Novas constituições e velhos problemas

June 30, 2017 | Autor: Pedro Capra | Categoria: Chile, Constitutionalism, South America
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Novas constituições e velhos problemas Por Pedro Capra* e André Amud Botelho**

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O Chile da presidenta socialista Michelle Bachelet anunciou na última sexta‐feira, 29 de abril de 2015, que irá convocar uma constituinte  para  substituir  a  constituição  atual,  em  vigência  desde  1980,  auge  da  ditadura  militar  de  Augusto  Pinochet.  É verdade que essa foi uma promessa de campanha e em nada surpreende sua decisão. Entretanto, dos 10 países da América do Sul, apenas o Uruguai tem uma Constituição mais antiga, aprovada em 1967, antes do regime militar que controlou o país entre 1973 e 1985.[1] Ao  longo  de  seus  processos  de  redemocratização,  vimos  novas  constituições  emergirem  no  Brasil,  em  1988,  Paraguai,  em 1992,  Argentina,  em  1994  (revisão  à  constituição  de  1853),  Peru,  em  1993,  e  Bolívia,  em  1994  (constituição  de  1967  com reformas), com o objetivo de substituir cartas ultrapassadas e com discutíveis valores cidadãos. Países que não viveram os anos da Operação Condor [2] e das ditaduras violentas, também introduziram novas constituições. É o caso de Colômbia, em 1991, e Venezuela, em 1999.  A pergunta que surge é: por que o Chile, último país da região a se redemocratizar, é também o último a enterrar a Constituição de seu período autoritário?[3]

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Vitor Sandes São Paulo, Brazil Doutorando em Ciência Política ‐ UNICAMP. Visualizar meu perfil completo Colaboradores

Em dezembro de 2006, após a morte de Pinochet, o cientista político chileno Manuel Antonio Garretón dava algumas pistas ao  afirmar  que  “um  país  que  mantém  como  constituição  um  texto  imposto  por  Pinochet  não  está  reconciliado  com  seu passado”  mas  se  enganava  ao  sugerir  que  “sem  Pinochet,  abre‐se  a  oportunidade  de  romper  a  institucionalidade  que  foi inteiramente gerada na ditadura, partindo da Constituição. Com sua morte, desaparece o personagem simbólico que permitia que a institucionalidade mantivesse sua referência"[4]. Para tanto, seria necessário um profundo confronto com o passado, a desconstrução de símbolos e mitos que sobrevivem à morte dos atores da história, além do julgamento a respeito dos crimes cometidos pelo Estado. Esse processo é importantíssimo para que o passado recente sul‐americano siga em direção à tão propagada reconciliação. A Argentina  deu  passo  importante  nesse  sentido,  tendo  criado  a  Comissão  Nacional  Sobre  Desaparecimento  de  Pessoas (CONADEP) logo após a redemocratização (Governo Alfonsin, dezembro de 1983) e transformado o antigo centro de tortura, Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em um marcante espaço de memória e direitos humanos.[5] O Brasil, ainda tímido, busca  através  de  sua  Comissão  da  Verdade  [6]  informações  necessárias  para  os  processos  de  reconciliação  e  transição democrática. Desde 2001, o Brasil conta com a estrutura e os trabalhos da Comissão de Anistia Política que aprovou mais de 40 mil processos de reparação a perseguidos pela ditadura civil‐militar brasileira. O  Chile  apenas  fingiu  iniciar  um  processo  de  esclarecimento  dos  crimes  de  sua  ditadura,  ainda  em  1991,  com  o  ainda poderoso senador vitalício, Augusto Pinochet, e seus aliados observando tudo. Segundo Bachelet, é importante um processo constituinte aberto à cidadania e que resulte numa "carta fundamental, plenamente democrática e cidadã"[7]. De fato, essa foi  a  principal  característica  das  constituições  aprovadas  na  região  ao  longo  das  três  últimas  décadas  com  o  destaque  a mecanismos  participativos  como  referendos  e  iniciativas  populares.  Para  um  processo  completo,  é  importante  buscar  a verdade  além  de  criar  instituições  cidadãs  que  forjem  e  garantam  o  espaço  público  democrático.  Que  esse  processo constituinte siga nessa direção.

* Pesquisador visitante ‐ Universität Zürich. Doutorando em Ciência Política ‐ UNICAMP.  ** Antropólogo do Instituto Brasileiro de Museus ‐ IBRAM. Mestre em Antropologia ‐ UFF. ‐‐‐‐ [1] Um interessante detalhe: uma Constituição apresentada pelos militares uruguaios num referendo popular foi rejeitada em novembro de 1980.

.

[2] A Operação Condor foi uma associação constituída na década de 1970 que permitiu a repressão aos opositores dos regimes militares vigentes além de fronteiras nacionais. Sua existência foi confirmada com a descoberta, em 1992, do Archivo del Horror, no Paraguai. O filme de Roberto Mader, Condor, de 2007, retrata bem os meandros da operação. [3] Essa não é uma data qualquer. O golpe militar dado pelo Gal Pinochet aconteceu em 11 de setembro de 1973, assim como o assassinato do presidente democraticamente eleito, o socialista Salvador Allende. [4] http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u102790.shtml [5]  http://www.espaciomemoria.ar/ [6] A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei n. 12.528/2011. Seus trabalhos iniciaram‐se em maio de 2012. [7] https://www.youtube.com/watch?v=xNMwKQo0VII   

Postado por Vitor Sandes às 09:33 

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Marcadores: Bachelet, Chile, Constituição, democracia, Pinochet, Regime Militar

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