Notas sobre futebol operário: esporte, identidade e trabalho fabril no Brasil, Argentina e Uruguai

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Futebol operário na América Latina: esporte, identidade trabalho fabril no Brasil, Argentina e Uruguai

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Notas sobre futebol operário: esporte, identidade e trabalho fabril no Brasil, Argentina e Uruguai1 Leonardo Soares dos Santos Doutor em História Professor Deptº História – UFF/Campos [email protected]

Resumo Nestas breves notas, lançamos algumas reflexões sobre alguns componentes atuantes na trajetória de conformação do futebol entre as classes sociais, em especial aquele que foi acolhido por setores das classes operários, o que deu origem ao “clubes operários” ou “times de fábrica”. Optamos nesse momento por dar maior atenção a alguns times do Brasil, do Uruguai e da Argentina, apontando para alguns aspectos dos primeiros momentos de sua formação e um pouco de sua história mais recente. Trata-se, portanto, apenas de um esboço de uma proposta de trabalho, que precisa, obviamente, ampliar o acúmulo de material empírico.

As diferente vias do futebol, aqui e allá.... O processo de expansão do futebol pelo mundo é incompreensível se não levarmos em conta o contexto mais amplo de expansão capitalista pelo mundo ocidental. Para sermos mais fiéis à realidade histórica, a popularização do futebol deve muito ao sucesso avassalador da economia colonialista inglesa durante a segunda metade do século XIX. Conforme demonstra Eric Hobsbawn, além da comercialização de manufaturas, o grande diferencial desse estágio de crescimento inglês será o impressionante volume de capital exportado. Esse aspecto sim é o que se constitui como grande motor dessa fase.

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Este texto serviu de base para a palestra por mim realizada no âmbito do ciclo de debates do NEPETS/UFF/Campos em outubro de 2014.

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Tais capitais foram parte integrante da modernização de muitas das grandes cidades dessa época. Assim, as empresas inglesas investiram pesado na aquisição e implantação de serviços públicos como os de luz, transporte (ferrovias, barcos e bondes), água, gás e esgoto. Além dos serivços, os ingleses passaram a implantar plantas fabris no estrangeiro. A Inglaterra não se contentava mais em produzir para o mundo comprar. Ela queria que o mundo também produzisse; mas com capital seu. E com os capitais, muitos trabalhadores ingleses (e escoceses) se dirigiram aos continentes europeu e americano para atuar na consolidação desse propósito. Com sua expertise técnica eles atuavam na instalação e no reparo de máquinas, organização da produção, estruturação e planejamento de atividades e fluxos. E nos tempos livres, muitos deles cuidavam de jogar bola. Mas apenas entre eles.

Em muitos lugares do planeta, inclusive em muitos países onde o futebol se tornaria ao longo do século XX um esporte de massas, foi assim que se deu – literalmente – o ponta-pé inicial do jogo. Pelas mãos, digo, pés dos empregados fabris britânicos. Assim foi com times como o Bangu, Peñarol, Cruz Azul, Pachuca, Recreativo Huelva, Milan e Paissandu (Rio). Para tanto, foram de fundamental importância o desenvolvimento dos meios de transporte. Nesse tocante vemos o grande papel dos portos (marítimos em especial, mas também os fluviais) e das ferrovias. Vários centros futebolísticos são emblemáticos da primeira situação, como Buenos Aires, Montevidéu, Rio de Janeiro, Barcelona, Sevilha, Roterdã, Londres, Porto, Lisboa, Recife, Rosário, Santos. Mas estas cidades e muitas outras demonstrariam o igual poder de irradiação e consolidação do jogo por parte das ferrovias; e isso se tornou evidente em cidades como Avellaneda, Campos dos Goytacazes, Córdoba, Madrid,

Bauru, Santa Bárbara, Coritiba,Cali, Guadalajara,

Turim, Genk, Saint Etienne, Eindhoven etc.2 Tais vias de comunicação foram fundamentais no caso do Rio de Janeiro. Pelo porto entraram, trazendo uma bola , os jovens filhos das famílias aristocráticas, que voltavam nas tradicionalíssimas universidades européias, contagiados mais pelo desejo de implantar o jogo que lá aprenderam do que propriamente pelo conhecimento acadêmico acumulado. Pelas ferrovias, os próprios técnicos e funcionários ingleses arregimentados para a sua instalação, quando largavam as ferramentas de lado, logo 2

Marcos Alvito (2014) lembra que as ferroviais são consideradas na Inglaterra como o principal fator de expansão do futebol na ilha britânica.

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ocupavam os pés praticando o esporte que tanto amavam, inspirando os seus colegas brasileiros a fazer o mesmo tempos depois.

O trem, junto com as usinas de açúcar, alimentou o futebol campista. Oficina Mulambada – Campos dos Goytacazes. Acervo do Arquivo Municipal de Campos.

Diz Gilmar Arruda (2005, p. 61) que “o futebol no Brasil se estabeleceu como uma prática circunscrita a empregados de firmas britânicas e a certos jovens da elite, desejosos de copiar aspectos “civilizadores” do modo de vida europeu.

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Rede ferroviária do Uruguai. Dela surgiria um dos maiores times do futebol mundial, mais exatamente da Estação Peñarol.... Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Red_ferroviaria_de_Uruguay

Pois ao contrário do que consagrou uma tradicional historiografia – inaugurada por Mario Filho3 - a chegada do futebol às terras brasileiras se deu por mais de uma via. Houve sim a introdução do futebol via estudantes das famílias mais endinheiradas de centros urbanos como Rio e São Paulo que vieram da Europa trazendo bolas e as regras para o jogo. Assim surgiram clubes como Fluminense e Germânia. E deles e pelas mãos (ou pés) de jovens oriundos de famílias igualmente opulentas surgiriam São Paulo, Flamengo, América, Botafogo, Grêmio Portoalegrense, Americano, Paissandu (Rio), Rio Cricket (Niterói) e Mackensie paulista. E aqui temos a vertente que sempre foi a mais consagrada pela memória historiográfica a respeito do fenômeno do futebol no país. A que retrata o futebol como o meio de deleite da boa sociedade de algumas de nossas cidades.4 E não há muitas dúvidas de que isso tenha ocorrido efetivamente. As feições elitistas do futebol nos seus primórdios estavam presentes em diversas situações. Desde

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FILHO, Mário. O Negro no futebol brasileiro. Segundo PEREIRA (2000, p. 23): “memorialistas e historiadores participaram do processo de criação de uma memória do futebol brasileiro que, no fundo, nada tinha de original; vendo nos seus primeiros tempos um perfil aristocrático e elitista, fizeram da história particular do jogo o reflexo de uma história mais ampla criada para os primeiros tempos da jovem República, que lhe atribui uma marca oligárquica e excludente.” 4

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os uniformes ricamente abotoados, os lenços de seda figurando como cintos, os bigodes minuciosamente aparados, os cabelos penteados (e que continuavam após as pelejas).

A rede ferroviária argentina. A maior da América Latina até o Governo Menem, que tratou de destrui-la. Fonte: http://snieczeporuk.cumbresblogs.com/files/2011/04/Red-Ferroviaria.png

Alguns times chegavam a adotar gravata como parte integrante do seu uniforme. A vestimenta denunciava a nobreza dos praticantes dos certames. Leonardo Pereira lembra que a “importação dos uniformes explicitava ainda mais claramente a sofisticação que os defensores do futebol tentavam atribuir ao jogo – sendo os clubes constantemente elogiados nos jornais pelo ‘garbo de seus teams’” (PEREIRA, 2000, p. 40). Assim, o mesmo historiador (2000, p. 31) sintetiza o papel que o uniforme tinha para um dos mais aristocráticos times da história, o Fluminense, cuja “fidalguia” é até hoje evocado com orgulho: “Ainda com seu primeiro uniforme cinza e branco, o time entrava em campo de maneira impecável. Com as camisas elegantes e bem passadas, as faixas que prendiam as bermudas e os penteados cuidadosamente arranjados, os jogadores mostravam a altivez com a qual disputavam suas partidas. Composto por jovens de pele clara e bigode bem aparados, em grande parte filhos de famílias europeias, o time do Fluminense ia dando ao jogo no Rio de Janeiro um perfil definido: palco de afirmação de modismos e hábitos europeus, os estádios serviam para essa juventude endinheirada como um espaço de celebração de seu cosmopolitismo e refinamento, em um processo que ia imprimindo ao futebol por eles praticado a marca da modernidade.”

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Diante de tal contexto, a linguagem que traduzia todo o universo do esporte não poderia ser outro que não um vocabulário quase que importado da city londrina: foot ball, sportmen, training, club, hands, penalty, kcick-off, backs, foot-ballers, halfs, goalkeeper, off-side, forward, referee e teams. E nem tudo eram só palavras. O elitismo também se fazia presente nas mensalidades cobradas aos sócios – eram altíssimas. Logicamente, de maneira proposital, já que assim se podia selecionar o tipo de sócio a frequentar a sede do clube. O jogo tal como se desenrolava também era atravessado pelo ethos aristocrático na maneira como os jogadores, cartolas, torcida e imprensa viam o esporte. Nesses primeiros tempos, o esporte não era visto pelo prisma da competitividade. Não havia a ideia do vencer a qualquer custo. Não eram atletas. Eram sportmen mais do que nunca preocupados em atuar de forma elegante e com imenso espírito esportivo. O jogo nesse momento não comportava rivalidades e falta de civilidade. Ele era aos olhos de seus principais promotores o espaço por excelência de expressão e consagração de um modo de vida burguês clássico. Brigas, jogadas ríspidas, agressões verbais? Nem pensar. A etiqueta do match não permitia. Os jogos eram vistos no estádio por um público “composto por membros de ‘muitas famílias’ e cavalheiros da cidade” (PEREIRA, 2000, p. 30). E isso não se resumia às quatro linhas. As torcidas deveriam ter um comportamento compatível com os nobres exemplos que surgiam dos gramados. A relação entre os torcedores deveria ser o mais respeitoso possível. E o mesmo valia em relação aos jogadores, inclusive com os do time rival. Mas essa não é toda a história. Leonardo Affonso Pereira passa boa parte do seu Footballmania - um estudo da história social do futebol na cidade do Rio - demonstrando que o processo de implantação do futebol no país foi muito mais do que o desfile tranquilo e quase inocente de uma série de valores, práticas, virtudes e sensações das camadas aristocráticas de nossas cidades. No caso do Rio de Janeiro – um exemplo que muito provavelmente encontra semelhanças em cidades como São Paulo, Porto Alegre e muitas outras do Brasil - além de ampla participação de segmentos populares que habitavam áreas não tão nobres da cidade, como os subúrbios (Méier, Encantado, Deodoro, Engenho Novo, Riachuelo), contou com a decisiva participação de segmentos da classe operária. Esse fenômeno

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daria ensejo a criação de inúmeros clubes comumente denominados de “times de fábrica” ou “times operários”.

Rede ferroviária do Rio de Janeiro. Fonte: http://www.chaourbano.com.br/visualizarArtigo.php?id=59

Logo no início vários times foram criados por força de segmentos populares das periferias e subúrbios de algumas das grandes cidades, casos de vários times do Rio como Riachuelo, São Cristovão, União F.C., Mangueira, Cascadura, Alumínio. Citemos também o Internacional de Porto Alegre, que nasceu num dos lugares mais pobres de Porto Alegre, o bairro da Colônia Africana5; Corinthians paulista; Juventus; Campos (cujo roxo e negro da camisa faziam referência ao grande número de mestiços e negros no seu time). Além disso, havia entre o amplo segmento popular, grupos melhor ciscunscritos, mais bem definidos, que emprestaram a suas agremiações um conteúdo de classe mais explícito. E isso teve lugar junto aos “clubes de fábrica”. E não foram poucos no Brasil. 5

Este trecho do estudo de Gilmar Arruda (2005) é realmente impressionante da precariedade material vivenciada pelo clube: “O SC Internacional, ao contrário, vivenciava em seus primeiros anos graves problemas materiais, condição refletida em sua própria espacialidade marginal. Para fugir das inundações, o clube se transferiu para outra várzea, próxima à Colônia Africana (bairro miserável, aglomeração de barracos produzida pelos negros completamente marginalizados após o fi m do escravismo, numa cidade cujo mercado de trabalho privilegiava o imigrante europeu). Como antes, os jogadores tinham de desmontar as balizas ao fi m de cada treino ou partida, para evitar que sua madeira fosse queimada pelos indigentes. A precária associação esportiva esteve preste a desintegrar-se, sobrevivendo, porém pela “mui nobre” motivação ideológica supracitada: contrapor-se ao Grêmio.”

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Eles foram bem marcantes – em termos de número e importância – na maior parte das áreas mais densamente industrializadas do país na primeira metade do século XX, como em diversas cidades e áreas industriais localizadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia. Eles floresciam de empreendimentos do ramo industrial como fábricas de palitos como calçado, tecidos, papel, usinas de açúcar, metalurgia, siderurgia, fósforo, tinta, cimento, oficinas de trem e bonde. Ele foi expressivo no estado de Santa Catarina por conta de várias minas de carvão que abasteciam a indústria nacional e reunião enorme contingente de trabalhadores. A esse respeito temos as trajetórias de clubes como o Novo Horizontino (SP), os Ferroviários (SP, CE, PR), os Operários (MT, PR, SP), Coroados (RJ), Manufatura (RJ), Filó (RJ), Renner (RS), Metalúrgico (RJ), Mauá (RJ), Tramway (BA), Central (RJ), Adrianino (RJ), União São João (SP), Noroeste (SP), Industrial (RJ), Tamoio (RJ), Atlético Mineiro (SC), Frigorífico (RJ), Eletrovapo (RJ) e muitos outros. Na cidade do Rio de Janeiro, os times operários dos primórdios do futebol não ganharam muitos títulos e estiveram longe de figurar no primeiro escalão, mas cumpriram relevante papel no que tange a uma maior integração de segmentos historicamente marginalizados da cidade como os trabalhadores mestiços e negros. Quanto a isso, times como o do Bangu, Andaraí e Carioca tiveram uma atuação ainda muito subestimada até hoje. Os times de trabalhadores de fábricas, ao contrário do que leva a imaginar uma consagrada memória tradicional sobre o esporte, teve um papel muito importante na conformação de uma cultura do futebol. Se nos grandes centros eles realmente tiveram um papel secundário, em cidades mais afastadas eles chegaram a ser hegemônicos. Temos o exemplo de alguns times operários de alguns times do antigo estado do Rio de Janeiro, que até o final da década de 1960 tinha um considerável padrão de industrialização e que chegaram a conquistar diversos títulos do antigo campeonato fluminense. O quadro não foi muito diferente tanto no Uruguai quanto na Argentina. O futebol, como em todo lugar, foi impulsionado pelos capitais ingleses, direta ou indiretamente. Nesse sentido, a questão do fluxo de capitais e as vias de comunicação e transporte eram essenciais. Não é casual que o esporte tenha despontado principalmente nas áreas dotadas de portos (marítimos e fluviais) e/ou atravessadas por linhas férreas. Se dermos uma boa olhada no mapa de alguns países, veremos que a maior parte dos

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clubes implantados nas primeiras décadas de história do futebol o foram em cidades que tinham tais requisitos. Assim foi em cidades portuárias como Genoa, Lisboa, Amsterdã, Roterdã, Livorno, Assunção, Montevideu, Barcelona, Porto, Rosário, Porto Alegre, Fortaleza, Santos, Rio Grande. Assim foi em cidades que abrigavam grandes entrocamentos ferroviários como Campos dos Goytacazes, Araraquara, Santiago de Chile, Cali, Bogotá, Córdoba, Turim, Milão, Dortmund, Avellaneda, Juiz de Fora, Belo Horizonte, Barra do Piraí, Barra Mansa, Bauru, São Gonçalo etc. A partir dessas veias abertas para os capitais ingleses, o futebol foi se entranhando nos territórios, sendo apropriado e ressignificado por grupos sociais, sendo enquadrado por culturas específicas, consituindo-se ele próprio um componente importantíssimo dessa cultura. A esse respeito, o geógrafo Gilmar Arruda (2005, p. 62) destaca que O futebol se tornou, no Brasil, muito mais que mera modalidade esportiva. Sua rápida e profunda disseminação, atuando inclusive no processo de integração do território, propiciou-lhe a condição de elemento central na cultura brasileira. Constitui o futebol um amplo sistema de práticas e representações sociais, uma complexa teia de sentidos e significados, que entendemos como passível de se analisar como uma poderosa forma simbólica, com densa impregnação na paisagem urbana.

Isso não foi diferente em outras paragens da América do Sul. O futebol não foi apropriado de maneira exclusiva por nenhuma categoria ou grupo social. Assim como as elites não foram as únicas a projetar sobre eles símbolos, significados e expectativas conformes ao um determinado modo de existência e relação social (idem, p. 63). Na Argentina, os vários nomes de times em grafia inglesa evidenciam a grande influência que a terra da Rainha exercia sobre os seguidores do esporte bretão: River Plate, Boca Juniors, Racing, Newell Old Boys, All Boys, Arsenal, Nova Chicago e Argentinos Juniors. Muitos clubes foram criados por estudantes, casos do Alumni, Estudiantes e Racing. Havia uma tendência muito forte que conduzia a uma aristocratização. Mas a sociedade argentina era muito mais ampla, rica e complexa do que podia suspeitar a sua autosuficiente elite. E a incrível expansão urbana e industrial e a inacreditável onda imigratória que varre Buenos Aires tornava tudo mais complicado e imprevisto.

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E o futebol não ficou imune. Assim como elite, grupos populares, oriundos das classes trabalhadoras ergueram com suor, empenho e muito talento inúmeras agremiações futebolísticas. Das periferias e áreas de trabalho pesado, como o cais do porto, afloriam alguns times que até hoje são objeto de muita paixão e veneração, casos do Boca Juniors, San Lorenzo, Independiente, Huracán, Chacaritas, Argentinos Juniors, Banfield etc. E dentro dos segmentos mais pobres, os trabalhadores fabris – não apenas de Buenos Aires - conseguiram construir a partir de seus locais de trabalho autênticos “times de fábricas”, exemplos do Rosário Central, o porteño Ferrocarril Oeste e Talleres, este último de Córdoba. Nas canchas de Montevideu, algo muito semelhante se sucedeu. Diversos clubes faziam reverência ao universo simbólico britânico: Wanderers, River Plate, Liverpool, Rampla Juniors, Racing, Boston River, Albion e Canadian. Mas ao contrário de Brasil e Argentina, houve desde o início uma acentuada inclinação da maior parte dos clubes pela “aceitação” de jogadores “criollos” e “negros” em suas fileiras. O que não implicava na ausência de tensões e conflitos em torno de verdadeiros processos de segregação social e espacial por parte da elite, conforme veremos mais adiante ao passarmos ao exemplo do River Plate. Esta foi a via seguida inclusive pelos maiores clubes da história do país: Peñarol e Nacional. O que se refletiu desde então no Selecionado Uruguaio, mais tarde conhecido como “La Celeste Olímpica”. Fábrica de dribles: o caso do Rio de Janeiro O Bangu Atletic Club foi fundado em abril de 1904 diante da estação ferroviária de mesmo nome. Foi fundado por funcionários ingleses da Fábrica de Tecidos Companhia Progresso Industrial. Mas as partidas rolavam desde 1892 pelos pés dos técnicos da terra da Rainha. Diz Leonardo Pereira (2000, p. 32) que a “princípio, a direção da fábrica não parecia muito disposta a apoiar a iniciativa de seus empregados, que desejavam fundar um clube nos moldes daqueles que conheciam em seu país de origem”. A direção mudou de ideia e em 17 daquele mesmo o clube é fundado por 9 rapazes. A sede foi prontamente providenciada por aquela, “decidiu-se nessa reunião que o Sr. Stack fosse

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encarregado de pedir ao diretor da fábrica, João Ferrer, o pano de cores branca e encarnada que seria usado no uniforme do time.” De início, o clube congragava parcelas muito restritas dos empregados da fábrica, compondo-se somente de trabalhadores especializados de origem estrangeira que ocupavam cargos de chefia [...]. Tendo por fim a prática de esportes como o foot-ball, o cricket e o lawn tennis, todos de origem inglesa, mostrava ter como objetivos principais a diversão do numeroso contingente de trabalhadores britânicos da empresa” (idem). Embora bem restrito em seu início, o clube foi integrando aos seus quadros - tanto de sócios quanto do próprio time - operários de outras origens. Em pouquíssimo tempo o Bangu se tornaria num clube verdadeiramente suburbano, com vários jogadores de feições negras e mestiças, muito distante do ideal europeu seguido por muitos clubes da zona sul carioca. Não á toa o clube receberia o título – bastante ambíguo para a época – de “mulatinhos rosados”.

Estádio Proletário, do Bangu, no bairro de mesmo nome. Ainda de pé, a despeito do descaso da elite do futebol carioca. http://www.bangu-ac.com.br/estadio.htm

Aliás, o clube também conseguiria trilhar uma trajetória bem-sucedida, disputando de maneira competitiva junto aos grandes times que seriam da primeira divisão do campeonato carioca. Embora não tenha sido campeão nos primeiros 10 anos de disputa, o Bangu promoveria uma série de abalos nos pilares do esporte bretão.

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https://cidadesportiva.files.wordpress.com/2011/10/fabrica-bangu-atletico.jpg

A presença do Bangu, e seus jogadores mulatos, “de cor”(sic), empregados humildes, incomodava os clubes da elite e a própria associação organizadora do evento, a Liga Metropolitana de Sports Atléticos (controlada por aqueles). Uma série de obstáculos foram interpostos ao time para evitar que o exemplo dos “mulatinhos rosados” contagiasse outros times com o seu time com “tão pouco garbo”. Assim, em maio de 1907 a entidade enviava aos clubes associados o seguinte ofício: “Comunicovos que a diretoria da liga, em sessão de hoje, resolveu por unanimidade de votos que não serão registrados como amadores nesta liga as pessoas de cor.” Segundo Leonardo Pereira (2000, p. 66) a liga se inspirava no estatuto do Club Sportivo dos Liberais, que determinava a aceitação de “um ilimitado número de sócios de qualquer nacionalidade, exceto pessoas de cor”. Com a exclusão racial - que acompanhava a segregação social que já se exercia – a elite que comandava o campeonato carioca “tentava fazer do eporte um monopólio de jovens rapazes brancos e endinheirados, em que não haveria lugar para trabalhadores recém-egressos da escravidão” (Idem).

Na verdade tal resolução vinha consagrar um mal-estar que se acumulava por parte dos clubes “mais nobres”, face à presença de “trabalhadores”, ou seja, “jogadores de segunda ordem” nos quadros do Bangu. Mas não era só ele que incomodava.

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Quando o campo do Bangu era bem ao lado da fábrica de tecidos. Fonte: https://historiadoesporte.wordpress.com/2012/05/14/bangu-e-a-fabrica-um-casamentoinfeliz/

Conforme a industrialização avançava na cidade com o surgimento de denovas fábricas, muitas destas iam criando clubes de futebol. A Progresso Indutrial, por exemplo, que já havia criado o Bangu A.C., fundadaria mais três: o Brasil Atletic Club, o Escolar Foot-ball Club e o Esperança Atletic Club. Os operários das oficinas ferroviárias de Engenho de Dentro criariam o Atlético F.C. e o Fábrica F.C.

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Bangu campeão de 66, após batalha campal contra o Flamengo de Almir. Fonte: http://www.bangu.net/multimidia/fotos/poster/img/1966.jpg

Time vice-campeão brasileiro de 1985. Fonte: http://imgssrzd.s3.amazonaws.com/srzd/upload/v/i/vice_campeao_brasileiro_de_1985_divulgacao.jpg

Já os trabalhadores da Fábrica de Fiação e Tecelagem Carioca, localizada no Jardim Botânico, criariam o Carioca Foot-ball Club: “tendo entre seus jogadores nomes como Lalau, Sardinha e Barreto, o clube mostrava uma composição bem diferente daquela

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formada por filhos das famílias elegantes da Zona sul ou dos subúrbios” (PEREIRA, 2000, p. 72).

Time do Carioca FC, um dos primeiros (junto com o Bangu) a contar com negros na disputa do campeonato carioca. Fonte: http://www.museudohorto.org.br/localidade?id=1132

Conforme defende Leonardo Pereira (pp. 72-3), o esporte ia deixando de ser monopólio dos sportmen da “boa sociedade”. Já na segunda década de consolidação do futebol na cidade do Rio e no seu recém-nascido campeonato, estavamos diante de um cenário bem diferente do traçado por Mário Filho décadas mais tarde.

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Time do Andaraí, da fábrica de tecidos do bairro. Fonte: http://www.cariocaesporteclube.com/attachments/Image/TIME.jpg

Outro clube operário de renome da época seria o Andaraí F.C., campeão da segunda divisão em 1915, formado por operários da fábrica de tecidos localizada no mesmo bairro, seria junto com Bangu e o Carioca os principais clubes operários das três primeiras décadas do século XX. E todos eles representavam um sério perigo para os outros membros da liga, não tanto pelos resultados alcançados, mas fundamentalmente pela presença de jogadores negros em suas fileiras. Ao ponto de, em 1915, o segundo secretário da Liga Metropolitana Alberto Silvares propor a criação de uma espécie de divisão ou “série operária” para os “clubs que possuam em seus teams pessoas de determinadas profissões” (ibidem, p. 116). Evitaria-se assim a “mistura”, a “promiscuidade” entre a “gente elegante” e pessoas que não tinham a “mesma educação e cultivo”. Num dos seus artido publicados na revista Sports, Alberto argumentava que a mistura no esporte buscava negar principios básicos da hierarquia da “vida social e mundana”:

“(...) De modo que nós que frequentamos uma Academia, temos uma posição na sociedade, fazemos a barba no salão naval, jantamos na rotisserie, frequentamos as conferências literárias, vamos ao Five o’clock; mas quando nos resolvemos a praticar Sport entramos para o Icaraí, club distinto filiado à 3ª divisão da Liga Metropolitana, somos obrigados a jogar com um operário, limador, com um corrieiro [sic],

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mecânico, chauffer e profissões outras que absolutamente não estão em relação ao meio onde vivemos. Nesse caso a prática do Sport torna-se um suplício, um sacrifício, mas nunca uma diversão.” (Ibidem, p. 115)

Vista aérea da Fábrica de Tecidos Cruzeiro, de Andaraí. Fonte: https://historiadoesporte.files.wordpress.com/2012/12/vista-geral-da-fc3a1brica-cruzeiro.jpg

Time do Andaraí. Fonte: https://cidadesportiva.files.wordpress.com/2011/10/fabrica-ligagrafica.jpg

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Asociación como marca de una clase: la pelota que se toca em Buenos Aires. Comparando os estilos de jogo de Brasil e Argentina, adotados em meados do século XX, Roberto Sander (2004, p. 27) pontua que no caso albiceleste, “A influencia europeia – trazida por jogadores operários, que trabalhavam em frigoríficos e tecelagens – deu aos argentinos uma noção maior de futebol compactado, integrado e coletivo. Em síntese, um futebol de mais marcação e, portanto, mais solidário e competitivo. Eles aliavam eficiência tática à habilidade – por isso eram mais técnicos. A sabedoria para conjugar esses dois fatores em benefício do conjunto foi determinante para o sucesso do futebol argentino nesse período [anos 40] ...”

Ou seja, a contribuição dos times operários foi vital para que o futebol daquele país atingisse grande nível de excelência. Mais do que isso: deu ele a sua marca característica – além da grande determinação: o jogo coletivo, com intensa e plástica troca de passes, envolvendo o maior número de jogadores possível. É algo realmente fascinante de se vislumbrar que os grandes times do River Plate e Independiente dos anos 90, o Boca da década de 2000, as últimas seleções argentinas, e muitos outros times argentinos, que mesmo não ganhando as competições, desfilavam um estilo de jogo clássico, caracterizado pela troca de passes, sigam uma tradição que possivelmente tenha sido inaugurada por times marcadamente influenciados por numerosos contingentes operários. Não por acaso, quando voltamos aos primeiros anos do século XX na Argentina, encontrarmos uma série de times desse tipo. Além disso, é bastante significativo que, num contexto de tanta popularidade do esporte junto aos trabalhadores fabris, setores da esquerda (socialistas, anarquistas e comunistas) tenham se lançado com tanto empenho na criação de dezenas de clubes de futebol com explícita ligação partidária e ideológica de esquerda.6

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Eis a impressionante lista de clubes desse tipo: La Chispa Constitución/Barracas; Juventud Obrera de Villa Castellino Avellaneda; Pilcomayo 1937; La Internacional Avellaneda; Germinal; Villa Crespo; Alba Roja; Estrella Roja Almagro; Deportivo Rojo Ramos Mejía; Juventud Obrera de Piñeyro Avellaneda; Industria del Mueble Almagro; Unión y Trabajo Parque Chacabuco; Unión y Libertad Parque Chacabuco; Rosa Luxemburgo Avellaneda; Bartolomé Senra; Pacheco San Cristobal; 1º de Mayo Parque Chacabuco; Salud y Fuerza Villa Devoto; El Porvenir Villa Crespo; Obreros Biseladores y Anexos Balvanera; Palestra Caballito; El Martillo y la Hoz Constitución; Unión y Fuerza Haedo; La Antorcha Sáenz Peña; Sportivo Lenin Vélez Sarsfield; Justicia Constitución; 1º de Mayo de 1886 Villa Crespo; Obreros Gorreros Balvanera; Nicolás Lenin Avellaneda; Aurora Roja Gerli; Unión Obrera Liniers; Deportivo Metalúrgico Balvanera; Valor y Verdad Parque Chacabuco; Deportivo Luz Villa Industriales; Sol de Mayo Boedo; Eliseo Reclús Flores; Hijos del Pueblo Avellaneda; Juventud Obrera de Adrogué; Claridad Flores; New Alumni Nueva Pompeya; A. Vorovsky (luego Renovación);

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E maior ainda deve ter sido a contribuição dos chamados times operários. Alguns dos quais sobrevivem até hoje. Um deles é o Talleres. Time de Córdoba, que por muito tempo foi a segunda cidade mais industrializada da Argentina. Antes de aderir a Federação Nacional, o Talleres pontificou na Liga Cordobesa. Ele foi fundando em 1913 por empregados da cia. Ferrocarril Central Córdoba. Desde então tais agentes organizariam toda a vida do nascente clube: Las primeras reuniones informales se dieron en la tornería del Ferrocarril, a cargo de obreros de la empresa. Finalmente decidieron convocar a una reunión general. En el hogar de Ángel Savatelli, se juntaron los gestores de la entidad con la idea de constituir un cuadro poderoso (Sítio oficial do TALLERES).

As participações em certames internacionais não são algo raro em se tratando de times operários argentinos. Já houve até consquista. Aqui vemos o time do Talleres campeão da Copa Conmebol de 1999. Fonte: http://www.taringa.net/posts/videos/1126411/TalleresCampeon-Conmebol-1999.html

O Talleres – nome em alusão ás oficinas da empresa F.C.C. - disputaria várias vezes o campeonato nacional da primeira divisão. Sua conquista mais marcante seria a Boquense Rojo La Boca; Renovación Villa Crespo; Unión Obrera Ciudadela; Emilio Zola Avellaneda; Juventud Obrera de V. Domínico Avellaneda; El Pioneer Villa Crespo; Compañerito La Paternal; Enrique G. Müller Constitución; Hijos del Pueblo San Cristobal; José E. Rodó Mataderos; Luis Recabarren Almagro; Gutemberg Boedo; Sol de la Humanidad Nueva Pompeya; Wanders Villa Crespo; Spartacus Villa Crespo; Defensores de Miró Parque Chacabuco; Ferroviarios del Sud Barracas; Avangard Caballito/Villa Crespo; Unidos de Flores.

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Copa Conmebol de 1999. E essa é outra marca dos times operários argentinos. Muitos deles participam de campeonatos nacionais e por diversas vezes disputaram certames internacionais.

Estádio La Boutique, de propriedade do Talleres de Córdoba. Fonte: http://www.taringa.net/posts/deportes/16911500/Estadios-de-la-B-Nacional.html

É o caso desse outro time operário, o Ferrocarril. El 28 de julio de 1904, un grupo de 95 empleados del Ferro Carril Oeste se reunieron en la oficina de cargas con un objetivo bien claro: fundar un club. Si bien estos hombres eran progresistas y emprendedores, no soñaron que de ahí surgiría, tiempo más tarde, uno de los clubes más importantes del país (Sítio oficial de FERROCARRIL OESTE)

Futebol operário na América Latina: esporte, identidade trabalho fabril no Brasil, Argentina e Uruguai

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Equipe do Ferrocarril de 1963. Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Club_Ferro_Carril_Oeste

Estádio do Ferrocarril Oeste Ricardo Etcheverri. Fonte: http://www.elmejorestadio.com/wpcontent/uploads/2011/01/fco.jpg

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Ferro campeão de 1982. Fonte: http://www.ferroweb.com.ar/verdolag/reportaj/rocchia/rocchia6.jpg

O clube também disputaria por diversas vezes o Campeonato Nacional principal, sendo até mesmo campeão em 1982 e 1984. O que lhe proporcionou jogar em duas ocasiões a Taça Libertadores da América. Aliás, a torcida do Ferrocarril celebra até hoje com muito orgulho, através de seus cânticos, o fato do clube ter disputado duas partidas por aquele campeonato no estádio do Maracanã em 1985.

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Ferro campeão de 1884 e que disputou a Taça Libertadores do ano seguinte, jogando inclusive duas partidas no Rio de Janeiro (empate com o Fluminense no Macanã – algo que é lembrado até hoje por seus torcedores em suas cantorias de alento a equipe verdolaga - e vitória sobre o Vasco por 2 a 0 em S. Januário). Fonte: http://botefutbol.blogspot.com.br/2013/09/ferrocarriloeste-1984-campeon-de.html

Outro time de marca operária foi - e é - o Rosário Central. A finales de 1880 un grupo de trabajadores del Ferrocarril Central Argentino se reunía com frecuencia tras la jornada laboral, a practicar un rudimentario fútbol en los terrenos baldíos ubicados cerca del nacimiento de la actual Avenida Alberdi, en la zona norte de Rosario. En la víspera de la Navidad de 1889, cerca de setenta personas se congregaron en un desaparecido bar de la Avenida Alberdi 23 bis con la intención de crear un club de fútbol. Fue entonces cuando un inglés llamado Thomas Mutton, propuso formalmente la creación de aquel proyecto, sugiriendo para el mismo el nombre de “Central Argentine Railway Athletic Club”. Los asistentes dieron su aprobación, y eligieron como presidente de la institución al más vehemente de los oradores: el escocés Colin Bain Calder. Era el nacimiento del primer antecedente de lo que luego, en 1903, sería Rosario Central. La particularidad del nuevo club era que sólo podían ser socios los empleados del Ferrocarril. (Sítio oficial do ROSARIO CENTRAL)

Equipe do Rosário no início do século XX. Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Club_Atl%C3%A9tico_Rosario_Central#mediaviewer/File:Equipo_ de_Rosario_Central_de_1919_%282%29.gif

Mas assim como o Bangu, mesmo sendo operário, por muito tempo o Rosário Central era integrado apenas por empregados ingleses. Como evidencia a escalação da

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primeira partida do clube contra um “selecionado” de marinheiros britânicos, que há dias estavam aportados no porto da cidade. Eis a escalação da equipe rosarina: M. Barton; Postell y Camp; J. Muskett, J. Barton y King; McLean, T. Muskett, Green, McIntock y Hooper. O clube se abriria aos operários “criollos” apenas em 1903. E desde então a identidade do clube vem sendo forjada tendo como referência a ligação com as camadas mais diretamente envolvidas com o mundo do trabalho, isto é, como um clube das classes trabalhadoras. Além de inúmeras participações na “Primera Nacional”, o Rosário Central chegaria a conquista de um importante título internacional, a Copa Conmebol de 1995, derrotando o Atlético Mineiro.

Equipe campeã da Copa Conmebol de 1995 depois de vitória épica sobre o Galo mineiro. Fonte: http://blogsdelagente.com/blogfiles/tonyshow/centralconmebol.jpg

La garra charrúa y obrera: el caso de Montevideo. Os clubes uruguaios, mais até do que o argentino, desde sempre foram forçados a se abrir aos segmentos mais populares. Conforme Rodolfo Porrini (2012, p. 74), contexto social contribuia para isso: “El Uruguay vivió un proceso “modernizador” en lo político y en lo económico que también experimento en la faz educativa y cultural en las primeras décadas del siglo XX y especialmente en su capital Montevideo. A partir de la legislación laboral aprobada desde 1914, en estas tres décadas aumentaron las posibilidades de los trabajadores de disponer de un efectivo “tiempo libre” –leyes de “ocho horas”, descanso semanal, vacaciones anuales-, así como de disfrutar las opciones de recreación creadas o fomentadas por particulares y el Estado.”

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E muito desse tempo livre foi aproveitado para a prática do futebol. Muitos desses trabalhadores resolveram se engajar nas partidas entre eles ao final do expediente. Todo esto fue llevando a esa impensable y extraordinaria “explosión lúdica de los montevideanos” ... Eran miles de trabajadores y sus familiares de todas las edades –de la adultez a la niñez- los que practicaban el fútbol y constituían una marea que había inundado el deporte del balón en los años veinte en muy diferentes escenarios de juego: estadios, canchas, campitos y calles. Hacia 1924 eran más de cien los clubes aglutinados en diversas divisionales de la Asociación Uruguaya de Football (AUF) y en las de su competidora la Federación Uruguaya de Football. A estos debería sumarse los de las ligas barriales y los equipos no articulados en ninguna institución.

Dessa cultura popular do futebol – situação que só encontraria semelhança no contexto inglês – surgiram dois clubes de fábrica, o Penãrol e o River Plate. A origem do primeiro está ligada à empresa inglesa de transporte ferroviário, a Central Uruguay Railway: “En 1890, la compañía, adquirió 20 hectáreas en la localidad de Peñarol a 11 kilómetros de Montevideo. Se eligió ese lugar para instalar el centro de operaciones de la empresa, en forma de talleres, depósitos, oficinas e incluso posteriormente casas para sus empleados” (Sítio ofical do Peñarol). Rapidamente, o antes lugarejo, tornou-se um enorme e vibrante bairro operário.

Peñarol e seu berço. Fonte: http://quierocosas.blogspot.com.br/2013/05/paseo-casual-trenvapor-penarol.html

A evolução da empresa às portas de Montevideo segue com perfeição o padrão encontrado na América Latina nessa fase de expansão do capitalismo inglês. Está tudo

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aqui reunido: capitais britânicos, trabalhadores britânicos especializados, e uma incrível disposição desses em disputar animadas partidas de futebol nos intervalos e após a jornada de trabalho. Até que El 28 de setiembre de 1891 se creó el club de cricket de la empresa. (C. U. R. C. C.: Central Uruguay Railway Cricket Club). En mayo del año siguiente, a instancias de John Woosey, uno de los empleados de oficina, se comienza a practicar football. Ya para ese momento la empresa le había proporcionado al club un campo de juego y algunas instalaciones en Peñarol. El primer partido se jugó el 25 de mayo de 1892 justamente contra Albion. Dos de los socios del CURCC, Woosey y Sagehorn eran fundadores también de Albion. El hecho llevo a que este último club los expulsase.

O CURCC “contava com 118 socios fundadores, dos quais quais 45 eram ‘criollos’, 72 ingleses e um alemão. A presença ‘criolla’ no momento da fundação ficou mais que manifesta”. Nos primeiros tempos, como o próprio nome diz, o clube ser resumia ao cricket. No dia 3 de maio de 1892 se realizou a primeira partida de futebol, enfrentando os alunos do Colégio Britânico, ganhando 2 a 0. Desde os tempos do cricket, “los colores adoptados por el club fueron el oro y negro, que proceden de la Locomotora Rocket, y eran los colores representativos del gremio ferroviario en general.”

Uma das primeiras equipes carboneras, já operária, mas impecavelmente uniformizada. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Club_Atl%C3%A9tico_Pe%C3%B1arol#mediaviewer/File:CURCC19 00.jpg

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O Peñarol é um caso raro no mundo do futebol.7 O time, ao contrário de seus congêneres sul-americanos, ganhou dimensão nacional, talvez o maior do Uruguai. E foi por muito tempo um dos principais times do mundo. Com diversos títulos internacionais, em que se destacam 5 Libertadores (ao todo os carboneros participaram de 10 finais) e 3 Copas Intercontinentais (com direito a uma vitória categórica sobre o Real Madrid em pleno Santiago Bernabeu em 1966).

Equipe campeã da Libertadores de 1961. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Copa_Libertadores_da_Am%C3%A9rica_de_1961

Peñarol campeão mundial de 1966, triunfando sobre o Real Madrid (2x0) em pleno Santiago Bernabeu. Fonte: http://alsvelloso.canalsports.com.br/imagens02/0448_campmund1966.jpg 7

Igual ao Peñarol, em termos de times operários que ganharam grande repercussão e sucesso, para além dos limites de sua cidade de origem, temos o PSV Eindhoven (Campeão da Liga dos Campeões europeus em 1988) e os ingleses Arsenal e Manchester United.

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Outro time operário do Uruguai é o River Plate. A sua acidentada história mostra que a discriminação contra clubes com suas características sofriam bastante resistência da elite dirigente: La historia comienza en 1897 cuando empleados del puerto de Montevideo estaban dispuestos a formar un equipo de fútbol al cual pretendían llamar Cagancha FC, pero tuvieron su primera traba porque la League (que era la actual Asociación Uruguaya de Fútbol) no los admitió, bajo la escusa de que solo se admitían Clubes con nombres Ingleses. Con lo cual deciden cambiar el nombre de Cagancha FC por FC London, y ante esto se les dijo que debían contar con jugadores ingleses. Se da finalmente que en 1901 la League admite la inscripción de un club criollo, el Club Nacional de Fútbol, con lo cual tienen que ceder y aceptar el formulario de inscripción de los darseneros. Igualmente sufrieron otras trabas porque mientras a Nacional lo aceptaban en primera A, River Plate FC debería jugar varios campeonatos menores. Hasta que en 1906 logra el ascenso a Primera, obteniendo la primera Liga Uruguaya en 1908, repitiendo el titulo en los años 1910, 1913 y 1914.

E mesmo galgando posições nas diferentes divisões no campeonato uruguaio (numa trajetória bem semelhante ao do Vasco da Gama no Brasil), o River não fugiu do “estigma” de time de gente muito pobre, daí o apodo darseneros. E como é bem sabido, sua trajetória e projeção foram bem mais modestas que a do auri-negro.

Bibliografia

Livros, teses e artigos ALMEIDA, Auriel. Camisas do futebol carioca. Rio de Janeiro: Maquinária Editora, 2014. ALVITO, Marco. A Rainha de chuteiras. Rio de Janeiro: Apicuri, 2014. BAYER, Osvaldo. Agnósticos y creyentes, proletarios y bacanes. En el libro Futbol FILHO, Mário. O Negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. FRANCO Jr, Hilário. A Dança dos Deuses. Futebol, sociedade, cultura. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

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MASCARENHAS, Gilmar. A mutante dimensão espacial do futebol: forma simbólica e identidade. Espaço e Cultura, UERJ, RJ, Nº. 19-20, P. 61-70, Jan./dez. de 2005. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania. Uma história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. PERIÓDICO LIBERTAD. “Anarquistas, socialistas y comunistas en el futbol amateur”. Disponível em: www.periodicolibertad.com.ar. Acesso em: 04 de janeiro de 2014. PORRINI, Rodolfo. Izquierda uruguaya y culturas obreras. Propuestas al ‘aire libre’: el caso del fútbol (Montevideo, 1920-1950). Dialogos - Revista do Departamento de Historia e do Programa de Pós-Graduação em História, Maringa, vol. 16, núm. RONCO, Mário. ‘‘O crescimento urbano-industrial do bairro da Vila Prudente através dos clubes desportivos locais”. Disponível em: http://lemad.fflch.usp.br/node/354 1/6. Acesso em: 13 de outubro de 2014. SANDER, Roberto. Anos 40. Viagem à década sem Copa. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004. Sítios visitados: http://www.ferrocarriloeste.org.ar/club/historia http://es.wikipedia.org/wiki/Defensor_Sporting_Club http://www.talleresdecordoba.com.ar/es/historia/ http://historia.padreydecano.com/fundacion.html 1/3 http://drfutbol.com/es/club/ca-rosario-central http://www.taringa.net

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clubes operários da europa

Sochaux

Wolfsburg

Bayer Leverkusen

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Clubes operários da América Latina

Talleres Ferrocarril Oeste

Guabira

River Plate (Uruguay)

Ferrocarril FC

Arturo Vial (Chile)

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Clubes operários do Brasil

Operário

Oeste

Operário

Ferroviário

Tramway

Desportiva Ferroviária

Ferroviário de Fortaleza

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Clubes Operários de Campos dos Goytacazes

Sapucaia São José

Paraíso

Cambaíba

São João

Aliança (Usina do Queimado)

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Clubes Operários do Rio de Janeiro

Niterói Filó (N. Friburgo)

Andorinhas

Mauá (São Gonçalo)

Frigoríco (Mendes)

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Outros times operários:

Time do União São joão (da usina de mesmo nome). Fonte: http://sp7.fotolog.com/photo/39/32/122/camisa_paulista/1281237817038_f.jpg http://alotatuape.com.br/wp-content/uploads/2014/07/f-e-sp-1.jpg

Time do Pima, da fábrica de sapatos de Novo Horizonte (SP) – antecessor do Novorizontino. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-33kFf0NY8bc/T6rzAK_POyI/AAAAAAAAAOE/1OHx6T_IvM/s400/pima

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Equipe da fábrica Votoreantim. Fonte: http://www.memoriavotorantim.com.br/memoria_votorantim/blog_memoriacao/Lists/Fotos/ 070414_1543_Comqueroupa2.jpg

Equipe do Milwall. Fonte: http://kuayfloy.blogspot.com.br/2011/09/millwall-x-west-hamunited-rivalidade.html

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