No Cômputo Geral – Ensaísmos da Oposição e a Crônica do PMDBismo anunciado

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No Cômputo Geral – Ensaísmos da Oposição e a Crônica do PMDBismo anunciado
Carlos Frederico Pereira da Silva Gama

Há 15 anos, após a derrota eleitoral de 1998, o PT tomou a iniciativa de apoiar manifestações pelo impeachment do presidente então reeleito, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Acusado de "golpista" na ocasião, o partido não assumiu com todas as letras esse discurso, deixando a cargo da sociedade civil as palavras de ordem fartas na mídia. O slogan de 1999: "Basta de FHC". No Congresso, o processo de impeachment foi barrado pelo então presidente da casa, Michel Temer, do PMDB. Vida irônica. C'est la vie.

Nos 15 anos que se seguiram, convergências entre PT e PSDB deixam entrever mais do que gostariam de admitir os partidos. Ambos governaram o Brasil. Fizeram importantes contribuições para as pessoas e para a democracia. Ao mesmo tempo, hesitam diante dos impasses criados por suas próprias políticas. Majoritários nas eleições presidenciais, mal disfarçam sua continuada dependência para com o PMDB no cômputo geral.

Há 25 anos, o candidato presidencial do PSDB, Mário Covas, declarava que o Brasil precisava de um "choque de capitalismo" frente a um cenário de imobilidade, desânimo e desespero. O discurso se referia à situação do Brasil no governo José Sarney – crescimento baixo, inflação de 4 dígitos anuais, uma sequência de planos econômicos furados, a despeito de um baixo índice de desemprego.

25 anos depois, o candidato presidencial do PSDB, Aécio Neves, declarou que o Brasil precisa de um "choque de gestão" que restaure a confiança no país.

A passagem do capitalismo para a "gestão" não é inocente. O que significa, para o Brasil de 2014? Traz à tona transformações e contradições em curso num Brasil muito diferente daquele dos últimos dias da Guerra Fria.

A oportunidade política de 2014 (escândalos de empresas públicas em tempos de economia desaquecida e desidratação do Lulismo) proporcionou momento desproporcional à capacidade de aglutinação da oposição.

O PSDB granjeou apoios em partidos que orbitavam o campo da esquerda – o PSB de Eduardo Campos mais recentemente, o PPS de Roberto Freire já de longa data. A aliança tucana tentou conciliar o anticapitalismo do PV de Eduardo Jorge com o neoconservadorismo do PSC do Pastor Everaldo.

A amplitude da aliança foi inversamente proporcional à sua intensidade política. O apoio de figuras como o pastor Everaldo e o deputado Jair Bolsonaro (membros da coalizão governista em carnavais passados) se choca com linhas sociais-democratas mais programáticas e menos pragmáticas que instigaram a ruptura com o PMDB, a plataforma parlamentarista e a confecção do Plano Real. A presença momentânea de Marina Silva, acossada pelo PSB, e do próprio PSB na aliança antigovernista produziu efeitos caleidoscópicos na oposição desunificada. O espaço político que essas forças clamavam para si era fiado em bandeiras tidas como históricas do PSDB – a estabilização da economia, a reforma do Estado, a moralização da vida pública pós-Titanic collorido. O quão candentes tais bandeiras permanecem aos olhos do eleitorado se tornou um enigma.

A dinâmica do discurso oposicionista pós-eleições (momentaneamente centrada em críticas à corrupção e em tentativas de descriminalização da maconha para fins terapêuticos) apela a polos diversos do espectro político, separados por décadas de militância sem sobreposições. Apurada, a soma de interesses tem envergadura menor que a variedade de constituintes.

A modernização da economia e políticas públicas calcadas no segurança-desenvolvimento experimentam dificuldade dissimilar – longe de constituir alternativa ao condomínio PMDB-PT, replicam políticas em curso nas últimas gestões, tornadas novidades para fins de marketing político. Quem diz que "o modelo brasileiro de segurança pública está esgotado" é o prefeito de São Paulo. Quem busca alavancar as empresas brasileiras em diversas frentes – mobilizando ministérios, o BNDES e o Itamaraty – é o governo Dilma Rousseff. E quem primeiro defendeu a autonomia do Banco Central – inclusive considerando que este já possuía independência de facto – foi o ex-ministro Antônio Palocci, na 1ª gestão Lula.

O mesmo se passou com a agenda externa de FHC – defensor da constitucionalidade democrática na Venezuela de Chávez vítima de golpe civil-militar e precursor dos investimentos econômicos e diplomáticos em Cuba (incluindo o porto de Mariel). Tal agenda, em larga medida, foi apropriada e aprofundada nos governos subsequentes.

A fragmentação da ampla coalizão que apoiou Aécio espelha, nos seus cacos, uma agenda política que perdeu um centro, que não soube constituir novo centro político.

A perda de fôlego normativo do PSDB não se deveu a uma súbita perda de vitalidade, mas a algo mais prosaico – a ressignificação da agenda política do PT após seguidos debacles eleitorais. Lula mudou de posição radicalmente sobre o Plano Real. Achava que era uma "farsa" que ia "congelar a miséria". Derrotado nas urnas, Lula mudou sua opinião. "A estabilidade é de fato um valor". O PT reconheceu o erro. Assumiu uma política econômica que manteve intactos os fundamentos do Real desde 2003. Manteve o tripé. Fortaleceu o BC e o blindou de "interferências políticas". O país se beneficiou desse giro de 180 graus.

A adesão de Bresser Pereira, arquiteto das reformas do estado do governo FHC, à candidatura Dilma indica, por um lado, que boa parte das reformas preconizadas pelo PSDB após o êxito do Real já foi completada e ampliada, na educação, saúde e gestão pública. Por outro lado, o êxito dos governos do PT em manter vivo o tripé do Real (meta de inflação, câmbio flutuante, superávit primário) impede comparações apressadas com Sarney.

Após a crise de 2008, o Brasil não parou de crescer. Impasses de 2014 relativos ao crescimento são bem mais suaves que os de décadas atrás. O "choque de capitalismo" de Covas foi realizado com êxito. Para além de continuidades virtuosas que desde Itamar impulsionaram o Real, as empresas brasileiras se modernizaram. Amparadas pelos recursos de um ativo BNDES, se internacionalizaram. A despeito de previsões apocalípticas, o Brasil se tornou porto seguro para investimentos internacionais, ao passo que o investimento externo brasileiro se multiplicou. A "gestão" desse capitalismo foi feita com avanços nos indicadores sociais (os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio).

O PSDB teve suas conquistas frente ao Brasil de Sarney e Collor. Criou seus impasses e deles foi vítima. A previsibilidade enfatizada na campanha de 2014 – com vistas a recuperar a capacidade de planejar – metaforiza o próprio partido em compasso de espera, iludido em sua capacidade de produzir mudanças pela dissimulada falta de opções. A oferta de um museu de grandes novidades, mais que recuperar bandeiras históricas emuladas pela concorrência, mostra que o partido vive um dilema de inovação – e comunicação.

Em entrevista pouco antes da morte trágica de Eduardo Campos, o ex-presidente FHC criticou a presidenta Dilma – que, segundo ele, não conversava com o Brasil. Esse desafio também se aplica ao próprio PSDB, em termos incômodos para FHC.

A conversa por negação (antigovernista) tem alcance limitado. Mobilizar especialistas (juristas, médicos, ONGs) na esperança de que debates na sociedade civil produzam calor e pressão suficientes para uma mudança no sistema político-partidário superestima capacidades de agregação e articulação política dos partidos brasileiros atuais e também subestima as contradições inerentes à própria sociedade civil fragmentária. Tais movimentos criam camadas adicionais de legitimidade sobre agendas emergentes, mas por si sós não produzem senão pequenas oscilações dentro da sociedade civil, longe dos efeitos de escala necessários para o enfrentamento dos impasses do presente. Os discursos dirigem-se àqueles que já deles são partidários. Diante do desenrolar de impasses políticos de gravidade crescente, por vezes ecoam tímido ensaísmo para insiders.

Por outro lado, mais dramático em retrospecto, a grande reforma política da oposição já foi feita há 20 anos. O Plano Real possibilitou planejamento e experimentação política aos governos. Tirou milhões de pessoas da mis ria e as colocou na mesa da política. O Brasil das contestações é fruto de conquistas democráticas pós-ditadura civil-militar (estabilização da economia, distribuição de renda com justiça social).

Agora que esses milhões demandam participação ativa nas decisões, os partidos que conduziram as grandes mudanças se resguardam atrás de biombos e buscam refúgio no retrovisor e em fetiches estatísticos. O 2o turno eleitoral de 2014 consistiu numa disputa de marketing que potencializou as contradições existentes e escondeu fragilidades dos projetos em disputa.

No embate ruidoso entre "novas ideias" do governo do PT e "mudanças" demandadas no discurso da oposição, um consenso silencioso limita dramaticamente o escopo de inovações políticas: a estabilidade da economia deve ser protegida a todo custo, inclusive de contestações democráticas. O consenso silencioso da estabilidade é o efeito antinômico dessas conquistas: busca preservar o resultado congelando o processo político. Em meio às contradições, legados se tornam fardos.

PSDB e PT estiveram do mesmo lado na primeira disputa democrática dos últimos 25 anos, contra Collor. Desde então, sua polarização tornou similares seus dilemas.
O enfrentamento das contradições presentes clama por uma inovação política capaz de produzir uma ruptura incremental. Tal movimento reconheceria conquistas do passado, sem lhes prestar desnecessária vassalagem irrefletida. Seria plural o suficiente para engajar boa parte dos atuais stakeholders numa agenda política em crescente politização, expansão e contestação. Capaz de propor e sustentar práticas inovadoras a fim de agregar, incrementar avanços obtidos, levando os partidos brasileiros para além de seus limites atuais. Tal movimento, ao invés de apenas alienar rivais, construiria pontes sobre impasses urgentes e comuns e aprofundaria a democracia com as massas, não para estas.

Esses pontos abarcam algumas complexas lições da trajetória democrática brasileira e carregam as expectativas de uma sociedade mais plural, rica e complexa do que dantes. Também nos recordam o custo de false starts. A Nova República de Tancredo Neves, sem seu artífice, envelheceu precocemente, redundando numa hegemonia política do PMDB seguida pela aventura collorida. Em contraste, contra todos os prognósticos, Itamar Franco, o improvável presidente de ampla coalizão efêmera, venceu uma inflação de quatro dígitos e elegeu seu sucessor.

Após a polarização das urnas, houve grande desmobilização. As ruas estão vazias e a sociedade em compasso de espera. Teremos que lidar com as contradições de 2014. Diante das dinâmicas em curso no Brasil, o "choque de gestão" se apequena. Suas palavras de propalada "mudança" ficam aquém do conteúdo do país.

Sem uma ampla coalizão rompendo a polarização PT-PSDB, tampouco sem o revival de Tancredo Neves, no horizonte político brasileiro se vê, no momento, a crônica do PMDBismo tantas vezes anunciado desde a deferida Nova República – em todos os níveis de governo.


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc25089902.htm
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/12/1562831-modelo-brasileiro-de-seguranca-publica-esta-esgotado-afirma-haddad.shtml
http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,palocci-defende-autonomia-institucional-do-banco-central,20040913p22425
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc19079814.htm
http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/11/brasil-alcanca-mais-dois-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio
http://www.istoe.com.br/reportagens/detalhePrint.htm?idReportagem=374649&txPrint=completo



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