superior) com labilidade associada pelo envolvimento do sistema límbico. • Núcleos dos nervos cranianos: lesão afetando os pares V, VII, XI, XII pode produzir fala que é perceptivelmente lenta, hipernasal e com pitch e intensidade com características soprosas e de reduzida variação (disartria flácida). Uma vez que essas doenças progridem em diferentes ritmos, lesões do hipoglosso tanto podem levar a espasticidade quanto à flacidez. • Lesões extrapiramidais: nos parkinsonianos, o envolvimento laríngeo ocorre em 90% dos casos. A alteração no sistema de articulação da fala acontece à medida que a doença evolui. Nos estágios iniciais, a articulação é raramente afetada, mas o paciente é menos falante, com perceptível redução na variação do pitch, produzindo fala monótona, característica da doença. Os músculos da língua e mandíbula também são afetados, e a hipomimia. do paciente implica no comprometimento da musculatura perioral, pela rigidez, o que, por sua vez, afeta a articulação. Quando a rigidez predomina, ocorre um tipo de disartria com rapidez e indistinção da articulação; quando a bradicinesia predomina, ocorre fala lentificada, sendo freqüente a combinação dos dois tipos, acompanhada por baixa intensidade vocal. As principais marcas da disartria extrapiramidal são monotonia inicial e contínua com redução dos níveis de intensidade e fraseado inapropriado. • Lesões focais: provocam alterações da melodia da fala. As lesões de hemisfério direito produzem disartria 241

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muito semelhante à produzida por lesão extrapiramidal. Demência por múltiplos infartos pode produzir disartrias, dependendo do local da lesão: quando é somente cortical, produz disartria do tipo “neurônio motor superior”; se for mista (cortical e subcortical), a alteração de fala será correspondente ao local da lesão.

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CAPÍTULO XIII

AVALIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO NAS DOENÇAS DE ETIOLOGIA NEUROLÓGICA

A avaliação das alterações de linguagem e comunicação nos quadros neurológicos pode assumir várias perspectivas: a de atender às necessidades da clínica, detectando e diagnosticando as alterações da comunicação decorrentes de doença neurológica e fornecendo elementos para o clínico decidir a orientação terapêutica dos problemas; e a de responder a questões, para o pesquisador, num primeiro momento teóricas, sobre como o cérebro e linguagem se relacionam. Espera-se que o fonoaudiólogo, na prática clínica, identifique: • a presença da anormalidade • o tipo de anormalidade • possíveis relações com outros diagnósticos Posteriormente, complementar suas investigações com a identificação dos vários componentes e níveis da desordem, e, finalmente, dispor dos elementos para planejar a terapia fonoaudiológica e verificar resultados.

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AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM A aplicação de testes nas avaliações de linguagem não é um ponto pacífico, embora seja óbvio que devemos avaliar nossos pacientes. Sobre os testes, a polêmica gira em torno de várias questões, entre as quais: • o teste verifica aquilo que pretende medir a linguagem? • o que o teste entende por linguagem e comunicação? • o que o teste entende por afasia e sua inter-relação com outros processos cognitivos? • é preciso classificar as síndromes? • como o teste pode auxiliar o encaminhamento da terapia fonoaudiológica e como pode verificar os efeitos da intervenção? Em relação à sua aplicação, podemos ainda nos perguntar se o teste aplicado numa grande instituição é o mesmo que o fonoaudiólogo aplicaria em seu consultório. Buscaremos discutir brevemente algumas dessas questões nos modelos de avaliação de linguagem.

Modalidades de Linguagem Qualquer que seja nossa visão a respeito de avaliação de linguagem, todos concordamos que é importante obter, a partir dela, uma noção sobre os processos envolvidos na compreensão e produção da linguagem (compreensão auditiva, leitura, expressão oral e expressão escrita). Isto é possível quando avaliamos um processo com o mínimo de interferência dos demais e de outros aspectos não lingüísticos.

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Variações Intra e Entre Pacientes Embora as dimensões que definem as síndromes afásicas sejam reconhecidas (fluência, compreensão, repetição), sabemos que elas variam em sua apresentação nos pacientes, e somente combinação e intensidade dos sinais nos dão uma direção para a classificação do quadro. Por outro lado, os quadros evoluem com o passar do tempo, sendo bastante diversas as apresentações em fase aguda e crônica. Na fase aguda, freqüentemente o paciente apresenta-se confuso, com alterações de compreensão que muitas vezes se atenuam ao longo da evolução do quadro. O mutismo também é mais freqüente na fase aguda. Outras manifestações, como o agramatismo, ocorrem após algum tempo de instalação da doença.

Administração e Interpretação do Teste Administrar um teste de linguagem não é uma tarefa complicada. É importante levar em conta algumas condições, especialmente entre pacientes pouco escolarizados e idosos: falta de hábito, ansiedade, familiaridade com o terapeuta e com a situação. A interpretação dos testes, ao contrário, demanda conhecimentos de áreas diversas como a Neurologia, Lingüística e Psicolingüística, que permitirão identificar déficits primários e combinação destes, bem como constatar pontos fortes e fracos relativos à forma, conteúdo e uso da linguagem. O teste fornece informações ao profissional que o aplica e é ele quem dá significado aos dados obtidos.

Caracterização de Déficits Na análise da natureza do déficit deve-se tomar em consi249

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deração os componentes do processamento da compreensão e expressão da linguagem. Na compreensão auditiva, o conjunto de “passos” inclui desde a percepção dos sons da fala até a constituição do significado, interagindo com processos de memória de curta e longa duração. Na expressão, desde o acesso lexical até a formulação sintática e discursiva. Em um processamento alterado deve-se identificar elementos desencadeadores primários (subjacentes) e secundários.

Dados Biográficos Na interpretação do quadro afásico, assim como na determinação de seu prognóstico, devemos considerar variáveis biológicas que interferem na organização da linguagem (vide capítulo 2), como dominância manual prévia e atual, idade e sexo, e variáveis sociais, como escolaridade e aprendizado de outras línguas. O estado civil prévio e atual, condição ocupacional, comunicabilidade, inteligência pré-mórbida, línguas usadas, ambiente pré-mórbido e presente são importantes para se avaliar o grau de estimulação a que o paciente está exposto. Estas variáveis interagem com os dados clínicos e neurológicos.

Dados Médicos O diagnóstico neurológico baseia-se na determinação do local da lesão, sua extensão, duração e repercussão funcional, assim como a coexistência de acidentes vasculares cerebrais prévios, traumas, tumores e outras doenças neurológicas. A história médica, bem como exames para-clínicos complementares (eletroencefalograma, tomografia computadorizada – TC, ressonância magnética – RM, e exames funcionais, como tomografia computadorizada por emissão de fóton único – SPECT) fornecem esses dados. Outras doenças 250

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importantes coexistentes, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes, alcoolismo, problemas cardíacos e respiratórios (entre estes, enfisema pulmonar e pneumonia), não são raras; devem ser pesquisadas, pois necessitam ser prevenidas ou tratadas, em razão da influência direta no estado geral do paciente e no quadro de linguagem. Déficits visuais e auditivos podem intensificar dificuldades de compreensão, e alterações motoras do tipo disartrias e apraxias comprometem a expressão da linguagem. Especialmente em idosos, a medicação deve ser considerada, na medida em que interfere principalmente nos processos atencionais.

Exame Neuropsicológico O exame de funções cognitivas permite identificar e medir déficits, além de fornecer a descrição detalhada das habilidades cognitivas e verificar sua inter-relação com a linguagem. Tradicionalmente, conceituam-se os componentes psicológicos do comportamento num esquema tripartido: 1) funções cognitivas (envolvendo as habilidades intelectuais); 2) motivações e emoções e 3) funções executivas relacionadas às capacidades de iniciativa, manutenção, direcionamento, monitoração e regulação da atividade. Em geral, a avaliação neuropsicológica abrange exames do nível de consciência e atenção, linguagem, memória, praxias e gnosias. Algumas baterias incluem habilidades abstratas como interpretação de provérbios, cálculo, insight e julgamento. O nível de consciência refere-se ao grau de alerta e à capacidade do paciente de reagir a estímulos do meio ambiente. A atenção diz respeito à capacidade de selecionar estímulos ou de lidar, de forma eficiente, com estímulos simultâneos. Memória é a capacidade de codificar, armazenar e recuperar a informação. Três tipos de memória são usualmente avaliados: a memória imediata, que envolve a repetição de pequenas séries de itens (como números), imediatamente após o seu fornecimento; 251

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memória de curta-duração, que envolve a repetição dos estímulos após curto intervalo de tempo, durante o qual o indivíduo é distraído; memória remota, que se refere à recuperação de informações estocadas há muitos anos, tais como nomes de amigos de infância, eventos históricos, entre outros. Recentemente, incluiu-se nos modelos de memória de curta duração o conceito de memória operacional, que explica como alguém pode lidar com estímulos simultâneos. Esse modelo foi descrito no capítulo VI. O fonoaudiólogo está particularmente envolvido com a avaliação da alça fonológica e, para isto, utiliza testes que solicitam retenção e processamento verbal de estímulos com e sem significado. Praxias (capacidade de programar e realizar adequadamente atos motores voluntários) são avaliadas pedindo-se ao paciente que realize um gesto, imite o examinador ou ainda que manipule um objeto. Praxia construtiva refere-se à habilidade de reproduzir (desenhar ou construir) desenhos impressos em duas e três dimensões. É importante notar que o diagnóstico de apraxia só pode ser realizado quando não há evidência de outro impedimento para a realização do ato motor, como paresia, ataxia, perda de sensibilidade, etc. Gnosias (capacidade de realizar uma síntese altamente elaborada dos diferentes impulsos sensoriais, com resultante reconhecimento global do estímulo) podem ser examinadas ao se solicitar que o paciente perceba e identifique objetos em modalidades sensoriais variadas (visual, tátil, auditiva, multimodal). O exame pode incluir ainda a verificação de agnosias específicas para cores e faces (a última denominando-se prosopagnosia). A constatação de uma agnosia também pressupõe que o canal sensorial avaliado esteja intacto (por exemplo, agnosia visual não pode ser diagnosticada em um indivíduo amaurótico). Os testes de linguagem podem estar incluídos em baterias neuropsicológicas. Com o desenvolvimento dos estudos em áreas da linguagem, essas avaliações têm sido desenvolvidas e realizadas 252

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por profissionais especializados. Na prática clínica, em nosso país, fonoaudiólogos são os profissionais que avaliam, com o intuito de diagnosticar e reabilitar, os distúrbios de comunicação.

ESCALAS DE AVALIAÇÃO Escalas de avaliação cujo conteúdo não é exatamente lingüístico podem fornecer indicadores de habilidades cognitivas globais. Algumas delas usualmente são utilizadas para estabelecer relações entre a linguagem e o déficit global. É o caso da escala “Rancho Los Amigos” (Hagen, 1981), instrumento aplicado a pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) e da escala GDS (Global Deterioration Scale) (Reisberg et al., 1982) utilizada para inferências sobre a relação entre linguagem e habilidades cognitivas nas demências.

Escala Rancho Los Amigos Nível I - Ausência de resposta. Nível II - Resposta genérica – o paciente reage de forma inconsistente e inespecífica ao estímulo. Nível III - Resposta específica ao estímulo, porém inconsistente e com latência. Nível IV - Resposta confusa e agitada, não discrimina pessoas ou objetos. Não coopera com o tratamento. Ocorrem manifestações de linguagem, porém são incoerentes ou impróprias em relação ao ambiente, podendo haver confabulação. A atenção é lábil e não seletiva. Nível V - Resposta confusa, imprópria e não agitada. É capaz de responder a ordens simples de forma consistente. Tem dificuldades com estímulos complexos, ou quando a 253

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solicitação cognitiva ocorre em situações não estruturadas. Nessas condições, fornece respostas aleatórias ou fragmentadas. Distrai-se com facilidade, mas pode ser capaz de conversar num nível automático, por curtos períodos. Pode apresentar confabulações e desvios em relação ao tema. Tem dificuldade de aprender novas informações, embora possa lidar com conteúdos previamente aprendidos. Nível VI - Resposta confusa e apropriada. É dependente do estímulo externo para direcionar seu comportamento. Segue ordens simples consistentemente e lida com informações sobre tarefas já aprendidas, mas tem dificuldades com tarefas novas. Freqüentemente as respostas são adequadas à situação. Nível VII - Resposta imediata e apropriada. Mostra conduta apropriada, está orientado dentro do hospital e ambientes domésticos e desempenha tarefas do dia-a-dia automaticamente. É pouco flexível. Seu comportamento não é confuso e recorda as atividades. Lida com informações para novos aprendizados, mas num ritmo menor. É capaz de iniciar atividades sociais e recreativas. A capacidade de julgamento está comprometida. Nível VIII - Resposta com objetivo e apropriada - É capaz de recordar e integrar eventos recentes e do passado, responde ao ambiente. Lida com informação para novos aprendizados, alcançando independência. Em relação à sua condição pré-mórbida, pode-se notar diferenças na capacidade de raciocínio abstrato, tolerância ao estresse e julgamento em emergências ou circunstâncias não usuais.

Escala GDS A escala GDS mostra o impacto da demência na alteração de linguagem. Até o nível III da escala, o paciente não apresenta 254

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problemas exuberantes e perceptíveis de linguagem, no padrão clássico de demência. Nível I - Não existem queixas de declínio cognitivo; tampouco se podem observar alterações na entrevista clínica. Nível II – Os déficits de memória são objeto de queixa do paciente, nem sempre confirmado objetivamente ou referendado pelos familiares. Freqüentemente há menção a esquecimentos sobre “lugar em que foi guardado objeto familiar” e nomes anteriormente bem conhecidos. Nível III - O paciente esquece o que vai dizer, apresenta dificuldades no acesso aos nomes. Nível IV - O paciente apresenta boa leitura, boa compreensão auditiva, esquece rapidamente a informação, tem dificuldades na recuperação dos nomes. Nível V - Ocorre diminuição da fala espontânea e limitação de vocabulário, com menor relação entre sentenças. Responde a questões sim/não e de múltipla escolha. Pode manter conversações simples. Nível VI - Notam-se dificuldades óbvias de linguagem e memória. O conteúdo da linguagem é muito afetado. A linguagem espontânea é limitada, embora possa emitir frases (em geral, convencionais) com forma sintática intacta, sem conteúdo, em meio a outras com características bizarras. A compreensão auditiva e escrita é pobre. É notável a influência do déficit de memória sobre a linguagem com dificuldades em recuperar eventos vividos. Neste nível, podem ocorrer problemas de personalidade e mudanças emocionais, como comportamentos ansiosos, obsessivos ou delirantes. Nível VII - Tanto a forma quanto o conteúdo estão gravemente afetados. Nível VIII - Somente capacidades residuais podem ser observadas.

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TESTES DE LINGUAGEM Habilidades Metalingüísticas Os primeiros testes para avaliação de linguagem de afásicos datam de 1935 e foram criados por Weisenburg e Mac Bride (Ducarne, 1997). Atualmente, as baterias mais conhecidas são: Boston Diagnostic Aphasia Examination (BDAE - Goodglass e Caplan, 1983), Minnesota Test for Differential Diagnosis of Aphasia (MTDDA – Schuell, 19731), Porch Index of Communicative Ability (PICA – Porch, 1967), Western Aphasia Battery (WAB - Kerstez, 1982) e o teste Token (DeRenzi e Vignolo, 1962). Todos estes testes ocupam-se principalmente de habilidades metalingüísticas, sendo destinados à “varredura” global das alterações de linguagem.

Teste Boston para o Diagnóstico da Afasia (BDAE) Esta bateria, embora se insira entre os testes de habilidades metalingüísticas, conta com algumas provas que envolvem o uso próximo ao de contextos naturais da linguagem. É o caso da entrevista inicial que permite pontuar características relacionadas à fluência, entonação e taxa de informação, entre outras. Adicionalmente, pode-se verificar transformações fonéticas, fonêmicas, a ocorrência de parafasias verbais e sintagmáticas, dissintaxias e agramatismos, além de anomias. Estudo na língua portuguesa realizado por Radanovic e Mansur (2002) fornece valores de referência a serem considerados para a população brasileira (ver tabelas 1 e 2).

Avaliação da compreensão oral Para verificar alterações de compreensão, é solicitada a 256

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identificação de figuras, com estímulos de distintas categorias semânticas e classes de palavras, e a identificação de partes do corpo, em diversos graus de complexidade e detalhe. Os itens ordens e material ideacional complexo abrangem a compreensão de frases e pequenos parágrafos.

Avaliação da produção oral Esta seção pretende verificar, além dos distúrbios na linguagem oral, se existem alterações motoras do tipo disartrias e apraxias, acompanhando a afasia. Para isso, são realizadas provas de agilidade oral, (verbal e não verbal), envolvendo itens de crescente complexidade e extensão. A observação da capacidade para entoar uma melodia, imitar ritmos, recitar e realizar seqüências automáticas tem, segundo os autores, o objetivo de trazer dados para a estimativa sobre habilidades preservadas do hemisfério não dominante sem lesão, para uma possível utilização como recurso terapêutico. As provas específicas de linguagem envolvem repetição e leitura em voz alta de palavras e frases, denominação responsiva e com estímulo visual, e fluência. Estas provas permitem a análise de transformações fonéticas, fonêmicas, parafasias verbais e sintagmáticas, anomias e a observação da ocorrência de agramatismos e dissintaxias, os últimos nas tarefas que envolvem repetição e leitura de frases. Paralexias fonêmicas, verbais e sintagmáticas podem ser verificadas nas provas de leitura em voz alta.

Avaliação da compreensão escrita Uma vez que o reconhecimento visual de grafemas é prérequisito para a leitura com significado, a bateria propõe um subteste de emparelhamento com múltipla escolha, de grafemas e 257

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palavras simples em diferentes estilos de escrita, a discriminação de símbolos e palavras. A associação fonética é avaliada pelo reconhecimento de palavras e compreensão da soletração oral que permitirão verificar a capacidade de transcodificação do canal auditivo para o visual. No subteste emparelhamento de palavras e figuras ocorre o envolvimento do significado na leitura, embora num nível simples. A leitura de sentenças e parágrafos, numa tarefa de múltipla escolha, solicita tratamento lingüístico mais complexo da informação.

Avaliação da produção escrita A mecânica da escrita é pontuada a partir da observação da assinatura do nome, escrita do endereço, cópia da frase “A esperta raposa marrom pulou sobre o cão preguiçoso”, ditado e nomeação escrita por confrontação, além da narrativa escrita. O reconhecimento e a evocação de símbolos escritos são avaliados através da escrita seriada (alfabeto, números de 1 a 21) e do ditado de primeiro nível (escrita de números, letras e palavras simples). Nestes subtestes não se pressupõe o tratamento do significado e a compreensão. O acesso lexical na escrita é avaliado na soletração para ditado, na qual o indivíduo é solicitado a escrever sob ditado uma lista de 10 palavras e na nomeação escrita por confrontação em que os itens lexicais são nomeados pela escrita. Na formulação da escrita, a prova de narrativa verifica a habilidade de empregar itens corretos, formular sentenças, e veicular informação relevante em idéias encadeadas e organizadas. Alguns pacientes não conseguem produzir livremente uma narrativa embora possam escrever sentenças sob ditado. As sentenças propostas para a prova são graduadas em dificuldade. Nas provas de produção da linguagem escrita podemos observar se existem alterações do grafismo, cópia servil, disortografias, paragrafias verbais e sintagmáticas. 258

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PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

O teste de nomeação Boston (Boston Naming Test – BNT Goodglass e Kaplan, 1983) complementa a bateria e é destinado ao estudo quali-quantitativo da capacidade de nomeação. É composto de 60 figuras-estímulo, graduadas em ordem de dificuldade de acordo com a freqüência na língua (20 estímulos de alta, 20 de média e 20 de baixa freqüência). A análise das respostas é feita segundo o acerto: sem pistas, quando há necessidade de pistas semânticas ou fonêmicas e a sensibilidade do paciente a estas pistas (o que caracteriza a preservação da informação semântica). A aplicação da bateria completa é feita em aproximadamente duas horas. É possível reduzi-la segundo nosso propósito. No caso em que nosso objetivo é classificar a afasia, por exemplo, as provas de linguagem oral são suficientes. Nesse mesmo caso, pode-se abolir as categorias semânticas relativas a formas, letras e números nas provas de compreensão auditiva, nomeação e repetição. No caso de indivíduos com mais de quatro anos de escolaridade, em que se verificou capacidade de leitura com compreensão preservada para itens, pode-se utilizar somente os três últimos subtestes de compreensão de parágrafos, pois os anteriores destinam-se aos menos escolarizados. Quando o indivíduo tem grave problema de produção da linguagem e é necessário detectar concomitante alteração de praxias buco-faciais, a prova de agilidade não verbal é interessante, assim como nos casos de disartria. Se na entrevista inicial essas alterações foram excluídas, as provas citadas não têm utilidade. As provas de canto e ritmo foram incluídas para a verificação de habilidades relativas a “hemisfério direito” (Goodglass, 1983). É importante observar que a performance no teste não prediz exatamente os “bons candidatos à terapia melódica”, pois a falta de hábito e as restrições do teste muitas vezes levam a desempenho insatisfatório. Por outro lado, a própria linha de Terapia Melódica propõe desenvolver estas habilidades em seus primeiros passos, elegendo como critério para sua indicação somente a boa compreensão e a dificuldade de produção da linguagem. Cabe 259

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ainda mencionar o questionamento a respeito da “responsabilidade do hemisfério direito” pretendida pelos autores que tem sido revista à luz de modernas técnicas de imagem.

SUBTESTE

MÉDIA

DESVIO PADRÃO

IC 95%

VARIAÇÃO

NOTA DE CORTE SUGERIDA

Compreensão Oral Discriminação Auditiva Identificação Partes do Corpo Ordens

70,4

4

69,3 a 71,5

48 a 72

62

19,2

1,4

18,9 a 19,6

14,5 a 20

16

10,8

0,7

10,6 a 11

7 a 11

9

Material Ideacional Complexo

10,9

1,4

10,6 a 11,3

5 a 12

8

Agilidade Oral Agilidade Não Verbal

9,2

2,3

8,6 a 9,8

4 a 12

4

Agilidade Verbal

12,6

1,9

12,1 a 13,1

7 a 14

8

Seqüências Automatizadas

7,8

0,4

7,8 a 8

6a8

7

Recitação

1,9

0,4

1,8 a 2

0a2

1

Canto

1,9

0,4

1,8 a 2

0a2

1

Ritmo

1,8

0,4

1,7 a 2

0a2

1

Palavras

9,9

0,1

9,9 a 10

9 a 10

9

Frases Alta Probabilidade

7,8

0,4

7,7 a 7,9

6a8

7

Frases Baixa Probabilidade

7,8

0,5

7,7 a 7,9

6a8

6

Responsiva

26,7

0,7

26,5 a 26,9

24 a 27

25

Confrontação Visual

112

4,7

110,8 a 113,3 86 a 114

102

Fluência de Animais

20,3

6,1

18,5 a 22,1

11 a 36

8

Palavras

29,6

1,2

29,3 a 30

22 a 30

27

Sentenças

9,8

0,6

9,7 a 10

6 a 10

8

Repetição

Nomeação

Leitura Oral

260

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PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

MÉDIA

DESVIO PADRÃO

IC 95%

VARIAÇÃO

NOTA DE CORTE SUGERIDA

Discriminação de Símbolos

9,8

0,4

9,8 a 10

8 a 10

9

Reconhecimento de Palavras

7,9

0,5

7,8 a 8

5a8

7

Soletração Oral

6,7

1,9

6,2 a 7,2

1a8

3

Emparelhamento Palavra/Figura

9,7

1,3

9,3 a 10

1 a 10

7

Parágrafos e Sentenças

9,5

0,8

9,3 a 9,8

5 a 10

7

Mecânica

4,8

0,4

4,7 a 5

3a5

4

Seriada

44

3,9

43 a 45

20 a 45

36

Ditado de Primeiro Nível

14,5

1,3

14,2 a 14,9

7 a 15

12

Soletração para Ditado

9,4

1,5

9 a 9,8

2 a 10

6

Denominação por Confrontação

9,8

0,6

9,7 a 10

6 a 10

8

Narração

4,5

0,8

4,3 a 4,8

2a5

3

Ditado de Sentenças

11,7

0,9

11,5 a 12

6 a 12

10

SUBTESTE

Compreensão da Leitura

Escrita

Tabela 1 – Desempenho de amostra de população brasileira (n= 60) no Teste de Boston para Diagnóstico da Afasia (Radanovic e Mansur, 2002).

SUBTESTE

PERCENTIL 0

10

20

30

66,5 70

72

40 50 60 70 80 90 100

Compreensão Oral Discriminação Auditiva Identificação Partes do Corpo

18 18,5 19,5 20

Ordens

11

11

Material Ideacional Complexo

9

10

11

Agilidade Não Verbal

6

7

8

8,5 10

Agilidade Verbal

10

11

12

13 14

Seqüências Automatizadas

7

8

12

Agilidade Oral 11 12

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SUBTESTE

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PERCENTIL 0

10

Recitação

2

Canto

2

Ritmo

1

20

30

40 50 60 70 80 90 100

2

Repetição Palavras

10

Frases Alta Probabilidade

7

8

Frases Baixa Probabilidade

7

8

Responsiva

26

27

Confrontação Visual

108 111 113 114

Fluência de Animais

14

15

Palavras

29

30

Sentenças

10

Nomeação

17

19 20 23 25 27 35

Leitura Oral

Compreensão da Leitura Discriminação de Símbolos

10

Reconhecimento de Palavras

8

Soletração Oral

5

Emparelhamento Palavra/ Figura

10

Parágrafos e Sentenças

9

6

7

8

10

Escrita Mecânica

4

5

Seriada

44

45

Ditado de Primeiro Nível

14

15

Soletração para Ditado

9

Denominação por Confrontação

10

Narração

4

Ditado de Sentenças

12

10

5

Tabela 2 – Desempenho de amostra de população brasileira (n= 60) no Teste Boston para Diagnóstico da Afasia em percentis (Radanovic e Mansur, 2002).

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PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

Teste Token Este teste destina-se à verificação da compreensão da linguagem. Examina o léxico e frases com extensão variada de atributos e complexidade lingüística diferenciada. Utiliza formas geométricas (quadrados, retângulos e círculos) de tamanho e cores diferentes, que devem ser selecionadas, manipuladas e postas em relação. Os blocos envolvem graus crescentes de solicitação (pegue o retângulo amarelo; pegue o retângulo branco e o círculo branco; pegue o círculo azul pequeno e o retângulo branco grande; coloque o círculo vermelho no retângulo verde; se existe um círculo preto, pegue o retângulo vermelho). Embora os autores afirmem que o teste diferencia a interferência de alterações de memória de curta duração na compreensão, a exigência de resposta manipulando os estímulos e envolvendo a análise de relações entre os conteúdos põe em evidência o intrincado complexo entre memória operacional e linguagem. Outra limitação está no fato de que não é estrita a correlação entre a compreensão de frases e textos, sendo impossível realizar inferências para a atividade funcional da compreensão a partir do teste.

Bateria Arizona A Bateria Arizona (“Arizona Battery for Communication Disorders of Dementia” – ABCD) foi proposta por Bayles e Tomoeda em 1994. Ocupa-se da avaliação da interface memória-linguagem, buscando caracterizar a alteração da comunicação no contexto dos déficits cognitivos. Foi concebida para fornecer instrumento de avaliação de indivíduos internados em instituições para idosos. É uma bateria de média extensão, não podendo ser caracterizada como avaliação exaustiva. A aplicação do teste requer entre 45 a 90 minutos. Contém cinco áreas com 17 subtestes, os quais podem ser administrados isoladamente: 263

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Estado mental – envolve questões relativas a dados biográficos e de orientação. Memória episódica – avalia a codificação, armazenamento e recuperação de material verbal, nos subtestes de aprendizado de palavras e retenção de história. Compreensão de linguagem – é avaliada pelo emparelhamento entre sentenças e figuras; as sentenças solicitam a identificação de papéis temáticos e de informações apresentadas de forma não canônica. As autoras incluem a repetição entre as provas de compreensão, sendo controlada nesta prova a extensão do estímulo (número de sílabas). Expressão de linguagem – é verificada nas provas de nomeação, fluência verbal, definição de atributos e descrição de objetos. Habilidades vísuoespaciais – através de desenhos espontâneos e cópia de figuras. Embora curto, o teste pode ser abreviado, utilizando-se somente as provas mais sensíveis para detecção de alterações demenciais, as de memória episódica verbal. Problemas de percepção visual (incluindo agnosias), analfabetismo, depressão, apraxias e déficits de discriminação da fala são fatores que podem invalidar e tornar incertos os resultados do ABCD. Para auxiliar a identificação destes fatores, o teste inclui tarefas preliminares que fornecem elementos para a confiabilidade dos resultados.

TENDÊNCIAS ATUAIS NA AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM As avaliações de linguagem desenvolveram-se consideravelmente a partir dos estudos na linha cognitivista (Psicolingüística, Neurolingüística e Neuropsicologia) e lingüísticos (na linha pragmá264

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PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

tica e de análise de discurso). As bases teóricas destas áreas permitiram esboçar avaliações que dessem conta dos processos de construção de significado, possibilitando uma visão mais equilibrada de aspectos preservados e estratégias compensatórias, por um lado, e maior aprofundamento na natureza dos processos psicolingüísticos envolvidos na produção e compreensão da linguagem.

AVALIAÇÕES DE LINGUAGEM EM CONTEXO 1) Contextos Naturais (ou próximos ao natural) Estas avaliações abrangem desde questionários de observação de situações naturais (Perfil de Comunicação Funcional - ASHA-FACS, Fratalli et al., 1995), até o registro de situações de interação espontâneas ou provocadas (Communicative Abilities in Daily Living – CADL – Holland,1980), Pragmatic Protocol (Prutting et al., 1987), Profile of Communicative Appropriateness (PCA - Penn, 1988), Discourse Abilities Profile (DAP – Terrell e Ripich, 1989), Abilities Profile Pragmatics and Linguistic (APPLS - Strauss, et al., 1994), Índice de Eficácia na Comunicação, Amostras de Comunicação (Shewan, 1988). Dados obtidos pelos observadores (familiares e cuidadores) trazem a visão da expectativa do ambiente em relação à adaptação do paciente, enquanto a observação de situações naturais permite o exame mais específico da linguagem.

Perfil de Comunicação Funcional (PFC) O primeiro teste que se preocupou com a verificação de habilidades funcionais foi concebido por Sarno (1965). Trata-se de 265

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uma lista para conferência de habilidades como “ser capaz de falar ao telefone” ou “dar um recado”. As dificuldades são graduadas, o que permite ter uma idéia aproximada da evolução do paciente.

Communicative Abilities in Daily Living (CADL) Este instrumento foi inovador, tanto na escolha do conteúdo a ser avaliado, quanto na maneira de apresentar os estímulos e pontuá-los. A seqüência inclui interações entre o avaliador e o paciente, em discursos espontâneos, respostas a estímulos visuais (pranchas desencadeadoras de cenários) e situações de role-playing. São 68 itens envolvendo: atos de fala, uso de contexto, convenções sociais, dêixis, humor/ absurdo, metáforas. Os contextos eliciados, apesar de interessantes e relevantes, são pobres para avaliar a iniciativa e capacidade de gerenciamento da situação de comunicação por parte do paciente.

Índice de Eficácia na Comunicação É uma lista de habilidades de diferentes graus de complexidade, que devem ser examinadas, desde a capacidade de chamar a atenção, até envolver-se em conversação de grupo e desenvolver um tópico.

Perfil de Adequação de Comunicação Pontua 51 parâmetros em seis áreas (resposta ao interlocutor, controle do conteúdo semântico, coesão, fluência, sensibilidade sociolingüística e comunicação não-verbal). A interação desenvolvese por 20 segundos, sendo o paciente induzido a desenvolver tópicos sobre narrativa (ocorrência da afasia) e discurso de procedimento 266

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PRINCÍPIOS PARA A PRÁTICA CLÍNICA

(como fazer uma xícara de chá). A pontuação é feita segundo escala de seis níveis: “muito apropriado” até “não pode ser julgado”.

Perfil de Habilidades Discursivas (DAP) São consideradas habilidades de conversação, narrativa e procedimento em discursos induzidos (narrativo e de procedimento). Estes discursos são pontuados em relação à presença ou ausência de unidades de conteúdo, enquanto a conversação é pontuada em relação a 11 traços que medem habilidades: alternância de turnos, manejo do tópico, revisões e atos de fala.

Roteiros para interação Roteiros foram elaborados com a mesma finalidade. Um deles, elaborado por Mansur e Túbero (1996), toma por base tópicos da escala de atividades de vida diária (Pfeffer, 1982), o que permite a pontuação da independência, ao mesmo tempo em que avalia as habilidades lingüísticas e comunicativas. A interação é induzida pelo examinador, buscando criar situações naturais. Exemplo: Corri bastante para chegar até aqui. Pensei que não fosse chegar na hora! ... Com esse trânsito! ... 1. O que o sr.(a) acha de viver numa cidade grande (como S. Paulo, R. de Janeiro, B. Horizonte)? Por quê? Parece que o progresso atrapalha a vida das pessoas... O que o sr.(a) acha? 2. Já aconteceu alguma coisa desagradável para o sr.(a) aqui na cidade grande?

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Avaliação do Perfil de Habilidades Lingüístico-pragmáticas (APPLS) Nesta proposta a interação é livre, observando-se as rupturas nos diferentes aspectos (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático), as estratégias de reparação realizadas e a eficácia alcançada na comunicação.

Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHAFACS) A avaliação de habilidades de comunicação para adultos abrange quatro áreas: comunicação social, necessidades básicas, leitura escrita e conceitos numéricos, e planejamento diário. Na esfera de Comunicação Social são observadas capacidades diferenciadas de compreensão e produção de linguagem (“Chama por nomes pessoas familiares?” “Expressa concordância/ discordância?”, “Explica como fazer algo?”, “Entende sentido não literal e intenções?” “Reconhece/corrige erros de comunicação?”), ao lado de comunicação de Necessidades Básicas (“Reconhece faces/vozes familiares”, “Manifesta agrado ou desagrado em situações extremas”, “Solicita ajuda”) e de Leitura, Escrita e Conceitos Numéricos (“Entende sinais simples”, “Segue instruções escritas”, “Entende material impresso”), assim como a capacidade de planejar a própria vida com base na linguagem (“Diz a hora”, “Disca números de telefone”, “Mantém compromissos agendados”, “Usa o calendário”, “Segue um mapa”). A independência e a eficiência são avaliadas e pontuadas segundo uma escala que considera a capacidade de realização com diferentes graus de assistência (7 = Realiza; 6 = Realiza com ajuda mínima; 5 = Realiza com ajuda mínima a moderada; 4 = Realiza com ajuda moderada; 3 = Realiza com ajuda moderada a máxima; 2 = Realiza com ajuda máxima; 1 = Não realiza), e associadas a critérios qualitativos de adequação (freqüência da compreensão 268

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do alvo da mensagem, avanço, e desenvolvimento); propriedade (freqüência de uso relevante da comunicação, em circunstâncias apropriadas); prontidão (freqüência de respostas sem latência e de modo eficiente); divisão de responsabilidades na comunicação (apoio no interlocutor).

2) Avaliações de Habilidades em Contextos Induzidos Chantraine et al. (1998) apontam que, na área de Neurolingüística, o discurso narrativo tem sido considerado principalmente em seus aspectos formais (relação entre adjetivos e substantivos, extensão das emissões, complexidade sintática), sendo mais recente a preocupação com a organização semântica, que constitui sua essência. Na verdade, as duas posições se completam; clínicos e pesquisadores necessitam de instrumentos que possam refletir de modo objetivo as dificuldades de linguagem constatadas pelos pacientes e seus interlocutores. Aspectos formais na análise de discursos (em geral induzidos a partir de estímulo visual): 1) Léxico - número de itens produzidos durante três minutos, excluídos comentários sobre a circunstância da avaliação, ambiente tarefa, palavras ininteligíveis e neologismos. 2) Unidades de informação - unidades de informação relevantes, coerentes e não redundantes, ou inferências plausíveis, a respeito da figura apresentada. As unidades variam desde palavras isoladas até frases. 3) Concisão - refere-se ao quociente entre número de unidades de informação dividido pelo total de palavras, multiplicado por 100. 4) Comentários - dizem respeito a situações nas quais um sujeito verbaliza insatisfação ou desânimo. 5) Frases abortadas - são frases incompletas que não foram 269

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revisadas dentro de duas sentenças subseqüentes. Nestas frases incompletas falta um verbo, ou ambos, e algumas vezes compõem-se por uma única palavra. 6) Reformulações - são procedimentos de re-edição relacionados tanto a aspectos semânticos quanto sintáticos, morfológicos ou fonológicos. 7) Repetições de idéias - são retomadas impróprias de idéias. Uma repetição pode ser expressa usando as mesmas palavras ou palavras diferentes. A referência ao discurso de indivíduos sadios constitui dificuldade importante quando se avalia os lesados, pois é grande a variedade de produção incluída na categoria da “normalidade”. A análise de discursos é talvez a melhor instância para a verificação dos processos de construção de significado. Neste sentido, devem ser observados tanto os marcadores que contribuem direta e sistematicamente para a continuidade semântica do discurso, assim como outros elementos que remetem à relação texto-cena contextual e do texto com o mundo. Características destes contextos determinam processos semântico-pragmáticos. Discursos de procedimento permitem verificar a compreensão de planos de execução (passos) de determinadas rotinas (scripts). Um exemplo desse tipo de avaliação inclui a percepção de “passos alheios ao plano”, como o passo “comparar preços” num script de “tomar o metrô”. As habilidades de compreensão de textos podem ser ainda verificadas através de narrativas construídas de forma a que se examinem variáveis que tenham efeito na compreensão e retenção da informação. Estas variáveis são saliência e explicitação. A informação pode ser veiculada numa hierarquia de saliência, com as informações mais importantes no início do texto e os detalhes ocupando níveis inferiores. As inferências podem ser diretamente apresentadas, de forma explícita, ou indiretamente, de forma implícita. 270

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A organização da informação do texto induz maior ou menor número de operações, ou apoio em conhecimento de mundo, para reconstrução do significado. Textos construídos para esta finalidade incluem os do tipo “piada” e aqueles em que as informações iniciais devam ser reexaminadas à luz de dados apresentados ao final. Por exemplo, textos que simulam uma cena ameaçadora, com um personagem que na verdade estava assistindo à cena na televisão; ou a queda do avião era um sonho, quando tudo levava a crer que o personagem corria real perigo de vida. O exame da organização global do texto contribui para verificar a construção do significado subjacente à produção e compreensão. Patry (1990) expõe propriedades fundamentais da macroestrutura: resumir (recapitular o desenvolvimento global), antecipar (indicar o desenvolvimento, facilitando a integração dos elementos), explicar o conteúdo e orientar o tópico desenvolvido no texto. O texto e discurso são terrenos férteis para avaliar a interação entre linguagem e cognição, particularmente atenção e memória.

Características do discurso de lesados cerebrais Afásicos podem apresentar problemas no discurso, conseqüentes a dificuldades que ocorrem no nível das proposições (anomias, parafasias, problemas de sintaxe). Indiretamente, a organização global do discurso e os aspectos pragmáticos sofrem as conseqüências dos desvios locais. Por outro lado, indivíduos com quadros demenciais e TCE apresentam alterações da macroorganização do discurso.

AVALIAÇÕES DO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM As avaliações na linha cognitivista têm contribuído para a 271

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detecção de déficits específicos, como capacidade de nomeação, leitura e escrita de palavras, e constituem importante auxiliar para a análise do déficit e inferências sobre rotas preservadas. Para alcançar este objetivo, selecionam classes de estímulos de acordo com sua freqüência na língua, palavras com sentido na gramática, léxico com maior implicação semântica ou vazios de conteúdo, palavras regulares e irregulares. A avaliação da capacidade de nomeação é uma das principais aplicações do modelo cognitivista (ver capítulo V). Quando a recuperação de palavras é analisada, representações semânticas podem ser ativadas por definições, e pistas através de sentenças ou figuras, embora na fala normal a recuperação do léxico não esteja sob controle direto de estímulos, sendo dirigida pelo fluxo de significados na conversação. Esta avaliação toma por referência os estágios expostos nestes modelos (sistema semântico, léxico de saída da fala, representação fonológica e processos de articulatórios e coarticulatórios).

Anormalidades em Pacientes Os estudos sobre pacientes, compilados e relatados por Gainotti et al. (1998), diferenciam duas categorias de problemas de nomeação: 1) Anomia semântica/ anomia com déficit de compreensão – de natureza semântica central. 2) Anomia puramente expressiva / anomia para seleção de palavras – o componente semântico está intacto e o déficit parece envolver unicamente a seleção das formas da palavra falada. É possível verificar a preservação do sistema semântico 272

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na anomia pela sensibilidade às pistas (fonêmica ou semântica), pela natureza do erro do paciente e pela diferença de capacidades conforme a apresentação em diferentes canais (visual, auditivo ou tátil).

PERSPECTIVA DE ANÁLISE

TIPO DE AVALIAÇÃO

Aspectos Fonéticos, Fonológicos, Morfológicos, Semânticos, Sintáticos

Avaliações de habilidades metalingüísticas

Aspectos Pragmáticos

Avaliações que envolvem contextos de uso de linguagem

Modelos de Compreensão Modelos de Produção

Avaliações de processamentos de linguagem

Memória verbal episódica (aprendizagem de palavras, recontagem de histórias) Memória verbal semântica (definição, classificação, nomeação)

Avaliações da interface linguagemmemória

Scripts frontais, discursos de procedimento

Avaliações da interface linguagematenção

AFASIA

LESÕES DE HEMISFÉRIO DEMÊNCIA DIREITO

TCE

Quadro 1 – Avaliação das habilidades lingüísticas e metalingüísticas em doenças neurológicas

A avaliação da linguagem em lesados cerebrais pode ser realizada de inúmeras maneiras, de acordo com diferentes propósitos, segundo o contexto de diagnóstico. Testes podem auxiliar a classificar síndromes e estabelecer linguagem comum com outros especialistas, e quando lidamos com populações de pacientes. Critérios quantitativos são insuficientes para qualquer interpretação sobre a linguagem e a comunicação. Critérios qualitativos, considerados isoladamente, não satisfazem a necessidade de se verificar 273

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intensidades de alterações de linguagem ou para medir a eficácia de intervenções. A avaliação equilibrada deve contemplar os dois aspectos. O teste pode auxiliar a eleição da terapia fonoaudiológica, assim como constatar os efeitos da intervenção, pois identifica a dimensão de déficits, no conjunto do processo de comunicação. Ao avaliar a linguagem devemos ter em mente que estamos diante de atividade cognitiva complexa e que muitas vezes nosso exame abrange uma interação de fatores. O exemplo mais evidente é a análise da compreensão, em que coexistem as funções atenção, memória e linguagem. Quanto mais complexa for a habilidade avaliada, maior essa interação, como no caso da conversação. Os testes de linguagem deveriam, idealmente, ser interpretados no contexto de exames neuropsicológicos para elucidar hipóteses relativas a alterações em outras esferas cognitivas. O resultado de testes formais de linguagem não nos permite predizer o desempenho na comunicação da vida diária, embora se possa realizar inferências a partir do desempenho nos testes. Em nossa experiência clínica, mesmo com déficits em torno de 50% na compreensão auditiva de estímulos isolados, os pacientes podem apresentar bom desempenho em tarefas de comunicação, como conversação, pois estas atividades fornecem as pistas adicionais de que necessitam para decodificar a mensagem. Este dado tem respaldo nas observações de Wilcox e Davis (1978). Caminhamos para uma era em que é imprescindível mostrar a eficiência e eficácia da intervenção fonoaudiológica. Neste sentido, o estabelecimento de parâmetros claros e replicáveis é obrigatório tanto na avaliação diagnóstica, quanto naquela realizada no decorrer da terapia fonoaudiológica.

1 - A versão para o português foi feita por Meira, em 1974. 274

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CAPÍTULO XIV

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA DAS AFASIAS

A idéia de se tratar pacientes com alterações de linguagem decorrentes de lesões cerebrais remonta ao início da Neurolingüística (Ferre, 1895, apud Ducarne du Ribaucourt, 1997). Nas descrições dos primeiros afásicos pôde-se constatar o esforço para que o paciente compreendesse ou produzisse linguagem. Desde essa época, mudanças importantes ocorreram, a começar pela concepção da reabilitação, até o modo de administrar todo o processo e variáveis envolvidas e os critérios de verificação de resultados terapêuticos. Um breve exame da história nos permite entender as propostas atuais. As propostas de reabilitação formalizadas, que surgiram após a segunda guerra devem ser entendidas à luz do seu tempo, de seus objetivos e recursos disponíveis, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Não podemos, por exemplo, criticar métodos da década de 60 a partir de critérios atuais, em que entendemos o distúrbio de linguagem com base em tecnologias de ponta (ressonância magnética, SPECT), contamos com suporte de teorias, como análise de discurso, e dispomos ainda do recurso de computadores e outras modernas técnicas para a reabilitação. Outra questão importante a ser considerada é que nem todos os métodos se preocuparam com todos os aspectos da afasia. Alguns 277

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se ocuparam somente de aspectos lingüísticos, outros se ocuparam predominantemente da repercussão social do distúrbio. Cabe reconhecer essas especificidades.

ESTIMULAÇÃO Este método pioneiro foi desenvolvido na Europa na década de 60, detalhado por Ducarne de Ribaucourt (1986) e Tissot (1986), e nos Estados Unidos por Wepman (1953) e Schuell (1964, 1976). Examinando as propostas desses autores constatamos algumas características comuns, entre as quais se destacam: • Preocupam-se principalmente com a linguagem, considerando principalmente aspectos metalingüísticos. Alguns deles propunham um trabalho “pré-terapêutico”, para inibir ou facilitar comportamentos. • Organizam a “estimulação”, com base em critério de “complexidade” que gradua os estímulos da língua em ordem crescente, em geral ditada por critérios formais, de extensão do estímulo, por exemplo. • Valorizam todas as vias de entrada – estimulação multissensorial. A consideração de aspectos metalingüísticos da linguagem está em acordo com o desenvolvimento de teorias lingüísticas da época em que foram propostos, de cunho fortemente estrutural, assim como a reflexão sobre componentes médicos, neurológicos e psicológicos é feita na medida da disponibilidade das informações das áreas envolvidas. A par dos pontos em comum, na linha da estimulação encontramos diferenças entre os autores, principalmente no que diz respeito à concepção da afasia, o que determina posições bastante distintas 278

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na proposta terapêutica. Para Schuell (1976), por exemplo, a afasia é um distúrbio unidimensional, que pode se manifestar em múltiplas modalidades. Essa visão unitária da afasia leva os estudiosos a entender a terapia de modo igualmente único. Em outras palavras, todos os tipos de afasia podem ser tratados segundo a alteração da dimensão simbólica que é a essência da afasia. As variações na proposta terapêutica acontecem segundo a combinação de modalidades atingidas (sensório-motora, visual, nos termos de Schuell) e a intensidade dela. Schuell (1964, 1976) entende que a dimensão simbólica desenvolveu-se a partir do canal auditivo, motivo pelo qual ele deve ser intensa e repetidamente estimulado. Nos trabalhos mais recentes sobre a estimulação, propostos pelos seguidores de Schuell (Duffi, 1994), nota-se a incorporação de idéias da linha pragmática, principalmente em ensaios de estimulação a partir do texto e do discurso oral. Outros autores, como Tissot (1986), trabalham de forma mais direta sintomas específicos, sem discutir aspectos teóricos da visão da afasia. A proposta de reeducação desta autora, para a Afasia de Broca, parte da idéia de inibir eventuais estereotipias para desenvolver posterior e paralelamente a linguagem. Utiliza-se, para isso, o apoio na compreensão, a busca de meios de facilitação mais eficazes para promover o retorno de expressão verbal adequada (esboço oral, contexto, palavra escrita). A leitura e escrita devem ser associadas a outras tarefas. Na leitura, os primeiros exercícios são os de associação entre palavras e imagens correspondentes e vice-versa, ler as palavras isoladas escritas em letras grandes, e depois frases curtas. A escrita é desenvolvida a partir da cópia de palavras (em tempo real e diferido), denominação de palavras isoladas e construção de frases. Este trabalho é iniciado a partir de palavras simples ou de imagens que tenham vínculo entre si, sendo que o paciente deve compreender essa relação e agrupar as imagens em tarefas de complexidade crescente. São utilizadas palavras escritas para serem 279

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relacionadas às imagens, designação, denominação, cópia e ditado de palavras e de pares de palavras, servindo-se de facilitações de esboço oral, pistas escritas e do contexto. A formulação de frases é induzida por perguntas e, posteriormente, é repetida, escrita com realces e destaques visuais, e as frases são gravadas para o treino repetitivo do paciente. Induz-se, então, tarefas mais voluntárias. Imagens, histórias e diálogos gravados são utilizados como recursos e, numa fase posterior, exercícios tirados de livros de gramática tradicional (noções de gênero, número, concordância dos adjetivos, derivação e conjugação), e, finalmente, exercícios com material audiovisual e gravador. Na afasia de Wernicke, com comprometimento fonêmico, Tissot (op. cit.) propõe: a escolha de um fonema (eixo paradigmático), o encadeamento correto de cada fonema em relação aos outros (eixo sintagmático), seleção e discriminação auditivo-verbal (vogais, consoantes, repetição, silabação, realização, frases para completar, sucessão controlada dos fonemas consonantais, como p/q: pouca; q/p: copo), seriação (sucessão de ações-histórias, sem imagens), ordem de aparição de palavras em enunciados cada vez mais longos, soletração, leitura em voz alta e escrita sob ditado, narração e reestruturação de vínculos entre significante e significado. Na afasia de Wernicke com comprometimento semântico são realizados exercícios que envolvem esse aspecto do tratamento da linguagem, com tarefas de agrupamento, classificação, e busca de relações ou diferenças a partir da abstração de traços qualificadores (por exemplo: análise de contigüidade de imagens ou objetos associados aos pares, como “mostre-me o parafuso e a chave de fenda”; “a linha e a agulha”). São realizados ainda exercícios de evocação (envolvendo elementos de uma classe e numa relação de contigüidade), seriação, descrição, definição, trabalho no interior das classes (atributos), definição de palavras polissêmicas, explicação de expressões diversas, sinônimos e antônimos, vocabulário (campos semânticos/ memorização) e sentido conotativo. 280

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A ênfase em tarefas mais voluntárias acontece no final do processo em discursos espontâneos.

MÉTODO LURIANO Na Rússia, antiga União Soviética, Luria (1963) envolveu-se com a avaliação e reabilitação de lesados cerebrais, interessandose não só pela linguagem, mas também por outras funções cognitivas. Foi responsável pela revisão teórica de alguns conceitos básicos para a reabilitação, como localização, função e sistema. Função, para ele, diz respeito a um sistema funcional. Mecanismos variáveis levam a um resultado constante, numa estrutura complexa, da qual participam sistemas aferentes e eferentes que realizam o papel de ajustamento. A característica mais importante é que são passíveis de reorganização. Essa pode ocorrer em bases intra ou intersistêmicas. Localização é um conceito relacionado à concepção de sistemas organizados, zonas de trabalho, localizadas em áreas diferentes, cada uma com seu papel. Sintoma deve ser analisado no conjunto de um mesmo sistema funcional e de sistemas funcionais diferentes. Luria valorizou a análise sindrômica, a qual constituiria a base para a avaliação dos processos alterados de linguagem nos diferentes quadros afásicos. Para ele, existiam alterações multidimensionais na afasia, o que determinou propostas mais específicas para os diferentes quadros afásicos. Luria criou sua própria classificação das afasias, nomeando as categorias segundo rótulos nem sempre condizentes com sua visão dos processos simbólicos (afasia motora aferente, motora eferente, por exemplo). Na afasia motora aferente, Luria sugere que a reabilitação se inicie por movimentos não relacionados à atividade verbal: morder, soprar, sugar. A partir daí, é feita uma seleção de elementos 281

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que permaneceram adequados às situações, por exemplo, soprar uma vela. A passagem de um movimento involuntário a outro, voluntário, facilitará a posterior indução ao movimento articulatório propriamente dito (diferenciação) e o trabalho com fonemas. A última etapa do trabalho prevê o treino de variações articulatórias segundo o contexto. Na afasia semântica, Luria constata dificuldade para captar a relação de significado em estruturas lógico-gramaticais da linguagem (“Mário empurrou Pedro, com a mão direita”), construções comparativas, plurissemia e preposições. A reabilitação parte de um trabalho extradiscursivo de análise espacial com ênfase na comparação. São realizadas cópias, a partir de modelos e práticas envolvendo conceitos: análise de orações através de pranchas temáticas e inter-relações virtuais entre objetos. Exemplo: Olhe para o desenho, diga em quantas partes está dividido, nomeie o objeto que se encontra acima, forme uma frase com acima, substitua por outra preposição com o mesmo significado (sobre), incorpore à sua oração o objeto abaixo, faça um desenho que combine com a oração, nomeie o objeto que está abaixo, forme uma oração com preposição e anote, faça um desenho que combine com a oração.

PROPOSTA LINGÜÍSTICA A proposta lingüística ocupa-se primordialmente de aspectos sintáticos e suas alterações, o agramatismo, dissociações no acesso a verbos e substantivos. Vários estudos atuais têm buscado respostas para o entendimento dos processos de compreensão e produção da sintaxe (Grodzinsky, 1993; Mauner et al., 1993; Shapiro, 1997; Sproat, 1986). Chomsky e Fillmore foram os pioneiros nessa área. Chomsky reconhece competências psicológicas inatas para a gramática (Chomsky, 1981, apud 282

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Thompson, 1994). Fillmore (1986, apud Thompson, 1994) enfatiza as propriedades lexicais dos verbos, o centro da construção dos significados. A representação de verbos no dicionário mental compreende papéis temáticos que cada verbo idiossincraticamente seleciona. Por exemplo, o verbo jogar exige objeto direto; o verbo colocar exige complemento de lugar. Outras propostas de terapia que enfatizam o acesso a verbos e aspectos morfológicos, e a melhora da produção de sentenças também têm forte apoio em teorias lingüísticas, como o programa de Loverso et al. (1988) para induzir o acesso a verbos, e o de Thompson (1993) para a terapia de sentenças interrogativas.

TERAPIA MELÓDICA A terapia melódica também se ocupa de um aspecto específico da afasia, a produção da linguagem, não sendo recomendada para pacientes cujos distúrbios de compreensão necessitem ser abordados. A terapia melódica pode ser utilizada para reabilitação de apraxias de fala. É um programa “fechado”, de diversos níveis organizados hierarquicamente, pontuados visando obter escores para a progressão. O primeiro nível inicia-se com batidas rítmicas e murmúrio de melodia realizados pelo terapeuta e, posteriormente, em conjunto com o afásico, com progressiva diminuição da participação daquele. No segundo nível introduz-se a entoação de uma sentença acompanhando a melodia e batidas de mão (passo 1), incentivandose a independência do afásico nos passo 2 e 3. No passo 4, introduz-se a forma de diálogo com o terapeuta entoando questões: “O que você disse?” e provocando a resposta do paciente. No terceiro nível, o afásico adquiriu a habilidade de repetir as sentenças entoadas, imediatamente após ouvir o modelo, e então 283

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responder à questão. Nesse nível introduz-se a latência (passo 1), sendo o paciente estimulado a administrar a resposta. Progressivamente, passa-se da voz quase cantada, o que acontece no último passo (passo 3), para a falada. No quarto nível, além da latência, a voz “quase cantada” é inicialmente estimulada, retiram-se as batidas de mão e, em seguida, a voz falada é introduzida. Neste nível o diálogo é provocado com perguntas abertas que demandem a organização do plano do conteúdo. A pontuação para a progressão deve ser de 90% de acerto em cada nível. Respostas corretas recebem dois pontos. É permitida a repetição e o fornecimento de pistas, atribuindo-se nesses casos um ponto. Nos últimos níveis, são atribuídos três pontos para uma ou mais respostas a questões de conteúdo associado. As sentenças utilizadas são inicialmente simples e funcionais, relacionadas ao cotidiano do paciente (meio-dia, hora de almoçar, prato de sopa, por exemplo). É interessante que se busque a melodia que mais se aproxima da voz falada, ao introduzir a curva melódica. Para facilitar a produção os autores representam visualmente a relação entre a altura do segmento musical e as sílabas, como no desenho abaixo:

Figura 1 – Esquema visual representando a curva melódica na fala

Por outro lado, não recomendam a utilização de figuras que representem o conceito, pois acreditam que a atenção deve 284

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se focalizar nos aspectos específicos da proposta. Sparks et al. (1994) acreditam que o programa da terapia melódica se esgota no momento em que o paciente melhora a fluência, e é capaz de produzir frases agramáticas. Van Eckout (1984) sugere que as frases agramáticas podem ser trabalhadas pelo método, usando-se como estratégia adicional a acentuação dos elementos gramaticais, que pode ser dada pelo destaque da altura e da intensidade.

PRAGMÁTICA A teoria que fundamenta a linha terapêutica pragmática surgiu de estudos do filósofo Austin, que criou a teoria dos atos de fala (Austin, 1962). A pragmática é uma área de estudos de várias disciplinas: sociologia, antropologia, filosofia, lingüística. A interação entre a linguagem e os contextos específicos em que ela ocorre é o objeto de estudo da pragmática. Os estudos da área de pragmática incluem: contextos lingüísticos (sintático e semântico), extralingüísticos (gestos, atitudes) e paralingüísticos (prosódia). O propósito da comunicação é “modulado” por esses contextos. A reabilitação na linha pragmática tem por objetivo melhorar o “funcionamento” da linguagem. O tratamento enfatiza o contexto em que ocorre a interação, o contexto lingüístico (diálogo) e os papéis desempenhados pelos interlocutores no diálogo. O fonoaudiólogo gerencia estes três aspectos durante todo o processo terapêutico. A preocupação com aspectos funcionais é antiga, embora não tenha sido admitida no âmbito da pragmática. A leitura dos textos sobre reabilitação de Schuell (1976), por exemplo, mostra o valor atribuído à “generalização” e à transferência do aprendizado para a vida cotidiana, em situações funcionais, embora não se discuta exatamente como alcançar tais objetivos na própria terapia. A avaliação e tratamento na orientação pragmática têm se preocupado em verificar e desenvolver a produção e compreensão 285

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de palavras e sentenças em ambientes naturais, dirigindo-se a conteúdos significativos de contextos horizontais (relacionados ao presente) e verticais (relacionados à biografia do indivíduo). A prática de regras de conversação e a melhora de habilidades não verbais são igualmente relevantes. A pragmática preocupa-se prioritariamente com a inserção social do indivíduo e, portanto, seu ajuste a ambientes variados, os quais comportam larga variedade de “problemas de comunicação” relacionados à multiplicidade de estruturas de discurso, emoções, intenções comunicativas, interlocutores variados com diferentes graus de intimidade e afinidades. Os avanços em nosso conhecimento sobre o uso da linguagem influenciaram a maneira de conduzir a terapia (determinação de objetivos, procedimentos, controle de estímulos, etc.). A observação das habilidades e dificuldades de afásicos na esfera pragmática, por outro lado, permitiu verificar que a maioria dos déficits neste âmbito está relacionada às desordens lingüísticas, e não propriamente à comunicação. Estas podem estar relacionadas ao fato de existirem situações muito variadas de comunicação na vida diária, com alto grau de “novidade”, em alguns momentos demandando alto grau de precisão e especificidade na transmissão da informação. Erros e desvios são freqüentes na comunicação natural entre pessoas sadias e não impedem a comunicação. O importante é que o afásico aprenda a lidar com esses desvios de forma que garanta o sucesso da comunicação. Na orientação terapêutica pragmática, busca-se reconhecer as habilidades preservadas do paciente, assim como seus déficits, para utilização de compensações em todos os tipos de contextos. Não se desconsidera o tratamento lingüístico, mas procura-se redimensioná-lo, de acordo com a situação comunicativa. Nas atividades de compreensão, o terapeuta conduzirá a compreensão de palavras em contexto, variando as situações de uso, modulando a familiaridade em relação ao tópico, saliência, redundância e previsibilidade da informação, bem como solicitando 286

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inferências. Nas atividades de produção, verificará o equilíbrio entre demandas discursivas e habilidades lingüísticas e comunicativas. Isto pode ser obtido pelo controle do contexto, da familiaridade entre os interlocutores (conhecimento partilhado) e em relação aos tópicos, e a ênfase somente nos componentes essenciais do discurso ou, pelo contrário, nas habilidades lingüísticas. Desta maneira, um tratamento de aspectos lexicais, por exemplo, ganha a dimensão do contexto: a seleção de termos em acordo com a situação; a seleção e emprego dos itens gramaticais em acordo com a indicação de informação nova ou antiga ou o estabelecimento de referências a elementos já citados no texto, entre outros aspectos. A situação de comunicação será mais próxima do natural “convencional” na medida em que o paciente puder dominar habilidades lingüísticas. Por outro lado, a descoberta de canais adicionais de comunicação permitirá explorá-los ampliando suas possibilidades e seu uso. A meta-análise da situação comunicativa, através de audiocassetes e vídeos, permitirá a identificação das “falhas” lingüísticas e pragmáticas, a observação do comportamento de pacientes e interlocutores em relação a essas falhas e os aspectos positivos, preservados, nos quais eles se apóiam. Em resumo, o tratamento em linha pragmática manipula contextos ou cria interações que são típicas da conversação natural.

A INCORPORAÇÃO DE SITUAÇÕES NATURAIS AO TRATAMENTO DE AFÁSICOS

Em 1985, Davis e Wilcox publicaram a técnica conhecida como PACE (Promoting Aphasics’ Communicative Effectiveness), que incorpora princípios da estrutura da conversação ao tratamento de afásicos. São eles:

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a) O paciente e o terapeuta participam igualmente como emissores e receptores da informação. Como emissor, o fonoaudiólogo tem a oportunidade de interferir para favorecer comportamentos adequados e usar modos de comunicação que possam ajudar o paciente a ser bemsucedido. b) Existe troca de informações novas entre o paciente e o terapeuta. Isso capacita o paciente a experimentar falhas de comunicação e praticar estratégias para superá-las. c) O emissor pode escolher livremente o modo de comunicação usado para enviar informação. O fonoaudiólogo não dirige o paciente para utilizar determinada estratégia. d) O receptor provê retroalimentação para a mensagem, de acordo com a veiculação do significado. O sucesso do paciente é parcialmente dependente da habilidade do clínico para entender a mensagem. O uso do PACE no tratamento da afasia foi, principalmente, a atividade de descrição de figuras entre o paciente e o fonoaudiólogo. Outros usos sugeridos: descrição de eventos, complementação de estórias, etc. O PACE pode ser aplicado a todos os tipos de afásicos, pois todos eles podem comunicar, ao menos aspectos básicos da mensagem. Ajustes das atividades para a aplicação do PACE podem ser feitos, levando-se em conta os aspectos abaixo elencados (Davis e Wilcox, op. cit.): a) Estímulos conversacionais: tópico (ocupação, família); modo de representação simbólica (fotografias, gravuras, escrita); tipo de mensagem representada (abstrata ou concreta). b) Critérios de emissão e recepção da mensagem: um conceito (nome próprio ou de objetos); múltiplos conceitos (ator + ação + objeto ou múltiplas sentenças). c) Canais de comunicação: fala; gesto (apontar para figuras, 288

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letras, palavras e objetos); comunicação alternativa; escrita; desenhos. d) Ajustes clínicos: seleção de canais; complexidade comunicativa e lingüística. Uma escala proposta pelos autores acima citados permite quantificar a veiculação da mensagem, pontuando o papel de emissor (E) e receptor (R) separadamente: 5 Mensagem veiculada na primeira tentativa. A primeira tentativa não foi totalmente entendida. O terapeuta necessita 4 fornecer retroalimentação geral. Por exemplo, quando o fonoaudiólogo repete a tentativa do paciente, com entoação de pergunta. Há necessidade de retroalimentação específica. O terapeuta assume o papel de receptor bastante ativo e determinante na veiculação da mensagem: propõe hipóteses sobre a mensagem (tópico, relações semânticas), sugere 3 outro canal (escreva-me). De acordo com o objetivo da terapia, esse escore pode ser subdividido em vários subníveis, de forma a se sensibilizar o grau de precisão sobre o alvo. 2

O paciente é auxiliado por retroalimentação geral e específica e, mesmo assim, somente parte da mensagem é veiculada.

1

A mensagem não é veiculada, apesar dos esforços do terapeuta, fornecendo retroalimentação geral e específica.

0 O paciente não tenta transmitir a mensagem. I

Interação impossível de ser pontuada, pois foram violados os princípios do PACE.

EXEMPLOS DE PROCEDIMENTOS TERAPÊUTICOS: 1) Dramatização e roteiros a) o paciente tem a oportunidade de vivenciar a comunicação de contextos da vida diária, no ambiente clínico; 289

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b) o fonoaudiólogo pode auxiliar o paciente a desenvolver e empregar estratégias para serem utilizadas fora do ambiente terapêutico; c) a dramatização tem como foco a função comunicativa da linguagem; d) pode lidar com situações específicas dependendo do objetivo eleito. Numa atividade de dramatização, o fonoaudiólogo e o paciente podem discutir os roteiros da situação, incluindo os aspectos específicos da atividade, como tipos de respostas e formas de comportamentos, de acordo com o objetivo da terapia. Sempre que possível, a sessão deveria ser gravada em vídeo ou audiocassete, para que se possa rever e avaliar a interação comunicativa, tanto na perspectiva do paciente quanto do fonoaudiólogo, identificando-se aspectos positivos e negativos, a adequação das mensagens veiculadas e o grau de sucesso da comunicação.

2) Situações simuladas Estas podem envolver: a) Atividades com barreiras que incorporam princípios do PACE Consiste na introdução de um anteparo entre os interlocutores, de tal forma que se minimize ou anule o contexto visual “partilhado”. Na ilustração abaixo, o indivíduo A tenta descrever uma situação para o indivíduo B sem dispor do contexto imediato, ou seja, todas as informações deverão ser verbalizadas, pois o anteparo impede a visualização dos objetos que A tem diante de si.

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Figura 2 – A presença do anteparo entre os indivíduos impede compartilhamento da informação visual.

Esta atividade pode ser proposta para a melhoria de narrativas, ou mesmo para tarefas específicas de nomeação, definição, explicitação, argumentação, descrição, entre outras. O princípio da “novidade” da informação é mantido, pois o receptor desconhece o alvo escolhido. b) Tratamento tradicional + atividades de conversação: enquanto se estimula naturalmente a ocorrência de variáveis extralingüísticas como ruído de fundo ou outra pessoa no ambiente. c) Atos de fala específicos podem ser induzidos em pranchas que envolvam situações problema, como, por exemplo, uma criança prestes a se envolver em um acidente, ou alguém transgredindo uma placa de proibição. d) Variação de interlocutores podem ser propostas para que se exercitem diferentes registros. “Personagens”, como o policial, a autoridade, a senhora boazinha, o senhor ranzinza, podem induzir diferentes formas de construção da mensagem. e) Tópicos a serem introduzidos e mantidos podem ser facilitados por lista de indutores a partir de um desencadeante, como “você vai conversar com alguém que não o conhece para pedir uma explicação” (seqüência = apresentar-se, 291

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usar formas de polidez para fazer um pedido, dizer o que necessita, agradecer, despedir-se). f) Estratégias de conversação: envolvem pistas para melhor compreender mensagens ou transmiti-las. Podem ser verbais ou não-verbais, variando desde o uso de paráfrases até falar mais lentamente. A discussão de compensações pela observação de vídeo deve ser programada, com “pausas” e análise de seções, de acordo com turnos, tópicos ou proposições.A partir daí, são introduzidos contextos que solicitam o uso das estratégias discutidas. g) O treino de conversação é utilizado para a transferência de estratégias: o paciente é solicitado a produzir um pequeno monólogo ou roteiro preparado pelo terapeuta. Esse roteiro deve conter alguma dificuldade, de tal forma que o paciente deva empregar algumas das estratégias treinadas. Após treino, o paciente é encorajado a utilizar o conteúdo em situações naturais, enquanto é assistido pelo terapeuta. As sessões são registradas em vídeo. Essa mesma atividade pode ser utilizada variando-se os interlocutores e os roteiros, para que se introduzam elementos complicadores a serem trabalhados. h) Treino do parceiro de comunicação: o interlocutor deve receber todas as informações relativas à veiculação da mensagem; além disso, deve estar consciente dos efeitos de seu comportamento produtivo ou não, das situações que podem ser modificadas, e como alcançar a melhora. Somente a prática das mesmas situações realizadas com o paciente e interlocutor surtirá mudanças de atitude. É importante salientar que todos os tipos de afásicos podem se beneficiar do PACE. Na terapia da afasia de Wernicke, por exemplo, utilizam-se situações naturais que delimitem o turno, tomando por base o princípio da alternância de oportunidades 292

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entre os interlocutores (como num jogo de cartas). Além disso, a indução a turnos “não extensos” favorecerá a automonitoração da produção. Na afasia de Broca, o contexto visual apresentado em paralelo pode auxiliar a compreensão de papéis temáticos: ator e receptor da ação. A exposição prévia ao contexto lingüístico facilitará a análise e mapeamento desses papéis. Por outro lado, na produção da linguagem, a técnica do PACE em que se controla o conhecimento partilhado, pela colocação de anteparo entre os dois participantes, incentivará a exposição de detalhes e particularidades de informações. Mesmo um afásico grave, com afasia global, pode se beneficiar da terapia em linha pragmática. Nesse caso, a utilização de canais alternativos de comunicação e a indução a gestos podem se constituir as bases da interação. Davis (op. cit.) cita um caso em que o PACE foi aplicado na forma da técnica do anteparo numa tarefa de compreensão, baseada em descrição e posteriormente produção lexical. Inicialmente, o paciente apontava os alvos, posteriormente gesticulava, chegando a alcançar a produção de palavras isoladas combinadas com pistas gestuais na comunicação.

TERAPIA EM LINHA CONGNITIVISTA E NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA

A Neuropsicologia Cognitiva fundamenta-se na teoria do processamento da informação, que influenciou os estudos na área da Psicologia Cognitiva. A Psicologia Cognitivista preocupa-se não só com a linguagem, mas também com sua relação com a percepção, memória, resolução de problemas e ainda o substrato neural que dá suporte a essas funções. Outros temas constantes em debates nessa área são: a relação entre consciência e cognição, e entre emoção e cognição. A Psicologia Cognitiva progressivamente viu-se 293

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envolvida em questões de diagnóstico e reabilitação de distúrbios cognitivos, entre eles a linguagem. Dois conceitos são básicos para a Psicologia Cognitiva: representação e processo. Representações dizem respeito à “estrutura” e “formato” de conteúdos transitórios ou estáveis, de diferentes naturezas (o significado de uma palavra, um problema a ser resolvido, por exemplo). Freqüentemente nos deparamos com o termo “arquitetura cognitiva” para designar esse tipo de organização, a qual é geralmente explicitada na forma de modelos. Processos dizem respeito às hipóteses criadas sobre o funcionamento de estruturas mentais. Os estudiosos propuseram uma variedade deles: estratégias, operações, planos, objetivos, ações, entre outros, e dimensionaram ainda aspectos como o grau de esforço envolvido, automatismo, prática necessária para sua realização e a ação conjunta, global ou específica. Os modelos forneceram bases para a análise de pacientes que apresentam padrões seletivos de impedimentos na realização de tarefas. O estudo de dissociações entre pacientes reforça a estrutura modular de processamento da informação, subjacente às tarefas particulares, proposta pela Neuropsicologia Cognitiva. Evidencia ainda fatores não modulares que operam para regular os sistemas de processamento. Exemplos de fatores não modulares poderiam ser o ritmo de aprendizagem ou consolidação e o nível de alerta. Esses estudos auxiliam a reflexão sobre aspectos teóricos relacionados à confecção dos modelos de processamento. Impedimentos nos fatores não modulares poderiam influenciar muitos subsistemas modulares e também influenciar diretamente a reabilitação. Os interesses na esfera de diagnóstico e terapia com base em modelos da Psicologia Cognitiva caracterizaram os estudos na área da Neuropsicologia Cognitiva; esta tem sido útil para determinar o locus de deficiência e, além disso, para construir uma teoria para entendê-lo. Os testes construídos a partir de análises dos pacientes prestam-se ao delineamento da terapia. 294

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Neuropsicologia Cognitiva e reabilitação A teoria cognitivista não foi inicialmente concebida para a reabilitação. Sendo assim, algumas características da abordagem da Neuropsicologia Cognitiva estão mais próximas à reabilitação do que outras. A ênfase em testes para ajudar a guiar a interpretação de déficits de determinado paciente e a possibilidade de atualização, à medida que a pesquisa progride, são diretamente relevantes para o estudo da terapia. A contribuição teórica para a reabilitação vem ocorrendo, ainda, ao se tornarem mais claras as interações entre processos modulares e não modulares nos modelos, possibilitando entender efeitos de terapia que não podem operar em módulos específicos (Riddoch, e Humphreys, 1994).

Diagnóstico e determinação de terapia Na linha cognitivista pode-se determinar, a partir do diagnóstico, o tipo de terapia com a indução ao uso de uma rota preservada do modelo (Coltheart et al., 1994). É o caso da reabilitação da atividade de transferir grafema para fonema, num caso em que a leitura não lexical estava impedida, na dislexia profunda. O tratamento utilizou a leitura de não-palavras, já que o acesso ao menos parcial ao conhecimento semântico (que ocorre na leitura de palavras), provavelmente induziria à leitura global, impedindo as tentativas de estabelecimento da correspondência entre grafema e fonema. A terapia pode ser conduzida com um sentido de recuperação ou reorganização. Na recuperação busca-se tratar “o problema”, o déficit funcional. Há expectativa de restabelecimento da função nas mesmas bases existentes antes da lesão. Na reorganização buscase oferecer via alternativa que leve à realização da função. A linha cognitivista tem sido freqüentemente indicada para 295

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a resolução de determinadas desordens nos quadros afásicos: nomeação, problemas de leitura e escrita. Na nomeação, a referência ao modelo clássico derivado da proposta de Ellis e Young (1988) permite a identificação dos problemas relacionados aos diferentes estágios de processamento.

Déficits de nomeação e seu tratamento na linha cognitivista O modelo de processamento lexical (mostrado abaixo) pode auxiliar o entendimento da complexa atividade de nomear um objeto. As funções de cada módulo exibido acima estão na coluna da direita. O defeito na atividade do módulo levará à perda dessa função.

Figura 3 – Modelo de processamento lexical

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Os afásicos de Broca geralmente apresentam comprometimento na saída lexical para a fala, podendo ocorrer erros também no nível do fonema e na passagem para a emissão sonora. Essa dificuldade tem sido considerada no âmbito do “acesso lexical”. Em geral os erros desses pacientes são inconsistentes e não apresentam efeitos de categoria específica. Afásicos globais podem apresentar falhas no conhecimento semântico, uma “deterioração” das representações do significado. O tratamento das dificuldades lexicais tem sido exposto na literatura, buscando-se especificidade de abordagem para os diferentes tipos de déficit subjacente, no sentido de se alcançar eficácia. Os procedimentos variam com base na apresentação ou não de pistas e facilitadores, o uso do contexto e a modalidade de facilitação. Howard (1985) reconheceu duas modalidades básicas de tratamento: em bases semânticas e fonológicas. O tratamento em bases semânticas previa tarefas do tipo apontar figuras (num grupo que incluía outras relacionadas semanticamente), emparelhar palavras escritas com figuras relacionadas semanticamente e responder a questões do tipo sim/não, envolvendo julgamento semântico de supra-ordenação. O tratamento em bases fonológicas envolvia repetição de palavras, fornecimento de pistas fonêmicas e apresentação de pares rimados /não rimados para reconhecimento. Os pacientes tratados por esses métodos obtiveram melhora, sendo mais intenso o efeito do tratamento realizado em bases semânticas, embora os resultados não tenham sido duradouros. Thompson et al. (1992) trataram afásicos pelo método fonológico. Essa autora teve como objetivo estimular de modo mais específico tarefas que se apoiavam em habilidades comuns. Verificou algum grau de generalização mesmo em itens não tratados especificamente além de observar igual benefício em tarefas que se apoiavam em habilidades fonológicas, como nomeação por confrontação e leitura. Um estudo interessante conduzido por Basso et al. (2001) 297

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teve por objetivo testar três técnicas freqüentemente empregadas em terapia de anomia, em casos de dificuldade de acesso lexical: repetição, leitura em voz alta e pista ortográfica. A autora compara o aprendizado de palavras inventadas em indivíduos normais e pacientes. Os resultados obtidos mostraram o efeito mais intenso da pista ortográfica em relação aos outros dois métodos. A autora conclui que o esforço e o grau de automatismo envolvidos na recuperação das palavras, quando era fornecida somente a pista ortográfica, eram maiores, e contribuíram para um treino ativo de geração da resposta correta. Métodos que exploram modalidades de estimulação combinadas, favorecendo saídas verbais e gestuais têm sido expostos na literatura. De forma consistente, os autores concluem que o tratamento de modalidades de saída isoladas (gestos ou atividade verbal) é sempre inferior ao tratamento intermodal, no qual se combinam as formas de expressão. Le Dorze (1994) discute os resultados de Howard, acima apresentados, argumentando que na estimulação semântica sempre é apresentada “embutida” a forma fonológica ou escrita da figura-alvo, ou seja, pistas formais e semânticas combinadas. A partir de estudo de sujeito afásico, em que a autora compara o efeito dessas pistas combinadas com uma situação em que somente a compreensão do item é estimulada (técnica puramente semântica), conclui que inclusão das pistas combinadas é crítica para o efeito de facilitação. O tratamento em bases semânticas é mais raro na literatura. Jacobs e Thompson, em 1992 (apud Thompson, 1994), apresentaram os resultados de seu estudo no qual propõem o tratamento segundo as seguintes diretrizes: foram selecionadas cinco categorias, com sete objetos cada uma, sendo desenvolvidas pistas semânticas genéricas (supra-ordenação) e específicas (função) para cada item. A compreensão dos itens em relação a distratores não relacionados, relacionados semanticamente, e a possibilidade de seleção na mesma categoria foram desenvolvidos. Os resultados desse tratamento foram mínimos. 298

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Outros estudos recentes tomam por base modelos conexionistas, que supõem a ativação de seus componentes em rede, entre a representação conceitual e a forma fonológica, como no clássico modelo apresentado abaixo (Dell et al., 1997).

Figura 4 - Adaptação do modelo de Dell para o processamento em rede

Saito e Takeda (2001) examinaram pistas semânticas e seu efeito na recuperação e na produção de palavras em pacientes afásicos, em situação de nomeação por confrontação. Quatro tipos de pistas foram utilizados: pistas fonológicas (fonema inicial), relacionadas semanticamente (não pertencentes à mesma categoria, por exemplo: Egito e pirâmide), membros da mesma categoria (banana, maçã), condição de base (sem pistas, havendo somente o incentivo do examinador). Tanto as pistas fonológicas quanto semanticamente relacionadas provocaram melhora na performance. Por outro lado, um membro da mesma categoria oferecido como pista não levou à melhora de respostas. A partir desses resultados, os autores defendem a idéia de que um modelo de ativação interativa poderia explicar a produção de palavras. Palavras da mesma categoria partilham traços semânticos já ativados pela figura, enquanto termos somente relacionados fornecem informação adicional através de conexões com o nó lexical “alvo” quando são apresentadas como pistas. 299

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Déficits de leitura e seu tratamento na linha cognitivista A avaliação constitui etapa importante na determinação da terapia e tem por objetivo verificar: • a integridade das vias translexical (assemântica e semântica) e perilexical; • a interferência de características dos estímulos; • a integridade de memórias específicas. COMPONENTES DO PROCESSAMENTO

APLICAÇÕES CLÍNICAS

Palavras irregulares na leitura e na escrita, compostas dos grafemas X, E, O. Palavras estrangeiras de alta freqüência (diet, coke)

Leitura translexical global

Verificar erros de regularização Comparar com os erros da escrita, que favorece a observação das alterações nessa via, no português.

Palavras irregulares para a escrita

Comparação entre modalidades de leitura e escrita sob ditado

Avaliação de disgrafias puras, disgrafias de superfície, dislexias e disgrafias concomitantes, porém com mecanismos diversos.

Não palavras fonologicamente legítimas

Leitura perilexical

Comparar o desempenho de palavras e não palavras.

ESTÍMULOS

Palavras de classe fechada

Transmite informação sobre a capacidade de relacionar o Via translexical assemântica léxico logográfico e logofônico sem o saber semântico.

Infinitivos e verbos irregulares

Via translexical assemântica

Verificar paralexias morfológicas e associação entre dislexia e agramatismo

Letras isoladas (alofônicas e não alofônicas)

Via literal – alofônicas Via perilexical – não alofônicas

Verificar o emparelhamento literal e sua relação com os registros fonoliteral e alfabético de entrada

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O quadro da página anterior apresenta os procedimentos para verificar a integridade de vias e a forma de induzir os processamentos específicos com estímulos selecionados (Parente et al., 1997). O exame das vias de processamento pode ser complementado pela análise da interferência, do tipo de estímulo (efeito de extensão, freqüência, regularidade, imageabilidade) e a verificação das memórias envolvidas nas diferentes vias de leitura. A partir da avaliação, são selecionados os estímulos de forma que proporcionem ao paciente a exposição à situação problema. Nesses casos os modelos cognitivos têm o papel de guiar a terapia: remediar uma rota particular de processamento, por exemplo.

PROGRAMAS COMPUTADORIZADOS E RECURSOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

Estas propostas baseiam-se no reconhecimento de que os afásicos mantêm capacidades cognitivas que permitem aprender o manejo de recursos alternativos. Justifica-se sua indicação para suplementar o tratamento com base nos argumentos de rapidez, precisão e eficácia em relação às situações de aprendizagem. Os computadores têm sido utilizados tanto para a avaliação quanto para terapia de comunicação. Alguns programas permitem que o paciente tenha um “ambiente” estruturado, o que garante maior independência na realização de atividades de linguagem, com maior controle sobre características dos estímulos, modo de apresentação e possibilidade de registro de respostas. Os programas variam em relação ao seu conteúdo, complexidade e objetivos, envolvendo desde tarefas repetitivas até situações interativas relacionadas a aspectos globais da comunicação. 301

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Métodos alternativos não computadorizados envolvem a representação pictórica de conceitos (substantivos, ações, adjetivos) do léxico e da gramática, como é caso do Picture Communication Symbols (PCS) (Johnson, 1985) e do Picture Communication Resources (Kagan et al., 1996). São interessantes recursos para auxiliar não só a expressão da linguagem, mas servem ainda como passo intermediário na construção dos gestos e favorecem a representação de construções frasais. Um ponto crucial para o sucesso desses métodos é a participação dos interlocutores significativos para assumir seu papel na comunicação, segundo os padrões alternativos.

Outros componentes envolvidos na terapia da afasia A definição de linguagem apresentada no capítulo I deste livro nos mostra pré-requisitos para seu desenvolvimento, a partir de múltiplos componentes biológicos, emocionais e sociais. Assim sendo, na reabilitação da afasia, foram propostos alguns métodos que abordam perspectivas psicossociais, entre elas a aplicação de técnicas psicoterapêuticas, orientações ao ambiente quanto a percepções e ajustamento à situação da afasia, e terapia em grupo. A par da terapia fonoaudiológica, que cria a percepção de “continência” e suporte, a aplicação de técnicas psicoterapêuticas obviamente envolve profissional especializado da área atuando com o fonoaudiólogo, e tem por objetivo o desenvolvimento da identidade, a reconquista da individualidade, assim como o trabalho com as reações à perda de identidade (Brumfitt e Clarke, 1989). A orientação ao ambiente quanto a percepções e ajustes à situação da afasia vem sendo explorada recentemente. A aplicação de escalas envolvendo comportamento social irá fornecer indicadores para a terapia, chamando a atenção para a família ou outros que estejam significativamente afetados. Outro valor das escalas de percepção é a monitoração do terapeuta e dos outros 302

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membros envolvidos em relação às próprias percepções (Muller e Code, 1989). No atendimento de afásicos, o grupo pode assumir diversas direções: a de suporte social, ambiente de integração, lócus para a prática de programas estruturados de linguagem e eliciador de aprendizagem. A escolha preferencial de terapia, individual ou em grupo, ainda tem pouco suporte na literatura. Embora se vislumbre as possibilidades de exploração e vantagens do grupo como elemento terapêutico (Fawcus, 1989), a modalidade individual tem sido apontada como mais vantajosa para a aquisição de determinadas habilidades de linguagem (Wertz et al., 1981). Examinando os métodos propostos constatamos que embora as propostas de reabilitação tenham sido ensaiadas no início da Neuropsicologia, somente nos últimos 20 anos ganharam a estatura de métodos replicáveis e nos quais se pode buscar evidências de eficácia. A ausência de resultados convincentes sobre a eficácia de reabilitação permitiu que por muitos anos se desacreditasse do trabalho terapêutico (Lincoln, 1984).

ESTUDOS SOBRE A EFICÁCIA DO TRATAMENTO PARA AFASIA A questão óbvia a ser levantada é: o tratamento para afasia resulta em melhora da linguagem? Dois estudos (Lincoln et al. 1984; Wertz et al., 1986) com grandes amostras (201 e 121 sujeitos, respectivamente), e um (Vignolo, 1964) considerando amostra de tamanho médio (68 sujeitos) compararam indivíduos tratados e não tratados. No primeiro estudo não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos. Porém, este estudo não considerou os componentes específicos de linguagem que haviam sido tratados, e não detalhou os métodos empregados. Por outro lado, o grupo de Wertz (op. cit.), que levou em conta variáveis dos sujeitos e dos métodos, encontrou 303

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diferenças significativas favorecendo o grupo tratado, quando comparou o tratamento tradicional, o tratamento realizado por voluntários em moldes não tradicionais e pacientes não tratados. A melhora predominou no grupo tratado, mas não havia diferenças do tratamento realizado por voluntários e profissionais. A comparação entre métodos realizada por Hartman e Landau (1987), Shewan e Kertesz (1984) e Wertz (1981) mostrou que tanto pacientes tratados por métodos tradicionais quanto aqueles que receberam orientações e aconselhamento apresentaram melhora. Em relação à condução da terapia, Shewan e Kertesz notaram diferenças significativas quando era realizada por terapeutas profissionais. Em relação ao tratamento individual e em grupo, as diferenças no resultado são mínimas, favorecendo o tratamento individual. Um estudo sobre avaliação de programas realizado por De Reuyter e Stein e apresentado no texto de Holland et al. (1996), considerando número de pacientes que apresentaram melhoras numa amostra grande, evidenciou que, após terapia fonoaudiológica, a recepção da linguagem foi o aspecto mais favorecido, seguido da expressão da linguagem e produção de fala. Considerando porcentagens, os maiores ganhos foram na recepção da linguagem; em seguida, da produção de fala e expressão da linguagem oral. Em relação à linguagem escrita, nota-se maior porcentagem de melhora na leitura do que na escrita e, considerando-se o número de pacientes, maior número de pacientes com melhora na escrita do que na leitura. Os autores discutem a dificuldade de se estabelecer critérios de pontuação e discutem medidas de observação funcional da linguagem. Em relação ao tratamento oferecido precoce ou mais tardiamente, os estudos mostram que existe benefício no primeiro caso (Basso, 1979; Butfield e Zangwill, 1975 e Poeck, 1989). Holland et al. (1996) enumeram aspectos importantes a serem respondidos, para que se possa indicar com precisão a terapia da afasia: 304

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Quem são os bons candidatos à terapia? Quando o tratamento é mais benéfico? Que tipo de tratamento é mais efetivo? Que outras influências podem se considerar no tratamento?

Algumas respostas às questões acima podem ser esboçadas. O critério de consideração do desajuste e desvantagem social do afásico deve ser considerado em relação a um modelo como o adotado pela CIDIH (Reséau International CIDIH, 1991). A eficácia e efetividade da terapia referem-se à adaptação social do indivíduo ao seu meio. Sobre o conceito de adaptação, o debate gira em torno de abordar aspectos gerais da linguagem e comunicação com apoio em capacidades remanescentes, ou buscar o tratamento específico para o déficit (Thompson, 2000; Kolk, 2000). Em resumo, devemos compensar ou remover o problema? Não temos respostas para essa questão, pois os partidários dos dois pontos de vista têm justificativas plausíveis. O bom senso indica que, em fase aguda, no caso de um paciente grave, devem ser abordados aspectos gerais da comunicação, numa linha pragmática que garanta o mínimo de compensação de habilidades funcionais para interação com o meio. Por outro lado, o caso de um paciente com déficit leve e específico talvez encontre resposta numa linha cognitivista. Em relação aos bons candidatos à terapia, cabe salientar que um diagnóstico preciso auxilia a indicação dos candidatos que melhor terão proveito da proposta terapêutica. Essa afirmação parece particularmente verdadeira quando se lida com a expressão da linguagem oral. Os estudos citados acima mostram que a compreensão da linguagem evolui (ao menos em seus aspectos funcionais) mesmo quando estimulada por métodos inespecíficos. A expressão da linguagem e a produção da fala por outro lado, parecem necessitar de abordagens mais direcionadas e específicas. 305

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Alguns métodos terapêuticos indicam com clareza os pacientes que podem se beneficiar da intervenção: é o caso da terapia melódica. Outros, pela sua própria proposta específica, apontam para o tratamento de determinado aspecto diagnosticado, como o agramatismo. Outra discussão importante é sobre o modelo de aprendizagem envolvido na proposta terapêutica. Essa reflexão nos força a ir além da pergunta “O que queremos ensinar” para outras questões: “Como vamos ensinar?”, “Como vamos induzir a recuperação da informação?”, “Quais as circunstâncias a serem criadas para propiciar a aprendizagem?”. Sabemos, por exemplo, que a codificação, armazenamento e recuperação de conteúdos da linguagem estão vinculados a sistemas de memória com natureza específica e que devem ser considerados na situação terapêutica. A codificação de informações sobre regras fonológicas e sintáticas produzidas em situação de leitura em voz alta e produção de fala em rezas, por exemplo, está vinculada ao sistema implícito de memória, enquanto os conteúdos semânticos estão organizados em memória semântica e episódica (Karni, 1994). A terapia de afasia envolve múltiplos aspectos. A busca da especificidade no conhecimento das variáveis envolvendo o sujeito e a terapia tem sido a meta para que possamos entender a interação desses fatores, em modelos multifatoriais, tornando claros os efeitos da intervenção.

1 - A Academia Americana de Neurologia considera os seguintes critérios para evidenciar eficácia: Classe I - Evidência a partir de um ou mais estudos clínicos prospectivos, randomizados, controlados; Classe II - Evidência a partir de um ou mais estudos clínicos como estudos de caso, estudos de coorte e semelhantes; Classe III - Evidência a partir do julgamento de especialistas, controles não randomizados, retrospectivos ou um ou mais relatos de casos.

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CAPÍTULO XV

ATENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NAS DEMÊNCIAS

Conforme exposto no capítulo XII, os quadros demenciais diferem quanto à etiologia, prognóstico e apresentação. Em todos notamos alterações de linguagem e comunicação, sendo que em alguns deles existe maior número de estudos sobre o perfil de linguagem, como no caso da demência de Alzheimer. A abordagem do fonoaudiólogo deve levar em conta tanto as alterações de linguagem quanto de memória e outras funções cognitivas e ainda o caráter degenerativo ou não degenerativo do quadro. No caso das demências vasculares, diante da possibilidade de obtenção de condições clínicas estáveis, a condução do processo terapêutico é semelhante àquela das afasias. Nos quadros degenerativos, outras variáveis devem ser consideradas: • relacionadas ao indivíduo: acometimento senil ou présenil; • relacionadas à doença: interdependência entre a linguagem e outras funções cognitivas (atenção, memória, habilidades vísuo-espaciais); variáveis quantitativas e qualitativas (tipo, ritmo de degeneração das habilidades cognitivas); • sociais: o cuidador; a família. 311

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A demência de Alzheimer é a forma de degeneração mais freqüente e na qual as alterações de linguagem têm sido mais estudadas, motivo pelo qual a utilizaremos como modelo de atuação fonoaudiológica. A manifestação da doença de Alzheimer é mais freqüente na faixa senil. Quando se pensa em reabilitação de indivíduos idosos, em geral se privilegia sua adaptação social e afetiva, sendo menos freqüentemente notadas preocupações com déficits cognitivos específicos. Idosos normais trazem características de aprendizagem, como alterações da atenção e processamento de curta duração e perdas na capacidade de manipulação ativa do material a ser resgatado de memória (conforme foi apresentado no capítulo III) que podem determinar direções na “terapia”. Do ponto de vista cognitivo, sabe-se que, no padrão clássico da doença, a linguagem é uma das primeiras funções a se manifestar comprometida, sendo precedida por alterações de memória (principalmente memória episódica). No entanto, a ausência de padrões parece predominar, sendo bastante freqüente apresentação heterogênea de alterações cognitivas (Joanette et al., 1996). O custo e o impacto das demências, especialmente as degenerativas, na sociedade, é bastante alto, particularmente para aqueles indivíduos que assumem a assistência direta a esses pacientes – a família e os cuidadores. Nos últimos anos a relevância dada ao cuidador tem sido crescente, sendo inúmeros os trabalhos que deles se ocupam. Os ensaios no sentido de se minimizar ou reverter alterações cognitivas são recentes. O exame dessas propostas nos mostra a preocupação num âmbito denominado “reabilitação cognitiva”, podendo-se constatar que vários dos itens dizem respeito à linguagem e comunicação. A definição do papel do fonoaudiólogo na atuação junto às demências está diretamente relacionada à expectativa de mudanças no quadro. Clark e Witte (1995) conceituam efetividade (da “terapia”) segundo três visões: 1) melhora da comunicação, 2) manutenção de habilidades comunicativas, e 3) adaptações 312

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desencadeadas e mantidas por interlocutores. Estas adaptações podem ser medidas pelo número e qualidade de estratégias utilizadas (Frattali, 1995), pelo nível de frustração dos cuidadores nas tentativas de comunicação com o paciente, e ainda pelo desgaste e stress do cuidador. A obtenção de melhora pode parecer sem sentido num quadro degenerativo, mas é possível nas fases precoces de manifestação da doença. A manutenção de habilidades e adaptações de ambiente e cuidadores têm sido constantemente salientadas nas propostas para atendimento a pacientes com demência de Alzheimer. Por outro lado, melhora e adaptação são dois conceitos muito inter-relacionados; por exemplo: adaptações na linguagem, em relação ao déficit do tipo anômico podem levar à melhora na comunicação. A abordagem fonoaudiológica visa a garantir, na medida do possível, qualidade de vida ao indivíduo. Isso significa manter as funções da linguagem (Lubinski, 1997) que estão diretamente relacionadas à manutenção do senso de identidade, independência, autocuidado, equilíbrio emocional e lazer. A efetividade da abordagem é possível de ser alcançada se o fonoaudiólogo entender seu papel nos diferentes estágios do problema. Em termos gerais, o alvo é a obtenção de um ambiente equilibrado e estruturado que garanta suporte e vá ao encontro das necessidades do paciente, de seus interlocutores significativos e seu ambiente (Clark et al., 1995). A par dos medicamentos disponíveis, segundo indicação médica, as propostas de intervenção têm como objetivos as adaptações e “terapias” comportamentais (Van der Linden et al., 1991, Bourgeois, 1990).

Terapias comportamentais Embora o comprometimento de memória seja a base de muitas alterações de comunicação, cabe considerar que, em rela313

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ção à melhoria de seu funcionamento, os melhores resultados são aqueles que buscam otimizar condições de funcionamento da linguagem, motoras e vísuo-espaciais. Existem comprovadas vantagens desse tipo de proposta, em relação a um mero treino (Glisky, 1997). Ao se tratar da memória de longa duração cabe identificar os subsistemas declarativo (episódico e semântico) e implícito, e as condições de codificação e recuperação. 1. Análise de condições de codificação: Esta proposta tem por objetivo acentuar e fornecer pistas, para que os estímulos desencadeadores de atividades sejam percebidos como relevantes pelo paciente. Além de alterações no sentido de destacar propriedades, estabelecem-se relações com vistas a promover suportes e associações mnemônicas (Nebes et al. 1989). Outras propostas propõem o envolvimento ativo do paciente na seleção de dados para codificação (Dick, et al. 1988). Em tarefas de compreensão de sintaxe, os pacientes parecem se beneficiar quando o número de proposições é reduzido (Rochon et al., 2000). Em resumo, nas três situações, leva-se em conta a sensibilidade à carga semântica da informação, o envolvimento ativo do paciente e a quantidade de material a ser codificado. 2. Fatores de recuperação: As condições de recuperação interferem na performance dos pacientes com demência de Alzheimer. Os estudos vêm demonstrando de forma consistente a dissociação entre a capacidade de recuperação de forma implícita e explícita (Koivisto, et al., 1997), com vantagens na primeira situação. A comparação de escores obtidos em tarefas de reconhecimento e recuperação ativa da informação mostra o quanto os pacientes têm dificuldades nas últimas. Esta constatação é verdadeira tanto para dados de memória episódica quanto semântica: lembrança ativa versus reconhecimento de episódios (Spinnler e Della Sala, 1988) e capacidade de nomear versus capacidade de reconhecer itens lexicais (a partir de pistas) (Degenszajn, 2001). 314

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Estudos sobre estratégias mnemônicas, que utilizam habilidades residuais, podem auxiliar o aprendizado de informações específicas (Glisky, op. cit.; Thoene, 1995; Wilson, 1982), assim como a recuperação da informação em intervalos regulares (Glisky, op. cit.) e aprendizagem sem erro (Wilson, 1996) também podem fornecer pistas para a orientação de algumas atividades de comunicação. Wilson (1996 op. cit.) descreve algumas dessas técnicas ao lado de outras, como terapia de orientação para a realidade, terapia por reminiscência e adaptações ambientais. Benjamin (1995) propõe técnicas que considerou eficazes para a orientação de pacientes graves, que diferem da proposta de Wilson, pois levam o paciente a manter contato com o ambiente pela confirmação de seu estado emocional interno, mais do que provocando coerção para orientações externas. A comprovação da efetividade de práticas de reabilitação cognitiva e de comunicação nos pacientes com demência esbarra em razões éticas e metodológicas e, até o momento, não se pode provar de forma objetiva o efeito de propostas específicas. Quando se tenta melhorar as condições de comunicação de um paciente, aplica-se um conjunto de abordagens e, quando ocorre a melhora, é impossível saber suas razões exatas. A prática de tarefas de linguagem e comunicação em atividades envolvendo as memórias operacional, episódica e semântica, levando em conta princípios de auxílio por pistas, tempo de exposição a um determinado tópico de conversação, número de ensaios de correção e reformulação da linguagem, bem como a re-aprendizagem de algumas habilidades relacionadas à escrita, justifica-se na constatação dos estudos apresentados acima.

Modificações do ambiente de comunicação Para o fonoaudiólogo importa entender o ambiente num sentido amplo, além do ambiente físico, incluindo todo o contexto de comunicação. 315

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Lubinsky (1995) valoriza a premissa clássica de que, quanto mais acentuado o quadro demencial, mais dependente se torna o indivíduo de seu ambiente. Por outro lado, alinha-se aos autores que reconhecem que mudanças no ambiente alteram a quantidade e qualidade da comunicação, entendendo a importância do fornecimento de próteses auditivas (Lubinski, 1995; Palmer et al., 1999) e garantia do conforto e estímulo à interação pessoal, juntamente com o incentivo à comunicação com diferentes interlocutores, em situações “problema”. Em outras palavras, o ambiente pode estimular a participação em situações que provoquem a tomada de posição, como responder a uma pergunta, ou manifestar agrado / desagrado frente à constatação de mudanças no ambiente físico, rotinas, etc. A idéia geral é aumentar as oportunidades de comunicação e prover maior número de tópicos.

Mudanças no ambiente físico Lubinski (1995) considera 10 pontos que caracterizam o ambiente como adequado ou inadequado: 1. Insensibilidade para o valor da comunicação interpessoal. 2. Restrições à comunicação. 3. Ausência de interlocutores para conversar. 4. Falta de razões para conversar. 5. Autopercepção desfavorável, em relação à possibilidade de contribuir significativamente para o ambiente. 6. Falta de espaço físico que garanta privacidade e conforto. 7. Acesso aos ambientes limitado ou difícil. 8. Estímulos sensoriais confusos ou privação de estímulos. 9. Existência de muitas pessoas com problemas de comunicação no mesmo ambiente, o que o torna socialmente pouco estimulante. 316

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10. Falta de suporte para expectativas dos cuidadores, em relação à comunicação. O diagnóstico do ambiente permite elaborar objetivos para desenvolver adaptações em relação a aspectos físicos e em relação a habilidades e atitudes de cuidadores. Um estudo realizado por (Orange, 1995) mostra que as famílias percebem com grande clareza o que acontece com a linguagem dos portadores de Alzheimer e suas dificuldades nas situações do dia-a-dia: • Diminuem a iniciativa para a comunicação, não sabem o que falar quando, de forma inesperada, encontram alguém. • Diminuem o número de emissões: tornam-se mais quietos, taciturnos e menos falantes. • Têm dificuldade em formular pedidos, não conseguem transformar seus desejos em “linguagem”. • Repetem idéias e emissões, não são capazes de resolver suas idéias. Esquecem o que acabaram de falar e repetem inúmeras vezes a mesma coisa. • Falam do passado com maior freqüência. • Falam coisas impróprias. • São incoerentes. • Apresentam hesitações e pausas, diante de nomes e diante da dificuldade de dar continuidade à resolução de idéias. • Falam de maneira vaga, usam nomes genéricos do tipo: “gente”, “coisa”, “negócio”, sem especificações posteriores. • Têm dificuldades para encontrar palavras durante a conversa. Esta dificuldade diz respeito a nomes próprios, nomes de pessoas e também a objetos comuns da vida cotidiana. • Realizam emissões incompletas. Esquecem as idéias 317

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no meio do desenvolvimento. Em muitas situações, é possível se adivinhar o que o portador queria dizer; em outras, essas tentativas perdem o sentido comunicativo. Não chegam às idéias, realizando rodeios. Muitas vezes, perdem-se durante o desenvolvimento de um tema. Quando a dificuldade para resolver idéias manifesta-se sob a forma de rodeios, embora isso seja sinal de um problema, temos um aspecto positivo do qual se pode ainda tirar partido. Afinal, mesmo com rodeios é possível manter a comunicação. Têm dificuldade para formar sentenças. A formação de sentenças envolve um raciocínio lógico: de quem se fala? o que se fala? quais as conseqüências desse ato? Têm dificuldade para lidar com mudanças. Os roteiros e rotinas de vida estabelecidas servem de apoio para a linguagem e pensamento. Não entendem instruções simples. Necessitam que se repitam muitas vezes as mesmas idéias. Não é possível aqui estabelecer uma continuidade dos fatos e a experiência pouco modifica as idéias e a linguagem. Ouvem, mas “desligam”: perdem o sentido entre o que está sendo ouvido e as experiências reunidas sobre o assunto. Dão respostas que não estão relacionadas com o que foi perguntado. Interpretam erroneamente, ou de um ponto de vista diferente daquele da pergunta. Têm dificuldades para preencher cheques e anotar recados. A linguagem escrita pode ser um indicador sensível das dificuldades de linguagem da demência do tipo Alzheimer e pode ter conseqüências desastrosas, no caso do preenchimento de cheques. Frente a déficits cognitivos e suspeitas de possível quadro demencial, observar o preenchimento de cheques. 318

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• A perda da linguagem escrita do portador ocorre predominantemente em relação ao significado. Na fase inicial pode ainda ser entendida. • Enfim, há dificuldade em transformar as idéias em palavras, redução de informação, com falas vagas, desvios do assunto e rupturas na coerência. A compreensão é afetada de forma crescente. Estas dificuldades se acentuam em determinadas situações: • Grupos grandes: quando o portador necessita muita atenção (e em situações em que esta deve se dividir), é difícil lidar com muitos estímulos ao mesmo tempo, para dar um sentido, um significado. • Pessoas desconhecidas: estas não sabem como se adaptar ao portador e constituem estresse como qualquer situação nova. • Determinados membros da família: especialmente aqueles que não são sensíveis o suficiente para desenvolver as adaptações para interagir, os ansiosos e os que não assumem o papel de liderança no desenvolvimento da comunicação. • Pressão para falar: o portador reage melhor a situações de motivação e incentivo do que pressão para se comunicar. • Contato que não seja face a face: a situação de conversa telefônica, por exemplo, constitui especial dificuldade porque não se observam as reações do corpo e do rosto do outro. • Assuntos não familiares: quando se conhece o assunto, é possível utilizar todo o conhecimento de mundo previamente adquirido para o desenvolvimento da conversa. 319

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• Estilo de conversa breve: a conversa não deve ser muito breve a ponto de não dar tempo para a construção e organização do significado. Por outro lado, conversas muito longas causam fadiga e são difíceis de serem mantidas. • Ambientes ruidosos: estímulos competitivos e ruídos de fundo atrapalham a focalização da atenção. • Um ponto central é a ênfase à comunicação, tendo a pragmática como elemento regulador de todo o sistema da linguagem, o que significa priorizar a competência comunicativa ao invés da lingüística e entender que na situação comunicativa, o envolvimento de memórias (modalidades e subsistemas) está em jogo. As estratégias para amenizar as dificuldades de compreensão são descritas por Marshal, (1981). São procedimentos inicialmente concebidos para serem utilizados com idosos e afásicos. • Utilizar comunicação face a face: a conversa face a face estimula a atenção e a motivação para o entendimento da mensagem. • Falar lentamente (não se deve silabar, mas sim fornecer blocos de idéias). • Usar pausas nas frases, separando blocos de idéias. • Acentuar a prosódia da frase. • Acentuar o termo que transmite a idéia principal. Aqui, é importante salientar que a lentificação deve estar relacionada ao processamento do significado. • Simplificar a construção das frases. Evitar frases extensas, complexas ou de conteúdo excessivamente abstrato. • Repetir as idéias principais, por exemplo, o tema ou a pessoa de quem se fala. • Posicionar o elemento que se quer destacar no final da emissão. 320

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Para amenizar as dificuldades de expressão, algumas sugestões de (Clark e Witte, 1995). • Trabalhar com idéias e temas, não com palavras ou detalhes da produção de linguagem. • Incentivar o uso de termos relacionados ao significado pretendido: as reformulações ou circunlóquios. • Utilizar a estratégia do script: planejar o que vai dizer a partir de um tema. • Utilizar a “experiência de vida”. • Utilizar a capacidade de exercitar escolhas e opções. Na fase inicial da doença, a abordagem do paciente tem como pressuposto sua possibilidade de aprender, incorporar e transferir ensinamentos. O objetivo é o uso de compensações e otimização de funções residuais; métodos adicionais, suportes e alternativos começam a ser introduzidos. A manutenção das atividades de comunicação deve sempre estar em vista. A exposição a atividades que destaquem os componentes pragmáticos e semânticos, como atividades de comunicação, são interessantes na medida em que podem auxiliar diretamente o paciente em situações da vida prática. A idéia é fundamentalmente a exposta por Van der Linden et al. (1991) e Frattali (1995): observar e avaliar as atividades de comunicação da vida cotidiana do paciente, analisando-as do ponto de vista da solicitação cognitiva. As atividades são decompostas em passos e o desempenho do paciente é observado segundo a necessidade de auxílio, podendo ser pontuada numa escala. Durante uma conversação, por exemplo, podemos observar se o paciente compreende o tópico, acompanha seu desenvolvimento, assume um ponto de vista, é capaz de fornecer informações e contribuir para o desenvolvimento do tema. Nota-se ainda se, ao cometer deslizes, é capaz de retomá-los e reformular sua linguagem no sentido de alcançar a comunicação.

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Estes subcomponentes envolvem a utilização de habilidades tanto de linguagem quanto de memória semântica e episódica. A compreensão da linguagem depende da capacidade de estabelecer relações entre conceitos e proposições, conferindo-lhes relevância de acordo com o contexto. Depende da memória de curta e longa-duração, além da atenção. A capacidade de perceber os próprios deslizes e reformulá-los refere-se a todos os níveis da linguagem, mas principalmente à análise, busca e monitoração de relações semânticas e formulação de idéias em ensaios que se organizam direcionados à mensagem-alvo. Na reformulação, estão implícitas habilidades de definição, nomeação, descrição, explicação e explicitação. Desenvolvendo esta habilidade, o paciente aprende a buscar relações de proximidade semântica, como no caso das paráfrases (também chamadas de circunlóquios na literatura de neuropsicologia) ou de oposição semântica, como no caso das correções.

Atenção aos cuidadores Com o agravamento da doença, ganha destaque o papel do cuidador. Esta abordagem baseia-se na concepção de que a comunicação está incluída entre os tradicionais cuidados (asseio, alimentação) proporcionados ao paciente. A orientação aos cuidadores inclui informações sobre a demência, o declínio da linguagem, e desenvolve competências no sentido de identificar e desenvolver habilidades de comunicação com os doentes. O cuidador também é habilitado para identificar os estágios da demência e características da comunicação, incluindo como avaliá-la e maximizá-la em aspectos verbais e não-verbais, em cada estágio da doença. O material educativo envolve: manual de treinamento, guias, formas de avaliação e videoteipes. No programa elaborado por Ripich (1994) o paciente é abordado através do cuidador, que aprende os seguintes conteúdos: 322

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1) Garantir a atenção do paciente, na comunicação face a face. 2) Auxiliar a compreensão e dirigir a atenção para determinado tópico, com a utilização das estratégias para facilitar a compreensão expostas acima (repetições redundantes, controlando a extensão e o fornecimento de pistas temporais e lingüísticas, intervalos e destaque de idéias). 3) Manter o tópico pelo maior tempo possível e, quando for mudá-lo, preparar cuidadosamente a transição. Para isso, o cuidador é ensinado a retomar e integrar o conteúdo constantemente, incentivando o paciente a contribuir com tomadas de posição ou informações adicionais, como vivências, por exemplo. 4) Fornecer estratégias para auxiliar o paciente a não desistir diante de um “erro” e, sim, a buscar apoio em outros meios ou canais de expressão. O cuidador aprenderá a identificar a quebra de comunicação e como valorizar os indícios que permitirão dar continuidade à interação. 5) Reestruturar a emissão, de forma que leve o paciente a um modo simples de responder, valorizando-se o reconhecimento e fornecendo-se opções de resposta. 6) Manter a conversação, dentro do possível, com a troca de turnos, iniciando-a por um “aquecimento” com tópicos leves, corriqueiros e acessíveis ao paciente. 7) Assumir a responsabilidade da comunicação e entender seu papel na manutenção da interação, priorizando aspectos pragmáticos e funcionais, tendo como principio básico evitar as “rupturas” e saber compensá-las quando ocorrem. Isso implica a ênfase nas adaptações. Programas semelhantes foram concebidos por Orange et al. (1995) e Shadden, (1995).

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Atividades em grupo Clark e Witte (1995) dedicam-se a propostas de atividades realizadas em grupo, enumerando princípios relativos à preparação e agenda das atividades, ambiente físico e gerenciamento de rupturas emocionais e comportamentais (evitar confrontos, por exemplo), além de diretrizes para a condução da comunicação. Estas últimas dizem respeito ao estabelecimento de rotinas de interação, com explicações prévias das atividades, aquecimento para a comunicação pela observação de membros da equipe, priorizando aspectos pragmáticos e não informações precisas, personalização dos tópicos (incentivo à tomada de posições), uso de linguagem emocional, valorização de experiências de vida e favorecimento de pistas multissensoriais.

Comunicação alternativa O uso de gestos, por si só, não garante melhor comunicação com os pacientes portadores de demência de Alzheimer, já que o sistema semântico comum à representação conceitual de gestos e linguagem verbal está comprometido (Glosser et al. 1998). Do mesmo modo, sistemas alternativos que envolvam gerenciamento complexo são desaconselhados. No entanto, tecnologias que auxiliem a atenção, enfatizem a compreensão e as pistas do interlocutor, assim como jogos, devem ser cogitadas (Garrett, 1997). É interessante salientar que os pacientes mantêm habilidades residuais de linguagem e comunicação até estágios finais da doença. Bayles et al. (2000) realizaram um inventário, constatando, na maioria de seus sujeitos, capacidades como: dar resposta apropriada a saudações, responder a um cumprimento social à chegada e saída do local (como aperto de mão), reconhecer o próprio nome escrito, reconhecer o telefone e o carro do examinador. Nota-se que essas habilidades são, em sua maioria, 324

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de cunho afetivo, e solicitam reconhecimento mais do que resgate ativo de informações. A abordagem fonoaudiológica deve levar em conta as mudanças cognitivas e lingüísticas do quadro para delinear seus objetivos. Ao início da doença é possível manter-se a perspectiva cognitivo-informativa; progressivamente, a comunicação tem função predominantemente afetiva e é realizada por canais residuais de comunicação.

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CAPÍTULO XVI

TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA NOS TRAUMATISMOS CRANIOENCEFÁLICOS

As propostas de terapia para pacientes com seqüelas de traumatismo crânioencefálico (TCE) ganharam especificidade na medida em que se compreenderam as particularidades desse tipo de lesão, suas conseqüências, e as diferenças em relação às síndromes afásicas classicamente estudadas no contexto de lesões vasculares. Além das alterações de linguagem, os pacientes com TCE podem exibir outros transtornos neuropsicológicos na esfera da atenção, memória, alterações visuoperceptivas e vísuo-espaciais, e de função executiva, a última se refletindo na habilidade de resolução de problemas e estando relacionada às dificuldades encontradas na vida cotidiana, nestes pacientes. Além das conseqüências neuropsicológicas, estes pacientes são afetados por desordens motoras, emocionais e sociais. Violon (1988) sugere que a etiologia do traumatismo pode determinar comportamentos emocionais reativos, sendo mais graves conforme as circunstâncias do “acidente”, como no caso de lesões decorrentes de arma de fogo. As desordens da linguagem e comunicação se apresentam em intrincada interação com os fatores enumerados acima e a reabilitação deve ser planejada de forma que contemple sua característica multifatorial. 329

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Neste contexto complexo, a síndrome frontal interfere na linguagem em suas vertentes de inibição ou desinibição, sendo considerada talvez o traço clássico das alterações encontradas nos TCE. As instâncias de atendimento terapêutico do TCE podem ser consideradas em cinco estágios: 1) Cuidados em serviços de emergência, essencialmente médicos, e têm por finalidade manter o paciente vivo e garantir procedimentos que minimizem as seqüelas. 2) Cuidados em unidades de terapia intensiva, na qual o doente freqüentemente está em estado comatoso. A par do esforço médico para estabilização do quadro, indicase atividades de estimulação sensorial. 3) Programas de reabilitação em enfermarias incluem o atendimento multidisciplinar, com fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicólogos, somados ao cuidado médico e de enfermagem. Os objetivos desta fase são a aquisição de integração sensório-motora básica (controle da postura, controle de cabeça e tronco, aquisição da marcha e deglutição), o restabelecimento de cuidados básicos (alimentação, vestimenta, higiene) e reestabelecimento de habilidades cognitivas básicas (orientação, atenção, comunicação expressiva e receptiva). 4) Programas de reabilitação em ambulatório são iniciados após a alta da enfermaria, quando capacidades básicas de autocuidado e independência já foram adquiridas. A equipe multidisciplinar continua, podendo se restringir aos terapeutas tradicionalmente envolvidos em reabilitação: fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. 5) Programas de integração à comunidade têm sido adotados com crescente freqüência, diante da constatação de 330

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que os indivíduos com seqüelas são jovens, em idade socialmente produtiva, e que, mesmo que não haja a perspectiva de reintegração profissional, a reintegração social é um grande problema a ser solucionado. Os programas de integração à comunidade, em geral, acontecem fora do âmbito médico. Alguns países contam com recursos como centros-dia, ou centros de reabilitação com programas em bloco, nos quais se prevê permanência do paciente de forma a receber cuidados vocacionais e profissionalizantes, integrados no processo de reabilitação. No Brasil, esse modelo vem sendo implantado e implementado em algumas cidades de grande porte. A pontuação obtida na Escala Rancho Los Amigos é freqüentemente utilizada para determinar fases da reabilitação (Schwartz-Cowley, 1989). • Fase inicial de recuperação (escore 2-3) - inicia-se com as primeiras respostas genéricas aos estímulos do ambiente e termina com o surgimento de respostas específicas, relacionadas a determinados estímulos, o uso apropriado de objetos e compreensão de ordens simples. Nessa fase o paciente, em geral, encontra-se em Unidades de Cuidados Intensivos. • Fase intermediária de recuperação (escore 4-6) - iniciase com o aumento do nível de alerta e de atividade do paciente, e termina com a redução da confusão mental. Neste momento, em geral, o paciente é transferido para enfermaria e ambulatório. • Fase final de recuperação (escore 7,8 e acima) - iniciase com a orientação, ainda que superficial, do paciente sobre aspectos importantes da vida, e termina ao se atingir o último nível de recuperação do paciente, o 331

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qual ainda pode ou não apresentar déficits residuais de cognição e linguagem. Nesta fase, alguns pacientes são atendidos em programas ambulatoriais e, havendo progressos, cogita-se os programas de integração social. A justificativa para a reabilitação dos TCE toma por base a capacidade de reorganização do sistema nervoso por mecanismos de regeneração axonal, hipersensibilidade por denervação e mecanismos funcionais de reorganização e substituição, descritos em capítulos anteriores. Atualmente existe um número considerável de abordagens para a reabilitação do paciente com TCE. A maioria das propostas dirige-se às fases intermediárias e finais da recuperação.

Tratamento do paciente em fase inicial de recuperação Estudos na área de plasticidade cerebral, estimulação sensorial e privação ambiental (Kaplan, 1988; Moore, 1980, apud Ansell, 1991) justificam o atendimento a esses pacientes na fase aguda, e mesmo a manutenção do atendimento àqueles que apresentam pouca resposta após algum tempo de estimulação. Ansell (op. cit.) encoraja os fonoaudiólogos a investir no atendimento a pacientes que respondem minimamente e de forma inconsistente três a seis meses após a lesão, denominados “lentos para se recuperar” (slow-to-recover de forma abreviada, STR), com base em evidências de que estes podem se beneficiar de estimulação sensorial. O programa indicado inclui: • Apresentação de estímulos visuais; • Orientações ao paciente (o próprio nome grafado, nome do terapeuta, dia, mês, ano); • Apresentação multissensorial, para facilitar a compreensão auditiva; 332

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• Apresentação tátil/gustativa. Ansell (op. cit.) toma como argumentos para a administração do programa a constatação de que esses pacientes estão, de certa forma, privados de seu ambiente natural, rico em ruídos familiares, música e outros sons das atividades humanas cotidianas. Por outro lado, alguns estudos mostram que a lesão serve como estímulo para o crescimento dendrítico e a formação de novas sinapses, do mesmo modo que o faz a estimulação ambiental. Sendo assim, os efeitos do ambiente deveriam ser maximizados durante a fase aguda, em que ocorre intensa atividade de reorganização e no qual os efeitos da privação sensorial são maiores. Todos os profissionais envolvidos com reabilitação (enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas) têm algo a oferecer a esses pacientes. No entanto, é importante lembrar que um traumatismo cerebral em que houve coma de longa duração e complicações em fase aguda pode deixar seqüelas importantes como dificuldades de aprendizagem, déficits de atenção e memória.

Tratamento do paciente em estágio intermediário de recuperação Confusão, dificuldades de processar a informação e de regular o comportamento são as principais dificuldades dessa fase, ao lado de outros obstáculos para o desempenho de habilidades específicas. A observação da capacidade para novos aprendizados é crucial para a determinação do sucesso da abordagem fonoaudiológica. Além disso, outros aspectos cognitivos devem ser observados e servem como indicadores de prognóstico, como o nível de atenção e concentração, facilidade para processar informações (tanto relacionadas à memória operacional quanto de longa duração), organização, raciocínio, resolução de problemas, assim como habilidades relacionadas à função executiva (tais 333

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como o uso de retroalimentação durante a atividade verbal e não verbal, e a utilização espontânea de estratégias efetivas). Ylvisaker e Szekeres (1994) conceberam programas detalhados para a estimulação nessa fase. A maioria das propostas para este momento da reabilitação, que apresentamos abaixo, provém de suas reflexões. A palavra-chave para o tratamento nesse estágio é estruturação da atividade. A atenuação da formalização é importante para que o paciente não fique dependente. O ambiente deve ser altamente previsível e livre de distrações, a fim de promover comportamentos adaptados e funcionais. O controle e gradação da dificuldade são realizados de tal forma que não se exceda a capacidade de processamento de informação. O incentivo à análise da realização da tarefa, buscando a identificação de erros e correções, induzirá à automonitoração. Os autores sugerem o uso de esquemas e roteiros relacionados a objetivos, com questões formuladas para induzir a monitorização e reflexão sobre a efetividade do esquema. Trata-se do treino de habilidades metacognitivas, envolvendo tarefas que solicitam a análise de semelhanças perceptuais, similaridades semânticas, uso, idéias principais e tópicos, esquemas de narrativas e roteiros da vida. Os conteúdos da terapia devem envolver outros aspectos cognitivos, além da linguagem: atenção, orientação têmporo-espacial, habilidade de processamento de informações, estabelecimento e monitoramento de estratégias na direção de objetivos e operações de acesso às memórias episódica e semântica. Os objetivos específicos, de linguagem, incluem: • o aumento da objetividade do discurso e da adequação da conversação; • melhora da compreensão de segmentos de linguagem cada vez mais longos e complexos, na organização do conhecimento semântico básico e da habilidade de recuperar elementos da memória. 334

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Estes objetivos poderão ser alcançados através da estruturação, ordenação e previsibilidade do ambiente, das tarefas e das relações com os profissionais. Esta estruturação envolve a preocupação com o controle do grau de complexidade e dificuldade crescentes da tarefa, a fim de que o sucesso seja garantido e as habilidades de processamento possam ser sistematicamente recuperadas. A intenção é direcionar a atenção do paciente, para que ele seja capaz de absorver e processar um número cada vez maior de informações. Dentro das atividades terapêuticas, os autores Ylvisaker e Szekeres (op. cit.) classificaram variáveis manipuláveis, a serem controladas nessa fase: • Perceptuais: o nível de integração multissensorial, a quantidade de estímulos competitivos do ambiente e o tempo de apresentação do estímulo. • Cognitivas: tempo de sustentação da atenção, familiaridade com a atividade, organização seqüencial, planejamento, complexidade da linguagem, memória, marcação de tempo, flexibilidade cognitiva, tomada de decisões, resolução de problemas, julgamento de periculosidade e autocrítica. • Psicossociais: iniciativa, relações interpessoais e tolerância à frustração. As estratégias de terapia que abordam aspectos da linguagem e cognição podem incluir a análise de características relevantes: esta tarefa exige uma organização do pensamento, o que facilita o controle voluntário da atenção, recuperação de informações e nomes, julgamento da relevância e adequação da informação para o tópico, e formulação de descrições verbais. A mesma informação apresentada pelo paciente poderá ser utilizada em tarefas de escrita (descrição e narração), bem como para comparação entre conceitos e exercícios de resolução de problemas. A escrita induz 335

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a atividade proposicionada e voluntária. Várias atividades da vida cotidiana podem ser incluídas entre os “problemas”. Dessa forma, o indivíduo será estimulado em contextos naturais, o que facilitará sua re-inserção social. A prática de atividades recreativas também deverá ser abordada. Atividades encadeadas poderão ser desenvolvidas a fim de auxiliar o paciente a se orientar quanto ao passado recente, bem como fornecer uma ligação entre os dias. Atividades de coleção também devem ser incentivadas, uma vez que aumentam a noção de permanência e fornecem entretenimento, bem como assunto para conversa. O tratamento de habilidades cognitivas utilizando programas de computador, bastante em voga, teve sua indicação questionada, na medida em que os resultados não se estendiam à vida cotidiana (Sohlberg, 1989).

Tratamento do paciente em estágio avançado de recuperação Os pacientes no estágio avançado de recuperação já superaram o estado pós-traumático de confusão mental e estão adequadamente orientados em seu ambiente. São capazes de ter um objetivo, fazer opções, dirigir sua ação para esse fim e processar informações, de forma a evitar comportamentos sociais aberrantes. Entre os prejuízos residuais geralmente observados em pacientes com TCE encontramos predominantemente alterações de função executiva (estabelecimento de objetivos, planejamento, auto-iniciativa, auto-inibição, automonitoramento e autocrítica), perdas de memória e transtornos de linguagem com desorganização e dificuldades para resolver situações-problema. Para minimizar essas dificuldades, o paciente pode tanto exercitar suas habilidades prejudicadas, a fim de otimizá-las, como também realizar treinamento funcional integrado em situações naturais, incorporando ou não treinos compensatórios. 336

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Os pacientes ideais para participarem do treinamento compensatório são aqueles que determinam objetivos específicos, têm consciência de seu prejuízo e da necessidade de compensá-lo, apresentam maturidade metacognitiva para “pensar sobre o pensar” e sobre outros assuntos cognitivos, além de possuírem recursos atencionais e qualidades neuropsicológicas bem definidas, sobre as quais serão construídos os procedimentos compensatórios. Para que a intervenção seja bem-sucedida, o paciente deverá reconhecer a utilidade da estratégia como instrumento para alcançar seus objetivos; o modo como o paciente aprende, interage e lida com problemas é um elemento importante a ser avaliado. As áreas que deverão ser abordadas durante a intervenção no estágio avançado de recuperação são: Memória: incluindo estágios de codificação, armazenamento e recuperação de informações. Serão desenvolvidas as habilidades de controlar a entrada de informações, identificar a forma como esta é organizada e integrada, contextualizar e utilizar apoio externo (agendas e cadernos de anotações). A reconstrução do passado, com estratégias que utilizam linhas cronológicas de eventos importantes da vida do paciente, é indicada para os que apresentam alterações de memória episódica. Além da recordação, a tomada de posições auxiliará a integração dos acontecimentos: opiniões, sentimentos e outras reações a respeito dos acontecimentos assinalados. Pacientes que apresentam problemas em memória semântica deverão ser reeducados através de intervenção, incluindo o ensino de vocabulário, informações gerais e outros conteúdos acadêmicos. O paciente pode ser encorajado a recodificar a informação na modalidade em que possuir maior facilidade, visual ou auditiva. A memorização pode ainda estar afetada pela dificuldade de utilização de estratégias, característica do acometimento frontal. Desta forma, a estratégia deve adaptar-se, tornando-se mais concreta, e enfocando o resultado da atividade. A memória operacional pode 337

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ser otimizada pelo aumento da capacidade funcional através de agrupamento semântico, sintático ou melódico. Organização: A maior parte dos pacientes vítimas de TCE apresentam algum grau de desorganização verbal ou comportamental. O tratamento do paciente, neste último estágio de recuperação, deve voltar-se para a melhora da organização como um processo, uma atividade complexa que abrange todo o mecanismo cognitivo. As atividades devem ir se assemelhando com as tarefas que serão exigidas do paciente em sua profissão ou vida pessoal. Resolução de problemas: Dodd e White (1980, apud Ylvisaker e Szekeres, 1994) descreveram três características de pessoas com boa capacidade de resolver problemas: a) procuram compreender o problema antes de tentar resolvê-lo. b) procuram relacionar o problema a representações mais gerais de problemas que possuem na memória, definindo as informações importantes. c) desenvolvem um plano para explorar possíveis soluções. Isto sugere que as tentativas para melhorar a habilidade de resolver problemas não devem apenas voltar-se para a organização do processo, mas também guiar os pacientes na avaliação de problemas específicos em termos mais gerais, considerando as informações relevantes e pesando as conseqüências. Assim, a resolução de problemas é um processo que envolve distintas formas de pensamento: 1. isolamento das idéias principais (identificação do problema e do objetivo); 2. pensamento divergente (informações relevantes, possíveis soluções); 338

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3. reflexão sobre a relevância e adequação da informação; 4. classificação (classificação do problema, verificação da relevância de informações); 5. avaliação (avaliação das soluções, monitoramento e avaliação dos resultados); 6. pensamento analógico (avaliação das soluções); 7. pensamento convergente (identificação dos problemas, identificação dos objetivos, decisão); 8. execução (identificação do objetivo); 9. planejamento e organização (formulação do plano); 10. monitoramento (monitoração e avaliação dos resultados). Esse elenco de procedimentos pode servir de guia para a estruturação de atividades terapêuticas. Cognição Social: prejuízos na interação social são seqüelas freqüentes nos pacientes com TCE. Todos os déficits cognitivos discutidos anteriormente afetam a interação social. São eles: recuperação inadequada de informações referentes às regras sociais, pouca atenção às pistas sociais, linguagem e comportamento desorganizados, inabilidade para visualizar diferentes alternativas e resolução de problemas de forma superficial. Todas estas características acarretam problemas de comunicação e comportamento não convencional. Para este déficit, o treinamento preferencialmente deve ser feito em grupo. A conversa pode ser considerada um bom modelo para o treino de dificuldades numa situação-problema. Na recepção, a complexidade do contexto e o efeito de estímulos competitivos podem ser elementos complicadores. Durante a conversação, devese observar a compreensão de mensagens com duplo sentido, a possibilidade de formar novos conceitos, tirar conclusões, resolver problemas, explorar alternativas, interpretar e utilizar níveis cognitivos mais elevados em condições de linguagem “abertas” e não estruturadas. Para os pacientes com seqüelas leves, deve-se 339

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considerar, ainda, os auxílios externos (de memória, entre outros) e não ter a expectativa da remissão total dos sintomas. Ylvisaker e Holland (1978) utilizam a imagem de um “treinador” que deve ser “internalizado” pelo paciente para representar o trabalho a ser desenvolvido nessa última fase. Este modelo ainda pode ser observado em muitas das propostas atuais. O “treinador” tem por função: dar consciência dos pontos fortes e fracos; aprender a estabelecer objetivos; planejar as estratégias para alcançar os objetivos; dar para si mesmo instruções específicas e apropriadas para conduzir essas estratégias; motivarse ou abandonar os planos diante de análise do desenvolvimento das estratégias; monitorar-se para realizar ajustes em direção ao sucesso; solucionar problemas. As modernas propostas de intervenção para pacientes com transtornos residuais decorrentes de TCE estão direcionadas para atividades integradas, da vida cotidiana. Essa intervenção tem o caráter de cooperação, envolvendo parcerias entre a equipe multiprofissional, entre a equipe e a comunidade (fonoaudiólogo e escola; fonoaudiólogo e a família; fonoaudiólogo e conselheiro para integração profissional, por exemplo). Em relação à escola, em face das dificuldades de aprendizagem, há necessidade de avaliação e gerenciamento do ambiente escolar (Szekeres, 1994). As necessidades do estudante com TCE devem ser consideradas numa avaliação flexível, para que se possa fornecer suporte específico, modificando interações, instruções e até mesmo o currículo, a fim de promover o sucesso no desempenho escolar. Nesta direção estão incluídas atividades que utilizem, ao máximo, disciplinas voltadas para atividades artísticas e linguagem (como teatro, por exemplo), atividades em grupos pequenos com programas direcionados para a terapia de linguagem ou outros tópicos, e suporte à família. Na adaptação ao trabalho, o fonoaudiólogo atua em estreita colaboração com um conselheiro vocacional (Fraser, 1994). No Brasil, este papel é exercido por psicólogos sociais. A 340

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identificação de barreiras que impedem ou dificultam o acesso ao trabalho é o primeiro passo da atividade conjunta. Essas incluem déficits cognitivos, de comunicação, emocionais, transtornos de personalidade pré-mórbidos, dificuldades financeiras, residência, indecisão e imaturidade vocacional, barreiras físicas, influência negativa da família e restrições médicas. Enquanto o conselheiro exerce o papel de “treinador”, acomodando e modificando tarefas ou fornecendo auxílio específico para determinadas atividades, o fonoaudiólogo pode orientar estratégias procedimentais relacionadas à organização de memória verbal, uso da linguagem, auxílios externos, equipamentos adaptativos e alternativos. No âmbito das atividades integradas, realizadas em cooperação, a parceria com as famílias é fundamental. As questões aí envolvidas muitas vezes excedem o âmbito tradicional da reabilitação dos TCE. Alguns aspectos freqüentemente vêm à tona quando se cogita o trabalho em conjunto com as famílias (De Pompei, 1994): • • • •

Os comportamentos reativos ao trauma A eleição da família como foco central das terapias A participação ativa da família nas equipes A eleição conjunta de objetivos

Resultados e propostas para o futuro A revisão de propostas de tratamento para indivíduos com TCE indica a efetividade e sucesso de muitas delas. Os maiores ganhos referem-se a aspectos cognitivos globais. Nos processos de recepção, tanto quanto nos de produção da linguagem oral, notam-se melhoras importantes, sendo menor o resultado para recuperação de leitura e escrita e produção de fala (Coelho et al., 1996). 341

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A heterogeneidade destes pacientes contra-indica propostas rígidas e genéricas. Não devem ser desconsiderados os casos muito graves que necessitam de maiores adaptações e tecnologias para compensar os déficits; as intervenções precoces não devem ser negligenciadas. A direção do foco terapêutico para aspectos cognitivos específicos é importante, porém a terapia voltada para habilidades sociais integradas deve prevalecer. A avaliação de linguagem dos pacientes com TCE merece ser revista contemplando análise do discurso e de outros aspectos pragmáticos da linguagem (Mentis, 1991). O complexo linguagem-cognição necessita ser redimensionado, considerando a especificidade dos casos e sua gravidade, para que possamos conceber novas propostas de avaliação e terapia (Peach, 1992). Coelho et al. (op. cit.) resumem alguns pontos a serem levados em consideração quando se avaliam os resultados de terapia para os indivíduos com TCE: muitos estudos excluem de sua casuística os casos “graves” e aqueles com alterações de comportamento; não se identificaram, ainda, com clareza os subgrupos de TCE e suas necessidades específicas em reabilitação; os critérios de “sucesso” na terapia deveriam contemplar indicadores de qualidade de vida, relações familiares e lazer. A reflexão sobre essas questões pode fornecer elementos para tornar mais precisa e refinada nossa visão atual sobre a terapia para estes indivíduos.

1 - Regeneração axonal inclui crescimento de axônios lesados e ramificações laterais; hipersensibilidade por denervação refere-se à condição em que receptores pós-sinápticos não somente proliferam, mas tornam-se mais sensíveis a agentes neurotransmissores. Mecanismos funcionais de reorganização e substituição baseiam-se na teoria de Luria.

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