NOS EXTREMOS: O CAMINHO PARA A GLOBALIZAÇÃO

October 15, 2017 | Autor: Emilio Sarde | Categoria: Geografia, História
Share Embed


Descrição do Produto

NOS EXTREMOS: O CAMINHO PARA A GLOBALIZAÇÃO Emílio Sarde Neto

A Guerra Fria

Com o fim da Segunda Guerra o equilíbrio de forças internas passa a depender de uma política de blocos rivais encabeçados por duas grandes potências União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e dos Estados Unidos da América. Mal acabou o conflito, os aliados se tornaram inimigos. Quando Harry Truman1 lança a bomba atômica sobre um Japão vencido, tinha acima de tudo a finalidade de exibir aos comunistas seu poderio militar e preservar a hegemonia do Estados Unidos. Os planejadores soviéticos não tinham dúvida de que o capitalismo continuaria por um longo tempo sob a hegemonia do Estados Unidos, que sai da guerra ainda mais poderoso. Isso era na verdade o que a URSS2 suspeitava e receava. Sua postura básica não era agressiva, mas defensiva. Era inevitável não intensificar a intervenção em assuntos internos de países com posição estratégica, sendo que sua segurança havia sido posta em “xeque”. Em suma, enquanto os Estados Unidos se preocupavam com o perigo de uma possível supremacia mundial soviética no futuro, Moscou se preocupava com a hegemonia concreta dos Estados Unidos, então exercida sobre todas as partes do mundo não ocupadas pelo Exército Vermelho. O verdadeiro perigo de uma Terceira Guerra Mundial ocorreu entre a enunciação formal da Doutrina Truman3, em março de 1947, onde foi anunciada pelo secretário de Estado General Marshall4 e idealizada pelo secretário Dean Acheson5. A doutrina dava 1

Foi o 33º presidente dos Estados Unidos. O último running mate de Franklin D. Roosevelt em 1944, Truman chegou à presidência em 12 de abril de 1945 após a morte de Roosevelt. Em sua presidência, os EUA terminaram a Segunda Guerra Mundial; a tensão com a União Soviética cresceu após o conflito, iniciando a Guerra Fria. 2 Abreviação para União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 3 conjunto de práticas do governo dos Estados Unidos, em escala mundial, à época da chamada Guerra Fria, que buscava conter a expansão do comunismo junto aos chamados "elos frágeis" do sistema capitalista. 4 George Catlett Marshall, Jr., general dos Estados Unidos, combatente na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial, célebre por ser autor do Plano Marshall, de ajuda à reconstrução da Europa devastada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

1

sinais de que os Estados Unidos se preparavam para assumir a liderança do capitalismo em defesa deste sistema, pois o futuro do capitalismo e da sociedade liberal não estava de modo algum assegurado, e era preciso mostrar a confiança dos americanos em seu poderio militar e dar à opinião pública a satisfação de que a URSS estava sendo contida. O anticomunismo era genuíno e popular num país construído sobre o individualismo e a empresa privada, e onde a própria nação se definia em termos exclusivamente ideológicos que podiam na prática conceituar-se como pólo oposto ao comunismo. Como é colocado por Hobsbawm (1995) não foi o governo norte americano que iniciou o irracional e sinistro frenesi da caça as bruxas6, mas demagogos, como o senador Joseph McCarthy7, que descobriram o potencial político da denúncia em massa do inimigo interno. Os Estados Unidos estavam comprometidos com uma posição agressiva, de mínima flexibilidade tática. Os dois lados estavam assim comprometidos com uma insana corrida armamentista para a mútua destruição, e com generais e intelectuais nucleares cuja profissão estava diretamente ligada a essa insanidade.

A Perestroika Ao ocidente são atribuídas a gênese e a idealização da Perestroika8, como reafirmam seus protagonistas. A URSS não soube aproveitar o enorme prestígio moral com que havia saído da guerra e não compreendeu que devia combater com argumentos os esquemas da Guerra Fria. O grande defeito da política dos Estados Unidos é ser militarizada, deu-se então uma corrida armamentista desenfreada e inútil, que concentrava todos os esforços na despesa de guerra em nome da Segurança Nacional.

5

Dean Gooderham Acheson, político dos Estados Unidos que Colaborou com os presidentes Franklin D. Roosevelt e Harry Truman, tendo exercido o cargo de secretário de Estado dos Estados Unidos da América. 6 Termo usado para referir-se a caça aos comunistas. 7 Político norte-americano, membro inicialmente do Partido Democrata, e mais tarde do Partido republicano. McCarthy foi senador do Estado de Wisconsin entre 1947 e 1957. Em seus discursos, McCarthy fazia acusações adicionais de infiltração comunista no Departamento de Estado, no governo do presidente Harry S. Truman, na Voz da América, e no Exército dos Estados Unidos. Ele também usou várias acusações de comunismo, simpatizantes comunistas, deslealdade, ou homossexualidade para atacar um número de políticos e outras pessoas dentro e fora do governo. 8 A palavra Perestroika, que literalmente significa reconstrução, recebeu a conotação de reestruturação (abertura) econômica.

2

Shevarnadse9 e Yakovlev10 compartilham dos mesmos ideais de Gorbachev11, de que a “sociedade soviética não podia mais viver com o sistema político e econômico então vigente”. A repulsa a cada vez mais monumental e generalizada corrupção da nomenclatura foi o foco inicial para o processo de reforma. O militarismo era representado por Gorbachev como uma patologia do capitalismo americano, devido a opções que nos primeiros anos do Pós-Guerra lhe haviam favorecido a extraordinária expansão, mas que a parte da segunda metade dos anos 70 causou-lhes o declínio e a perda crescente da competitividade. Gorbachev teve apoio bastante sólido dos quadros econômicos à Perestroika, sobre tudo dos pertencentes ao complexo industrial - militar, que queriam verdadeiramente melhorar a administração de uma economia estagnante e, em termos científicos e técnicos, paralítica. A Perestroika se propunha a estimular uma reforma do capitalismo americano: a liquidação gradual do “militarismo” que liberaria enormes recursos para a economia internacional e ofereceria novas oportunidades inclusive para os Estados Unidos, Gorbachev não escondia que o adversário contra o qual a Perestroika se voltava não era apenas o “complexo militarização-industrial” americano, mas também o soviético. Nas anotações de Shevarnadze, é evidenciado sem reticencias que a estagnação soviética derivava do papel do militarismo interno e que a Perestroika (estabelecendo uma nova relação entre política internacional) visava, antes de tudo, a liquidar com ele. Como foi colocado por Brejnev12, se um quarto da balança continuar sendo destinada para despesas militares, como era feito no passado, o país seria definidamente arruinado.

9

Eduard Amvrósievich Shevardnadze foi um político georgiano, nascido na antiga República Socialista Federativa Soviética Transcaucasiana. Exerceu as funções de ministro de Assuntos Exteriores da União Soviética, sob a presidência de Mikhail Gorbachev, de 1985 a 1990. 10 Alexander Yakovlev, historiador e jornalista considerado o pai-arquiteto da Perestroika. 11 Mikhail Sergueievitch Gorbachev foi um político e estadista russo mais conhecido por ter sido o último líder da União Soviética entre 1985 e 1991. Durante seu governo, as suas tentativas de reforma, tanto no campo político, representadas pelo projeto Glasnost, como no campo econômico, através da Perestróica, conduziram ao término da Guerra Fria e, ainda que não tivessem esse objetivo, deram fim ao poderio do Partido Comunista no país, levando à dissolução da União Soviética. 12 Leonid Ilitch Brejnev foi um estadista soviético que esteve à frente da liderança da União Soviética entre 1964 e 1982. Chefiou o Partido Comunista, tendo presidido o Soviete Supremo de 1977 até a sua morte. Teve sob seu comando o maior exército do mundo na época e um imenso arsenal nuclear, no período em que a URSS chegou ao seu ápice geopolítico. Pôs em prática a Doutrina da Soberania Limitada, que buscou impedir a expansão e influência do neoliberalismo pelo mundo, razão pela qual é considerada neostalinista, por seu cunho expansionista, agressivo e revolucionário.

3

A Perestroika nasce de um duplo estado de necessidade e foi concebida como um projeto global de “reestruturação” da URSS e da ordem internacional da Guerra Fria. Para a URSS, uma “revolução democrática” pelo alto, que estaria destinada a desmantelar o Estado totalitário e a “economia ministerial”, a refundar a União sobre bases confederativas e a inseri-la na economia mundial. No plano internacional, uma revolução das estruturas da Guerra Fria, visando instaurar “uma nova ordem mundial”, fundada na cooperação com base na interdependência e na reciprocidade. O elemento que permitiria guiar o processo de transição era individuado na reforma da bipolaridade, transformada em cooperativa, para fazer com que as duas maiores potências atuassem como garantes da passagem para uma nova organização do mundo de tipo multipolar. O programa incluía a liquidação do império soviético e do PCUS13, com a intenção de dar vida a um sistema político de tipo liberal-democrático e a um “socialismo de mercado”. A onda de renovação democrática foi favorecida pelo temor de uma falência da Perestroika. A liquidação dos regimes comunistas da Europa Oriental a transformação do Pacto de Varsóvia14 em uma aliança político defensiva faziam parte, portanto, do desenho abrangente da Perestroika. Inseriam-se na “formação Europa de um espaço econômico e jurídico único” e na “instauração de uma colaboração reciprocamente vantajosa entre os dois sistemas integrados existente no continente”: eram pressupostos indispensáveis para a bipolaridade interdependente e cooperativa. A própria unificação da Alemanha, portanto, não só se tornou possível com o advento de Gorbachev ao poder e os seis anos de Perestroika, mas foi também um resultado coerente com as ideias do “novo pensamento político” e com a modificação radical do quadro internacional por elas promovido. Como foi colocado por Hobsbawm (1995), o que levou a União Soviética com rapidez crescente para o precipício foi a combinação de Glasnost15, que equivalia à desintegração de autoridade, com uma Perestroika que equivalia à destruição dos velhos 13

Abreviação para Partido Comunista da União Soviética. Pacto de Varsóvia ou Tratado de Varsóvia foi uma aliança militar formada em 14 de Maio de 1955 pelos países socialistas do Leste Europeu e pela União Soviética, países estes que também ficaram conhecidos como bloco de leste. O tratado correspondente foi firmado na capital da Polônia, Varsóvia, e estabeleceu o alinhamento dos países membros com Moscou, estabelecendo um compromisso de ajuda mútua em caso de agressões militares e legalizando na prática a presença de milhões de militares soviéticos nos países do leste europeu desde 1945. 15 Foi uma medida política implantada juntamente com a Perestroika na União Soviética durante o governo de Mikhail Gorbachev. A glasnost deu novas liberdades à população, como uma maior liberdade de expressão - uma modificação radical, visto que o controle das liberdades de expressão e supressão da crítica ao governo tinham sido anteriormente uma parte central do sistema soviético. 14

4

mecanismos que faziam a economia mundial funcionar, sem oferecer qualquer alternativa; e consequentemente o colapso cada vez mais dramático do padrão de vida dos cidadãos. Os homens da Perestroika conseguiram desmantelar as estruturas do stalinismo e da Guerra Fria; mas não conseguiram dirigir a inserção da URSS na economia internacional, os processos de modernização e democratização das repúblicas, a reconstituição da União em novas bases paritárias e confederativas e o peso do passado aliados a mentalidade e a herança da Guerra Fria não permitiu sua inclusão.

A Globalização

O capitalismo em seu desenrolar histórico perdeu sua característica nacional, e adquiriu uma conotação internacional. Aos poucos os jornais singulares e particulares do capital, âmbito nacional e setorial, subordinaram-se às formas do capitalismo em geral, conforme seus movimentos e suas formas de reprodução em âmbito internacional. Verificava-se uma metamorfose qualitativa e não apenas quantitativa de tal maneira que o capitalismo adquiria novas condições e possibilidades de reprodução. Seu espaço ampliava-se além das fronteiras nacionais, tanto das nações dominantes como das subordinadas, conferindo-lhe conotação internacional, ou propriamente mundial. Essa internacionalização se tornara mais intensa e generalizada, ou propriamente mundial, com o fim da Guerra Fria, a desagregação da barbárie soviética e das mudanças de políticas econômicas nas nações de regimes socialistas em decadência. A partir desse momento as economias das nações socialistas transformaram-se em fronteiras de negócios, inversões, associações de capitais, transferências de tecnologia e outras operações, que intensificaram a generalização dos movimentos e das formas de reprodução do capital em escala mundial. Com a nova divisão internacional do trabalho, a flexibilização dos processos produtivos e outras manifestações do capitalismo em escala mundial, as empresas, corporações e conglomerados transnacionais, tudo isso amplamente agilizado e generalizado com base nas técnicas eletrônicas, essa nova divisão internacional do trabalho concretiza a globalização do capitalismo, em termos geográficos e históricos.

5

Globalizam-se as instituições, os princípios jurídicos-políticos, os padrões socioculturais e os ideais que constituem as condições e os produtos civilizatórios do capitalismo. É claro que o capitalismo continua a ter bases nacionais, mas estas já não são determinantes. A dinâmica do capital, sob todas suas formas, rompe ou ultrapassa fronteiras geográficas, regimes políticos, culturais, civilizações. As condições e as possibilidades de soberania, projeto nacional, emancipação nacional, reforma institucional, liberalização das políticas econômicas ou revolução social, entre outras mudanças mais ou menos substantivas em âmbito nacional, passam a estar determinadas por exigências de instituições e corporações multilaterais transnacionais ou propriamente mundiais que pairam acima das nações. Também o aparelho estatal, por todas as suas agencias, sempre simultaneamente políticas e econômicas, além de administrativas, é levado a reorganizar-se ou “modernizar-se” segundo a exigência do funcionamento mundial dos mercados, dos fluxos dos fatores da produção, das alianças estratégicas entre corporações. Daí a internacionalização das diretrizes relativas à desestalinização, desregulamentação, privatização, abertura de fronteiras, criação de zonas francas. Assim como se multiplicam e dispersam as zonas francas, multiplicam-se e dispersam-se as unidades e organizações produtivas. Desse modo, generaliza o capitalismo transformando o mundo em algo que parece uma Fábrica Global, também, cada vez mais generalizado às injustiças sociais, a pobreza e a fome, e cada vez mais este mundo assemelha-se a esta fábrica que não tem solução para os maiores problemas da humanidade.

Referências DOBB, Maurice. A Evolução do Capitalismo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. BEAUD, Michel. História do Capitalismo de 1500 até Nossos Dias. São Paulo: Brasiliense, 1987. HOBSBAWM, Eric. A Era do Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1986.

6

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.