O atual e o inatual em Lord Acton

August 3, 2017 | Autor: Hugo R. Merlo | Categoria: History, History of Historiography, Lord Acton
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Marcelo de Mello Rangel; Mateus Henrique de Faria Pereira; Valdei Lopes de Araujo (orgs). Caderno de resumos & Anais do 6º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – O giro-linguístico e a historiografia: balanço e perspectivas. Ouro Preto: EdUFOP, 2012. (ISBN: 978-85-288-0286-3)

O ATUAL E O INATUAL EM LORD ACTON Hugo Ricardo Merlo*

Devo dizer, antes de qualquer coisa, que o título deste trabalho remete intencionalmente ao texto de Sérgio Buarque de Holanda, publicado na Revista de História da USP, em 1974, de título O atual e o inatual em Leopold von Ranke. Alguns especialistas da obra de Sérgio Buarque de Holanda afirmam que o texto, posteriormente publicado como introdução a uma coletânea de textos do historiador prussiano, é um postulado dos problemas teóricos dentro dos quais o intelectual brasileiro foi formado. Apesar de não se pretender de nenhuma maneira um postulado teórico, este trabalho objetiva lançar luz às carências de sentido que motivaram a produção intelectual, sobretudo historiográfica, acerca do pensamento de John Emerich Edward Dalberg Acton1, o Lord Acton (1834 – 1902), e identificar o lugar não apenas nosso, mas de toda a historiografia recente, que verse sobre o barão britânico. A análise historiográfica das carências de sentido é um instrumento para tentar identificar o que é “atual e inatual” em Lord Acton, extrapolando, em alguma medida, como Sérgio Buarque de Holanda em seu texto, os limites da temática. Ao passo que Sérgio Buarque localiza o debate de Leopold von Ranke com outros autores, utilizando Lord Acton como um contrapeso ao pensamento “historista”, este trabalho não é um trabalho que opera na escala historiográfica dos debates que Lord Acton travou com seus contemporâneos. Interessa-nos aqui compreender que problemas foram forças-motriz da produção sobre Acton durante mais de um século de trabalhos e citações ao autor e se esses problemas permanecem sendo os nossos. Podemos recuar para pouco antes da morte do autor e estabelecer o marco inicial da reflexão sobre Lord Acton na pequena resenha da Lecture on the Study of History, do historiador, feita por seu desafeto, Henry Charles Lea, em 1896. Os dois não preservavam uma relação boa desde que o Acton fez uma resenha severa do livro de Lea, History of the *

Hugo Ricardo Merlo é graduando em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Acton foi historiador e político britânico de grande projeção no fim do século XIX. Famoso por sua erudição e por ter encabeçado grandes projetos historiográficos, é alvo de controvérsias por nunca ter escrito um livro, e geralmente lembrado por ter sido um dos mais importantes pensadores liberais católicos britânicos. Deixou uma vasta bibliografia composta, sobretudo, por artigos nas revistas que editou, Home and Foreign Review e The Rambler, além da English Historical Review. Para um curto resumo de sua vida, ver MALERBA (2009). Para um estudo mais aprofundado, ver a monumental bibliografia de HILL (2000). 1

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Inquisition of the Middle Ages, publicada, em 1888, na English Historical Review, periódico do qual ambos foram contribuidores frequentes. Henry Charles Lea, em sua resenha, diz que seu resenhado se esconde atrás da máscara da imparcialidade e confere a ele certo ar de ingenuidade e idealismo em sua busca pela verdade. No fim, aparentemente para fins retóricos, o autor sugere que o texto de seu par é importantíssimo e leitura obrigatória para todos aqueles que se interessem pelo estudo da História, além de destacar a enorme erudição pelo qual o autor se distingue. Uma rica bibliografia de tom muito personalista – talvez por conta da proximidade de muitos dos autores com o objeto do trabalho – se segue nas duas décadas consecutivas à morte de John Acton. De uma maneira geral existe um manifestado desejo de se preservar a memória do autor, expressado pela série de elogios que são despejados sobre sua pessoa por vários colegas em seus textos. Não se pode afirmar, porém, que esses textos não são analíticos ou críticos; eles os são, mas numa escala muito menor do que textos das gerações subsequentes. Reginald Lane Poole, em seu obituário de Acton, publicado na English Historical Review, em 1902, enquadra seu colega como um filósofo da história, rótulo que preservava uma forte carga teórica no momento em que o texto é publicado, além de afirmar categoricamente que Acton não foi crítico – que seus trabalhos se sustentavam pelo volume de documentação e por uma erudição incrível, e não pelo minucioso julgamento dos fatos. James Bryce, em The Letters of Lord Acton, publicado em 1904, na North British Review, analisa a relação que Acton tinha com a obra de George Elliot e diagnostica certos elementos da teoria da História do autor, como, por exemplo, sua preferência por estudar a longa duração das ideias sobre a pequena duração da política passageira e sua despreocupação com a estética da narrativa histórica. O primeiro texto com forte teor analítico aparecerá logo em 1905, com a publicação de Lord Acton and His Obiter Dicta on History, de Oliver H. Richardson, e encontrará um par à altura apenas no texto de 1919, de Crane Brinton, Lord Acton’s Philosophy of History. O texto mais importante dessa geração, entretanto, é de um aluno de Lord Acton que começava a encontrar seu espaço na historiografia britânica nesse momento, George Peabody Gooch. Gooch publica, em 1913, seu clássico History and Historians in the Nineteenth Century, que contém um capítulo sobre seu professor. Dada à popularidade que essa obra alcançou, não apenas

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entre a historiografia de língua inglesa, uma das imagens mais poderosas que se tem até hoje é do Lord Acton moralista que é criada nesse momento e reproduzida nesse trabalho. A publicação das obras compiladas de Acton provocou um comprovado impacto que pode ser verificado pelo volume de textos sobre seu pensamento que surgem nas duas décadas consecutivas a sua morte (pode-se facilmente encontrar pelo menos cinco textos em indexadores de artigos online). O que observamos é que se tratam de trabalhos não muito longos e que discutem o pensamento de Lord Acton de uma maneira pouco aprofundada. Os autores parecem falar de duas posições: daquela em que estão os que querem conferir certa unidade de sentido ao emaranhado de fragmentos – muitas vezes desconexos – que são as formulações teóricas de Acton; e daquela em que estão os que querem dar continuidade a um paradigma moralizante da história, ou seja, à defesa de uma história que tem a obrigação de operar como um tribunal sobre o passado que pauta seu julgamento em valores a-históricos. Os desdobramentos desse primeiro momento aparecem com clareza em 1931, num dos manifestos teóricos de maior importância da historiografia britânica, The Whig Interpretation of History, de Herbert Butterfield. Para além da insurgência de Butterfield contra o que ele classifica como um paradigma historiográfico whig, existe o estabelecimento agora claro da oposição crescente, desde a última década do século anterior entre uma historiografia whig, não profissionalizada e uma historiografia metódica, empirista, profissional e modernizante, como Bentley a chama, ou ainda classificada erroneamente como positivista. No momento de publicação do livro de Butterfield essa equação entre whigs e modernos já parece desiquilibrada a favor destes. Um discurso de uma história moralizante – ainda que de uma maneira diferenciada – ganhará força novamente apenas com a popularização do paradigma historiográfico marxista inglês décadas depois. No último capítulo desse livro, Butterfield é explícito em seu ataque a Lord Acton (como também viria a ser em trabalhos posteriores que versam especificamente sobre o tema), enquanto nos capítulos anteriores refere-se aos historiadores whigs de maneira muito vaga, sem nomeá-los. Vários historiadores usaram e ainda usam essa denominação popularizada por Butterfield, enquadrando também William Stubbs e Edward Freeman, por exemplo, como

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whigs, mas o próprio Butterfield é categórico em encontrar o perfeito encaixe para seu conceito na figura de John Acton.2 O problema que é o mote da produção desses trabalhos sobre Acton até a Segunda Guerra Mundial não nos parece ser precisamente um problema interpretativo – existe certa homogeneidade entre as falas. O problema desse momento, que culmina com a publicação da obra de Butterfield, é precisamente desenhar a linha que separava a antiga geração de historiadores, da qual Acton era um dos últimos e maiores representantes, da geração da história “modernizada” que se fazia naquele momento.3 Essa problemática não some, mas torna-se secundária nas décadas seguintes. No imediato pós-guerra, inaugura-se um novo conjunto de problemáticas ainda mais complexas e que se estende transversalmente a várias áreas, especialmente para a ciência política. Ao mesmo tempo em que ainda podemos ver a discussão sobre a relação entre moral e História em artigos como o de Andrew Fish, Acton, Creighton, and Lea: A Study in History and Ethics, de 1947, observamos o surgimento das discussões sobre a interpretação do pensamento político de Lord Acton. São vários os textos datados desse imediato pós-guerra, com destaque para Acton as Historian and Political Scientist, de Herman Finer, pela clareza com a qual destrincha o relevo acidentado da interpretação política de Acton, e para os canônicos Individualism: True and False, de Friedrich August Hayek e The American Revolution in the Political Theory of Lord Acton, de Gertrude Himmelfarb. O texto de Hayek não é um texto que tem como objeto o pensamento de Acton. Publicado em 1948 como primeiro capítulo de seu livro Individualism and Economic Order, mas proferido em forma de lecture no University College of Dublin, em 1946, o objetivo do texto de Hayek é delimitar duas tradições de uso do conceito de individualismo: uma vertente sobretudo britânica, o individualismo verdadeiro; e uma vertente francesa, o individualismo falso. Sendo Hayek um dos mais importantes teóricos do individualismo liberal e tendo sido ele associado correntemente ao conjunto de ideias que daria origem às políticas neoliberais dos anos 70 e 80

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Richard Evans e Michael Bentley são dois exemplos de autores que recentemente produziram interpretações sobre esse paradigma historiográfico inglês do século XIX a partir das reflexões de Herbert Butterfield. Ver EVANS (2009) e BENTLEY (2005). 3 Ver BENTLEY (2005)

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do século XX, sua opção de terminologia – verdadeiro e falso – e o conteúdo valorativo dessa nos dão pistas de qual individualismo Hayek se apropria para sua própria teoria política. Interessa-nos aqui dizer que, para Friedrich Hayek, Lord Acton se filiava à corrente do true individualism, sendo um grande devedor do pensamento de autores como aqueles da escola de Manchester, Adam Smith, Alexis de Tocqueville e, principalmente, Edmund Burke. O verdadeiro individualismo é aquele que reconhece que o indivíduo é a unidade mínima da sociedade e que, na busca de sanar suas vontades particulares, cada indivíduo faz parte de uma formação social espontânea, ao passo que o falso individualismo baseia-se na premissa cartesiana de que o indivíduo é plenamente racional e que, por conseguinte, pode tomar rédeas do processo de mudança social por meio da associação consciente de cada particular a um projeto de sociedade. Nessa última vertente, enquadram-se o próprio Descartes, Rousseau e John Stuart Mill, de acordo com Hayek. Apesar de não se concentrar em interpretar o pensamento de Acton, Individualism: true and false é o texto que cunha a imagem (ainda muito viva) de Lord Acton como “o grande campeão da liberdade”, nas palavras do prof. Jurandir Malerba (MALERBA, 2010: 249). O texto de Hayek não poderia ter passado em branco no turbilhão de discussões políticas do pósguerra. A resposta mais imediata, que provocaria um debate de mais de duas décadas, veio da autora neoconservadora americana, Gertrude Himmelfarb. Em The American Revolution in the Political Theory of Lord Acton, a autora esmiúça a interpretação de Acton da Revolução Americana para combater a visão que Hayek impõe ao historiador inglês. Himmelfarb parece ser a primeira a afirmar que Acton não é tão devoto ao pensamento de Burke como se acreditava. Em suas palavras “O verdadeiro pupilo de Burke diria, parafraseando T. S. Elliot, que entre a ideia e a realidade repousa a sombra da história; entre os desígnios dos filósofos e os fatos da sociedade há um conjunto de condições mediantes – as idiossincrasias da história, acidentes, tradição, leis, as vontades e interesses de indivíduos e grupos e os expedientes e compromissos políticos. E ele consideraria desejável que essas condições mediadoras existissem em toda sua diversidade e confusão. Acton, do contrário, era geralmente distraído e perturbado por elas. Para ele a condição ótima era aquela em que ideia e fato uniam-se numa correspondência exata e imediata. A 5

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história em seu único sentido significante era, ele acreditava, a história das ideias; ideias sozinhas eram o mote do avanço da história e da liberdade.” (HIMMELFARB, 1949: 296, tradução nossa)

Kochan, em Acton on History, posteriormente, afirmou que o jovem Acton era mais próximo de Burke do que o velho Acton, e o estudo Lord Acton and Edmund Burke, publicado por Seamus F. Deane, em 1972, talvez tenha amarrado a questão de uma vez por todas, conseguindo de forma satisfatória demonstrar essa mudança da visão de Acton sobre Burke. Kochan é mais bem sucedido em localizar essa mudança na medida em que Acton envelhece, enquanto Deane consegue perceber a incidência de múltiplos elementos do pensamento de Burke no pensamento de Acton em momentos determinados. Junto à negação da visão de Hayek sobre o tema, veio um denuncismo das leituras enviesadas do pensamento de Acton e um projeto discreto de se preservar a complexidade do pensamento do autor, sem simplesmente o reduzir a um apoio para ideias. Pensando dessa mesma maneira Lionel Kochan, em 1954, publica possivelmente a obra mais complexa sobre o pensamento de Acton e certamente a que explora de maneira mais aprofundada seu pensamento histórico: Acton on History, que analisa dois elementos da teoria da história de Acton, a moralidade e a simpatia, a relação dialética entre os dois e sua gênese na influência do historicismo. Ainda nessa época, são publicados dois trabalhos que lançam luz a um aspecto determinante na concepção histórica de Acton, que é sua larga influência da teologia histórica alemã da metade do século: Lord Acton on Dollinger's Historical Theology, publicado por Stephen Tonsor, em 1959, e The Religious Conscience in Lord Acton's Political Thought, publicado em 1961 por John S. Nurser. Esses textos são seguidos por dois livros sobre o autor, um de 1968, Lord Acton and His Times, de David Mathew; e Historian of Liberty, publicado por Robert Lindsay Shuttinger em 1976. Após esse período, a produção intelectual sobre o tema, especificamente, diminui substancialmente, apesar das citações a Acton nunca cessarem. Apenas em 1997 teremos a publicação de uma obra mais expressiva sobre o assunto pelo antigo Professor Régio de História Moderna de Cambridge, Owen Chadwick. Acton and History é uma coletânea de artigos que combina aspectos biográficos do autor-objeto com suas visões sobre o conhecimento histórico e que marca o início de uma nova fase de trabalhos sobre Lord Acton, 6

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a qual logo se juntam uma monumental biografia do autor, escrita por Roland Hill; Lord Acton and "The Insanity of Nationality", de Timothy Lang, e Lord Acton’s Irish Elections, de Colin Barr. Essas obras aparentemente não se conectam por uma problemática como vemos na produção das décadas anteriores – parecem desconexas entre si, quando não passam certo ar celebrativo ou revisionista, apesar de talvez se tratarem das obras mais rigorosas e claras sobre o tema. A primeira pergunta que surge após essa breve reflexão historiográfica é por que, antes de qualquer coisa, devemos estudar o pensamento de Lord Acton? Penso que temos a aprender com Acton sobre seu fazer historiográfico, que em certa parte ainda é o nosso, mas que não é a dimensão pedagógica do conhecimento sobre o passado que deve ser destacada. Sem muito me alongar na questão, diria que acredito que todo conhecimento sobre o passado é uma afirmação de alteridades e similaridades com outro mundo e que seu estudo representa não apenas uma melhor compreensão de nosso presente histórico (ainda que essas interpretações nos venham, em grande medida, “caducas”, como Koselleck sugere) pela determinação de seus limites, mas que representa também uma ampliação das possibilidades, um alargamento do horizonte de expectativas. Estudar Acton, como estudar qualquer passado, é exercitar a mente para compreender e experimentar novos mundos. Talvez, para aqueles que pensam de maneira mais pragmática, seja interessante dizer que Acton é uma rica janela para compreender e experienciar um momento importante para a historiografia britânica – já que vive no momento de tensão entre uma historiografia não profissionalizada e uma historiografia moderna e que transita entre esses dois polos constantemente – e que o estudo do caso britânico preserva certas características que são comuns aos processos de institucionalização da disciplina em outros países. Mas minha visão não é unanimidade, e caracteriza-se, igualmente, por não se conjugar com as outras produções recentes. Nesse momento em que vivemos a ausência de clareza dos motivos que estimulam a produção historiográfica sobre Lord Acton e que já assistimos falhar o projeto de preservar a complexidade do pensamento do autor – não sob o ponto de vista do enviesamento da produção intelectual sobre o assunto, mas na falha em pensar o autor fora de conceitos espaciais (liberal, católico, moralista, historicista, individualista) que não dão conta de explicar aspectos divergentes de qualquer intelectual, forçando-os a encaixarem-se em 7

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rótulos nos quais nunca caberão – o que existe de atual no pensamento de Lord Acton? Se a produção sobre o tema e as menções ao historiador continuam a existir, se partimos da ideia de que a produção historiográfica responde a certas carências de sentido do presente, o que existe de latente e mal resolvido no “caso Acton” que não nos permite superá-lo como tema de investigação historiográfica? Será que não percebemos qual é essa carência de sentido que nos compele a produzir sobre o autor, ou será que a produção atual é meramente estetizada, no sentido em que não responde verdadeiramente a nenhum problema? A mim isso não é claro, mas arriscaria dizer, inspirado pela temática deste Seminário, que não é ocasional que verifiquemos um vazio de trabalhos expressivos sobre o tema justamente a partir da década de 70, que para muitos autores foi palco de uma virada epistemológica. Pensar dessa maneira nos oferece duas possibilidades de responder a essas questões, que por sua vez não são fundamentalmente divergentes. A primeira delas é que a “crise de representação”, de que fala Michel Foucault, resultou numa espécie de nova episteme, que se manifesta também no vazio de produção intelectual sobre Lord Acton, e da qual ainda não nos distanciamos o suficiente para podermos superá-la ou para diagnosticarmos corretamente quais são as carências de sentido que movem uma historiografia na qual estamos plenamente imersos. A outra, e que me agrada mais, é que o que Eelco Runia chama de representacionalismo, ou o que Gumbrecht compreende como a conjugação do surgimento de um novo cronótopo (pós-moderno) e das condicionantes que nos permitiram romper com o enclausuramento hermenêutico moderno, esteja nos forçando a produzir conhecimento de uma dada maneira para a qual ainda não forjamos ferramentas teóricas e metodológicas adequadas. Ou, sendo mais específico: ainda não criamos maneiras satisfatórias para dar conta da dimensão presencial do passado – para dar conta daquilo que transcende o sentido – e isso é uma condição latente para a produção historiográfica na atualidade. Essa segunda possibilidade explicaria, por exemplo, a predominante referência em condições materiais que existe nas obras de Chadwick, Hill e Barr e que se apresenta de maneira muito discreta em toda a produção anterior, concentrada em discutir as ideias de Acton por elas mesmas. Explorar essas possibilidades é um trabalho que deve ser feito num espaço maior do que este pequeno texto comporta. Para concluir, resta dizer que existe muito de inatual em Acton – o empoeirado Lord Acton “campeão da liberdade” não responde mais aos problemas de nossa época, pois é um mito criado para representar os ideais de liberdade do pós-segunda guerra, 8

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portanto, de outra época. Ao mesmo tempo, existe algo de atual em Acton e, antes de avançarmos mais um passo na investigação da temática, é necessário identificar aonde, precisamente, reside essa atualidade.

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