Norman McLaren e a animação brasileira_Entrevista com Marcos Magalhães
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ENTREVISTA
Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira - com Marcos Magalhães Marina Teixeira Kerber
Norman McLaren, pixilation e a animação brasileira1 Entrevista com Marcos Magalhães2 Marina Teixeira Kerber3 Universidade de São Paulo
Resumo: Entrevista com o cineasta e professor de animação Marcos Magalhães. O entrevistado fala sobre a experiência de estágio na National Film Board of Canada, o contato com o animador Norman McLaren, a criação do festival Anima Mundi, o uso da técnica de pixilation e a influência da animação canadense na história da animação brasileira. Palavras-chave: animação; pixilation; Norman McLaren; Canadá; Brasil.
Abstract: Interview with filmmaker and professor of animation Marcos Magalhães. He tells about his treinee experience at National Film Board of Canada, the contact with the animator Norman McLaren, the creation of Anima Mundi Festival, the use of pixilation technique and the influences of canadian animation in the history of brazilian animation. Key words: animation, pixilation; Norman McLaren, Canada; Brazil.
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Entrevista concedida via email no dia 4 de maio de 2015. Cineasta de animação autor de “Meow!” (Prêmio do Júri em Cannes), “Animando” (filmado no National Film Board of Canada) e do “Ratinho de massinha” do Castelo Ra-tim-bum. Um dos 4 diretores do Anima Mundi, é também Professor Pleno de Animação do Curso de Design da PUC-Rio. (Informação retirada do site oficial do ANIMAMUNDI: http://www. animamundi.com.br/quem-somos/. Acesso em 16 de agosto de 2015). 3 Mestranda em Meios e Processos Audiovisuais na Universidade de São Paulo (USP). 1
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1. Como foi o contato com Norman McLaren du-
sente na entrevista. Grant destacou a diferença
rante seu estágio no National Film Board of Ca-
desta técnica de animação para outras que exi-
nada na década de 1980?
gem um grande tempo de preparação e detalha-
Como muitos outros animadores brasileiros,
mento, permitindo um fluxo mais livre de ideias
sempre admirei os filmes de Norman Mclaren
(o que teria acontecido durante a realização de
e do National Film Board, que assistia graças
“Vizinhos”).
à filmoteca do consulado canadense que cedia gratuitamente as cópias em 16mm para escolas
3. Quando você retornou ao Brasil, após sua es-
e cineclubes. Conhecê-lo pessoalmente e trocar
tadia no National Film Board of Canada, você,
ideias com ele durante meu estágio no NFB de
Aída Queiroz, César Coelho e Léa Zagury cria-
outubro de 1981 a março de 1982 foi uma ex-
ram o Anima Mundi, um dos festivais de anima-
periência fantasticamente rica, da qual guardo
ção mais importantes do mundo. Em sua opi-
lembranças vivas até hoje. Ele já estava aposen-
nião, qual a influência da animação canadense
tado, mas terminava a edição de seu último fil-
na animação brasileira?
me, “Narcissus”. McLaren confirmou para mim
Norman McLaren e o NFB realmente têm esta
a imagem que transmite em sua obra, de uma
participação histórica na formação de uma boa
pessoa extremamente sensível e simples, aces-
parte dos animadores brasileiros. A criatividade,
sível, generosa e transparente na sua relação
a engenhosidade tecnológica e a espontaneida-
com a arte e com as pessoas.
de dos filmes de McLaren influenciaram animadores do mundo todo. Isso foi facilitado através
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2. Norman McLaren lhe falou alguma coisa so-
da difusão feita pelas filmotecas dos consulados
bre os filmes que ele fez utilizando pixilation? Se
canadenses, e pelo intercâmbio aberto esponta-
sim, por favor, escreva sobre.
neamente nos anos 1960 por cineastas como
Numa entrevista que fiz com ele em 1986, ao
Roberto Miller, que também assumiu sua grande
voltar ao NFB para mostrar os filmes resultan-
influência por parte de McLaren, com quem se
tes da primeira turma do acordo Brasil-Canadá,
correspondia. Após o meu estágio, surgiu o inte-
perguntei que filme de sua obra era o seu pre-
resse oficial dos governos brasileiro e canadense
ferido. Ele me respondeu mencionando “Vizi-
em intensificar o intercâmbio cultural através da
nhos”, tanto pela mensagem social clara quanto
animação, e foi criado o primeiro programa ofi-
pela leveza da técnica de pixilation, que permi-
cial de formação de profissionais de animação
tia uma grande espontaneidade na filmagem.
no Brasil, programa que ajudei a formular. Fui o
Grant Munro, seu parceiro em muitos filmes e
coordenador do Núcleo de Animação do CTAv
um dos atores deste filme, estava também pre-
de 1985 a 1987 e Aida, Cesar e Lea foram meus
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alunos com mais outros seis animadores sele-
e comunicativa a pixilation para expressar uma
cionados em todo o país para este curso com
crítica sarcástica à burocracia e à automatização
animadores canadenses (Jean-Thomas Bédard
do trabalho.
e Pierre Veilleux) e eu. O Anima Mundi foi criado seis anos após o fim do programa, em 1993. A
6. Qual a sua experiência com a técnica de ani-
primeira edição incluiu, é claro, uma retrospec-
mação pixilation?
tiva de animações canadenses.
Já a empreguei em diversos trabalhos experimentais e até em raros trabalhos de publicida-
4. Você conhece algum centro de pesquisa no
de que fiz, como as vinhetas que divulgavam
Brasil ou no exterior que estude o trabalho de
o projeto de apoio ao cinema do antigo Banco
Norman McLaren ou que estude a técnica de
Nacional.
animação pixilation?
O meu único curta em que usei a pixilation (em
O NFB comemorou ano passado o centenário
todas as suas cenas filmadas ao vivo) é o “Ani-
de McLaren com uma série de atividades, e con-
mando”. A pixilation me permitiu fazer truques
tinua sendo a melhor fonte de informação sobre
como segurar desenhos que se movimentam ou
ele. Sobre a pixilation, não conheço um local que
caminhar de maneira idêntica ao meu persona-
estude especificamente esta técnica, mas ela
gem no final do filme.
costuma despertar interesse por quem pesquisa
Também em meu curta mais recente, “Doutor,
técnicas de animação. Muitos de meus alunos
meu filho é animador”, o animador argentino
da matéria “História da Animação”, que leciono
Juan-Pablo Zaramella participa com uma genial
na PUC-Rio, escolhem este tema para seus tra-
cena feita com pixilation.
balhos finais. 7. O seu curta “Animando” realizado durante 5. A produção brasileira em pixilation é bastan-
sua estadia na National Film Board of Canada
te esparsa, sendo usada muito no meio publi-
faz uso de varias técnicas de animação. Durante
citário ou de videoclipes. Você poderia citar e
minha pesquisa revi este filme algumas vezes e
comentar alguns trabalhos feitos no Brasil que
tenho a sensação de que ele pode ser uma res-
usem esta técnica no cinema?
posta para a pergunta “o que é animação?”. Na
No festival Anima Mundi recebemos muitos fil-
minha pesquisa, eu utilizo o conceito de que
mes brasileiros que incluem esta técnica, mas
animação não é gênero e sim um conjunto de
poucos são feitos usando-a exclusivamente. Um
técnicas. Você concorda com isso? O que é ani-
filme que me recordo bem é “L.E.R.”, de João
mação para você?
Angelini, de 2007, que explora de forma criativa
Para mim a animação é uma linguagem, uma
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forma de comunicação que é inerente à mente
Na pixilation, a diferença básica e essencial é
humana (que está o tempo todo processando
que estes bonecos e objetos são substituídos
imagens), mas só se tornou possível de exercitar
por pessoas vivas. O que cria o efeito especial
em larga escala quando as tecnologias de comu-
da técnica, onde os seres humanos se compor-
nicação audiovisual (começando pelo próprio
tam de maneira estranha, como se estivessem
cinema, no final do século XIX) começaram a se
enfeitiçados (pixelated)...
popularizar. O cinema é apenas uma das formas mais automatizadas de se usar a linguagem da
9. Segundo Alberto Lucena Barbosa Júnior (2005,
animação, pois registra o tempo das cenas de
p. 934) o termo pixilation foi criado pelo animador
forma mecanizada na maioria das vezes, utili-
escocês, radicado no Canadá, Norman McLaren.
zando a fotografia.
Entretanto, segundo The Canadian Encyclopedia,
A linguagem da animação se baseia na criação
no verbete sobre Grant Munro5, animador cana-
(através da ilusão do movimento) de tempos
dense que trabalhou com McLaren em diversos
diferentes e não necessariamente relacionados
filmes, pixilation é “[...] uma palavra que Munro
com a realidade em que vivemos. Estes tempos
disse ter inventado, apesar de alguns darem cré-
podem ser sintetizados a partir de diversas e in-
dito a McLaren.”. Como você teve contato com
finitas técnicas. E, é claro, abordar infinitos gê-
Norman McLaren, qual versão você acredita ser
neros, temas, assuntos, sem qualquer restrição
a mais correta?
de ordem física. Como fazemos com nossos so-
McLaren e Munro eram muito amigos e se admi-
nhos e com nossos pensamentos...
ravam mutuamente (Munro ainda está vivo no momento em que escrevo). Eu testemunhei du-
8. Você enxerga diferença entre pixilation e stop
rante meu estágio alguns momentos interessan-
motion? Se sim, qual seria?
tes entre os dois, quando me contavam histórias
Em tese, todas as técnicas de animação são stop
sobre suas carreiras e discutiam amigavelmente
motion, pois se baseiam sempre em uma suces-
sobre quem teria feito o que em cada filme que
são de imagens fixas que constroem uma ilusão
fizeram juntos. Norman McLaren também não
de movimento. Mas na indústria a expressão
era pessoa de se importar com autorias e vai-
stop motion tem sido ultimamente mais usada
dades. Acredito que Grant possa estar certo, o
para a animação feita com bonecos e objetos
nome que vem do verbo pouco usado em inglês
reais (que em Portugal e na França é chamada
pixilate (significando enfeitiçar, eletrizar) pode
de animação de “volumes”).
muito bem ter sido criação dele, durante o entu-
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BARBOSA JR., Alberto L. Arte da Animação: Técnica e Estética Através da História. 1ª. ed. São Paulo: Senac SP, 2002. http://www.thecanadianencyclopedia.ca/en/article/grant-munro/ Acesso em 20 de julho de 2014.
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siasmo da descoberta da nova técnica em filmes
batizados como pixilations.
como “On the Farm”.
Para mim o que torna a pixilation tão mágica e atraente é o fato de seu princípio ser tão simples
10. Em minha pesquisa, traço relações entre pi-
e engenhoso, permitindo truques com o corpo
xilation e o período chamado “pré-cinema” com
humano que sempre encantam o público.
o surgimento de diversos aparelhos pré-cinematógrafo e também com o early cinema com
11. Em minha pesquisa de mestrado eu destaco
destaque para os trabalhos de mágicos como
os animadores Norman McLaren e Jan Svankma-
Georges Méliès. Acredito que a magia do pixila-
jer. Se possível, trace comentários sobre os tra-
tion seja descendente da dos trickfilms6 de dire-
balhos dos dois, como o filme “Vizinhos”, de
tores como Méliès. Como você encara a técnica
McLaren e “Comida”, de Svankmajer.
pixilation? Em sua opinião, o que a torna mágica
Sim, concordo que Svankmajer é outro autor
e interessante?
que foi ainda mais longe com as possibilidades
Acho que em termos de linguagem ela pode ter
expressivas do stop motion e da pixilation. No en-
alguma relação com a magia dos filmes de Mé-
tanto, em filmes como “Comida”, os seres vivos
liès, mas tecnicamente é totalmente diferente.
são eventualmente substituídos por bonecos
Méliès nunca criou um filme quadro-a-quadro,
em escala humana em stop motion, para criar
considero que ele é o precursor dos efeitos es-
efeitos ainda mais fantasiosos e surreais.
peciais, mas não da animação. Ele usava truca-
Em “Vizinhos”, McLaren conseguiu criar efei-
gens como paradas de câmera e superposições
tos poderosos utilizando exclusivamente atores
óticas de imagem no negativo, mas filmava sem-
reais filmados quadro-a-quadro.
pre com a velocidade contínua da câmera. A pixilation nasceu a partir da ideia do stop motion dos
12. Norman McLaren fala que “Animação não é
primeiros cineastas como James Stuart Blackton
a arte de desenhos que se movem, mas a arte de
e seu “Haunted Hotel”. Se seres humanos foram
movimentos que são desenhados. O que acon-
eventualmente filmados quadro-a-quadro nes-
tece entre cada frame é mais importante do
tes filmes (como acontece em alguns filmes de
que o que acontece em cada frame. (MCLAREN
Emile Cohl e Hans Richter), tecnicamente isso
apud WELLS, 1998, p. 10, tradução nossa) 7 ".
já seria pixilation – mas só McLaren e Munro se
Para você, o que há entre cada frame?
aprofundaram para explorar de forma definitiva
Concordo inteiramente e repito sempre esta
e especial este efeito em seus filmes, já então
frase para os meus alunos. O que há entre cada
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“(filme de efeitos), do qual o cineasta francês Georges Méliès foi o grande precursor. Para ele, o cinema se constituía num espetáculo de magia e, para tanto, tirava proveito de todas as trucagens ao seu alcance.” (BARBOSA JR., 2005, p. 41) 7 WELLS, Paul. Understanding animation. 1. ed. Londres: Routledge, 1998. 6
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frame é o mistério mais fascinante, que só o animador pode descobrir, ao fazer seus filmes. Construímos as mais incríveis e trabalhosas imagens (ou não...) que existem “dentro” de cada frame apenas para podermos experimentar esta mudança entre cada um deles, que é o que cria tempos e movimentos e nos realiza como autores e comunicadores com o nosso público. Em técnicas como a pintura no vidro ou animação com areia, as imagens em si desaparecem ao longo do trabalho – só se eterniza a animação. Este mistério é a única coisa que motiva os animadores a empregarem um grande tempo de suas vidas para realizar apenas alguns segundos, minutos ou quando muito algumas horas em filmes de animação, que, no entanto, permanecerão para sempre...
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