O Acordo Nuclear entre o P5+1 e o Irã saiu!

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Texto publicado no blog “O Furor: (Des) Entendendo as Relações Internacionais” em 20 jul. 2015. URL: .

O Acordo Nuclear entre o P5+1 e o Irã saiu! Finalmente saiu! Depois de 12 anos, várias propostas, idas e vindas, muitas acusações e muita desconfiança de ambos os lados, saiu um acordo final entre os Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha (o chamado P5+1 ou UE3+3) e o Irã sobre o programa nuclear iraniano. O chamado Plano Compreensivo de Ação Conjunta (JCPOA, sigla em inglês para Joint Comprehensive Plan of Action) foi assinado pelos 7 países e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena na última terça-feira, dia 14 de julho, e marca uma mudança histórica nas relações entre o Irã com o resto do mundo, principalmente com os EUA e a Europa. Mas, o que é esse acordo? Por que ele é importante? E, por que um acordo era necessário? Espero conseguir responder a essas questões agora. Da última vez que eu escrevi sobre o assunto, no dia 26 de novembro do ano passado, esses mesmos países tinham acabado de terminar uma rodada de conversas, dia 24/11, que deveria ter tido como conclusão um acordo. Porém, eles viviam um impasse com relação a, principalmente, três tópicos: 1º) o nº de centrífugas que o Irã poderia operar; 2º) o alivio das sanções econômicas e financeiras sobre Teerã e 3º) o papel da AIEA no monitoramento das instalações iranianas. Esses empecilhos levaram as partes a postergar um acordo final para o dia 30 de junho, o qual, porém, só saiu quase 15 dias depois. Por isso, o JCPOA é considerado uma vitória da diplomacia, uma vez que ele põe um fim a 12 anos de negociações, propostas e acusações feitas por ambos os lados e levou países tão diferentes e por muito tempo considerados inimigos a se sentarem e a serem flexíveis, chegando finalmente a um acordo benéfico para todos. O tão esperado acordo da semana passada possui 160 páginas e cinco anexos1 e seus principais pontos2 são: 1º) o nº de centrífugas e a produção, o estoque e o enriquecimento de urânio no Irã; 2º) o alivio das sanções econômicas e financeiras sobre Teerã e 3º) o papel da AIEA no monitoramento das instalações iranianas, com a. Ou seja, os impasses foram 1

JOSHI, Shashank. The Iran Deal: the 25-year Road from Vienna. RUSI, Londres, 16 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2015. 2 UNITED STADES OF AMERICA. Key Excerpts of the Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA). The White House, Washington D.C., s.d. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2015.

resolvidos. Falando rapidamente sobre o que foi decidido: do lado do Irã, o país aceitou limitar por 15 anos o enriquecimento do seu urânio para no máximo 3,67%3 e diminuir os seus estoques de material nuclear de 10.000 kg para apenas 300 kg. O nº de centrífugas também foi limitado, passando de 19.000 para 6.1044. Por fim, Teerã aderiu ao regime de monitoramento do Protocolo Adicional aos Acordos de Salvaguardas da AIEA. Isso permite que a agência internacional receba relatórios mais detalhados do governo sobre as suas ações nucleares, possa realizar inspeções com um curto aviso prévio e tenha muito mais acesso às instalações nucleares. Já do lado do P5+1, todas as sanções econômicas e financeiras, uni e multilaterais, diretamente relacionadas ao programa nuclear serão suspensas quando a AIEA confirmar que o Irã está seguindo com a sua parte no acordo. Isso inclui as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU. O montante que o país espera receber é de aproximadamente US$ 100 bilhões5. Porém, todas as sanções poderão ser novamente impostas caso as inspeções mostrem que Teerã não está se comprometendo com o JCPOA. Como consequência desse acordo, tanto o Presidente Obama6 quanto inúmeros centros de pesquisa (chamados de think tanks), como o Arms Control Association (ACA) 7, concordam que o JCPOA inviabiliza o desenvolvimento de armas nucleares pelo Irã pelo menos nos próximos 15/20 anos. Porém, essa não é a opinião de Israel nem dos Países do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Kuwait e Qatar). Todos esses Estados são grandes aliados dos EUA e se sentem ameaçados por Teerã. Para eles, os EUA e a Europa foram “enganados” pelo governo dos aiatolás que quer diminuir as suas sanções econômicas para então conseguir, secretamente, desenvolver o seu programa nuclear mais rapidamente a ponto de conseguir produzir uma arma que ameace a região. Eles acham que o Irã vai trair o P5+1 para tentar maximizar o seu poder no Oriente Médio e assim ameaçar a segurança de todos eles. Essa também é a opinião do Congresso norte-americano, que vive um pesado lobby 3

Quantidade suficiente para uma usina produzir energia elétrica. Porém, com essa quantia é extremamente difícil/quase impossível de se produzir armas nucleares, uma vez que para elas é preciso de urânio enriquecido a mais de 90%. 4 FLAHERTY, Anne. Entenda o acordo nuclear com o Irã e suas consequências. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2015. 5 NADER, Alireza. Who Benefits from Iran Sanctions Relief? The National Interest, Washington D.C., 2 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 6 UNITED STADES OF AMERICA. A Historic Deal to Prevent Iran from Acquiring a Nuclear Weapon: How the U.S. and the international community will block all of Iran’s pathways to a nuclear weapon. The White House, Washington D.C., s.d. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 7 DAVENPORT, Kelsey; KIMBALL, Daryl G. An Effective, Verifiable Nuclear Deal With Iran. Iran Nuclear Policy Brief: Analysis on Effective Policy Responses to Weapons-Related Security Threats, Washington D.C., 15 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2015.

israelense8. É muito triste dizer isso, mas essa possibilidade não é tão irreal quanto eu gostaria que fosse. O ex-presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad ameaçou “tirar Israel do mapa” 9. Além disso, se pensarmos em outros casos de proliferação, como o da Coréia do Norte1011 desde a década de 90, houve uma série de negociações e acordos entre Pyongyang e Washington para em 2006 o país explodir a sua primeira bomba nuclear depois de ter saído do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em 2003. Além disso, ainda há críticas no Canadá, em Israel e nos EUA de que o acordo não toca em questões como o financiamento do terrorismo internacional por parte do Irã 12, já que não é segredo que Teerã financia o Hezbollah no Líbano, assim como ignora questões como violações de Direitos Humanos (DDHH) e perseguição política e religiosa no país13. Esses pontos seriam argumentos para manter as sanções internacionais, o que impediria que o governo dos aiatolás recebesse US$ 100 bilhões, o qual poderia (e na opinião de alguns, será) utilizado para financiar o Hezbollah, grupos xiitas no Iêmen e o governo Assad na Síria, assim como colocaria pressão sobre o país para que ele se adequasse às normas do Direito Humano Internacional. Porém, infelizmente, para que um acordo final saísse, esses temas tiveram que ser colocados de lado, do contrário, Teerã nunca o teria aprovado. Mesmo assim, é importante lembrar que as sanções internacionais que serão suspensas são apenas aquelas diretamente relacionadas ao programa nuclear. O Irã ainda é vive sobre diversas outras sanções relacionadas exatamente ao financiamento de movimentos terroristas e violações de DDHH, as quais serão mantidas. Todavia, o governo americano preocupado com a oposição de Israel e dos Países do Golfo, está usando toda a sua diplomacia para convencer esses países que um acordo com o Irã é benéfico para a região. Três dias depois das celebrações em Viena, o 8

A American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) é um lobby judaico norte-americano e é considerado um dos mais poderosos e influentes no país. 9 CHARBONNEAU, Louis. In New York, defiant Ahmadinejad says Israel will be “eliminated”. Reuters, Londres, 24 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 10 TANG, Rock. The North Korean Nuclear Proliferation Crisis. In: GREENBERG, Melanie C.; BARTON. John H.; MCGUINNESS, Margaret E. Words Over War: Mediation and Arbitration to Prevent Deadly Conflict. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 2000, p. 321-340. 11 DAVENPORT, Kelsey. Chronology of U.S.-North Korean Nuclear and Missile Diplomacy. Arms Control Association (ACA), Washington D.C., maio 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2015. 12 SCHANZER, Jonathan; DUBOWITZ, Mark. It Just Got Easier for Iran to Fund Terrorism. Foreign Policy, Washington D.C., 17 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 13 KHANJANI, Siavosh. In Iran, Baha’is are deemed unfit to attend university, hold public sector jobs, or teach. National Post, Toronto, 16 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2015.

Presidente Obama se reuniu na Casa Branca com o Ministro das Relações Exteriores Saudita, Adel al-Jubeir, para discutir o JCPOA14. O resultado foi uma declaração conjunta onde ambos os países saúdam o acordo e concordam que ele trará resultados positivos para a região. Além disso, o Secretário de Defesa dos EUA, Ashton Carter, iniciou ontem o seu “tour” pelo Oriente Médio, começando por Israel e depois irá à Arábia Saudita, para conversar com os governos sobre o JCPOA15. Por fim, por que um acordo era necessário? Acho importante começar dizendo que as outras opções eram muito ruins. Se não houvesse negociações, as alternativas para lidar com o programa nuclear iraniano seriam: invasão, bombardeio aéreo às instalações, tentar derrubar o governo através de um golpe ou aumentar as sanções até que governo caísse ou mudasse de posição. É importante pensar que todas elas foram realmente consideradas e estudadas. No caso, um bombardeio seria muito difícil, já que certas instalações estão dentro de montanhas e no subsolo. Assim, ironicamente, a única forma de destruí-las seria usando armas nucleares. O Irã não é o Iraque, é muito mais populoso, tem um exército mais capacitado, com uma geografia diferente e uma posição geopolítica importante, assim uma invasão seria uma ideia muito perigosa e com efeitos devastadores. Golpes de estado já foram tentados no Irã (vide 195316) e os seus resultados nem sempre foram positivos. Por fim, mais sanções poderiam ter o resultado oposto ao desejado, com o Irã se tornando mais agressivo e isolado internacionalmente, o que elevaria as suas razões para ter armas nucleares. Vale lembrar que essa foi a estratégia do ex-presidente W. Bush em 2003, o que atrasou um acordo em 12 anos. Assim, em minha opinião, o JCPOA foi a melhor alternativa para resolver (ou pelo menos “congelar”) a questão do programa nuclear iraniano. Eu acho que ele pode sim ser considerado uma vitória da diplomacia, para ambas as partes, e que ele pode ser o início de um processo longo de resolução dos vastos problemas no Oriente Médio. Eu vejo esse acordo como uma forma de aos poucos integrar o Irã à chamada “comunidade internacional”. Um Irã integrado pode ser melhor que um Irã pária e eu acho que esses 30 anos de exclusão iraniana são provas disso. O país é importante geopolítica, econômica, energética e religiosamente, por isso não tê-lo como inimigo mortal, mas como um desafeto com quem eu converso pode ser muito interessante. Espero não estar sendo muito idealista.

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FABIAN, Jordan. Obama meets with top Saudi official on Iran. The Hill, Washington D.C., 17 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 15 US seeks to ease Middle East Iran nuclear doubts. BBC, Londres, 19 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2015. 16 A CIA e o MI6 planejaram um golpe bem sucedido contra o Primeiro-Ministro Mohammad Mosaddegh.

Se alguém tiver interesse em ler todo o acordo e os 5 anexos, eles estão em PDF ao final da declaração conjunta da Alta Representante da UE, Federica Mogherini, e do Ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, feita em Viena: http://eeas.europa.eu/statementseeas/2015/150714_01_en.htm.

Palavras-chave: AIEA; Arábia Saudita; Estados Unidos; Irã; Israel; JCPOA; não proliferação; Oriente Médio; P5+1; Sergio; TNP; União Europeia.

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