Novos Dilemas da Política Educacional Brasileira

September 11, 2017 | Autor: Eddy Eltermann | Categoria: Tourism Studies, Education, Higher Education, Educação Superior, Educação
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Revista Filosofia do Direito e Intersubjetividade ISSN 1984-5650

4ª Edição

NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social1 Eddy Ervin Eltermann Mestrando de Educação da Unisul [email protected] Phelipe Pires Fermino Mestrando de Educação da Unisul [email protected] Maria da Graça Nóbrega Bollmann, Dra. Doutora em Educação pela PUC Rio de Janeiro [email protected] RESUMO Entendemos que muitos dos problemas encontrados nas políticas públicas, em especial nas educacionais, passam pelo modo como a sociedade está organizada, tendo que se “ajustar” ao modelo que mais favoreça os interesses do capital. Tal modelo, através dos anos, enfraquece o desenvolvimento de ações que possam gerir, de maneira pontual, a presença do Estado e estabelecer sua soberania visando os objetivos sociais a que o este deveria se prestar. Este enfraquecimento possibilita que grandes empresas e determinados organismos internacionais aproximem-se cada vez mais do espaço educacional, tornando-o não mais um bem público, mas uma mercadoria pautada no desenvolvimento neoliberal e aproximando-o dos interesses de mercado. Desse modo, tomamos aqui como ponto de partida, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que aconteceu em Jomtien, Tailândia, no ano de 1990, para, a partir daí, verificar os resultados desta conferência nas políticas educacionais brasileiras. O objetivo deste estudo é refletir os princípios sobre os quais se sustentam as decisões tomadas para o desenvolvimento destas políticas e também compreender como a sociedade está organizada para propor alterações, de modo a comprometê-las com a justiça social. Analisamos assim a aproximação do Estado com as políticas econômicas e como este vem negligenciando sua soberania no desenvolvimento de políticas públicas que apontem para reformas significativas. Buscamos mostrar o desenvolvimento cada vez maior de políticas compensatórias em detrimento a ações, que deveriam possibilitar o fortalecimento de medidas que visem o combate a precarização do trabalho, assim como sua subordinação aos conceitos pragmáticos do neoliberalismo. A idéia central é que permanentemente o capitalismo qualifica e desqualifica a força de trabalho para ajustá-las às exigências do capital e como constantemente as políticas voltadas para a educação são por elas influenciadas.

Palavras-chave: 1) Políticas públicas. 2) Reformas de Estado. 3) Justiça Social. ABSTRACT We understand that many of the problems encountered in public policy, particularly in education, go through the way society is organized, and it has to be “adjusted” to the model that best promotes the interests of the capital. This model, over the years, undermines the development of actions that can manage, in a timely way, the presence of the state and its sovereignty in order to establish the social goals that it should provide. This weakening allows large enterprises and certain international organizations associating themselves to the increase in the education space, making it no longer a public benefit, but commodity based on neoliberal development and approaching the market interests. 1

Artigo resultante da edição de trabalho apresentado no VI Simpósio Internacional e VII Fórum Nacional de Educação, realizado em Torres, RS, entre os dias 25 a 28 de maio de 2010 Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social Thus, here we take as a starting point, the World Conference on Education for All, held in Jomtien, Thailand, in 1990, making it’s possible to check the results of this conference in Brazilian education policies. The aim of the study is to reflect the principles on which decisions to support the development of these policies, also to understand how society is organized to propose amendments in order to commit them to social justice. We analyzed, therefore, the nearest state with economic policies and how this is neglecting its sovereignty in developing public policies that point to significant reforms. We seek to demonstrate the increasing development of compensatory policies over the action which should enable the strengthening of actions, to combat job insecurity and its subordination to the pragmatic concepts of neoliberalism. The central idea is that capitalism continually qualifies and disqualifies the work force to fit the demands of capital and as constantly policies, toward education is influenced by them.

KEYWORDS: 1) Public Policy. 2) Reform of the State. 3) Social Justice

INTRODUÇÃO O que vem acontecendo no Brasil e no mundo nas últimas décadas, mais do que alterações em legislações específicas do setor educacional, são mudanças de qualidade na capacidade do capital comandar o trabalho, reforçando a lógica “capital/trabalho”. As transformações do mundo globalizado, principalmente, de caráter econômico, provocam sérios efeitos nas políticas públicas e induzem os países, sobretudo os subdesenvolvidos, a incorporarem medidas de contenção de despesas, reduzindo os investimentos no setor social. Continua crescendo o conjunto de processos provenientes das transformações do capitalismo que, aparecendo como conseqüências inesperadas, interpelam o conjunto de nossas sociedades. As novas configurações no mundo do trabalho, o desmonte das políticas sociais de caráter universal, o aumento sem precedentes da pobreza e da desigualdade social, o desgaste das identidades coletivas e de classe constituem algumas das marcas mais evidentes do esgotamento de um modelo fundado na injustiça e na desigualdade. O objetivo deste estudo é refletir os princípios adotados pelas políticas educacionais no contexto brasileiro e também compreender como a sociedade está organizada, para propor alterações nessa política de modo a comprometê-las com a justiça social. A idéia central é que permanentemente o capitalismo qualifica e desqualifica a força de trabalho para ajustá-las às exigências do capital e constantemente as políticas voltadas para a educação são por elas influenciadas. O Estado brasileiro, historicamente vinculado aos interesses dos setores

privados

representados

pelas

elites

dominantes,

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é

caracterizado, 2

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social principalmente nas últimas décadas, pela adesão a um modelo econômico baseado em políticas de ajuste estrutural, orientadas pelos organismos internacionais de crédito, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e a Organização Mundial de Comércio (OMC). O alcance destas políticas tem se estendido a quase todos os setores da esfera estatal, trazendo como conseqüência o transpasse, em nome da redução do gasto fiscal, das políticas públicas no âmbito da iniciativa privada, transformando os benefícios garantidos pelo antigo Estado Nacional em meros serviços a ser oferecidos para a sociedade por agentes e grupos particulares. As

transformações

produzidas

nos

países

periféricos

como

conseqüência das crises do capitalismo, em sua versão neoliberal abarcam um conjunto de processos que repercutem diretamente na formação social. A internacionalização do mercado financeiro, a redução do trabalho industrial, o crescimento desordenado de setores de serviços e a intensificação da divisão internacional do trabalho, definem economias cada vez mais dependentes. Dessa forma, para analisar as políticas e diretrizes implantadas na educação brasileira, faz-se necessário considerar o contexto das reformas do Estado, que de certa forma é de facilitador de requerimentos de modelos econômicos impostos pelo mercado internacional. Conforme Augusto2, as mudanças são realizadas com o propósito de racionalizar e modernizar os serviços do Estado. São mudanças que implicam em redução de custos na área de pessoal. Na área educacional, são também implementadas reformas, em que a descentralização administrativa e financeira é característica. A participação dos sujeitos no processo educacional torna-se um pressuposto da gestão escolar, mas a definição das políticas públicas e o controle estão ainda centralizados. Segundo Dale3, o padrão de regulação educacional permanece sob o controle do Estado, embora novas e cada vez mais visíveis formas de desresponsabilização estão a configurar-se. Com isso, o autor considera que os 2

AUGUSTO, M.H.O.G. As reformas educacionais e o “choque de gestão”: a precarização do trabalho docente. In: REUNÃO ANUAL DA ANPEd, 28., 2005, Caxambú. Anais Caxambú: ANPED, 2005. 3 DALE, R. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação?” Educação e sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 423-460, maio – agosto, 2004 Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social debates sobre as políticas educativas vão além dos conteúdos curriculares desejáveis para a educação. Os quadros regulatórios nacionais determinam as funções a serem desempenhadas, definem o provimento de recursos, e o funcionamento dos sistemas educativos. Os quadros são em maior ou menor medida, moldados e delimitados por forças supranacionais, assim como, por forças político-econômicas nacionais. Sendo assim, podemos dizer que essas mudanças acabam ampliando restrições ao atendimento da educação pública como política social, gerando limitações na melhoria da prestação de serviços educacionais. Concordamos com Hofling4 quando diz que o Estado não pode ser reduzido à burocracia pública, aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas. As políticas públicas são compreendidas como as de responsabilidade do Estado quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos, diferentes organismos e agentes da sociedade a elas relacionados. Nesse sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais. Assumem "feições" diferentes em diferentes sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado separado de um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo. Trataremos neste trabalho, das políticas públicas sociais, sobretudo a educacional, como formas de intervenção do Estado, visando à manutenção das relações sociais de determinada formação social. Assim, nosso estudo sobre políticas públicas educacionais se insere em um contexto do Estado capitalista, com características mais amplas, complexas e contraditórias no campo das relações econômicas e das suas conseqüências no âmbito das políticas sociais. 1 CONTEXTO ECONÔMICO DO ESTADO NACIONAL BRASILEIRO E SUAS REFORMAS

EDUCACIONAIS

BASEADAS

NA

POLÍTICA

NEOLIBERAL

MUNDIAL

4

HOFLING, H. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro de 2001. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social Uma das marcas da sociedade brasileira é que o Estado nacional perdeu a capacidade de controlar os capitais. A força imposta pelo poder do capital transcende os campos econômicos e afeta direta e conseqüentemente as políticas públicas nacionais, enfraquecendo-as e impondo estruturas decorrentes do movimento mundial e da centralização de poder. Se as economias capitalistas mais desenvolvidas ainda possuem alguma capacidade de atenuar os efeitos mais destrutivos da globalização dos negócios (que elas próprias impulsionam), reforçando a escala de suas economias e de suas estruturas estatais, as tendências que levam ao enfraquecimento dos Estados nacionais manifestam-se com força redobrada nas regiões periféricas.5

Os países subdesenvolvidos ou da periferia, não conseguem de forma alguma exercer controle e muito menos manter relações duradouras sobre esse capital. Não procuram desenvolver sua infra-estrutura econômica, não alargam sua política de qualificação de mão de obra e, ainda, não criam políticas de integração regional e ampliação do seu estado econômico nacional. O desenvolvimento e a aceitação da globalização por parte da “massa”, oculta e mascara determinadas realidades de exclusão, intensificando a consolidação e a aceitação mundial deste fenômeno como a única porta de entrada após o fim da bipolaridade mundial representada ao final do século passado por Estados Unidos e o neoliberalismo e a União Soviética e o socialismo. Faz-se parecer que a única saída do mundo seria o neoliberalismo, baseado de fato na contemplação do desenvolvimento e acúmulo de capital. A globalização traz consigo um confronto social e uma nova forma de exclusão da sociedade, fortalecida pela hegemonia e pelos processos contrahegemônicos. O sistema global apresenta vários riscos. São diversas armadilhas que estão vitimando milhares de pessoas em todo mundo, manifestando-se através de crescente exclusão social, que vem assolando, tanto países ricos, como os chamados países de periferia. Em nome da dita ordem, várias crianças estão morrendo de

5

SAMPAIO JR., P. A. Globalização e reversão neocolonial: o impasse brasileiro. En publicación: Filosofía y teorías políticas entre la crítica y la utopía. Hoyos Vásquez, Guillermo. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, 2007. p. 146. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social subnutrição, já são milhares de desempregados e inúmeras pessoas que vivem marginalizadas.6

Sendo assim, mais do que nunca, o Brasil fica debilitado em relação ao centro, pois, cada vez mais, é ampliada a distância entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Por hora, a força dos países desenvolvidos pode ser medida pelo enfraquecimento dos periféricos. O resultado deste processo é o enfraquecimento dos países periféricos, quanto à formação de seu Estado nacional, já que o resultado do flutuante processo econômico sobrepõe-se às políticas locais. Nesse contexto, qual é a política educacional para os países subdesenvolvidos? São as estabelecidas por organismos internacionais que, mais do que nunca, privam a população de seus direitos e que através do senso comum disseminam sua aceitação? Observamos na educação brasileira, atualmente, a composição desta em valores destinados ao mercado, de forma não libertadora e dependente deste para o seu desenvolvimento. Estamos assistindo uma expansão quantitativa da educação que vem na contramão da capacidade do Estado brasileiro em garantir a qualidade do ensino. Este quadro delineou-se no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), após a reforma institucional que buscou introduzir na esfera social, por intermédio de um pacto social pragmático, a racionalidade capitalista e privatista, que se expressa na redução do público e na expansão do privado. Tal pragmatismo perdura na administração Luiz Inácio Lula da Silva com uma tendência, principalmente, dos dois primeiros elementos das forças produtivas centrais. A educação, assim, se destaca não como civilizadora, mas encontra-se subordinada à economia, enquanto mediadora das políticas de ciência e tecnologia7. Observa-se, pois, a identificação desses governos com os preceitos neoliberais conduzindo a educação para o mesmo contexto, e consequentemente, tendendo a distanciar-se da responsabilidade do atendimento pelo Estado, transferindo para a sociedade civil mais essa função. Deste modo o que seria direito social, passa a ter um caráter de mercado econômico. 6

SILVA, K. S. Os Excluídos da Globalização. In OLIVEIRA, M. O. (org.). Relações Internacionais: Grandes Desafios. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1997, p. 271 7 SILVA Junior, J. R. O pragmatismo como fundamento das reformas educacionais no Brasil. São Paulo: Alínea, 2007. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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2 REFORMAS EDUCACIONAIS FUNDADAS NOS PLANOS ECONÔMICOS. Após esse breve relato inicial, tratamos de privilegiar as reformas implantadas no Estado brasileiro a partir dos anos de 1990, apresentando e discutindo algumas recomendações veiculadas por organismos internacionais e incorporadas aos diferentes planos educacionais. Em 1990, em Jomtien (Tailândia), ocorreu a Conferência Mundial de Educação para Todos, com financiamento de organismos multilaterais, tais como: UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e Banco Mundial. A Declaração aprovada na conferência, tratou de medidas urgentes para assegurar uma educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. Dos 155 governos que subscreveram a declaração, os noves países com maior taxa de analfabetismo do mundo (Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) conhecidos ali por “E 9”, comprometeram-se a agilizar políticas educativas articuladas a partir desse fórum, entre eles o Brasil. Das estratégias acordadas na conferência para os “E 9”, Torres8 assim os sintetizou: “1. promover um contexto de políticas de apoio no âmbito econômico, social e cultural; 2. mobilizar recursos financeiros, públicos, privados e voluntários, reconhecendo que o tempo, a energia e o financiamento dirigidos à educação básica constituem o mais profundo investimento que se possa fazer na população e no futuro de um país; 3. fortalecer a solidariedade internacional, promovendo relações econômicas justas e eqüitativas para corrigir as disparidades econômicas entre nações, priorizando o apoio aos países menos desenvolvidos e de menores ingressos e eliminando os conflitos e contendas a fim de garantir um clima de paz.” Porém, nem tudo ficou resolvido e esclarecido no Fórum e logo começaram a aparecer os primeiros contrapontos: 8

TORRES, R. M. Que (e como) é necessário aprender? Necessidades básicas de aprendizagem e conteúdos curriculares. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social Um primeiro problema refere-se à expressão “para todos” que sugeria uma universalização da educação básica, que no Brasil compreendia desde a educação infantil até o ensino médio, que a conferência não pretendia. Em segundo lugar, alguns autores compreenderam o conceito “necessidades básicas de aprendizagem” (NEBA) em sua função ideológica de indicar a natureza do ensino a ser ministrado. Isto é, para estratos sociais diferentes, ensinos diferentes, uma vez que as necessidades básicas de um e outro não poderiam ser as mesmas.9

Nos anos seguintes, as recomendações de Jomtien começaram a aparecer na política educacional brasileira, entretanto, à medida que a lei da educação era debatida, o governo conseguiu por meio de medidas provisórias implantar o seu projeto educacional, amarrados aos compromissos firmados no Fórum e aos grandes interesses internacionais, sobretudo porque tramitava em paralelo, por exemplo à LDBEN, outras leis, em um processo silencioso e desconhecido da sociedade. Recorremos a Torres10 e a Shiroma, Moraes e Evangelista (2004) para esclarecer os principais temas e interesses tratados na conferência em 1990: 1. expansão da assistência e das atividades de desenvolvimento da primeira infância, inclusive as intervenções da família e da comunidade, especialmente para as crianças pobres, desassistidas e impedidas; 2. acesso universal a educação básica até o ano 2000; 3. melhoria dos resultados da aprendizagem; 4. redução da taxa de analfabetismo dos adultos à metade do total de 1990 até o ano 2000 e modificação da desigualdade entre índices de alfabetização de homens e mulheres; 5. ampliação dos serviços de educação básica e de formação para outras competências necessárias a jovens e adultos, avaliando-se os programas em razão da modificação da conduta e do impacto na saúde, no emprego e na produtividade; 6. aumento, por indivíduos e famílias, dos conhecimentos, capacidades e valores necessários para viver melhor e para conseguir em desenvolvimento racional e sustentável por meio dos canais da educação – incluídos os meios de informação

9

SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Política Educacional. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004 10 TORRES, R. M. Que (e como) é necessário aprender? Necessidades básicas de aprendizagem e conteúdos curriculares. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social modernos, outras formas de comunicação tradicionais e modernas, e a ação social – avaliando-se a eficácia dessas intervenções pela modificação da conduta. Sendo assim, a conferência de Jomtien aparece como um divisor de águas

no

cenário

das

políticas

educacionais

brasileiras

atuais.

Em,

aproximadamente, 20 anos, assistimos pelo menos a sete grandes momentos na elaboração do aparato legal no contexto político educacional brasileiro. São eles: o Plano Decenal de Educação para Todos (1993), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF/1996), o Plano Nacional de Educação (PNE/2001), o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE/2007), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB/2006) e o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN/2008). De forma sucinta, apresentamos o que mais se evidencia nesse conjunto de medidas que o governo adotou para tentar cumprir os compromissos firmados na Tailândia em 1990. A atual LDB11 foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da educação Paulo Renato em 20 de dezembro de 1996. Baseada no princípio do direito universal à educação para todos a LDBEN de 1996 trouxe diversas mudanças em relação às leis anteriores, como a inclusão da educação infantil (creches e pré-escolas) como primeira etapa da educação básica. O texto aprovado é resultado de um longo embate, que durou cerca de oito anos (1988 a 1996) anos, entre duas propostas distintas. A primeira conhecida como Projeto Jorge Hage foi o resultado de uma série de debates abertos com a sociedade, organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, sendo apresentado na Câmara dos Deputados. A segunda proposta foi elaborada pelos senadores Darcy Ribeiro, Marco Maciel e Maurício Correa em articulação com o poder executivo através do Ministério da Educação (MEC), apresentada no Senado Federal

11

BRASIL. Constituição (1988). Lei nº 9.394, de 20/12/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996b. Disponível em:. Acesso: 13 mai 08. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social A principal divergência se constituía no papel do Estado em relação à educação. Enquanto a proposta dos setores organizados da sociedade civil apresentava uma grande preocupação com mecanismos de controle social do sistema de ensino, a proposta dos citados parlamentares previa uma estrutura de poder mais centrada nas mãos do governo. Apesar de conter alguns elementos levantados pelo primeiro grupo, o texto final da LDBEN se aproxima mais das idéias levantadas pelo segundo grupo, particularmente no capítulo da educação superior, facilitando, como nunca, em um projeto de lei a privatização desse nível de educação, fato que ficou comprovado com a expansão desse nível de ensino no final dos anos 1990 e no início de 2000 e que contou com forte apoio do governo FHC nos últimos anos de sua tramitação. O Plano Decenal de Educação para Todos foi um documento elaborado em 1993 pelo Ministério da Educação (MEC) destinado a cumprir, no período de uma década (1993 a 2003), as resoluções da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jomtien. Esse documento é considerado "um conjunto de diretrizes políticas voltado para a recuperação da escola fundamental no país". Em seu conjunto, o Plano Decenal marca a aceitação formal, pelo governo federal brasileiro, das teses e estratégias que estavam sendo formuladas nos foros internacionais. Segundo o Plano, "os compromissos que o governo brasileiro assume, de garantir a satisfação das necessidades básicas de educação de seu povo, expressam-se no Plano Decenal de Educação para Todos, cujo objetivo mais amplo é assegurar, até o ano 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos mínimos de

aprendizagem

que

atendam

a

necessidades

elementares

da

vida

contemporânea". O plano expressa sete objetivos gerais de desenvolvimento da educação básica: 1. satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos,

provendo-lhes

as

competências

fundamentais

requeridas

para

a

participação na vida econômica, social, política e cultural do país, especialmente as necessidades do mundo do trabalho; 2. universalizar, com eqüidade, as oportunidades de alcançar e manter níveis apropriados de aprendizagem e desenvolvimento; 3. ampliar os meios e o alcance da educação básica; Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social 4. favorecer um ambiente adequado à aprendizagem; 5. fortalecer os espaços institucionais de acordos, parcerias e compromisso; 6. incrementar os recursos financeiros para manutenção e para investimentos na qualidade da educação básica, conferindo maior eficiência e eqüidade em sua distribuição e aplicação; 7. estabelecer canais mais amplos e qualificados de cooperação e intercâmbio educacional e cultural de caráter bilateral, multilateral e internacional. Elaborada em 1996 paralelamente à tramitação da LDB antes de sua votação no Congresso Nacional, a Emenda Constitucional nº 1412 deu origem à Lei n° 9.42413, definindo regras de aplicação de recursos na educação e, mais tarde com sua substituição, a partir de 2007, pelo Fundeb - instituído pela Emenda Constitucional nº 5314, inicialmente regulamentada pela Medida Provisória nº 33915, posteriormente convertida na Lei nº 11.49416. Convém salientar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional17 (LDB) promulgada, também, em 1996 (BRASIL, 1996b), ratificou a vinculação de recursos previstos na constituição Federal de 198818 e consolidou os mecanismos do Fundef. Não obstante, os percentuais vinculados nas esferas de governo podem variar para além dos mínimos estabelecidos, de acordo com o que constar nas respectivas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas dos municípios, 12

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 14, de 12/09/96. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das Disposições constitucionais Transitórias. 1996a. Disponível em:. Acesso: 13 mai 08. 13 BRASIL. Constituição (1988). Lei nº 9.424, de 24/12/96. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. 1996c. Disponível em:. Acesso: 13 mai 08. 14 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 53, de 19/12/06. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 2006a. Disponível em:.2. Acesso: 13 mai 08. 15 BRASIL. Constituição (1988). Medida Provisória nº 339, de 28/12/06. Regulamenta o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências. 2006b. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Quadro/_Quadro%20Geral.htm>. Acesso em 13/05/08. 16 BRASIL. Constituição (1988). Lei nº 11.494, de 20/06/07. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. 2007. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/_leis2007.htm>. Acesso: 13 mai 08. 17 BRASIL. Lei nº 9.394, de 20/12/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996b. Disponível em:. Acesso: 13 mai 08. 18 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social o que indica a possibilidade dos entes federados ampliarem o valor destinado à educação19. Especialmente durante a vigência do Fundef, houve um intenso processo de municipalização do ensino fundamental. Antes mesmo de sua entrada em funcionamento, enquanto tramitava no Congresso Nacional como projeto de Emenda Constitucional, o Fundef já vinha provocando intenso movimento de matrículas no ensino fundamental regular. Movimento verificado tanto na transferência de matrículas da esfera estadual para a rede municipal, quanto na significativa expansão da oferta, possivelmente pela inclusão de crianças fora da escola20. Esse processo de municipalização foi considerado o principal objetivo do Fundef21, em lugar da anunciada tese governamental de universalização do ensino fundamental. O Plano Nacional de Educação (PNE), constituído por metas de acesso e qualidade, vem nortear o planejamento da educação no Brasil até 2010. Porém, ele ficou impossibilitado de ser cumprido, pois todas as metas que tratavam dos recursos financeiros necessário para seu cumprimento foram vetadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Como no processo da LDBEN, a sociedade brasileira organizada elaborou em um dos processos mais democráticos e inéditos do país, o PNE Proposta da Sociedade Brasileira, resultado da articulação nacional nos Congressos Nacionais de Educação (I e II CONED) organizados pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.22 Sob a iniciativa do Ministério da Educação começou em 2009 a elaboração do PNE 2011/2021, culminando com a Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada em março de 2009 e antecedida pelas Conferências locais e regionais, que resultou nas diretrizes do novo Plano Nacional de Educação. 19

A Constituição Estadual dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, por exemplo, determinam a aplicação de 30% (Artigo 256) e 35% (Artigo 202), respectivamente, da receita de impostos em MDE. 20 BASSI, M. E., GIL, J.. A municipalização do ensino fundamental no Estado de São Paulo. São Paulo: Ação Educativa, 1999 [mimeo]. Disponível em:< http://www.acaoeducativa.org>. 21 ARELARO, L. R. G. Fundef: uma avaliação preliminar dos dez anos de sua implantação. Trabalho apresentado na 30ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu, 2007a. Disponível em:< http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT05-3866--Int.pdf>. Acesso: 21 abr. 09. p. 7. 22 BOLLMANN, M.G.N. In: COSTA, G.M.C. (org.). Educação: questões contemporâneas. Florianópolis: Editora Insular, 2006. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social Como outra medida no âmbito educacional, foi criado e aprovado como lei federal o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) que substituiu o Fundef a partir de 2007, alargando a abrangência a todas as etapas e modalidades da Educação Básica, contando, para isso, com um maior montante de recursos decorrente da elevação do percentual retido sobre um número maior de impostos23.24 O processo de municipalização, já percebido no âmbito do Fundef, permanece com uma forte tendência mesmo nos dois primeiros anos do Fundeb. Isso pode estar associado ao recurso destinado para cada aluno, que mesmo tendo aumentado com a implementação do Fundeb, não é suficiente para sua manutenção.25 Desde que a Lei nº 11.738/200826, que trata do Piso Salarial Profissional Nacional, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma polêmica tomou conta do mundo educacional brasileiro, devido à fixação de um piso salarial de apenas R$ 950,00. As políticas educacionais efetuadas no sistema educacional brasileiro, nas últimas décadas, tinham como maior interesse, a expansão da escolarização básica. Porém para Oliveira (2005), essas políticas revelaram um movimento contraditório, uma vez que democratizaram o acesso à escola ao custo da massificação do ensino. Principalmente, a partir dos anos 1990, em função de reformas implantadas, percebemos que a organização da estrutura escolar sofre inúmeras 23

Os Fundebs estaduais passaram a reter 20% dos impostos que compunham o Fundef, incidentes também sobre a receita do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto sobre Transferências Causa Mortis (ITCMD) arrecadadas pelos governos estaduais. 24 BASSI, M. E., GIL, J.. A municipalização do ensino fundamental no Estado de São Paulo. São Paulo: Ação Educativa, 1999 [mimeo]. Disponível em:< http://www.acaoeducativa.org>; FERMINO, P. P. Tendências do atendimento a educação básica em Santa Catarina: repercussões do Fundef e do Fundeb na matrícula pública. In: Simpósio brasileiro de política e administração da educação / Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009, Vitória. XXIV Simpósio brasileiro de política e administração da educação / III Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009. 25 FERMINO, P. P. Tendências do atendimento a educação básica em Santa Catarina: repercussões do Fundef e do Fundeb na matrícula pública. In: Simpósio brasileiro de política e administração da educação / Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009, Vitória. XXIV Simpósio brasileiro de política e administração da educação / III Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009. 26 BRAISIL. Lei nº 11.738, de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm> Acesso em: 13 ago. 2009. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social alterações, no contexto em que os sistemas escolares foram constituídos, porém em nenhuma dessas alterações o Estado abre mão do controle central das políticas, o que poderia vir junto com a descentralização.

Para Oliveira (2005) essa nova

organização escolar reflete um modelo de regulação educativa, produto de novas articulações entre as demandas globais e as respostas locais. Por meio da descentralização administrativa, financeira e pedagógica, as escolas têm adquirido maior flexibilidade e autonomia, mas também têm respondido a uma demanda crescente de atividades e responsabilidades, acarretando muitas vezes, num sistema

que

Oliveira

(2000)

chama

de

padronização

de

procedimentos

administrativos e pedagógicos. Em

contrapartida

a

esta

situação,

Saviani

(2008)

destaca

alternativas de mudança baseadas no desenvolvimento social: a) Ampliação dos recursos da área social visando equilibrá-la com a área econômica (isto implicará o aumento do poder de pressão sobre o aparelho governamental através da organização e unificação dos movimentos populares); b) Oposição resoluta a toda tentativa de privatização das formas de execução da política social, exigindo que o Estado assuma diretamente, com eficiência e probidade, os serviços de interesse público; c) Desatrelamento da política social do desempenho da economia, dimensionando o aporte dos recursos em função das necessidades de atendimento e não em função do excedente disponível na área econômica. 3 CONCLUSÃO As transformações das atividades econômicas, resultado de uma crescente industrialização e resultando na precarização do trabalho, moldam a educação brasileira num modelo dependente do capital, resultando numa subordinação pragmática e neoconservadora. Nesse sentido, o contexto das reformas, principalmente do campo educacional, no Brasil, fica marcado por mudanças de atitudes e relacionamentos, influenciadas principalmente pelas imposições e desejos de tirar proveito das relações com o exterior, feitas com grandes instituições e organismos internacionais. A partir dessa alienação com a nova institucionalidade, observa-se uma forte tendência de assumir políticas de caráter temporárias e compensatórias, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social direcionadas, sobretudo, as camadas mais frágeis da sociedade, como por exemplo, o programa Bolsa - Escola, as políticas de cotas em universidades públicas e a criação dos Fundos de financiamento da educação em todo o país. Para

Oliveira27

a

defasagem

entre

os

projetos

educativos

construídos sob a referência dos trabalhadores na luta, na experiência, é negligenciada ante aqueles pensados, normalmente por peritos dos organismos internacionais, como a salvaguarda para a América Latina e África, condenadas à pobreza. É a revalorização da técnica em detrimento da política, mas sob o eufemismo da participação. Podemos constatar ainda que vivemos em um conturbado processo de reformas de nível nacional e a educação é uma das áreas que mais sofre influências imediatas, prejudicando professores e colocando em risco todo o direito concebido até então. Para Hofling28, em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias

sociais

governamentais

incidem

essencialmente

em

políticas

compensatórias, em programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua "capacidade e escolhas individuais", não usufruem do progresso social. Tais ações não têm o poder - e freqüentemente, não se propõem a - de alterar as relações estabelecidas na sociedade. Pensando em política educacional, ações pontuais voltadas para maior eficiência e eficácia do processo de aprendizagem, da gestão escolar e da aplicação de recursos são insuficientes para caracterizar uma alteração da função política deste setor. Enquanto não se ampliar efetivamente à participação dos envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução da política educacional, estaremos alcançando índices positivos quanto à avaliação dos resultados de programas da política educacional, mas não quanto à avaliação política da educação. O debate sobre as novas e velhas questões que envolvem as reformas educacionais nos coloca diante dessa crise em que vivemos. As questões abordadas no presente trabalho, e em inúmeros outros, se tornam interessantes 27

OLIVEIRA, D.A. Regulação das políticas educativas na América Latina e os trabalhadores docentes. Rio de Janeiro: UERJ, 2005. (Relatório de pesquisa de pós-doutoramento – CNPq). 28 HOFLING, H. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro de 2001. Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social para análises das características das reformas políticas efetuadas no contexto brasileiro, com isso, se percebe facilmente o quanto ainda resta por fazer. Em concordância com Silva Júnior2930 estabelecemos uma crítica às políticas públicas educacionais adotadas ultimamente no contexto brasileiro, como verdadeiras políticas econômicas a serviço da atual configuração do sistema capitalista. A educação brasileira não estaria cumprindo com seu papel de formar cidadãos críticos e conscientes, pois a realidade política e social estaria cedendo espaço à função de preparar indivíduos a serviço das forças centrais do capitalismo atual, que para ele seriam a ciência, a tecnologia e a informação, atendendo interesses do sistema capitalista globalizado. Daí, a educação brasileira na contemporaneidade representa um importante elemento de acesso às forças produtivas (ciência, a tecnologia e a informação),

tornando-se

componente

central

dos

discursos

dos

gestores

empresariais, políticos e educadores, e atraindo trabalhadores seduzidos por melhores oportunidades de emprego. Destarte, a educação consiste em uma espécie de “porta de entrada” para o mercado de trabalho, formando “(...) o cidadão do século XXI: produtivo, útil, só e mudo (...)”.31 O Brasil, neste âmbito, é particularmente vulnerável e tem demonstrado isso com sua baixa capacidade de resistência a movimentos que colocam em questão os próprios fundamentos da nacionalidade. Não avança no sentido da integração nacional, ao contrário, desintegra-se e o sintoma mais claro disso é a violência, que afeta uma sociedade que pode estar caminhando para a barbárie32. Finalmente, este texto procurou dialogar com o rumo das políticas públicas, especialmente, as políticas educacionais implantadas no Estado brasileiro, evidenciando-se a clareza de que são necessárias pesquisas voltadas à compreensão e à materialização dessas políticas. 29

SILVA Junior, J. R. Pragmatismo e populismo na educação Superior nos governos FHC e LULA. São Paulo: Xamã, 2005. 30 João dos Reis da Silva Junior faz em seu livro “Pragmatismo e Populismo na educação superior nos governos FHC e Lula” uma análise das tendências neoliberais na educação brasileira. 31 SILVA Junior, J. R. Pragmatismo e populismo na educação Superior nos governos FHC e LULA. São Paulo: Xamã, 2005. p. 13 32 CHAUÍ, M. Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. 10ed. São Paulo: Cortez, 2003 Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUGUSTO, M.H.O.G. As reformas educacionais e o “choque de gestão”: a precarização do trabalho docente. In: REUNÃO ANUAL DA ANPEd, 28., 2005, Caxambú. Anais Caxambú: ANPED, 2005. ARELARO, L. R. G. Fundef: uma avaliação preliminar dos dez anos de sua implantação. Trabalho apresentado na 30ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu, 2007a. Disponível em:< http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT053866--Int.pdf>. Acesso: 21 abr. 09. BASSI, M. E., GIL, J.. A municipalização do ensino fundamental no Estado de São Paulo. São Paulo: Ação Educativa, 1999 [mimeo]. Disponível em:< http://www.acaoeducativa.org>. BOLLMANN, M.G.N. In: COSTA, G.M.C. (org.). contemporâneas. Florianópolis: Editora Insular, 2006.

Educação:

questões

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social __________. Lei nº 11.494, de 20/06/07. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. 2007. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/_leis2007.htm>. Acesso: 13 mai 08. __________. Lei nº 11.738, de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11738.htm> Acesso em: 13 ago. 2009. CHAUÍ, M. Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. 10ed. São Paulo: Cortez, 2003 DALE, R. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação?” Educação e sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 423-460, maio – agosto, 2004 FERMINO, P. P. Tendências do atendimento a educação básica em Santa Catarina: repercussões do Fundef e do Fundeb na matrícula pública. In: Simpósio brasileiro de política e administração da educação / Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009, Vitória. XXIV Simpósio brasileiro de política e administração da educação / III Congresso interamericano de política e administração da educação, 2009. HOFLING, H. M. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro de 2001. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."Plano Decenal de Educação para Todos" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=91, visitado em 13/4/2010. OLIVEIRA, D.A. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Vozes, 2000. OLIVEIRA, D.A. Regulação das políticas educativas na América Latina e os trabalhadores docentes. Rio de Janeiro: UERJ, 2005. (Relatório de pesquisa de pós-doutoramento – CNPq). SAMPAIO JR., P. A. Globalização e reversão neocolonial: o impasse brasileiro. En publicación: Filosofía y teorías políticas entre la crítica y la utopía. Hoyos Vásquez, Guillermo. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, 2007 SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao Fundeb: por uma outra política educacional. São Paulo: Autores Associados, 2008 Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Centro de Ciências Sociais e Jurídicas – CEJURPS Grupo de Pesquisa e Extensão Paidéia http://www.univali.br/direitofilosofia

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NOVOS DILEMAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: uma análise na perspectiva da justiça social SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Política Educacional. 3. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004 SILVA, K. S. Os Excluídos da Globalização. In OLIVEIRA, M. O. (org.). Relações Internacionais: Grandes Desafios. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1997, p. 271 - 284 SILVA Junior, J. R. O pragmatismo como fundamento das reformas educacionais no Brasil. São Paulo: Alínea, 2007. SILVA Junior, J. R. Pragmatismo e populismo na educação Superior nos governos FHC e LULA. São Paulo: Xamã, 2005. TORRES, R. M. Que (e como) é necessário aprender? Necessidades básicas de aprendizagem e conteúdos curriculares. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995.

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