NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA
ISABELLA CRISTINA DO NASCIMENTO PEREIRA
São Paulo 2015
ISABELLA CRISTINA DO NASCIMENTO PEREIRA
NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA NA AMÉRICA LATINA
Monografia
apresentada
ao
curso
de
Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como pré-requisito para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, orientada pela Profª Drª Carla Cristina Garcia.
São Paulo 2015
“Muita polemica, muita confusão...” Valesca Popozuda
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a minha mãe, que me proporcionou a oportunidade de estudar em uma faculdade renomada e que acreditou no meu potencial desde o começo. Sem ela, eu não teria chegado a lugar nenhum. Ao meu pai, todo meu carinho pelo cuidado durante estes quatro anos e meio. Me sinto agraciada em ter vocês como meu porto seguro. Amo vocês. Gostaria de agradecer também à minha orientadora, Profª Carla, deusa feminista em tempo integral e diva acadêmica nas horas vagas. Obrigada por ter me acolhido quando tudo parecia fadado ao fracasso. Você é maravilhosa, e um exemplo pra mim. Aos meus amigos queridos da PUC-SP, que aguentaram essa barra que é conviver comigo de segunda a sexta por tantos anos. Livia, Clara, Karliene, Caroline, Maíra, Renata, Danilo, Thaís, André...Vocês são incríveis, inteligentes, e até hoje não entendendo porque me escolheram como amiga. Sou sortuda. E aos meus zilhões de amigos da vida, diretamente responsáveis pela minha graduação, só posso dizer uma coisa: obrigada! Raisa, Nat, Ly, Van, Fer, Koja, Matías, Juliana, Cami, Sushi, vocês certamente me adoçam a vida. Obrigada, Donnie, por ter me iluminado em tantos momentos; seria tão difícil escrever essa monografia sem sua ajuda. A los compañeros de clase y de vida de la UC Chile, sólo puedo decir que ustedes me dieron la experiencia académica más preciosa que una puede tener. Alli, Andy, Kasey, Isi, Marcel, y tantos otros amigos: los quiero muchísimo, tanto que me duele, y nunca me olvidaré de ustedes. Siempre tendrán una amiga en Brasil. A los profesores, gracias porque me enseñaran más en cinco meses que en toda mi vida, y he encontrado mi vocación en cada clase de América Latina, que me hizo no sólo comprender la historia de mi región y de mi país como la mía propia. Al Prof. Ostguy y a Enrico, gracias por la mejor, más interesante e entretenida clase que tuve o tendré. Ustedes son los mejores, en absoluto. A mis compañeros
Lisa, Andrea, Emilia, Amaranta, James, Pabla, Katie, gracias por su inteligencia y amistad, nunca he estudiado con tanta gente brillante.
RESUMO O presente trabalho discute a relação entre democracia e populismo à luz dos novos governos populistas latino-americanos. Estes frutos do giro à esquerda que se deu na região no inicio do século XXI reacenderam o debate sobre o que é populismo, um conceito disputado por diversas abordagens. Após revisão de literatura sobre os enfoques teóricos do populismo e suas recorrentes aparições na América Latina, empreende-se um debate sobre este fenômeno em relação à democracia, tanto como ideal quanto sistema de governo. Através de análise comparativa, se buscará compreender o porquê do surgimento de governos populistas e as implicações teóricas e práticas destes em democracias representativas liberais, consideradas o padrão ideal de regime político na atualidade. Ambos disputam a própria concepção do que é um verdadeiro regime democrático e quais objetivos este deve alcançar, e por isso apresentam distintos diagnósticos para a ocorrência do populismo: uma patologia da democracia ou um antídoto às suas deficiências. Para testar a validade de tais hipóteses, o governo de Evo Morales será analisado em sua ascensão e consolidação no poder, desde o cenário político caótico que permitiu a emergência de seu partido étnico MAS até sua relação como presidente com a oposição no Congresso e nos departamentos bolivianos, e também o uso de instrumentos de democracia direta para superar impasses institucionais. A conclusão alcançada foi que o populismo configura uma resposta a regimes deficientes e pouco representativos, recuperando ideais de vontade popular e regra majoritária para renovar a crença do cidadão comum na democracia e suas instituições. Palavras-chave: populismo; democracia; política latino-americana.
RESUMENEN El presente trabajo discute la relación entre democracia y populismo a luz de los nuevos gobiernos populistas latinoamericanos. Estos frutos del giro à la izquierda que ocurrió en la región al comenzar el siglo XXI reavivaran el debate sobre lo que es populismo, un concepto disputado por diversas perspectivas. Después de una revisión de literatura sobre los enfoques teóricos del populismo y sus recurrentes apariciones en Latinoamérica, se hará una problematización del fenómeno en relación a la democracia, tanto como ideal cuanto sistema de gobierno. A través de un análisis comparativo, se lo buscará comprender lo porqué del surgimiento de gobiernos populistas y sus implicaciones teóricas y prácticas en democracias representativas liberales, consideradas el patrón ideal
de regímenes políticos
actualmente. Ambos disputan la propia concepción de lo que es un verdadero régimen democrático y cuáles son los objetivos que debe alcanzar, y por eso presentan distintos diagnósticos para la ocurrencia del populismo: una patología de la democracia o un antídoto a sus deficiencias. Para probar la validad de estas hipótesis, el gobierno de Evo Morales será analizado en su ascensión y consolidación en el poder, desde el escenario político de caos que le permitió emerger a su partido étnico MAS hasta su relación como presidente con la oposición en el Congreso y en los departamentos bolivianos, y también el uso de instrumentos de democracia directa para superar empates institucionales. La conclusión alcanzada es que el populismo configura una respuesta a regímenes deficientes y poco representativos, recuperando ideales de voluntad popular y regla mayoritaria para renovar la creencia del ciudadano común en la democracia y sus instituciones. Palabras clave: populismo, democracia, política latinoamericana
SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................9 1. POPULISMO NA AMÉRICA LATINA: UM MARCO TEÓRICO............................15 1.1 Enfoque Socio-Histórico: O Populismo como Fase Histórica e Incorporação das Massas..........................................................................................18 1.2 Enfoque Personalista: O Populismo Como Estilo Político.........................20 1.3 Enfoque Ideológico: O Populismo Como Ideologia Delgada.....................23 1.4 Enfoque Discursivo: O Populismo Como Criação De Identidades............25 1.5 Enfoque Institucionalista: O Populismo Como Estratégia Política...........28 2. POPULISMO E DEMOCRACIA - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E IMPACTOS INSTITUCIONAIS......................................................................................................31 2.1 Democracia: Um Breve Aporte Teórico....................................................32 2.2 A Democracia Liberal e O Populismo Como Enfermidade......................34 2.3 Populismo Como Antídoto às Falhas Democráticas: A Busca Por Uma Democracia Majoritária...............................................................................................38 2.4 A Democracia Radical de Laclau e Mouffe...............................................41 2.5 Populismo como Política de Redenção Democrática na América Latina........................................................................................................................43 3. NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA: EVO MORALES, ACCOUNTABILITY HORIZONTAL E PLEBISCITOS.................................................................................47 3.1 Crise Democrática e Insatisfação Popular................................................50 3.2 O Governo de Evo Morales: emergência e consolidação........................56 3.3 Um Balanço do Governo Morales: Mudanças e Conflito na Democracia................................................................................................................60 5. CONCLUSÃO.........................................................................................................63 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................68
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INTRODUÇÃO Em 1998, com a eleição de Hugo Chávez na Venezuela, iniciou-se na América Latina o chamado “giro à esquerda”, onde grande parte dos países da região passa a ter presidente democraticamente eleitos que se localizam à esquerda e centro-esquerda do espectro político. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p. 323) antigamente as opções a América Latina se definiam em reforma versus revolução, cujo ponto de contenção era o quanto as forças de esquerda estariam dispostas a se submeter às regras da democracia no jogo político, o que também acarretava submeter-se às demais forças políticas da sociedade, que não necessariamente eram democráticas. Para os autores, isto levou a uma transição conservadora dos regimes militares da região às novas democracias, o que exigiu moderação da esquerda quanto às suas demandas, fazendo-a aceitar uma economia de mercado e abdicando de algumas de suas lutas contra a desigualdade social. Ao mesmo tempo, as políticas neoliberais floresceram na região, calcadas nas recomendações do Consenso de Washington de diminuição do papel do Estado na economia e ajustes fiscais e tributários, mesclado com a expansão da democracia eleitoral, da educação e do mercado. Embora inicialmente bem aceitos pela população, os ajustes de mercado feitos em nome de um futuro melhor não surtiram o efeito esperado. Houve assim um gap entre o que o governo prometeu e o que a população alcançou, levando a uma grave crise de incorporação, que ocorre quando (...) la necesidad de interacción cooperativa en los mercados y en la política, así como la presión desde abajo en términos de demandas económicas, políticas y sociales no están siendo atendidas por los patrones institucionales de incorporación y regulación. El contenido desborda los canales. (FILGUERA ET AL, p.33)
Isto permitiu aos governos de esquerda, com promessas de mudança social e econômica, apresentar-se como alternativa, ainda que vaga, aos governos neoliberais (Levitsky e Roberts, 2011). Os giros à esquerda, embora heterogêneos, aceitam a democracia, ao menos em princípio, e não romperam com a economia de mercado. Porém, em ambos os parâmetros, há uma grande variedade na compreensão de seu significado, o que significa uma grande variação no que é
10 democracia e no quanto o Estado deve intervir na economia Beasley-Murray et al (2010, p. 323). Dentro desta nova tendência regional, diversos autores começaram a identificar dois tipos de governos esquerdistas. Castañeda (2006) as denomina de esquerda “boa” e esquerda “má”. A primeira, descendente do comunismo catrista, e gera governos com forte conteúdo social e respeito pela democracia; a esquerda “má”, que haveria herdado a tradição populista-nacionalista latino-americana, teria pouco respeito pelos checks and balances das instituições democráticas e uso de políticas intervencionistas, buscando concentrar poder ao custo da democracia e da estabilidade econômica. Já Weyland (2009) argumenta que a causa dessas diferenças seria que a esquerda populista (“má”) foi gerada por Estados rentistas, cuja abundância de commodities gerou rechaço dos limites impostos pela economia neoliberal e da ordem política; em comparação, a esquerda (“boa”) não teria recursos limitados ou uma economia rentista, e por isso tenderia a se manter nos limites da economia de mercado e da democracia representativa. Mesmo com diferentes tipologias, Venezuela, Bolívia e Equador se destacam pelas mudanças mais radicais dentre os casos registrados na região, com forte componente ideológico e reformas econômicas profundas com aumento do papel do Estado. Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Côrrea eram outsiders que ganharam suas eleições quase que por defeito, após momentos de grave colapso político e social, e criaram governos altamente centralizadores, baseados no apoio popular e feroz retórica contra a oposição interna e externa. Segundo Keneth (2007, p. 8), (…)they combine the discourse and imagery of a revolutionary tradition with a strong dose of Bolivarian Regionalism, a trenchant critic of U.S. hegemony and - particulaly in the Bolivian case - an identification with indigenous cultural influence.
O compromisso de tais líderes é com a vontade do povo, distanciando-se da imagem de corrupção e descaso de seus antecessores. Seus governos priorizam uma democracia participativa, que equaciona o povo nos cálculos do poder, e facilita a prestação de contas à população, muitas vezes construindo uma relação de
11 hostilidade com as vozes e interesses dissonantes na sociedade, e são considerados por uma boa parte da literatura da área como populistas (Kenneth, 2007; Freidenberg, 2007, entre outros). Uma característica marcante destes governos é o componente majoritário e top-down de sua democracia. As atuais presidências da Venezuela, Bolívia e Equador se colocam como acima do sistema partidário e organizações de interesse, e demonstram desprezo pelas demais instituições políticas, especialmente pelo poder Legislativo, confiando sua autoridade no poder que emana do “povo”, uma vontade comum, força única, que governa diretamente pela regra majoritária (Canovan, 2002). O principal instrumento para por em prática a regra majoritária são mecanismos de democracia direta, definidos por Altman (2011) como instituições publicamente reconhecidas onde cidadãos emitem opiniões através do sufrágio universal e secreto. Segundo Papadopoulos (2002), os mecanismos de democracia direta são usados pelos populistas para garantir maior responsividade do sistema às demandas do povo, já que não confiam nas eleições como mecanismo suficiente de controle e recompensa/punição das elites. O plebiscito, uma consulta iniciada por autoridades (ou combinação de autoridades) à cidadania sobre determinada decisão, é o método mais usado por esses líderes. Ao encontrarem Congressos controlados pela oposição após sua eleição, Chávez, Evo e Correa não hesitaram em colocar sob voto popular seus projetos para refundamento constitucional da nação, ampliando seu poder e tornando-se os únicos responsáveis políticos pelo país, respondendo diretamente aos seus eleitores e criando uma polarização cada vez maior pela exclusão da oposição do jogo político. Ao encontrarem oposição ou crises durante seus mandatos, também utilizaram mecanismos de democracia direta para ganhar apoio popular e avançar sua agenda política, utilizando de instrumentos democráticos para obter resultados que nem sempre o eram. Este novo populismo à esquerda, ao mesmo tempo em que difere radicalmente das suas versões clássica e neoliberal, compartilha do apelo popular e liderança forte e centralizada, assim como da retórica feroz contra as elites. Velhos
12 debates vêm à tona: afinal, o que é o populismo? Como identificar um governo populista? As teorias populistas, incapazes de gerar um consenso sobre o que constitui o fenômeno, são revistas e testadas em sua capacidade de explicação desses governos que, de tempos em tempos, continuam a aparecer nos países latino-americanos nas mais diferentes versões e discursos políticos, e que agora surgiam compromissados com a esquerda política e a retórica anti-capitalista, algo inédito na história da região (BEASLEY-MURRAY ET AL, 2010). Outro ponto de discussão é a relação deste novo populismo com os regimes democráticos modernos, que apesar de possuírem uma faceta majoritária, tendem a priorizar a representatividade dos mais diversos grupos no governo, assim como adotam um sistema de pesos e contrapesos para limitar o poder de cada instância governamental. O populismo prioriza a accountability vertical entre governante e governados em detrimento da accountability horizontal entre as demais instituições políticas, vista como um mero impedimento para o pleno exercer da autoridade presidencial e a tomada de decisão rápida e efetiva exigida para mudanças profundas. Se a democracia teme a tirania da maioria, o populismo dela tira sua legitimidade, e os seus novos exemplares tem disto se utilizado como fator decisivo para lograr a aprovação de políticas em momentos de impasses institucionais. A grande questão é qual a medida do impacto destas escolhas institucionais na qualidade democrática almejada por tais países, sendo esta também a principal temática deste trabalho. Segundo a teoria democrática liberal, instituições fortes e equilibradas são a receita para boas democracias, permitindo que uma restrinja a atuação da outra e contenha possíveis desvios da atuação para a qual cada uma foi criada. Porém, ao mesmo tempo, o sistema de pesos e contrapesos não foi suficiente para resolucionar a questão do déficit de representatividade, onipresente nos governos dos países latino-americanos, especialmente pela contaminação das instituições por interesses privados. E é neste momento que o discurso do populismo ganha forças: a renovação do sistema político e a promessa de um governo do povo conseguem florescer em cenários de descrença na democracia. Assim, a emergência do populismo pode tanto significar o surgimento de problemas na democracia de um determinado país quanto uma tentativa de “redemocratizá-la”, no sentido de retornar o poder ao povo através de um líder que
13 advoga o direito de representá-lo. A primeira hipótese, defendida pelo enfoque institucionalista
do
populismo
e
pelos
defensores
da
democracia
liberal
representativa, defende o populismo como enfermidade, já que tende a desgastar as relações entre os poderes e enfraquecer especialmente as instâncias legislativas, o espaço que resta à oposição para cumprir seu papel. A segunda hipótese defende que o populismo oferece uma alternativa à democracia liberal, contaminada pelas vicissitudes de elites corruptas e ineptas. Seria a única via que realmente capaz de apresentar
mudanças
ao
dar
voz
a
maiorias
que
muitas
vezes
foram
sistematicamente excluídas do jogo político durante séculos, como é o caso dos indígenas na Bolívia. O objetivo deste trabalho é discutir as implicações teóricas e práticas de governos populistas em democracias representativas liberais, na medida em que ambos disputam a própria concepção do que é um verdadeiro regime democrático e quais objetivos este deve alcançar. Especificamente, serão analisados os impactos do populismo na dimensão da accountability horizontal, particularmente quanto ao poder Legislativo e o uso de instrumentos de democracia direta como plebiscitos. Essas relações serão investigadas no governo de Evo Morales na Bolívia, o estudo de caso escolhido entre estes novos populismos latino-americanos. O trabalho está dividido em três partes distintas, para melhor compreensão do tema. No primeiro capítulo, será traçado um breve histórico do populismo na América Latina em suas três encarnações, assim como serão apresentados alguns conceitos fundamentais que lançam as bases para sua discussão. Os cinco enfoques principais para uma definição do fenômeno serão detalhadamente debatidos, explicitando sua abrangência teórica e possíveis limitações. No segundo capítulo, será problematizada a relação entre democracia e populismo, tanto nas suas implicações teóricas quanto nas institucionais. A questão populista será debatida em seus méritos enquanto enfermidade dos regimes democráticos ou antídoto aos seus problemas, através de uma comparação entre a democracia liberal representativa, que é o golden standard dos regimes políticos atuais, e os temas defendidos pelo populismo, tais qual a regra majoritária, o líder como interprete do povo e plebiscitos.
14 No terceiro capítulo, o governo de Evo Morales será estudado quanto à sua emergência e consolidação no poder, desde a sua ascensão via movimentos sociais indígenas em um cenário de caos político e social, até sua consolidação no poder, onde os profundos atritos com a oposição no poder Legislativo e nos departamentos levaram a uma situação de impasse institucional, muitas vezes superada através do uso de plebiscitos.
15
1. POPULISMO NA AMÉRICA LATINA: UM MARCO TEÓRICO O populismo, como fenômeno político, teve suas primeiras manifestações nos Estados Unidos, com o People’s Party Movement (1892 – 1900), de curta vida, mas longa influência na política norte-americana; e na Rússia, através do Partido Socialista Revolucionário, quase destruído pelas divisões internas e perseguição imperial, mas que em 1917 conseguiu capturar o Estado imperial russo e criar o Estado comunista. Ambos, segundo Coniff (1982), tinham a mesma busca por igualdade econômica e democracia que inspiraram os movimentos na América Latina, mas no continente sua influência foi mais duradoura. As diferentes definições de populismo mesclam-se com sua manifestação histórica na América Latina. Os chamados clássicos, ocorridos a partir dos anos 20 do século XX, se deram em um contexto de êxodo rural e inserção na economia internacional dos países da região. Após a ruptura com as antigas oligarquias, governos populistas se multiplicaram na região, se caracterizando por serem multiclassistas e baseados na incorporação política das classes baixas, liderados por figuras carismáticas que prometiam atender as demandas populares através de políticas tutelares. Outra característica
importante desses governos foi a
implementação de um modelo de desenvolvimento econômico bastante específico, o modelo de substituição de importações, cujo foco era a produção de bens industrializados e investimento em bens de consumo através de etapas que permitiriam, em tese, maior vantagem nos termos de troca na economia internacional (O'DONNELL, 1990). Com o fracasso do modelo de substituição de importações e a crise política e econômica que se seguiu, regimes burocrático-autoritários foram implementados em toda a região através de golpes militares de Estado, segundo tipologia de O'Donnell (1990). O fenômeno populista aparentava estar encerrado, e assim foi definido pelas teorias da modernização e da dependência como um modelo de desenvolvimento característico da primeira metade do século XX. Porém, o surgimento dos chamados neopopulistas na década de 1990 criou dúvidas quanto à validade do conceito forjado pelos teóricos das ciências políticas. Com estilo persuasivo, altamente influenciado pela globalização e novas
16 tecnologias,
apresentava
liderança
carismática
e
movimentos
populares
multiclassistas em um novo contexto social, onde a comunicação era a chave para conquistar novos votantes (CONIFF, 1999). Os líderes neopopulistas se colocavam como pessoas comuns que assumiram o cargo mais importante da nação, e, portanto eram capazes de representar os reais desejos do povo em suas políticas, centralizando seus governos em suas figuras. Paradoxalmente, executaram reformas econômicas liberais sob o Consenso de Washington que geraram fortes crises em seus países, às quais retratavam como sofrimento no presente em nome de um futuro melhor. O populismo neste período foi caracterizado como um estilo político, altamente sensorial, onde o carisma do líder era validado por eleições. Após o fim da onda neoliberal, mais uma vez se creu que o fenômeno havia se esgotado. Os líderes neopopulistas, com forte instabilidade no governo, se adaptaram a um modelo mais conservador e menos personalista de política (Carlos Ménem), ou foram depostos do governo (Fernando Collor de Mello, Abdalá Bucaram), ou ainda renunciaram após escândalos políticos, como o fez o presidente peruano Alberto Fujimori. Porém, o giro à esquerda na América Latina na década de 2000 revelou mais uma variedade populista: esquerdista, focados em camadas mais pobres da população. Setores anteriormente excluídos da comunidade política, como a população indígena na Bolívia, passam a ganhar voz e são incorporados através de governos profundamente anti-establishment, propensos a buscar profundas reformas sociais. O papel do Estado é profundamente intervencionista, usando os ganhos da exportação de commodities para desenvolvimento social. Segundo Freindenberg (2007), isto demonstra um afastamento do modelo econômico do populismo clássico, e evidencia que o populismo tem um coração político, muito mais que representa um modelo econômico; porém, como é argumentado por Viguera (1993), embora os dois eixos sejam distintos, restringir-se apenas a um deles gera perda de capacidade explicativa e/ou comparativa. As distintas manifestações do populismo através do tempo criaram uma multiplicidade de definições e escolas teóricas, as quais até hoje não lograram
17 alcançar um consenso sobre a definição do termo. Ballesteros (1987) argumenta que tal conceito é escorregadio porque é impossível sistematizá-lo em uma única teoria: ou é muito ampla para ser clara, ou é muito restritiva para ser persuasiva. Sua complexidade fez com que cada característica sua levasse a criação de um aporte teórico próprio, que muitas vezes divergem entre si: como exemplo, adeptos do enfoque institucionalista se negam a creditar ao populismo uma efetiva incorporação das massas à política, o que outros teóricos como Collier e Collier (1991) definem como o ponto mais distintivo do populismo. Em comum às abordagens, porém, está a ideia de povo como essência do poderio populista. O termo “povo” pode se definir como populus, tratando de toda a coletividade, e como plebs, os subalternos no nível político e especialmente no socioeconômico: gente comum e sofredora. Segundo Aboy Carles (2012), o populismo é justamente uma oscilação constante entre os dois conceitos, a luta pela redenção da plebs que se pretende como populus, ou seja, uma fração subalterna da nação que se pretende como representante do verdadeiro país, excluindo assim radicalmente seus inimigos políticos da comunidade política ao mesmo tempo em que renegocia esta premissa em nome de uma completude da nação nunca alcançada. Essa exclusão se dá através de uma característica marcante do populismo: o discurso maquineísta, que segundo De La Torre (1992) se relaciona com uma retórica que divide a sociedade entre povo e oligarquia a partir de relações sociais. O povo representaria o que há de mais puro e autêntico na sociedade, o heartland, e se define em oposição à oligarquia, que encarna o estrangeiro, o mau, o injusto e o imoral. O item mais importante do populismo, porém, é o próprio líder populista. É ele quem consegue criar a conexão com seus seguidores através de um vinculo personalista. Encarna os desejos da nação, representa as pessoas excluídas do sistema, e nelas repousa sua legitimidade para enfrentar os desafios do poder; por ser a voz do povo, só a ele se reporta, e costuma ignorar as demais instituições em nome da governabilidade.
18 A partir desta introdução conceitual ao populismo, pode-se adentrar nas principais abordagens teóricas sobre o fenômeno. Com propósitos de maior clareza conceitual, serão apresentados cinco enfoques teóricos distintos, a saber: o populismo como fase histórica e incorporação das massas; o populismo como estilo político; o populismo como ideologia; o populismo como discurso; e o populismo como estratégia de poder.
1.1 Enfoque Socio-Histórico: O Populismo Como Fase Histórica E Incorporação Das Massas O enfoque socioeconômico histórico do populismo, relacionado especialmente com a Teoria da Modernização e com a Teoria da Dependência, associa o fenômeno ao período histórico de modernização dos anos 1930-1960, um período de profunda transformação das sociedades latino-americanas. Dá-se a substituição de um regime liberal oligárquico nos países da América Latina por um governo mais responsivo (em maior ou menor grau) às demandas socioeconômicas e acesso ao poder político de massas mobilizadas, mas previamente excluídas (O’Donnell, 1972, p.63), através de uma aliança policlassista das classes trabalhadoras e industrial nacional contra a velha elite. Este modelo é fortemente conectado com a etapa de industrialização por substituição de importação na região, processo em que o Estado assume uma posição ativa ao estimular a produção de bens de consumo pela indústria nacional, ao mesmo tempo em que estimula o mercado interno através de políticas de salários altos (Collier, 1979, p.30). O Estado passa de mediador de investimentos estrangeiros a defensor do mercado, para assim transferir renda do setor exportador ao interno, e cria estrutura para a implementação da ISI (CARDOSO E FALETTO, 2003). O Estado incorpora politicamente através do estímulo a sindicatos fortes, que são vinculados aos partidos populistas (COLLIER E COLLIER, 1991). As massas, neste regime, são consideradas parte integral do plano de desenvolvimento industrial como mão de obra e consumidores, ao mesmo tempo em que passam a ter importância para o cálculo político dos grupos de poder.
19 Sob uma perspectiva de transformação da sociedade, concomitantemente ao desenvolvimento econômico dos países da região, de acordo com Germani (1965) há um processo de mudança desde o ponto de vista sociológico, com a transição de uma economia agrária a uma “expansiva”, fundada em uma crescente aplicação da técnica moderna, que encontra correlação na mudança progressiva da solidariedade orgânica das sociedades tradicionais à solidariedade mecânica do mundo moderno. Mais do que isso, estes dois mundos distintos coexistem, já que o processo modernizador não abarca a totalidade da sociedade. Nos países cuja modernização se consolidou mais cedo, essas massas despertas
de
sua
mentalidade
tradicional
foram
absorvidas
pelos
meios
institucionais de representação e competição pelo poder de forma lenta e gradual. Já nos países latino-americanos, onde a industrialização foi tardia, a mobilização pela migração do campo à cidade foi produzida de forma rápida e total (GERMANI, 1965, p.210). Esta mobilização das massas é espontânea e concreta, e o povo, pela primeira vez, rompe com seu papel fixo na sociedade tradicional e toma consciência da possibilidade de atuação política. Ainda que plenamente compatível com a democracia representativa, as estruturas arcaicas em que a democracia liberal foi instaurada na América Latina não possibilitavam a canalização dessa nova mobilização política das massas às instituições existentes. O populismo seria um instrumento de líderes demagogos e com traços autoritários para conseguir apoio da massa ignara, politicamente ativada, mas inocente e facilmente manipulável por sua transição psicossocial à modernidade estar incompleta. A perspectiva de Germani se alinha à Teoria da Modernização, na qual o desenvolvimento traz consigo a democracia.
Samuel Huntington (1975) foi o
principal crítico a essa perspectiva teórica; para o autor, o desenvolvimento econômico não está necessariamente atrelado ao político. Os regimes autoritário burocráticos de O’Donnell (1972) são prova para sua afirmação: quanto mais modernos os países da América Latina, mais autoritários; o nível de mobilização é grande demais, e o Estado e a economia não têm recursos para distribuir os ganhos, levando aos golpes militares nos anos 1960 e 1970. A busca pelo enriquecimento pode gerar um hiato político entre o anseio por participação política que a modernização traz e a falta de capacidade do governo em
20 suprir essas demandas, criando instabilidade pelo baixo grau de ordem institucional, que seria o elemento mais importante para Huntington em uma sociedade política. O populismo, com sua lealdade à autoridade carismática, é incapaz de construir instituições fortes e canalizar a mobilização política por ele criada para partidos, criando um regime democrático incapaz de garantir a ordem. Para Collier e Collier (1991, p.161), porém, a mobilização não é desorganizada: a organização e institucionalização são essenciais ao populismo em um período de transição quanto à participação da classe trabalhadora nos países, em que estes utilizaram diversas estratégias para controlar e mobilizar os setores populares. Este se daria justamente quando não apenas há mobilização, como também a criação de um partido de massa que incorpore o sindicato, e a vinculação entre o movimento sindical e o partido populista. A incorporação dos trabalhadores rurais seria responsável por dois subtipos possíveis do populismo: o trabalhista, restrito aos trabalhadores modernos, e o radical, que incorpora os setores agrários. Embora haja diversidade teórica dentro deste enfoque, a principal crítica engloba todos os seus autores: a rigidez de seus modelos. O populismo já se apresentou
em
formas
neoliberais,
e
também
em
governos
que
não
necessariamente desejavam se industrializar. Mesmo no período considerado “clássico”, países como Peru e Equador tiveram governos populistas sem processos de substituição de importação; da mesma maneira, o Chile implementou esse modelo sem nunca ter eleito um presidente populista. Embora seja um enfoque teórico que se esgotou com o passar do tempo, uma visão socioeconômica histórica do populismo permite uma melhor compreensão do seu papel como incorporador das massas, e como pode assumir esta função nos presentes governos populistas.
1.2 Enfoque Personalista: O Populismo Como Estilo Político O enfoque sociocultural do populismo apresenta o fenômeno a partir do vínculo entre líder e liderados, estabelecido através do estilo político do governante populista, evocando uma identidade em comum para estabelecer uma relação com o povo. A fonte de poder neste enfoque, segundo Ballasteros (1987) é o líder, não a ideologia, através de seu carisma, encarnando a autoridade carismática proposta
21 pela tipologia de liderança de Weber: propõe salvação e redenção através da fé de seus seguidores. Resumidamente, o coração deste enfoque está nas noções de proximidade e transgressão. O estilo e a práxis do líder buscam aproximar-se das camadas mais baixas e populares da população através das suas identidades socioculturais, muitas vezes hostilizadas pelos discursos dominantes na sociedade. Isso faz com que o estilo do líder se torne transgressor no âmbito político, especialmente porque a grande diferença de grupos sociais é uma condição sine qua non para a emergência do populismo; o líder populista é “gente como a gente”, e assim permite que o povo, regularmente excluído da agenda política, finalmente se sinta representado em suas peculiaridades. Pierre Ostguy (2009), um dos principais teóricos deste enfoque, define o populismo a partir da ideia de um “outro irrepresentável”, criado a partir da ideia do que é “apropriado” em uma determinada sociedade, e cujas demandas por representação são atendidas e representadas por líderes populistas, identificando-se com o verdadeiro povo. O autor define duas subdimensões à política: a sociocultural e a cultural-popular, que por sua vez possuem eixos baixos e altos, representando diferentes expressões e comportamentos quanto aos níveis de repressão e sublimação dos atores políticos. A dimensão político-cultural debateria sobre as formas de liderança política e tomada de decisão. Se o “alto” do eixo é formal, impessoal, legalista, mediado por instituições, tecnocrata, caracterizado pelo liberalismo representativo e Estado de direito, na parte “baixa” a liderança é personalista, forte, com muita proximidade com o povo, com participação direta e desprezo às formas institucionalizadas de tomada de decisão e representação. Já a dimensão sociocultural se relacionaria a oposição entre a cultura e compostura das classes altas em oposição à crueza e simplicidade daqueles na parte baixa no eixo; isto explicaria o sucesso das estratégias do líder de criação de vínculo através da emulação da cultura popular e/ou local, criando uma identificação com o povo através de seu estilo de liderança. A noção de identificação, segundo Billig (2003), se dá através de um processo retórico, onde o líder logra persuadir não apenas pelo discurso do povo, mas
22 também por gestos, tom de voz, palavras de ordem, imagem, atitude, ideias, etc., demonstrando que ambos compartilham as mesmas maneiras, hábitos e moralidade. Ao assumir as maneiras de sua audiência, o líder categoriza a si mesmo para sugerir pontos em comum com o seu público alvo, e assim cria uma identidade social popular e a utiliza para formar seu projeto retórico através da uma lógica de positing, ou seja, posicionamento dos grupos incluídos e excluídos através da categorização do mundo social. O populismo, com seu caráter relacional e performativo, não apenas captura um povo pré-existe como também o produz para alcançar poder (MOFFIT E TORMEY, 2014). Segundo Tagguief (1995), o vínculo entre líder populista e povo possui uma qualidade mística e abole a distancia entre o povo e os governantes, buscando a reconstrução do corpo social através do apagamento das diferenças sociais e econômicas na sociedade, resumindo-as a meras diferenças das identidades culturais. Isso permite que o líder populista persiga as mais distintas agendas políticas; as pessoas o seguem por se identificarem com o estilo que ele projeta, baseado na cultura popular, não pelo conteúdo de suas políticas. Ballesteros (1987), inclusive, afirma que quando um discurso político se reduz a convocar o povo em torno a um líder, sem nenhum conteúdo ideológico ou programático, se pode afirmar com absoluta propriedade do populismo; a retórica populista seria justamente a compatibilidade com a ausência de ideologia. A principal crítica a este enfoque está na sua concentração no estilo performático do populismo. Ao se focar na emulação de identidades populares para lograr poder, o populismo como estilo político trata os líderes como meros atores em um teatro, que a qualquer momento podem sair do estilo que criaram para si. Também é um conceito tão amplo que se torna pouco abrangente, por não ter definições claras em âmbito institucional para clarificar suas ocorrências. Empiricamente, deixa de explicar casos populistas como o de Fernando Collor de Mello, presidente brasileiro conhecido por sua origem abastada e estilo de vida playboy, pouco relacionado com a vida da maioria da população brasileira.
23 1.3 Enfoque Ideológico: O Populismo Como Ideologia Delgada O populismo como ideologia delgada, a princípio, não se diferenciava do enfoque do populismo como estilo político: ambos tinham como ponto de partida a criação de identidades e estruturação do campo político. Porém, com o passar do tempo, ambas foram se diferenciando: o último foca-se muito mais na relação entre líder e liderados através do discurso e da performance, enquanto no primeiro a fala do líder é analisada em todas as suas implicações na criação de antagonismos sociais, buscando extrair uma “filosofia” de discursos populistas. Da mesma maneira, é muito similar ao enfoque do populismo como criação de identidades, porque ambos afirmam a divisão da sociedade em campos antagônicos como característica definidora; porém, enquanto este enfoque afirma que isto se dá por uma ideologia populista, aquele defende que é o discurso que cria tais divisões. Mudde & Rovira (2012, p.8) definem o populismo como: a thin-centred ideology that considers society to be ultimately separated into two homogeneous and antagonistic groups, ‘the pure people’ and ‘the corrupt elite’, and which argues that politics should be a expression of the volonté générale (general will) of the people.
Estas categorias de povo e elite são vazias em si mesmas, sendo o líder populista o responsável pela construção de seus significados. É uma forma moral de política, já que a distinção entre os dois polos é dada nesta dimensão, criando uma visão maquineísta sem espaço para mediação; segundo Stanley (2008), é uma reação profundamente adversária, como amigos e inimigos nos termos schmittianos. Hawkins (2010) agrega uma dimensão de cosmologia mística, na qual conecta à moralidade de seu discurso uma encarnação de um tempo místico do passado, dando sentido épico e de eternidade ao presente ao reviver antigos mitos e símbolos. É importante notar que o fato do populismo apresentar-se como uma ideologia delgada permite que se associe a outras ideologias, como o socialismo, o nacionalismo, etc., porque não tem complexidade suficiente para gerar políticas. Mas isso, segundo Stanley (2008), não impede que o populismo seja reconhecido como uma ideologia, ainda que não ofereça um conjunto de respostas às questões geradas na sociedade. Os conceitos de povo e soberania popular, ou seja, a criação
24 de um “povo” em oposição à elite, assim como um suposto interesse harmonioso desse povo, devem ser a base para a tomada de decisão na esfera governamental. Também acrescem os conceitos de tensão entre a política como redenção e administração de Canovan (1999) na representação da vontade do povo; se a última atua como base na mediação de conflitos, negando a representação prometida pela democracia liberal, a política como redenção afirma que outro mundo é possível, onde a voz do povo é efetivamente ouvida. Esta se torna populismo quando há um excesso de pluralismo sem equilíbrio, gerando busca por representação. O populismo é uma ideologia porque este núcleo é presente em todas as suas ocorrências. Stanley (2008) afirma que essa vontade do povo é a encarnação do “bom”: é única, indivisível, “a voz de Deus”, e não admite oposição, que é considerada ilegítima, em total oposição ao pluralismo político. No outro polo, as elites são más, perversas, conspiradoras e variam conforme o contexto: podem ser grupos étnicos, econômicos, etc. Mudde (2004) também aponta os partidos estabelecidos na democracia liberal como inimigos do povo, já que não representam a população e criam divisões no povo unido, em uma oposição mais uma vez maquineísta e simplificadora. E há uma necessidade de mudança sistêmica, já que as velhas estruturas da velha política estão dominadas pelos maus políticos, e novas estruturas seriam as únicas a rompê-las. Eles não desejam deliberar e garantir direitos formais; buscam ação e rechaçam mecanismos liberais caso estes evitem a “vontade do povo”. Mudde (2004) resgata a contribuição de Taggart sobre o heartland para conceituar esta maioria que o populismo busca representar: “a world that embodies the collective ways and wisdom of the people who construct it, usually with reference what has gone before (even if that is idealized).” (TAGGART, 2000, p.3) Este heartland seria, na verdade, uma construção mítica utilizada pelos líderes populistas para descrever um determinado conjunto da população, sendo um conceito tão vago que é melhor definido em oposição à elite rechaçada pelo populismo. Mudde (2004) observa que os populistas não querem mudar as pessoas, como o socialismo ou o comunismo, e sim mudar seu status na sociedade, pois o senso comum é a base de todo o bem na política. Este heartland é ativado em
25 circunstâncias especiais: combinação de ressentimento político, desafio ao estilo de vida do povo e presença de um líder populista atrativo. As principais críticas a essa vertente é a premissa subjacente a ela que as pessoas e o líder creem na ideologia em questão; para alguns teóricos, os populistas não possuem crenças, apenas perseguem o poder. O core desta vertente também apresenta deficiências porque seus conceitos são pouco abrangentes, e quase sempre precisa de outra ideologia ter poder explicativo; o populismo não possui um conjunto de conceitos e teóricos claramente definidos, nem tampouco um movimento de adeptos que o valide como ideologia.
1.4 Enfoque Discursivo: O Populismo Como Criação De Identidades O populismo como criação de identidades é uma vertente baseada no arcabouço teórico construído por Ernesto Laclau (2005), teórico argentino pós marxista e pós modernista, que propõe o populismo como a própria lógica política. O modelo de populismo de Laclau tem como unidade de análise social as unidades menores que são articuladas por demandas, que quando articuladas entre si geram a unidade do grupo. Essas demandas são reivindicações a uma determinada ordem estabelecida, e tem um aspecto concreto de materialidade e outro aspecto abstrato, e podem ser satisfeitas ou não. As demandas democráticas são aquelas isoladas de um processo equivalencial, absorvidas pelas instituições através de uma lógica de diferenciação, ou seja, “mediante la afirmación de la particularidad (…), cuyos únicos lazos con otras particularidades son de una naturaleza diferencial” (LACLAU, 2005, p.103). Quando estas demandas não são satisfeitas, se transformam em demandas populares, sendo essa característica responsável por uma lógica de equivalência, ou seja, as demandas se tornam iguais em seu não atendimento e enfatizam o que tem em comum, implicando assim no traçado de uma fronteira antagônica e na debilitação das diferenças. Isto gera uma cadeia de equivalência em seu nível abstrato de demanda insatisfeita. Assim, quando a cadeia aumenta, esses vínculos equivalenciais se condensam ao redor de uma demanda particular ou pessoa, que passa a ultrapassar sua característica concreta ao assumir características universais e representar toda
26 a cadeia de equivalências. Esta demanda ou pessoa se torna um significante vazio, que cria um marco diferencial comum à heterogeneidade das demandas, ou seja, as diferenças de suas partes concretas que nunca desaparece e cria tensão com a proposta de universalidade dada pela cadeia de equivalências. Quanto mais extenso o laço equivalencial, mais vazio será o significante que unifica a cadeia. Segundo Laclau (2005, p.123), a institucionalidade existente não permite ao populus representar sua verdadeira plenitude, e a plebs aspira à construção de um populus realmente universal através da crença em uma totalidade plena. A cadeia de equivalência permite uma construção política de uma fronteira que divide a sociedade em dois campos: o povo e a institucionalidade. Não é um antagonismo entre atores pré-determinados, como pressuporia uma teoria marxista; o antagonismo cria novas classes sociais. O outro, para esta lógica, é uma oposição total ao povo; aqueles que impedem a concretização do desejo de ser povo e por tal razão nunca poderão fazer parte da futura comunidade plena. Estes são concretamente simbolizados pelos blocos de poder, que são elites que estabelecem a hegemonia da sociedade, ou seja, controlam não só os meios de coerção como também exercem a liderança no campo das ideias. A oposição da identidade popular criada pela cadeia equivalencial em relação ao bloco de poder é o que define o populismo. Parafraseando Laclau (2005, p. 150151), o populismo assim é uma lógica política que se relaciona com a instituição do social através de demandas sociais, gerando uma mudança social pela articulação das lógicas de diferença e de equivalência, e a constituição de uma cadeia equivalencial que constrói um sujeito político global que reúne múltiplas demandas sociais e, por consequência, constrói fronteiras internas e a identificação da instituição como antagonista. Panizza (2005) instrumentaliza a teoria de Laclau para a explicação da criação de identidades políticas. Para o autor, o discurso é ação, não ideologia: cria algo que não existia antes ao designar uma parte da realidade, criando uma nova identificação. O discurso do populismo é anti-status quo e cria uma divisão na sociedade entre o povo e o outro, identidades dadas (e, portanto, criadas) pelo processo de nomeação (naming) dos inimigos do povo.
27 A soberania popular para Panizza, semelhante ao enfoque ideológico, também é vista como uma categoria vazia; porém, nesta visão “it is argue that its meaning is constituted by the very process of naming, or (…) that it is determined by a process of naming that retroactively determines its meaning.” (PANIZZA, 2005, p. 5). Há uma desconstrução e reconstrução de identidades baseada no antagonismo criado com o outro, ou seja, em um processo de alteridade que remove divisões internas da população para criar um e indivisível Us (povo) versus Them; a opressão do alter torna os múltiplos egos apenas um. Para Panizza (2005, p.9), Populist practices emerges out of the failure of existing social and political institutions to confine and regulate political subjects into a relatively stable social order. (…) It is a political appeal that seeks to change the terms of political discourse, articulate new social relations, redefine political frontiers and constitute new identities.
Apesar de não depender de um líder, ele ou ela pode ser a mais provável projeção no significante vazio, incorporando “o povo” através da identificação. O líder se põe fora da política, ao menos da “política de sempre”, clamando sua diferença em relação aos demais. Tem qualidades extraordinárias ainda que seja uma pessoa comum, como o resto do povo que diz representar. Apresenta características anti-institucionalistas do líder, que desconfia dos caminhos velhos do poder pela sua não representação dos desejos do povo e vícios corruptos; e através de um caminho redentor, consegue transformar o que era corrupto em algo puro e superior. Se o populismo, segundo Panizza (2005), despolitiza o político, ele também superpolitiza as relações sociais. Expressa as opiniões e desejos das pessoas excluídas dos âmbitos hegemônicos do poder, e consegue criar uma identificação simbólica entre o líder populista e seu povo, os integrando aos espaços políticos. Tal vertente do enfoque discursivo possui grande sofisticação teórica, por tratar de aspectos simbólicos da criação de identidades e de vínculos com o líder populista, e, portanto possui maior poder explicativo que o populismo como estilo político e o populismo como ideologia. Porém, apenas permite compreender como se dá o fenômeno populista, sem prover um framework que permita analisar os casos empíricos para além dos discursos e das identidades, em áreas essenciais como as instituições democráticas, por exemplo.
28 1.5 Enfoque Institucionalista: O Populismo Como Estratégia Política O populismo como estratégia política tem um viés institucionalista em sua análise sobre o fenômeno, e tem seu principal teórico em Kurt Weyland. O autor apresenta o populismo como uma estratégia de poder personalista e antiinstitucionalista, muito mais associada à esfera de dominação, da competição e exercício de poder político. Weyland (2001) constrói um conceito clássico do fenômeno, a nível científico, e por isso exclui muitas variáveis de sua análise que seriam, segundo ele, incidentais, como classe social e fase histórica; as políticas econômicas e sociais seriam instrumentos para alcançar o poder, não características intrínsecas ao conceito. Para Weyland (2001, p.10), o populismo ocorre quando "(…) an individual leader seeks or exercises government power basead on support from large numbers of followers." Esta relação entre líder e as massas não é institucionalizada, e sim fluida, criada por forte conexão com seus seguidores, e por isso transcende ou submete as instituições aos desejos do líder. Este
enfoque
rechaça
completamente
a
ideia
de
populismo
como
incorporador das massas de facto, e tampouco o considera democratizante, já que não tem respeito pelas “regras do jogo” e, por consequência, tampouco pelos direitos que compõem o status da cidadania. O líder populista é demagogo, e utiliza seu discurso para conseguir suporte das massas para seus objetivos de dominação política, aproveitando-se da suscetibilidade gerada pela pobreza na região com promessas fáceis. Para o enfoque institucionalista, a democracia liberal e pluralista é o modelo ideal, ou seja, deve-se buscar limitar o governo e administrar conflitos entre diversos grupos, evitando a tirania da maioria. É uma oposição direta ao caráter majoritário do populismo, que concentra todo o poder em seu líder e planifica o povo em nome de uma vontade única imaginada. Este personalismo cria uma accountability vertical por um vínculo plebiscitário, que responsabiliza o líder populista diretamente por responder as demandas e necessidades da população (BARR, 2009, p.44). Porém, a ideia do povo como vontade única não permite oposição, excluindo toda a possibilidade de diversidade de opiniões dentro de uma sociedade por ser
29 contra a “nação”, e assim automaticamente seu inimigo. Segundo Novaro (2011, p.184), os próprios líderes populistas são os que criam essa necessidade para polarizar o campo político e manter seu discurso; a inclusão e exclusão são dadas em relação à participação política permitida à oposição do governo, e o apelo do populista é esse discurso anti-establishment, ou seja, contra as elites estabelecidas (BARR, 2009). O poder de decisão que conseguem pela politização das instituições é transicional, já que a superação das resistências incorre em uma nova institucionalização. Assim, é necessário criar um aparato estatal que exclua toda a possibilidade de oposição e que impede a alternância de poder, assim como mantenha todos os grupos capazes de rivalizar (instituições estatais, mídia, exército) sob seu controle, eliminando quase toda a possibilidade de pluralismo político. Não há limitação institucional em seu governo, nem divisão do poder. A maquinaria do Estado é utilizada para promover o partido e seu líder, tonando-se equivalentes. O enfoque institucional possui uma visão altamente negativa sobre o populismo, enfatizando suas características nocivas ao desenho institucional das democracias modernas. Porém, possui certas falhas, cuja principal é excluir algo essencial à definição do fenômeno, inclusive à formação da própria palavra: o populus, o povo. Weyland também deixa de lado a dicotomia do povo versus grupo dominante, um argumento presente nos demais enfoques. E mesmo que proponha uma definição científica do fenômeno, o populismo apenas como estratégia política é extremamente amplo e pode ser utilizado para denominar os mais diversos tipos de governos, não apenas os reconhecidamente populistas. Falta algo que defina de maneira mais efetiva o que diferencia um governo populista dos demais. A amplitude de enfoques teóricos do populismo não significa que estes sejam mutuamente exclusivos, e permite uma visão multidimensional do fenômeno, ressaltando sua complexidade. Esta também se manifesta para além da pura teoria do populismo: suas implicações na democracia também são extremamente polêmicas, gerando debates acirrados e sem previsão de consenso quanto à valoração das mudanças que promove. Independente da definição adotada, é de comum acordo que o populismo altera os cálculos do jogo político em termos de pesos e contrapesos institucionais, especialmente porque seu ideal de democracia é
30 muito distante dos sistemas propostos pelas abordagens liberais: anseia por um governo forte e baseado na vontade da maioria, em oposição à representação e acomodação que predominam na atual política. Como se dá esta relação é o tema a ser explorado no próximo capítulo.
31
2.
POPULISMO
E
DEMOCRACIA
-
CONSIDERAÇÕES
TEÓRICAS E IMPACTOS INSTITUCIONAIS
Tanto no campo das Ciências Políticas quanto nos debates fora da academia, o populismo normalmente carrega consigo uma conotação altamente negativa, retratando governos paternalistas e líderes demagogos, que desrespeitam as instituições políticas e os direitos dos opositores ao regime. Canovan (2004) afirma que o fenômeno é visto pelos cientistas políticos como um sinal de enfermidade patológica da sociedade, e por tal motivo não recebe a devida atenção nos estudos da área. Porém, também há perspectivas que defendem que o populismo, longe de ser uma enfermidade democrática, é na verdade um antídoto para suas falhas sistêmicas, onde o Estado nunca logrou realmente incluir as massas em uma democracia que representasse interesses outros que os das elites locais. Na América Latina, o debate é ainda mais sensível. Tendo o continente uma longa história de golpes e ditaduras, as democracias liberais que aqui se estabeleceram são amplamente conhecidas pela sua falta de representatividade em relação a grande parte da população. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p.324), o liberalismo e ideias de cidadania com ele relacionado normalmente são termos opostos ao povo, o “popular”; o liberalismo é associado com ideias de exclusão econômica e social. Weyland (1995) afirma que, embora os atuais regimes da região sejam considerados democráticos, segundo definições mínimas de democracia, não se comparam aos seus contraexemplos europeus; há participação política em número, porém sem qualidade. Da mesma maneira, os governos populistas são famosos pela sua relação clientelista com os eleitores e tendência políticos que muitas vezes flertam com o autoritarismo, e também sendo questionados quanto à qualidade de inclusão social e política que proporcionariam ao povo. O’Donnell (1972), ao tratar dos populismos históricos que levaram aos Estados Burocrático-Autoritários, afirma que, embora as massas fossem incluídas no pacto político pelos líderes populistas, os significados desta nova cidadania não foram entranhados nas novas identidades coletivas surgidas, porque estas se davam muito mais pela busca pela justiça substantiva do que por direitos. As eclosões populares que geraram o Estado nacional popular não
32 foram movimentos de classe para o autor, pois o povo não foi ou se tornou autônomo neste processo, servindo como massa de manobra enquanto continuava a demandar apenas por políticas sociais, sem se apossar da cidadania. Os novos populismos latino-americanos também são alvos de grande controvérsia, apesar de seus logros sociais. Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa são líderes controversos, extremamente populares, porém suas ações muitas vezes desafiam às convenções do que se configura uma boa democracia, por considerarem que estes mecanismos são insuficientes para fazer políticas que realmente representem o desejo do povo. Por este motivo, são constantemente questionados quanto à validade de seu governo e de suas ações, e em que medida realmente configuram uma democracia. Coppedge (2002, p.1), ao analisar Hugo Chávez, defende que para avaliar corretamente o estado da democracia de seu governo é necessário aguçar a distinção entre democracia definida como soberania popular versus a noção mais convencional de democracia liberal.
Para Rovira (2011), nisto esta base da
discrepância nas percepções sobre o populismo como remédio ou antídoto. O ideal de democracia que fundamenta cada linha teórica influi diretamente no julgamento que se faz sobre o regime; quanto mais se prioriza a soberania popular e mecanismos
de
participação
direta
em
relação
ao
constitucionalismo
e
representação, mais satisfatório será o populismo quanto ao tipo de democracia que proporcionará, e o inverso também é verdadeiro. Para mensurar tais características, porém, é importante discutir brevemente sobre o próprio conceito de democracia, e depois ampliar o escopo das reflexões para fatores que ultrapassam o mero desenho institucional.
2.1 Democracia: Um Breve Aporte Teórico Segundo Mudde e Rovira (2012), da mesma maneira que o populismo, democracia é um conceito altamente disputado nas ciências sociais, não apenas pela sua definição, como também pelos seus diversos modelos. Segundo Miguel (2002, P. 483), a definição mais clássica é a grega, que corresponde à ideia de
33 “governo do povo” e ao próprio significado etimológico da palavra, e que rege parte do imaginário associado à democracia; porém isto não significa que todos sejam iguais, pois apenas os livres possuem direitos. Aristóteles (2005) equaciona em seus escritos a democracia à vontade da maioria dos cidadãos livres, excluindo os escravos do cálculo do poder político, o que destaca o elemento elitista da ciência política desde seus primórdios. Com o passar do tempo, novas ideias e conceituações sobre a democracia surgiram para explicar as mudanças nas comunidades políticas e seus regimes, assim como apontar quais rumos deveriam ser seguidos para alcançarem-se sociedades ideais. Miguel (2002) destaca que ao longo dos séculos XVIII e XIX, com autores como Rousseau, Fourier, Proudhon e Marx, surgiram correntes de pensamento político que pensavam a democracia em termos de sociedades mais igualitárias entre os homens. A negação da desigualdade como algo natural coaduna com o cenário político de tal época, onde revoluções sociopolíticas corroíam as estruturas históricas de desigualdade. Porém, ao fim do século XIX, novamente abordagens elitistas passaram a predominar nas ciências humanas, reafirmando a diferença natural entre as pessoas. Na teoria da democracia, tal pressuposto foi incorporado por Joseph Schumpeter (1984), cuja definição minimalista da democracia é certamente a mais difundida na área. Para Schumpeter, o bem comum pode ser alcançado através da participação direta do povo na tomada de decisão, através da livre competição pelo voto.
A
democracia,
para
o
autor,
é
estritamente
um
regime
político,
independentemente das características do Estado e da sociedade; apenas um processo eleitoral caracterizado pela livre competição pelo voto, e não é necessariamente pensado como instrumento para alcançar qualquer outro valor. Para Schumpeter, a vontade do povo, assim como o bem geral, não existe per se; são resultados artificialmente criados pela influência do governo, que define a vontade do eleitor. A crença na democracia como tradutora da voz do povo não passa de uma dimensão religiosa, de um credo que se mantém como parte de um sistema normativo sobre o funcionamento de um regime democrático. A igualdade política é uma falácia, e a democracia se baseia nos interesses das elites.
34 Porém, a teoria de Schumpeter não aborda questões contemporâneas importantes, como a inclusão do indivíduo na democracia. Robert Dahl (1997) desenvolve uma teoria mais complexa sobre a democracia, amplamente utilizada no atual debate político, e é ponto de partida para uma perspectiva liberal sobre o populismo e seus impactos institucionais sobre regimes democráticos. Para o autor, não há democracia perfeitamente consolidada, mas sim poliarquias, resultados de um jogo entre os diferentes grupos políticos, cuja estabilidade é determinada pelos custos de tolerância e repressão das facções opositoras. Para Dahl, oito garantias básicas: liberdade de associação, liberdade de expressão, direito ao voto, elegibilidade para cargos públicos, direito de líderes políticos concorrerem em eleições, fontes alternativas de informação, eleições livre e idôneas e instituições que mantenham os mecanismos de eleição. Essas características permitem a comparação de regimes políticos por seus níveis de contestação política (participação de partidos políticos em eleições regulares) e direito de participação (sufrágio universal adulto); quanto mais liberal e inclusivo é um regime, mais democrático se torna, configurando-se uma poliarquia plena. Miguel (2012), porém, afirma que, embora as liberdades e direitos propostos por essas teorias sejam essenciais a uma democracia, cada vez mais esta se afasta de sua essência, ou seja, cada vez mais está distante das mãos do povo; o que teóricos políticos propõem como regime democrático é, na verdade, um governo de minorias, e muitas vezes não abarcam características que também podem definir uma democracia. Por tal motivo, de acordo com Morlino (2004), muitas definições podem ser agregadas às aqui apresentadas, como a vontade da maioria (democracia majoritária), o governo direto dos cidadãos sempre que possível (democracia participativa), a busca do bem comum em um processo de tomada de decisão (democracia deliberativa), a igualdade de participação, representação, proteção e recursos (democracia igualitária), entre outros.
2.2 A Democracia Liberal e O Populismo Como Enfermidade O golden standard da democracia, desde a Segunda Guerra Mundial, é o modelo representativo liberal, dominante especialmente nos países europeus e na
35 América do Norte, e que por efeitos práticos será denominado “democracia liberal”. Este modelo possui muita afinidade com a poliarquia de Dahl, pois defende um Estado de direito que prioriza a representação de diversos interesses dentro da sociedade através de instituições democráticas e sistemas de pesos e contrapesos. Mudde e Rovira (2012, p.13) definem a democracia liberal como (...)essentially a system characterized not only by free and fair elections, popular sovereignty, and majority rule, but also by the constitutional protection of minority rights. Accordingly, we are dealing with a complex form of government based on the idea of political equality, and consequently, cannot allow a majority to deprive a minority of any of its primary political rights, since this would imply a violation of the democratic process.
Este sistema é compreendido em termos de inclusão, acomodação, pluralismo, debate e consensos, ou seja, une elementos republicanos, liberais e democráticos, porém prioriza os dois primeiros em detrimento ao último. O governo aqui é visto como negativo, tanto ao limitar sua ação quanto à esfera privada do cidadão quanto ao limitar os direitos de uma maioria em relação a minorias. Segundo Papadopoulos (2002, p.46), a noção do governo representativo tem origem feudal, e inicialmente não tinha relação alguma tanto com a democracia quanto com as eleições. Inicialmente, a democracia era concebida exclusivamente na sua forma direta, ou em conjunção com a seleção de lideres por loteria, permitindo que todos tivessem a mesma chance de governar. Na democracia liberal, porém, o mecanismo principal para selecionar representantes públicos é a eleição, realizada em intervalos regulares e é delegada aos candidatos eleitos a responsabilidade de representação da população em instâncias legislativas. Há um elemento aristocrático na dimensão representativa da democracia, na medida em que restringe espaços a uma determinada elite política que compete pelo voto do eleitor. Tal escolha se dá por preocupações com um possível governo majoritário, que não é confiável; a teoria democrática assume que maiorias facilmente cedem a tentação de modificar as regras do jogo para discriminar em seu favor e contra a oposição. A preocupação com a possibilidade de tiranias da maioria é antiga, e inclusive remonta à série O Federalista, na qual Madison (2009) já argumenta, no artigo #9, sobre os perigos da imposição da vontade de uma possível facção majoritária sobre as demais, recomendando o governo representativo para
36 evitar que esta democracia em estado puro viole direitos civis daqueles que deveria proteger. Madison (2009) também defende a necessidade de um sistema de pesos e contrapesos no governo no artigo #51, limitando a ação de cada nicho do governo para garantir os direitos dos cidadãos. Os princípios liberais, segundo Coppedge (2002, p.12), não apenas justificam como requerem limites à autoridade do governo eleito, não importando quão claramente majoritário seja; através de Constituições, estabelece-se uma série de instituições que podem fiscalizar o poder Executivo entre as eleições, assim diminuindo o risco de um presidente abusar de seu mandato popular. Esta é a accountability horizontal, que O’Donnell (1998, p.40) define como a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas. Essas instituições incluem um poder judiciário independente, um legislativo com base eleitoral distinta, etc. Para Coppedge (2002), as instituições podem ser pensadas como uma espécie de apólice de seguro da democracia: os cidadãos pagam no presente, através do sacrifício da representatividade no governo e respostas mais imediatas aos seus desejos, assegurando que no futuro a democracia não cairá abaixo de um nível mínimo. Assim, expandem seu horizonte temporal e garantem sua própria segurança como possível oposição em eleições posteriores. Segundo Rovira (2011), de acordo com a perspectiva liberal, o populismo seria uma reação ao mau funcionamento da ordem democrática, uma patologia democrática porque traz forças destrutivas que transgridem tanto direitos individuais quanto instituições representativas. A perspectiva liberal é o ponto de partida para o enfoque institucionalista do populismo, e também de alguns autores da escola sóciohistórica, como Gino Germani: se o populismo é, segundo Weyland (2001), uma estratégia de poder personalista e anti-institucionalista, é a antítese do ideal
37 democrático liberal de um Estado de direito, cuja valorização dos checks and balances é essencial ao bom funcionamento do sistema. Para De La Torre (2003), tanto os novos quanto os velhos populismos configuram democracias delegativas. Estas, segundo O’Donnell (1994, p. 59-60), se dão quando o presidente eleito governa conforme deseja, sendo limitado apenas pelas relações de poder já existentes e pela duração constitucionalmente fixada do cargo. O presidente personifica a nação e seus interesses, e se considera acima de partidos políticos e do sistema estabelecido, tendo sua base em movimentos populares.
Democracias delegativas seriam também variações da poliarquia de
Dahls, porém, seu déficit democrático não seria vertical, ou seja, não se daria termos de participação e competição, e sim horizontalmente, quanto a suas falhas em relação aos pesos e contrapesos das instituições democráticas (PERUZZOTTI, 2013). Segundo Rosenvallen (2007), o populismo é a definição de contrademocracia, estigmatizando compulsiva e permanente as autoridades governantes, até o ponto de constituí-las em força inimiga, radicalmente exterior à sociedade, e colocando o povo como juiz para denunciar as elites corruptas. Há um desejo de expurgo do corpo social de todos os elementos que o fazem adoecer e causam a separação do povo, para que haja uma representação real deste ao tornar-se sadio. O responsável pela “cura” da nação, segundo O’Donnell (1994), é o líder, que tem o dever de trazer novamente a unidade da fragmentada sociedade em questão, administrando remédios através de especialistas técnicos por ele escolhidos e protegidos e ignorando qualquer tipo de resistência às medidas tomadas. O presidente se isola das demais instituições políticas e passa a ser o único responsável por todas as políticas que criou, sejam boas ou ruins. De La Torre (2003) argumenta a atuação do governo e da oposição em regimes populistas premia lógicas imediatistas e interesses e cálculos de curto prazo. Por ver-se como encarnação da vontade da nação, o presidente tem poucos recursos para concertar e dialogar com a oposição, que também não possuem opções que não agir de forma similar ao governo e usar de mecanismo de legalidade duvidosa para frear ao Presidente.
38 O
ataque
à
accountability
horizontal
também
cria
problema
na
governabilidade, definida como o grau em que as relações entre atores estratégicos são governadas por formulas estáveis e mutuamente aceitas, na medida em que as relações com a oposição e com a sociedade civil foram prejudicadas por regras unilaterais impostas pelo governo, muitas vezes ignorando completamente o Estado de direito e até a própria Constituição (COPPEDGE, 2002, p.2).
2.3 Populismo Como Antídoto às Falhas Democráticas: A Busca Por Uma Democracia Majoritária Porém, o modelo de democracia liberal não é perfeito. Segundo Canovan (2002), para que a democracia liberal se concretizasse em uma sociedade moderna e fragmentada, foi necessária
a
perda
de
transparência
dos processos
democráticos, ou seja, a complexidade dos mecanismos e instituições democráticas é tão grande que não permite que as pessoas tenham uma imagem mental clara do fenômeno.
Assim, ocorre o paradoxo da democracia atual: quer empoderar as
pessoas, mas o desenvolvimento institucional que permite isto torna a política ininteligível para as pessoas comuns. Taggart (2002) também argumenta que, neste contexto de sociedades complexas, há um aumento concomitante da distância entre os governantes e governados, muitas vezes levando a abstrações que transformam ambos em entidades coletivas opostas e antagonistas no campo político, transformando as elites em distantes, sem face e desagradáveis. Canovan (2002) aponta a necessidade de construir uma ponte entre a política e as pessoas nas democracias modernas, onde há grande distância entre os eleitos e os eleitores e complexidade institucional. Esta ponte é feita pela ideologia, que é definida como “conceptual structures that provide a simplified map of the political world and motivate their followers by bestowing an almost religious significance on political doctrines and symbols.” (CANOVAN, 2002, p. 29). É muito importante para legitimar o sistema em uma época de política de massa, onde o povo não pode ser ignorado. A ideologia da democracia é construída em temas como a soberania do povo, unidade popular, regra majoritária. Segundo Coppedge (2002, p.3), a soberania
39 popular é a ideia de que um governo deve fazer o que a maior parte dos cidadãos deseja que faça, e é a definição mais antiga e literal de democracia, ainda que não seja necessariamente a melhor sob uma perspectiva liberal. A soberania popular, segundo teóricos contemporâneos, não é nem suficiente ou estritamente necessária para a democracia; porém, é longamente reconhecida como um critério legítimo para regimes democráticos, em medida que reconhece o desejo de uma maioria, por isso configurando-se uma característica necessária da democracia. O problema é que a soberania popular e seus desdobramentos institucionais estão muito longe da democracia que se busca construir atualmente, e criam expectativas sobre o funcionamento destes regimes que não podem ser cumpridas (CANOVAN, 2002). Outra crítica à democracia liberal é que, no âmbito institucional, a restrição do poder de decisão do povo, muitas vezes impedindo a implementação de políticas que grande parte da população apoia. Segundo Papadopoulos (2002, p.48), o problema do populismo com a democracia liberal repousa na sua dimensão inerentemente oligárquica. Os representantes são eleitos porque são diferentes de nós, ou seja, são distintos das massas ignorantes por suas capacidades administrativas e técnicas, genuínos profissionais cujas credenciais os separam daqueles que os representam. Ao mesmo tempo, a democracia também comporta um princípio de representatividade do homem comum pelos governantes eleitos, com os quais deve compartilhar crenças e costumes. Porém, nem sempre os representantes eleitos de fato exercem seus mandatos conforme o desejo de seus eleitores, correndo riscos ao criar sistemas rígidos e pouco representativos. O autor também argumenta que a substituição das elites governantes através de mecanismos eleitorais é algo essencial ao processo democrático por configurarse uma ameaça que torna os representantes mais sensíveis às demandas da população e minimiza seu espaço para manobras, impedindo a formação de uma classe política homogênea. Porém, para os populistas, embora seja um mecanismo válido, este não é suficiente para garantir a resposta das elites; o pressuposto de que os eleitores votarão de acordo com o retrospecto dos políticos não se mostra válido empiricamente, porque é demasiado racional para que tanto votantes quanto partidos políticos ajam de acordo, ignorando diversas variáveis como o voto ideológico, relações clientelistas entre partido e eleitor, etc. (Papadopoulos 2002, pp.50-51).
40 Tratando especificamente do caso argentino, Etchemendy (2012) argumenta que muitas leituras feitas do kirchnerismo partem da premissa que as instituições democráticas liberais são neutras e livres de protagonismos políticos. Tais análises defendem que “la política es simplemente un ordenamiento eficiente de incentivos y reglas y no lucha constante de grupos y clases por el poder” (ETCHEMENDY, 2012, p.141), ou seja, gerando o que o autor descreve como institucionalismo vacío, que defendem as instituições à qualquer custo, sem tornar-se consciente das tensões entre a prática institucional e os interesses dos atores. A democracia liberal, segundo o discurso populista, permitiu que o poder fosse roubado das pessoas, deixando-o nas mãos de políticos corruptos e elites que não representam os desejos da população. O populismo então retorna o poder ao povo através de um líder diretamente eleito e que ouve e atende suas demandas. Todos são iguais para o populismo; não há uma vanguarda que, sob a ideia de progresso, impõe suas ideias como necessárias ao desenvolvimento da sociedade, ainda que muito distintas do resto da população (CANOVAN, 1999). O mito sob o qual é construída a ideia de povo soberano é tomada como efetiva pelos populistas: uma vontade comum, uma força única, que governa diretamente por regras majoritárias. A unificação do povo cria uma identidade interna única, e as fronteiras do Estado passam a significar efetivamente os limites da nação. É a política da vontade e decisão em oposição à acomodação e compromisso. Assim, segundo Peruzzotti (2013, p.143), longe de enfatizar controles legais no governo, o populismo clama pela libertação do poder executivo eleito dos constrangimentos impostos pela noção de accountability horizontal. Segundo o autor, limites constitucionais ao Executivo são ferramentas pelas quais as minorias buscam restringir a vontade popular, bloqueando processos necessários de transformação econômica e social que precisam ser realizados para a superação das desigualdades existentes. De acordo com Kenney (2000), os líderes populistas logram legitimidade por, ao subverterem instituições consideradas condições sine qua non por muitos, tais como o Legislativo, constituições, etc., conseguirem parecer mais democráticos aos olhos da população. Isso ocorre porque o populismo engloba as dimensões majoritária e participativa dtaggarta democracia, valorizando a soberania popular
41 sobre a representatividade dos demais grupos, e priorizando instrumentos de democracia direta aos tradicionais mecanismos de representação política. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p.324), o populismo clama ultrapassar os mecanismo burocráticos e constitucionais que excluiriam o povo do poder, permitindo que a vontade popular se expresse direta e espontaneamente, sem ser filtrada por instituições, como ocorre com a democracia liberal representativa. Ainda segundo Kenney (2000), o sucesso dos líderes populistas também possui mais uma motivação: a percepção que as instituições democráticas estão corrompidas por interesses particulares, seja a corrupção dos agentes públicos e partidos, a força corruptora da elite econômica, e a falta de imparcialidade do poder Judiciário. O populismo prega uma reforma radical de tais instituições como maneira de fazê-las novamente representar as preferências dos grupos excluídos no presente arranjo de poder, tornando-as responsáveis pelos seus atos e livrando-as de interesses outros que não o bem comum. Esse desejo por maior representatividade normalmente leva a democracias plebiscitárias, onde tal instrumento é utilizado para fazer avançar agendas que, de outra maneira, seriam bloqueadas pelos outros poderes que compõem o sistema de pesos e contrapesos da democracia. Os partidos, assim, são substituídos por plebiscitos
como
a
principal
maneira
de
expressar
a
vontade
popular
(MAINWARING, 2006).
2.4 A Democracia Radical de Laclau e Mouffe Mouffe e Laclau (2001) formulam uma estratégia radical de democratização da política, que se relaciona profundamente com a perspectiva do populismo como uma prática discursiva e criação de identidades, onde demandas não atendidas pela institucionalidade criam uma cadeia de equivalências ligadas por um significado vazio, normalmente o líder populista. Tal configuração cria uma fronteira radical na sociedade entre dois campos que se definem pela oposição ao outro. Laclau e Moffe (2001) retomam a ideia de Gramsci sobre hegemonia, onde uma classe dominante tem seu discurso tomado como sentido comum pelos
42 dominados, assumindo que, embora o campo social seja definido por questões históricas, os atores sociais se manteriam os mesmos através do processo, lutando para que seu discurso torne-se o hegemônico. Para Mouffe e Laclau (2001), porém, isso é impossível, porque nenhum discurso esgotaria uma categoria, que se sempre se dá em oposição a algo, a uma exterioridade discursiva. Os atores sociais não seriam entidades fixas, e sim definidas em uma relação de antagonismo com os inimigos que impedem a construção da sua identidade, se configurando em pontos que não podem ser mais absorvido pela lógica de equivalência e, portanto, se situam na fronteira política. Se a sociedade pós-Revolução Francesa criou identidade com base na luta pela igualdade e liberdade, novas lutas sociais emergem com o aprofundamento do capitalismo e sua presença em todos os aspectos da vida humana, da mesma maneira que a cada vez maior presença do Estado quanto a burocratização cria novos antagonismos políticos. Laclau (2009), em sua obra A razão populista, afirma que a democracia liberal, ao defender um sistema de representação onde o cidadão delega sua vontade, não percebe que esta é constituída na verdade pelos representantes, que ao ter sucesso ao interpelar ao povo em seu discurso, faz com que esses se reconheçam neste, criando a vontade popular de maneira verticalizada. Não há uma multiplicidade de interesses na sociedade porque eles não existem a priori, o que invalidaria teorias como a de Schumpeter; a institucionalidade não apenas cria a identidade e vontade dos representados como também o discurso da democracia de um espaço de poder ocupado por ninguém em particular. As novas lutas surgem porque uma parcela dos cidadãos, embora sejam contempladas pelo discurso da democracia liberal moderna, é impedida pelo Estado de constituir plenamente sua identidade como sujeito de direitos, e assim Mouffe e Laclau propõe uma democracia radical e plural, onde haja espaço para a inscrição de diversas lutas em um novo projeto hegemônico sem hierarquização de demandas. Para Laclau (2009), a melhor maneira de construir esse sujeito populardemocrata é através do populismo, que cria a identidade do povo através da interpelação e construção de sua identidade como sujeito que quer ocupar espaços de poder.
43 O grande problema da democracia radical de Laclau e Mouffe, segundo Mudde e Rovira (2012), é a falta de definição clara do seu conceito. Embora seja de utilidade teórica por problematizar pontos sensíveis da democracia liberal, em nenhum momento os autores apresentam o que é exatamente uma democracia radical, e tampouco permite uma leitura pertinente das relações empíricas entre populismo e democracia, situando-as apenas no nível teórico e normativo. Os autores também apontam que muitas críticas feitas por Laclau e Mouffe ao modelo liberal, especialmente com sua recusa à admissão e incorporação do conflito à arena política, toma como pressuposto um modelo deliberativo de democracia, que é apenas um modelo entre muitos que vigoram nas democracias atuais.
2.5 Populismo como Política de Redenção Democrática na América Latina Uma visão demasiadamente normativa do populismo, tanto como força destrutiva da democracia quanto como solução para os defeitos sistêmicos da democracia liberal, impede uma análise mais acurada desse fenômeno político. O populismo manifesta-se quando há um déficit na representação política de uma parte da cidadania e, portanto, não é uma enfermidade per se, e sim uma indicação que as práticas institucionais não estão alinhadas com o discurso democrático das sociedades modernas que assim se consideram. Para Canovan (1999), o populismo nasce no coração da democracia, ao representar uma tensão inerente ao sistema. Seria assim uma forma de correção da política quando há um gap grande demais entre as duas caras, instigando mudanças na representação e participação do povo, e segue a democracia como uma sombra, ou seja, sempre como uma possibilidade intrínseca. Nesta mesma linha argumentativa, Arditi (2004, p.141-142), em uma tentativa de complementar a teoria de Canovan, prefere nomear esta sombra como visita espectral, ou seja, que tanto pode ser uma visitação como algo inquietante; tanto algo que acompanha a democracia como a acossa, sendo, portanto, intrínseca a ela. Essa afirmação cria três níveis de populismo: é um modelo de representação que é compatível com a democracia liberal sem tornar-se uma, através da personalização
44 do líder sem a mediação de partidos. O segundo é sobre a democracia “mal educada”, que confronta as falhas da democracia liberal e não é tão dócil. O terceiro nível é uma ameaça direta à democracia como sistema, trazendo características autoritárias, anti-institucionais e de culto à personalidade do líder. Assim, o populismo, como ocorre com a maioria dos tipos-ideais políticos transpostos à realidade, não se encontra em extremos de um continuum, e sim em algum ponto entre eles. Para Oakeshoot (1998), há dois tipos de política. A primeira seria a política da fé, relacionada a partidos de esquerda, e para a qual o governo está a serviço do aperfeiçoamento da humanidade, alcançado através do esforço humano. A política do ceticismo, relacionada à direita política e à democracia liberal, prefere um Estado mínimo, que acomode conflitos e permita o império da lei, defendendo que não é papel do governo a imposição de caminhos únicos para chegar a um ideal tão subjetivo. Segundo Canovan (1999), ambas estas políticas teriam falhas: a política da fé é impaciente com restrições legais e flerta com tendências totalitaristas, embora a política do ceticismo tenha como efeito a inatividade. A autora elimina a dimensão esquerda versus direita, e afirma que estas políticas, na verdade, são duas caras da democracia, inseparáveis, e que olham em direções opostas. A primeira é pragmática, administra conflitos e crê na democracia como forma de governo entre muitas possíveis; porém, não possui a legitimidade pela crença na democracia, assim como permite corrupção e desinteresse. A segunda é a redenção, um governo do povo, para o povo e pelo povo, que crê em uma vontade soberana, na salvação pela política e no anti-institucionalismo. O fato da política, atualmente, priorizar sua faceta pragmática cria uma tensão e necessidade entre os dois polos, à medida que este lado pragmático dominante gera o desinteresse do político, por tudo concentrar-se na classe política e não haver participação extra-eleitoral das massas. Isso cria um grande gap, ao qual o populismo
responde
através
de
promessas
de
renovação
democrática,
transformação do discurso de vontade popular em realidade, e liderança carismática responsiva e decisiva para o povo.
45 De La Torre (2003) debate com Canovan, admitindo que, embora a face redentora do populismo seja tentadora em sua exaltação discursiva do povo e crítica às elites, esta também se baseia em uma apropriação autoritária da vontade popular, por esta não mais se expressar através de instituições, e sim supostamente ser encarnada pelos políticos populistas, tendendo a regimes autoritários. Papadopoulos (2002, p.52) afirma que o credo majoritário do populismo pode gerar problemas em sociedades com problemas de coexistência entre facções, porque suas instituições tendem a impedir o desenvolvimento de empatia mútua em ambientes que possuem identificação coletiva fraca. Porém, Canovan fornece um conjunto conceitual precioso para uma análise do populismo na democracia ao não só observar seus excessos, mas também seu papel fundamental na inclusão política das massas em sociedades onde isto não se daria de outras maneiras, como parece ocorrer nos países latino-americanos. Reconhecer a dualidade do populismo é essencial para observações empíricas sobre os efeitos de tal fenômeno em suas manifestações na América Latina. Os países da América Latina, com raras exceções, provêm de uma linhagem de oligarquias competitivas e onde as democracias são relativamente novas e, embora possuam características de poliarquia e accountability vertical em bom funcionamento, falham em prover a qualidade na accountability horizontal. Segundo O’Donnell (1998), por possuírem um histórico de regimes democráticos (ainda que apenas teoricamente) pouco republicanos e liberais, a democracia na região se tornou identificável apenas com a vertente democrática do regime, no sentido de compreender as eleições como elemento definidor deste. Isto faz com que, dada a incumbência via voto popular a um determinado líder, a existência de instituições que contrabalanceiem poder seja vista como inconveniente, porque não foi validada pela maioria nas urnas, e assim não possui a legitimidade do primeiro. E é exatamente o alto nível de legitimidade da democracia dos líderes populistas latino-americanos, segundo Kenney (2000), que permite que se transformem em campeões da democracia, ainda que desafiem as demais instituições políticas deste regime. Ao representar a voz majoritária, o populismo ultrapassa
barreiras
comuns a
sociedades desiguais, tais
como
regimes
democráticos pouco representativos e contaminados por interesses privados.
46 O populismo latino-americano é muito mais consequência do que causa dos problemas das democracias da região. Desigualdade, exclusão e vicissitudes institucionais criam o cenário ideal para o surgimento de governos populistas, que através de discursos contra velhas elites corruptas logram mobilizar as massas por políticas mais responsivas às suas necessidades. Assim, as demais instituições democráticas se tornam alvo de ataques e desmantelamento por não representarem apropriadamente os desejos do povo; o sacrifício de instituições democráticas é um mal menor na busca por uma sociedade mais justa. O governo de Evo Morales, presidente da Bolívia desde 2005, é um exemplo de tais tensões que permeiam os governos da região. Apoiando-se em movimentos sociais indígenas, logrou chegar ao poder após um período de total colapso político, onde houve desmoronamento das instituições e impeachments e renúncias de diversos presidentes, além de um cenário de efervescência social que quase levou o país à guerra civil. Com apoio da população, implementou uma série de reformas constitucionais e institucionais, criando um clima beligerante com a oposição do país, e utilizando-se de instrumentos diversos, tais como mecanismos de democracia direta, para superar estas tensões. Os resultados de suas iniciativas serão explorados com maiores detalhes no próximo capítulo.
47
3. NOVOS POPULISMOS E DEMOCRACIA: EVO MORALES, ACCOUNTABILITY HORIZONTAL E PLEBISCITOS
Os governos de Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e Rafael Côrrea no Equador são os últimos exemplos de governos populistas na América Latina. Segundo Collins (2014, p.60), Chávez, Morales e Correa são classificados como populistas por diversas razões: importância da autoridade carismática, movimentos para concentrar poder no Executivo, a utilização de discursos de oposição que opõe o povo virtuoso a um inimigo corrupto, normalmente os partidos de elite, e tendências plebiscitárias e um aparente desejo de ambos os três de desprezar os constrangimentos da democracia liberal. Em comum, estes governos são frutos de democracias com sérios problemas de representação: seja a partir de regimes democráticos muito estáveis e extremamente irresponsivos (Venezuela), ou governos historicamente instáveis e caóticos (Bolívia e Equador), os governos de Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa foram canalizadores de insatisfações sociais quanto a um sistema democrático que não funcionava, e que demandava mudanças. Mainwaring (2006) argumenta que essa falha na representatividade democrática
não
foi
motivada
por
falta
inclusão
política,
educação
ou
descentralização; de fato, todos estes itens sofreram dramáticos aumentos durante as décadas anteriores. Para o autor, o problema é causado pelas deficiências estatais, onde o Estado tem baixa performance democrática quanto ao combate à corrupção, provisão de segurança e garantia de direitos. Mais uma vez, o que se logra alcançar na teoria não se traduz em um Estado eficiente e responsivo. A insatisfação com o estado da democracia, porém, também é motivado com as políticas neoliberais implementadas durante a década de 1990 nos países da região. Segundo Beasley-Murray et al (2010, p.324), o neoliberalismo, que veio em associação com estas instituições liberais, embora tenha implementado diversas reformas de mercado, ignorou os temas sociais, mantendo os privilégios sociais de certas camadas da população contanto que não interferisse em suas ações na
48 economia. Já os movimentos sociais não apenas rejeitaram o liberalismo como não possuíam tolerância com o liberalismo. Segundo os autores, Liberalism’s weakness in Latin America reflects the inability of successive models of capitalist development, neoliberalism most recently, to create shared and sustained prosperity, and the limits of the advancement of the interests of the popular sectors within precarious and often exclusionary legal and institutional orders. (BEASLEY-MURRAY ET AL, 2010, p.324)
Tal dinâmica também ressalta uma característica singular dos novos populismos da região: sua aberta adesão à esquerda política. Segundo Collins (2014), a esquerda na América Latina historicamente tende a rejeitar o populismo como projeto político que mais ofusca do que ilumina as massas. Porém, a crítica populista às medidas neoliberais criou uma aproximação com intelectuais e votantes de esquerda, e gerou consenso quanto à necessidade de intervenção estatal na economia e luta contra o imperialismo em nome da soberania nacional. Estes governos também partilham do uso em larga escala de mecanismos de democracia direta para fazer avançar agendas que, de outra maneira, não seriam aprovadas,
por
serem
restritas
ou
restringidas
pelas
demais
instituições
democráticas. Segundo Altman (2011), mecanismos de democracia direta (MDDs) são instituições publicamente reconhecidas onde os cidadãos emitem opiniões através do sufrágio universal e secreto. Na democracia direta, todos os votos são iguais, ou seja, possuem o mesmo valor na votação, o que implica que a cidadania seja um ator proativo no processo político, mesmo com a eleição do governo e dos representativos. MDDs são característicos de democracias majoritárias, onde a soberania popular é a base pela qual decisões políticas são tomadas. O tipo de MDD mais recorrente em governos populistas são os plebiscitos facultativos. Plebiscitos facultativos ocorrem quando as autoridades, ou a combinação delas, decide consultar a cidadania sobre determinada decisão. Embora haja plebiscitos vinculantes e consultivos, é importante destacar que sempre são top-down, usados por muitos regimes para validar suas políticas, e podendo ser instrumentalizadas
para
escapar
dos
pesos
e
contrapesos
dos
regimes
democráticos (ALTMAN, 2011, p.13). O grande uso destes MDDS faz com que os atuais populismos sejam considerados democracias plebiscitárias, ou seja, a consulta direta da cidadania sobre políticas importantes é como se canaliza sua participação na democracia.
49 O governo de Evo Morales é um dos casos mais peculiares e interessantes quanto aos novos populismos latino-americanos e sua relação com instituições democráticas e plebiscitos. Diferente do populismo chavista, o governo de Morales é fortemente baseado em movimentos sociais, e muito mais se apropriou das identidades forjadas nos seguidos protestos contra os governos neoliberais do que as articulou para a formação do “povo” (COLLINS, 2014). A dimensão étnica do partido de Evo Morales, o MAS (Movimiento al Socialismo), cuja maior parte dos candidatos é de origem indígena, também é essencial para compreender como construiu-se uma base ampla de apoio que possibilitou a ascensão e consolidação de Morales no poder, advogando uma agenda inclusiva e levando a altos níveis de aprovação de seu governo pela população. Porém, sua popularidade não significa que não encontrou oposição; Morales encontrou grande resistência institucional e regional às suas políticas. O governo Morales, em especial no seu primeiro mandato, foi alvo de diversas críticas por ultrapassar as instituições democráticas em nome da governabilidade pelo Executivo com o uso frequente da democracia direta. Os plebiscitos que ocorreram em seu governo foram a estratégia de Morales para forçar mudanças institucionais e econômicas apoiadas pela maior parte da população, mas que não eram aprovadas por uma oposição feroz no Congresso. Seu partido não possuía tanta força regionalmente quanto nacionalmente, pois o apelo carismático de Morales era responsável pelas votações do MAS em grande parte dos departamentos, especialmente em áreas urbana onde o voto é mais volátil. Porém, compreender a emergência e consolidação de Morales na presidência não apenas exige um olhar acurado sobre seu governo, mas também a compreensão de um contexto de instabilidade institucional e insatisfação social que permitiram sua eleição.
3.1 Crise Democrática e Insatisfação Popular A Bolívia é um país conhecido pela sua extrema instabilidade política, numa história que combina golpes e contragolpes, e também pela peculiaridade de possuir uma maioria indígena, cujas bases de organização social repousam em uma
50 estrutura comunitária, e que era sistematicamente excluída da institucionalidade dos governos, sejam democráticos ou autoritários. As clivagens do país repousam em duas dimensões: a étnica e a geográfica. A maior parte da população boliviana tem ancestrais indígenas. Segundo Madrid (2008), quase metade da população boliviana fala alguma língua indígena e quase dois terços se identificam com alguma categoria etnolinguística indígena, sendo essa população fragmentada principalmente entre os quéchuas e os aymaras. A população indígena originalmente se concentra nas regiões do Altiplano boliviano, onde também se encontra a capital La Paz, e cuja principal indústria é a de minérios. Como as políticas se concentram ao redor da capital boliviana, as elites das terras baixas do leste boliviano, com ricas indústrias de recursos naturais e composta por mestiços, passaram a se opor ao governo central, pregando o liberalismo e privatização das indústrias nacionais como maneira de lograr maior independência para suas regiões (BREUER, 2008). A Revolução de 1952, levada ao poder por uma aliança policlassista entre a pequena burguesia, os camponeses e os mineiros, substituiu as antigas oligarquias que descendiam do período colonial. Foi implementada pelo
Movimiento
Nacionalista Revolucionário (MNR), partido surgido em 1941 e que defendia um projeto de união de classes, democracia e intervenção estatal na economia. Segundo Camargo (2006, p.150), “a Revolução consistiu, essencialmente, em projeto institucional de inclusão política de novos grupos sociais, em clara oposição às normas estatais anteriores”. Defendia um Estado ativo, nacionalizando diversas empresas, especialmente em setores estratégicos como o de minérios. Porém, a burguesia continuava a liderar tal processo, que surge, de acordo com Camargo (2006, p.162), (...) não como generosa energia liberadora senão, isto sim, como a arquiteta insidiosa de nova estrutura pós-colonial de domínio elitista. O Estado de 1952 colonizou o inconsciente indígena, substituindo o que Silvia Rivera denomina “la memoria larga” – a história das lutas anticoloniais de Tupac Katari e Tupac Amaru e o sentido de ordem ética pré-hispânica – pela “memoria corta”, cujas referências são o poder dos sindicatos rurais e as milícias camponesas organizadas pelo MNR, a partir de 1952.
Em 1964, dá-se um golpe que instaura um governo militar que, com alternâncias em seu comando, se mantém até 1985. Se nos demais Estados latino-
51 americanos, segundo a tipologia de O’Donnell (1990), implementa-se o chamado Estado Autoritário-Burocrático após o período de revolução, na Bolívia se alternam governos
militares
com
características
profundamente
anti-imperialistas
e
economicamente intervencionistas e outros com tendências de extrema direita, sendo que a supressão dos direitos políticos da população também depende do governante. Segundo Ledo (2010), a gestão central da intervenção estatal na economia durante este período cria instâncias públicas geradoras de emprego. Porém, o processo de substituição de importação é minado pelo crescimento de importações (legais e ilegais) no fim dos anos 1970 e durante a década de 1980, financiadas pela exportação ilegal de derivados da coca, o qual foi o sustentáculo de muitos governos nesta época, e câmbios oficiais pouco realistas. A inundação do mercado boliviano pelas importações deu fim às possibilidades de desenvolvimento industrial, e confirma a dependência econômica do país, com diversos problemas nessa área devido ao endividamento externo e à hiperinflação. A instabilidade política se torna marca do período, com oito presidentes entre 1978 e 1982. A redemocratização do país se dá em 1982, e segundo Favaretto (2011), tal processo não teve impacto positivo na qualidade de vida da população nos anos que se seguiram. Segundo Madrid (2008, p.492), a partir de 1985, implementou-se um sistema de democracia pactuada, onde os três partidos mais tradicionais - o Movimiento Nacionalista Revolucionario (MNR), a Acción Democrática Nacionalista (ADN), e o Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) - governavam o país em turnos, normalmente em alianças entre si e os partidos jovens. O sistema boliviano, segundo Gamarra (1997), era distinto do resto dos sistemas presidenciais latino-americanos pelo modo de seleção do presidente. Quando nenhum candidato alcança a maioria absoluta, o Congresso deve eleger o presidente entre os dois candidatos mais votados (a seleção era feita entre três candidatos antes da reforma constitucional de 1994). O Congresso assumia um peso enorme na política, deixando-a sob controle dos partidos tradicionais e minando o poder do Executivo eleito, reforçando estratégias de interesse presidencial. Embora tenham realizado importantes reformas e conseguido apoio popular temporariamente, o fracasso econômico, escândalos políticos repetidos e
52 aumento dos protestos gradualmente minou seu suporte, e neste contexto se iniciou o uso de plebiscitos para legitimização de decisões políticas dos governantes. Dois eventos são essenciais para compreender o contexto em que se deu o rompimento deste sistema e a emergência do MAS e de Evo Morales. Em 1985, o progressivo esgotamento das jazidas de estanho e outros metais junta-se ao decréscimo da demanda internacional e dos preços correspondentes como fatores que levam à crise do setor de minérios (LEDO, 2010), levando ao Decreto Supremo 21.060, que privatizava a atividade mineradora, que era de monopólio estatal desde a Revolução de 1952. Passa- se a observar um processo de pauperização da população e do estancamento do crescimento, que mesmo com a adoção das recomendações neoliberais do Consenso de Washington permaneceu sem gerar impactos positivos na economia. Segundo LEDO (2010, p.16), La herencia del neoliberalismo, ha sido también la visibilización del desempleo abierto, con el agravante de la persistencia de desempleo disfrazado, caracterizado por el pago a trabajadores de bajos salarios y con precariedad laboral. Se puede indicar que la recuperación económica, no ha podido hacer frente a las más de dos décadas de vigencia de las políticas neoliberales. De esto, se puede, de manera sintética, indicar, que los trabajadores bolivianos tienen: trabajos inestables de corta duración inciertos, jornadas extensas, dependencia, rotación funcional, desprotección social, segregación, bajos salarios y desprotección; estas se hacen arne con la flexibilidad laboral a expensas de la calidad.
Os antigos mineiros são então desalojados e forçados a mudar de profissão, escolhendo o cultivo da coca como alternativa. A pressão do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e decisão do governo boliviano em apoiar uma “Guerra Às Drogas” através da Ley Del Régimen de la Coca y Sustancias Controladas de 1988 aumentou a agitação civil, de acordo com Breuer (2008), e permitiu a ascensão de líderes cocaleros, entre eles Evo Morales, antigo líder do sindicato dos mineiros localizados em zonas de cultivo de coca dos vales de Chapare em Cochabamba, e cabeça do Instrumento Político por la Soberanía de los Pueblos (IPSP), futuro MAS. Em 1994, a Ley de Participación Popular, da segunda geração do programa de ajuste estrutural, destinava 20% da arrecadação tributária estatal os governos municipais urbanos e rurais, dividindo o território em 314 municípios que recebem
53 participação per capita dos recursos nacionais. De acordo com Altman (2011), é um dos programas mais abrangentes de descentralização da América Latina, e uma resposta à falha do sistema partidário em absorver as demandas da população. Também se deu a mudança de um sistema de lista de representação proporcional para um sistema eleitoral de representação proporcional mista, que combinava a eleição do candidato mais votado em distritos com cadeira única com votação em lista de partidos em nível nacional (BREUER, 2008). Isso permitiu dar voz a lideranças de resistência comunitária andina em nível local, segundo Freidenberg (2007), e ajudou a inserção desses dentro dos modelos de democracia ocidentais. Segue-se com uma linha econômica neoliberal, que tem seu ponto culminante na Lei de Hidrocarbonetos nº 1.689 de 1996, que privatiza as fontes de petróleo e retiram a prerrogativa do Estado para sua regulamentação. Segundo Freire (2008), com os novos campos de gás tendo seus barris vendidos à metade do preço mundial para mercados estrangeiros, a população passa a se revoltar com a situação, o que gera uma nova onda de protestos e instabilidade política, com renúncias de uma série de presidentes. Segundo Collins (2014), os protestos sociais massivos se iniciaram na Bolívia com a Guerra da Água em Cochabamba em 2000, quando o sistema de abastecimento municipal foi privatizado a uma empresa americana, dobrando as tarifas cobradas pelo seu uso. Em seguida, duas rebeliões rurais se dão: uma no altiplano Aymara, e a outra pelos cocaleros. Ambos foram protestos massivos, mas confinados a regiões e motivações específicas, sem muita coordenação entre si. Foi neste contexto que o MAS, partido de Evo Morales, passou a se destacar. Segundo Freidenberg (2007, p. 211), El Movimiento al Socialismo se encuentra integrado por una confederación de entidades sindicales que decidieron dotarse de un brazo electoral y participar directamente en la gestión pública, motivados por la Ley de Participación Popular de 1994, que estableció un presupuesto propio para llevar a cabo obras públicas en más de tres centenares de municipios. En estos términos, los sindicatos agrarios resultaron atraídos por la administración local y para ello entendieron que debían competir bajo el sistema de la democracia representativa occidental, bastante distinta de lo que ellos consideran una democracia participativa.
Segundo Collins, a expansão do partido se deu a partir de 2002, com a primeira candidatura de Morales, forjada com alianças com organizações urbanas
54 populares, mineiros e outros setores não-rurais, assim como intelectuais e profissionais foram incluídos em sua chapa, buscando alcançar votantes urbanos e de classe média. Os líderes do MAS, diferentemente dos demais partidos étnicos bolivianos, evitaram discursos exclusionários, ressaltando a característica inclusiva do partido e conseguindo criar uma base diversificada de apoio (MADRID, 2008). A Guerra do Gás de 2003 foi um ponto de inflexão para a história política boliviana. Em uma eleição onde, pela primeira vez, um partido não tradicional alcança o segundo lugar nas eleições gerais, tendo o MAS alcançado 21% do total de votos, o presidente Sánchez de Lozada (MNR) é eleito para o segundo mandato em 2002, chega ao poder com medidas neoliberais que geram protestos sangrentos. Ele propõe a exportação do gás para os Estados Unidos através do Chile, tocando em dois pontos sensíveis: o ressentimento quanto a perda de saída para o mar para o Chile e a bandeira da Revolução de 1952 (ALTMAN, 2011). Tentando recuperar legitimidade para seu governo, ele propõe um plebiscito sobre os usos dos recursos nacionais dos hidrocarbonetos, porém isto não foi suficiente para deter os protestos. A oposição à Guerra do Gás não era coordenada, mas, segundo Collins (2014, pp. 83-84), conforme os protestos aumentaram, passou a incluir mais setores e a compartilhar uma agenda mais ampla de demandas por mudanças políticas profundas. A violenta repressão policial aos protestantes gerou comoção pública, aumentando a oposição ao governo em setores de classe média. Durante esse “Outubro vermelho”, diversos grupos começam a ver sua unidade na oposição a um Estado que não estava disposto a responder às suas demandas, e a elas reagia com repressão. As demandas são articuladas e emerge uma agenda de outubro, que pedia pela resignação do presidente Sánchez de Lozada, a nacionalização do gás boliviano, a rejeição à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), a acusação de oficiais do governo quanto à morte dos protestantes, e a convocação de uma assembleia constituinte para reescrever a constituição. Dentre estas demandas, apenas a saída de Sánchez de Lozada ocorre; as demais só são satisfeitas com a ascensão de Morales ao poder. Segundo Madrid (2008), o MAS estava numa excelente posição pra se aproveitar do desencantamento com os partidos tradicionais pelo seu status de outsider, nunca participou das coalizões que governaram a Bolívia de 1985 a 2003.
55 Foi um crítico feroz desses partidos e participou de inúmeros protestos contra eles. Também se mostrava diferente dos partidos tradicionais por não possuir uma burocracia partidária, sendo que seus candidatos eram muito mais líderes de movimentos sociais que políticos de carreira. Carlos Mesa, vice-presidente de Sánchez de Lozada, é empossado pelo Congresso e passa a governar sem apoio de partidos, já que sua base dentro do MNR é pequena por não ser um político de carreira, e sim um jornalista. Segundo Breuer (2008), em busca de legitimização popular de seu mandato e da satisfação das expectativas populares, Mesa dá continuidade ao plebiscito idealizado por seu antecessor, inaugurando de fato um período de uso constante desses MDDs no país. Ele consegue aprovar nas duas casas do Congresso um pacote de reformas constitucionais, que incluem uma Ley del Referéndum, que prevê plebiscitos iniciados pelos poderes Legislativo (com aprovação de dois terços nas duas casas) e Executivo, assim como iniciativas populares iniciadas pela cidadania. Como salvaguardas, foram criadas restrições temáticas e quanto a frequência de uso desses instrumentos. O Plebiscito Obrigatório nacional (jul/2004) propôs cinco questões sobre o gás, quanto a sua exportação, estatização e participação na negociação com Chile sobre acesso ao Pacífico. Embora tenha sido aprovado, teve alto nível de abstenção (60%) e média acima do normal quanto a votos nulos e brancos (FREIDENBERG, 2007). A ambiguidade das questões e a maneira pela qual os resultados devem ser interpretados criam uma discussão no Congresso, especialmente sobre as taxas a serem cobradas, já que o MAS cobra que as taxas sobre a exploração de empresas privadas seja de 50%, e as elites da Media Luna que queriam a manutenção do status quo. A agitação civil entre os dois grupos sociais e o governo quase levou a uma guerra civil, e embora o plebiscito tenha se transformado em lei, foi moldado conforme os interesses dos partidos, e não de Mesa. As agitações sociais contra o presidente e a falta de apoio legislativo levaram à sua resignação do cargo em junho de 2005. Em fevereiro de 2005, os líderes do comitê cívico de Santa Cruz e organizações de negócios entregam 6.000 livros com 421.000 assinaturas à Corte Nacional Eleitoral, para lançar uma iniciativa popular para autonomia que deveria ser
56 colocada em voto em agosto de 2005. Iniciativas populares são iniciativas de democracia direta vinculantes e bottom-up, acionadas através da arrecadação de um número mínimo de assinaturas do corpo eleitoral. Uma iniciativa popular é uma lei, estatuto, ou emenda constitucional proposta por um grupo de cidadãos que oferece uma alternativa ao status quo. Há a proposição de uma medida específica para a autoridade eleitoral, e caso os proponentes consigam um número de assinaturas maior ou igual ao definido pela lei eleitoral ou Constituição e a proposta for aprovada em votação, será implementada pelo governo (ALTMAN, 2011, p.15). Devido a resignação do presidente Mesa em junho do mesmo ano, o projeto foi adiado e novas eleições foram convocadas para 2005.
3.2 O Governo de Evo Morales: Emergência e Consolidação Segundo Freidenberg (2007, p.205), o ano de 2005 foi o ponto culminante de um processo de transformação da política boliviana, iniciado há décadas atrás, e que havia suposto o acesso a instituições de dirigentes que, com origens sindicais ou
movimentos
sociais,
conseguiram
articular
essas
demandas
com
as
reivindicações identitárias legítimas das populações indígenas, e ao mesmo tempo servir como opção de voto e liderança catalisadora da crise de representação política dos partidos tradicionais nos setores de classe média e alta. Segundo Collins (2014), embora o MAS tenha lideranças indígenas e se identifique como um partido com raízes étnicas, Morales evita alienar os mestiços e os brancos com uma retórica puramente indígena: seus discursos se referem repetidamente ao “povo” como uma ideia de uma nação boliviana plural, diversa. Os movimentos sociais lograram articular as demandas de diversas camadas da população, insatisfeitas com o estado da democracia, excluídas do desenvolvimento neoliberal e alijadas de seu meio de subsistência, em uma entidade coletiva ampla e includente, que permitiu criar uma fronteira entre o povo e a antiga política através de uma nova noção de nação boliviana. Embora Evo Morales seja quem logrou unificar e significar esta cadeia de equivalências quanto às demandas postuladas, teve um papel muito menor do que os movimentos sociais que o elevaram a posição de líder.
57 As principais estratégias para alcançar a união do povo e o poder, de acordo com Madrid (2008), foram uma mensagem anti-establishment, aproveitando-se do amplo desencantamento com os partidos e elites tradicionais; o apoio de políticas redistributivas,
nacionalistas
e
interventoras,
aproveitando-se
da
crescente
inquietação com as políticas neoliberais e intervenção dos EUA; e a confiança no apelo carismático de Evo Morales, que era uma figura polarizadora, mas cujo apelo popular realista o fez atraente para muitos votantes, particularmente aos pobres e indígenas. Evo Morales chega ao poder através do MAS com amplo apoio popular, sendo o primeiro presidente de origem indígena a ser eleito na Bolívia, com inéditos 54% dos votos totais. O MAS também ganhou 72 das 130 cadeiras da Câmara dos Deputados, em oposição aos 43 do partido opositor Poder Democrático y Social (PODEMOS), e alcançou uma minoria de 12 de 27 cadeiras no Senado, o que não gerou grandes problemas pelo enorme peso eleitoral e legitimidade social do partido. Porém, quanto à política regional, o MAS apenas alcançou 3 entre 9 departamentos, forçando o governo a negociar com diferentes regiões em nome da governabilidade nos primeiros anos de governo (FREIDENBERG, 2007, p.206). As novas clivagens se davam não mais em termos de movimentos sociais e velha política, mas sim entre os indígenas do altiplano boliviano e os “brancos” dos departamentos orientais, as novas elites que substituíram La Paz como a oligarquia econômica do país (KOHL e BRESNAHAN, 2010). Um novo discurso é produzido com base nessas novas clivagens, e a polarização do país passa a dar entre o povo, simbolizado por Evo Morales, e o status quo, composto pelas elites da Media Luna. Segundo Altman (2011), após negociações entre oposição e o partido do presidente, o Parlamento passou uma lei extraordinária para convocação de dois plebiscitos simultâneos para voto sobre as autonomias e uma nova assembleia constituinte, respeitando a iniciativa popular demandada antes da queda de Mesa. O plebiscito duplo, ocorrido em março de 2006, continha as seguintes propostas: a convocação de uma assembleia constituinte, que foi aprovada, e voto sobre autonomias, que foi recusada nacionalmente, embora tenha ganhado na região da Media Luna, composta pelos departamentos de Pando, Beni, Santa Cruz e Tarija, o
58 que criou um grande debate sobre a validade da formulação da questão e se ela seria valida nos territórios onde foi vencedora. A nova assembleia constituinte foi chamada, e coexistiu com o Congresso mesmo sem o partido de situação ter maioria nas casas legislativas, necessitando de apoio militar para a aprovação da nova carta pela violência da oposição. Segundo Wolff (2013), a Assembleia constituinte foi marcada pelo forte confronto entre governo e a oposição; o texto da nova constituição só foi aprovado por uma maioria de dois terços porque o grupo de oposição mais importante não estava presente durante a votação, configurando um escândalo político. Os prefeitos da região da Media Luna iniciaram uma série de iniciativas diretas para obter maior autonomia do governo central. Em 2008, em reposta à não inclusão de seus anseios por maior autonomia política em relação ao governo central, surgiram iniciativas populares não oficiais em Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando para maior autonomia, aprovadas dentro desses departamentos, embora sem reconhecimento da Corte Nacional Eleitoral. Isso gerou boicote dos seguidores do MAS na parte rural desses departamentos, e desencadeou uma crise entre o governo e as oposições orientais, envolvendo demonstrações de racismo e agressão (KOHL e BRESNAHAN, 2010). Segundo Altman (2011), para contornar possível crise política quanto à Assembleia Constituinte, Evo Morales coloca seu cargo à disposição e convida os demais prefeitos a fazerem o mesmo, em um plebiscito de “recall”. A lei criada por ele, porém, é subitamente aprovada pela oposição no Congresso logo após a Consulta Departamental em Santa Cruz, no início de maio de 2008, sendo promulgada por Evo Morales dias depois. Segundo Uggla (2008), tanto a situação quanto a oposição primeiramente acusaram a ilegalidade da medida, porém logo depois aceitaram e iniciaram campanhas agressivas, que também envolviam críticas aos custos de tal empreendimento, à sua capacidade de resolucionar os conflitos no país e à sua legalidade. Houve questionamentos sobre quanto era necessário para a remoção de Morales do cargo; a rejeição deveria ser maior que a porcentagem que o elegeu? A Corte nacional Eleitoral definiu que era necessário uma porcentagem de 50% + 1 voto para a remoção de tal líder.
59 Altman (2011) afirma que a votação foi limpa segundo mecanismos internacionais, embora a questão apresente formulação enviesada a favor do governo. Evo Morales é reeleito, fortificando seu apoio mesmo em regiões dominadas pela oposição e conseguindo a aprovação da nova constituição em dezembro de 2008. Ao mesmo tempo, também fortalece prefeitos da Media Luna, que também foram reeleitos com maiores porcentagens. Ao invés de resolver a questão, aprofunda o conflito, com os confrontos populares posteriores à votação levando a quase 20 mortes. Porém, permite avançar com a nova constituição. Segundo Nilsson (2013), em janeiro de 2009, em um plebiscito constituicional, 63% dos bolivianos aprovam a nova Constituição boliviana, que define a Bolivia como um país multiétnico e secular, reconhecendo os direitos civis e culturais dos indígenas, assim como governos rurais autônomos, contanto que as leis do país não sejam infringidas. Da mesma maneira, a democracia é redefinida como combinação de participação direta e representação liberal clássica, mas com separações claras entre os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Eleitoral. Os mecanismos de democracia direta como recalls e outros tipos de plebiscitos, assim como iniciativas legislativas cidadãs são estabelecidas; órgãos judiciários passam a também ser eleitos por voto popular; a sociedade civil organizada recebe direitos de participação e monitoramento da administração pública, embora estes sejam vagamente definidos. Os direitos humanos e sociais são estendidos, e em retorno o escopo de privatizações é limitado, assim como as propriedades privadas são restringidas (WOLFF, 2013, p.79). A vitória no plebiscito de recall e aprovação da nova Constituição também permitiu a realização de uma reforma agrária amplamente esperada pelos camponeses e indígenas e que estava pendente no Congresso, distribuindo 28,4 milhões de hectares de terra em quatro anos (KOHL e BRESNAHAN, 2010). Ao fim de 2009, Evo Morales é reeleito para um novo mandato com 63% dos votos, e o MAS ganha dois terços dos assentos da Asamblea Legislativa Plurinacional.
60 3.3 Um Balanço do Governo Morales: Mudanças e Conflito na Democracia Certamente, em seu primeiro mandato, Evo Morales não teve que lidar apenas com a herança maldita de instabilidade democrática e sistema corrompido de governos anteriores, como também com novas clivagens sociais que ameaçaram seu governo. Suas promessas de campanha de uma Bolívia mais inclusiva e plural avançaram sob mecanismos outros que os tradicionais das democracias representativas liberais, destacando o caráter polarizador de seu primeiro mandato. As análises de seu governo também foram dispares, desde o apoio à inclusão popular até acusações de debilitamento das demais instituições democráticas. De acordo com Nilsson (2013), as votações durante o governo de Morales continuaram ocorrendo regularmente, tanto em eleições para representantes e presidente quanto em temas de democracia direta. Os direitos políticos e civis continuam estáveis durante a administração de Morales. Para o autor, o posicionamento do Congresso foi enfraquecido, mas isso se deve muito mais ao desmoronar do sistema partidário e a desorganização da oposição do que as ações da presidência de Evo Morales. A corrupção foi sistematicamente combatida, e a Bolívia tem constantemente subido posições nos rankings de transparência democrática (KOHL e BRESNAHAN, 2010) WOLFF (2013), sob uma perspectiva liberal, ao avaliar os impactos democráticos do primeiro mandato de Evo Morales, afirma que, com a emergência do MAS, as instituições democráticas bolivianas se tornaram muito mais representativas, e a participação política muito mais inclusiva. Porém, ao mesmo tempo, para prosseguir com seu projeto político, o governo não estava satisfeito em aceitar os constrangimentos institucionais conforme imposto pelo sistema político existente, desmantelando as instituições e os pesos e contrapesos durante a reforma constitucional, sem antes criar instituições alternativas. Tratando especificamente dos plebiscitos, Uggla (2008) argumenta que, embora seja claro que os instrumentos de democracia direta tenham aumentado a participação popular, é incerto se são utilizados para conseguir a participação cidadã de fato na política, ou se é usada pelas elites políticas para manipulação e aumento
61 do próprio poder. Ao analisar o caso do uso de tais ferramentas por Morales, o autor nota que grande parte dos plebiscitos realizados não foram propostos pelo presidente, ou então sofreram oposição de seu partido; da mesma maneira, diversos plebiscitos constitucionais propostos pelo Executivo foram impugnados pelas cortes eleitorais. As ferramentas de democracia direta, muito mais que uma ferramenta para fortalecer o poder presidencial, se mostrou uma arma dos grupos opositores para afrontar o governo, já que se encontravam em uma posição minoritária. Nilsson (2013) alerta para os riscos dos plebiscitos criarem problemas com o MAS, já que a base de apoio para a tomada de decisão política deixa de repousar nos movimentos sociais e torna-se um instrumento de validação por voto majoritário a partir de uma estrutura top-down, centralizando o poder de agenda nas mãos do presidente. Segundo o autor, isto pode criar problemas caso a agenda radical por ele perseguida não seja atingida em sua totalidade, criando oposição interna em soma à externa. Mesmo sob uma perspectiva liberal, são inegáveis os avanços trazidos pelo governo de Evo Morales. A inclusão institucional de minorias e o seu reconhecimento de sua cidadania e modo de vida como legítimos pela ótica do Estado sem dúvida é seu maior logro no governo, assim como a reforma agrária e a constitucional, o que permitiu um sistema mais justo e representativo para a política boliviana. Certamente, a política boliviana nunca mais será a mesma ao fim do governo de Morales. Porém, debater a qualidade alcançada pela democracia proposta por Morales significa pensá-la além dos padrões eurocêntricos de um regime democrático. Embora a democracia pós-regimes autoritários na Bolívia tenha sido considerado exemplar pela sua estabilidade, é muito claro que não conseguiu abranger demandas essenciais para a população boliviana, que se relacionavam muito mais com a representatividade do regime do que com sua capacidade em lidar com possíveis crises. Tendo a questão étnica um peso tão importante, é necessário acrescer aos parâmetros de qualidade democrática estas peculiaridades de representação para além dos mecanismos ordinários, que na América Latina estão viciados por elites velhas e corruptas.
62 A questão do conflito político também necessita ser revisitada, especialmente pela conhecida aversão da democracia liberal à falta de consensos. O histórico da política boliviana mostra que é impossível alcançar resultados quanto à mudança de desenho institucional que de fato mude o status quo sem que haja uma confrontação profunda entre aqueles que anseiam por renovação e os que defendem a manutenção do atual sistema. Wolff (2013) afirma que a escolha por emancipação e inclusão política no governo de Morales se opõe aos desejos de paz e estabilidade política, porém é a única maneira de contenção de movimentos sociais e indígenas que clamam por mudanças. O projeto populista de Morales, assim, se mostra a única alternativa viável para a Bolívia almejada durante séculos pelo povo boliviano.
63
CONCLUSÃO
A relação entre populismo e democracia sempre foi ambivalente e tensa em diversos pontos. Embora tenha logrado relativo sucesso ao incorporar as massas à política, seja quanto à concessão de direitos políticos ou a representatividade do povo na esfera pública, a relação dos líderes populistas com as demais instituições democráticas sempre tendeu ao conflito. A compreensão destas dinâmicas exigiu uma longa discussão, que iniciou-se no debate sobre a própria concepção do populismo e se estendeu às dinâmicas da teoria e práxis democrática, sendo exemplificado pelo governo de Evo Morales na Bolívia. Escolher uma definição do populismo influi profundamente na valoração que será feita do fenômeno. Uma abordagem socio-histórica certamente é incapaz de fornecer uma definição acurada à medida que restringe a questão a um período muito específico da história latino-americana. Isso impede que a teoria produzida abranja os atuais exemplos de populismo, que se dão em configurações distintas daquelas dos anos 40 aos 60. Da mesma maneira, o enfoque que prioriza o estilo político não possui capacidade explicativa para os impactos do populismo para além do carisma do líder. Para isso, são forçados a instrumentalizar outras teorias que permitem inferir os impactos institucionais causados pelo líder e seu governo, não sendo assim de grande valia para abordar uma relação entre o populismo e a democracia. Sem dúvida, os enfoques de maior valor explicativo para compreender o populismo em seus desdobramentos democráticos são o ideológico, o discursivo e o institucionalista. Esta última abordagem descreve o populismo como uma estratégia de poder, e pleiteia uma definição científica do fenômeno, ressaltando suas características de mobilização não mediada por instituições e não organizada. Esta perspectiva permite uma compreensão muito crítica do populismo, situando-o em uma esfera de comportamento racional que baseia muito da teoria política contemporânea, e por isso amplia as possibilidades de diálogo com outras subáreas deste campo de estudo.
64 Porém, a definição de populismo do enfoque institucionalista leva a um julgamento valorativo sobre o fenômeno, ainda que muitas vezes velado. Que as massas não sejam canalizadas por partidos ou movimentos e sim pela estratégia de um líder implica na possibilidade de manipulação das primeiras, algo que é tomado como premissa em grande parte dos estudos críticos dos autores desta perspectiva. Os contraexemplos a isto são recorrentes e questionam as premissas da teoria: Evo Morales, por exemplo, é um líder populista diretamente resultante dos movimentos sociais, e o seu partido, o MAS, embora não tenha tanta força nos departamentos, consistentemente consegue alcançar grandes porcentagens nas votações para o Congresso boliviano. Definir o populismo como uma estratégia de poder é atribuir uma intencionalidade aos líderes que nem sempre é verdadeira, e que não captura muito bem a essência do fenômeno. O populismo como ideologia delgada e como criação de identidades é muito mais interessante para o debate. Ambos os enfoques compartilham um ponto central que permite compreender muito da dinâmica de governos populistas: a divisão da sociedade entre dois campos opostos e inimigos. Tanto no campo conceitual quanto empiricamente, a relação de embate explica muito do apelo do populismo e sua atuação política, e é o aspecto que melhor captura o fenômeno. Certamente, a abordagem discursiva é a que fornece a mais sofisticada compreensão do populismo, ao detalhar os processos de criação de identidade popular e fronteira através da exclusão radical daquilo que não constitui povo. Porém, instrumentalizar uma teoria que propõe o populismo como a própria lógica do político, especialmente quando se busca empreender uma crítica institucional, limita a capacidade de análise. Um melhor conceito necessita ser mais limitado, para que assim permita a delimitação dos casos sem perder muito poder explicativo. O populismo como uma ideologia estreita é a melhor definição entre as estudadas. Ela traz todos os elementos definidores do populismo: o povo como entidade, a criação de uma fronteira na sociedade entre dois campos antagônicos, o discurso do líder carismático. Embora tenha limitações, esse enfoque ideológico explica a esmagadora maioria dos governos populistas ocorridos na América Latina, tanto em sua ação sobre o corpo social quanto na sua associação às mais diversas
65 ideologias, e também fornece substrato para que se compreenda a dinâmica institucional que deles deriva. Assumir o populismo como ideologia estreita de uma vontade do povo lança as bases para o debate de sua relação com a democracia. Embora seja considerado nocivo por grande parte da literatura, é inegável que a democracia tem uma afinidade muito mais profunda com a concepção populista de governo pelo povo do que as atuais ideias de representação na esfera política. Não é por acaso que tem um apelo tão forte em países latino-americanos, historicamente conhecidos pelos déficits de suas democracias; finalmente um líder se propõe a responder diretamente aos desejos do povo, sem que para isso tenha que se perder em procedimentos complexos que impedem a ação imediata. Para que o populismo seja considerado uma enfermidade social, seria necessária uma indicação de piora das condições políticas e sociais dos países onde há este tipo de governo. Ao recuperar o exemplo da Bolívia, durante meados da década de 1980, temos um sistema político que funcionou à perfeição por dez anos, onde embora não tenha logrado melhorar os indicadores sociais. A falha em prover resultados no campo econômico, assim como a persistente pobreza e desigualdade social do país, minaram a legitimidade de um arranjo que, na verdade, já não funcionava por sua rigidez e constante contaminação pela corrupção e interesses privados. A emergência de Evo Morales se deu pela agitação social e instabilidade política que decorreram desse cenário, e não o contrário. Ele, assim como tantos outros líderes populistas, aproveitou-se de uma busca por alternativas a um sistema viciado, ingressando na vida pública justamente por seu trabalho nas associações de coqueiros e militância indígena. Ele só conseguiu lograr apoio da maioria de uma população culturalmente diversa porque prometeu ouvir anseios não atendidos da população, apelando à ideia de um povo boliviano unido em contra um governo corrupto. Sem que haja uma conjuntura de falta de representatividade, não há populismo. Por tal razão, ele é um corretivo à democracia, e não sua enfermidade. Quanto aos impactos institucionais que os governos populistas têm nas demais instâncias democráticas, mais uma vez se encontra uma relação
66 controversa. O populismo certamente enfraquece os demais poderes através de sua ênfase majoritária, submetendo-os à força ao seu governo. A dissolução do parlamento e convocação de assembleias constitucionais e plebiscitos são alguns dos instrumentos favoritos para transpassar os constrangimentos dos checks and balances. Porém, muitas vezes, as demais instituições estão corrompidas e podem representar obstáculos a mudanças mais profundas que são consenso nacional. Se idealmente o equilíbrio de poderes leva a um governo justo, tal afirmação só se torna realmente válida quando cada um deles genuinamente expressa as preferências daqueles que o elegeram, e não quando são arenas utilizadas para debater e alcançar interesses privados. O uso dos plebiscitos para superar impasses institucionais aumenta a participação da população na democracia, tirando-os do papel passivo a eles destinado pelo sistema eleitoral. Seu uso indiscriminado cria maior animosidade entre o governo e a oposição, já que a legitimidade que o primeiro obtém com a obtenção da maioria leva a uma exclusão cada vez maior dos grupos dissonantes do jogo político. Porém, não deve ser considerado como um instrumento exclusivo do líder populista para manipulação política, já que o estudo do caso boliviano mostrou que a oposição também faz usos das ferramentas de democracia direta para tentar lograr seus objetivos. Também não há nenhum sinal de irregularidades nas votações, embora haja críticas quando à redação das perguntas. O caso boliviano, explorado no terceiro capítulo, foi precioso para demonstrar empiricamente todo o debate teórico empreendido, trazendo muitos elementos únicos ao debate. A começar, as fronteiras sociais traçadas por Morales antes e durante o seu governo são simbólicas para uma concepção populista de povo. Antes de se eleger, o presidente boliviano conseguiu alcançar apoio de todos aqueles que se opunham ao governo, mesmo os membros da elite econômica da Media Luna, que muitas vezes tinham demandas radicalmente opostas às dele. Ao assumir o poder, precisou redesenhar estas fronteiras em busca de um povo autêntico, que repousava não apenas nos demais indígenas, mas também na classe média, urbana e nos mestiços. O populismo não sobrevive sem antagonismo, e Evo Morales conseguiu encontrar os seus na oposição da Bolívia oriental.
67 Sua relação com a oposição foi polêmica e belicosa. Embora tenha mantido os parlamentares eleitos durante a confecção da nova Constituição, muitas vezes se viu forçado a adotar medidas polêmicas para conseguir a aprovação de suas medidas, impedidas pela maioria opositora no Congresso. Sua principal arma, os plebiscitos, quase levou o país à guerra civil, acirrando as tensões geográficas e étnicas; ao mesmo tempo em que permitiam o avance das suas políticas, aprofundavam o conflito. Porém, a transformação empreendida pelo governo de Evo Morales na Bolívia não pode ser ignorada. Embora seja muito cedo para observar os resultados de suas ações, as bases para um país mais plural foram lançadas, seja quanto a valorização de viveres outros que os modelos ocidentais importados, seja quanto ao crescimento econômico e desenvolvimento social visto nos últimos anos. Dificilmente tais mudanças ocorreriam sob um governo liberal representativo, principalmente se este possui um histórico de vicissitudes decorrentes que sempre impediram a concretização de tais inovações. O populismo pode ser muito falho em seu respeito às demais instituições e à representação de minorias, mas para casos como o da Bolívia, se mostra como a única alternativa capaz de oferecer um governo capaz de transformar as demandas da população em políticas de sucesso.
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