O Balletmanco de Donny Correia: A antidança câmera em punho

May 28, 2017 | Autor: F. Vassoler | Categoria: Teoria e Crítica Literária
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1/23/2016

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ZUNÁI ­ ANO VI ­ EDIÇÃO XXI ­ OUTUBRO DE 2010 CRÉDITO DA IMAGEM: ADRIANA PELIANO

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    O BALLETMANCO DE DONNY CORREIA: A ANTIDANÇA CÂMERA EM PUNHO   Flávio Ricardo   No princípio era o Verbo? Não. A tensão pelo título substantivo: Balletmanco. A convivência dos contrários. O ballet, a harmonia cartesiana, a plasticidade dos passos, a leveza do cisne, o dedo em riste da sapatilha; o ballet – manco. O título prenuncia a tensão. Três segundos – tr3s. Sob a influência da temporalidade espacial de James Joyce, o Balletmanco flui sobre o palco da página: não há transcorrer temporal paulatino, o novelo narrativo não se desdobra como um meio desde o começo até o fim – por séculos e séculos, amém. Donny Correia é um iconoclasta. A formação da obra flerta inequivocamente com a própria deformação. Balletmanco. A antítese une forma e conteúdo em seu bailado trôpego. A palavra precisa considerar o próprio desenho, a disposição pela página, o lance de dados. A palavra também sofre a inflexão dos contrários sobre o próprio corpo gráfico.   “E vendo assim sua carne de cera deitada n’alcova – livre – reconheço cada parte onde tu foste corda onde em mim fosses forca”.   A palavra canônica, o beletrismo do ballet, a plasticidade das imagens por meio de uma forma plácida.   “Respirei fundo e meus olhos emparedaram o ar em pulmões castigados. (...) Enquanto você dorme e eu inalo poeira de vidro no pulmão enrijecido”.   A palavra vai manquitolando, a prosa poética – a proesia – deixa de ser simbólica para iniciar a agressão. Agressão sinestésica, balletmanco dos sentidos, pulmão emparedado, enrijecido,

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poeira de vidro inalado, “desenvolvemos o hábito de dormir nas cinzas”. É possível cheirar o ballet. Ovos podres, a conta do açougue, a sinfonia atonal da nádega privada, o flato – flatulentamente.

O

esgarçamento

da

convivência

dos

contrários

em

dois

pólos

tão

lingüisticamente distantes remete‐nos a uma iconoclastia aparentemente exclusiva ao conteúdo. No entanto, o entrechoque dos níveis díspares do discurso pode cumprir um papel todo outro na dinâmica dessa contradança – ou melhor, antidança.

 

O tempo flui – 23:59:58, 23:59:59, 00:00:00. O tempo flui em refluxo, a estória prossegue pelo plasmar da palavra até a imagem, o tempo se espacializa. O espaço é temporal. Ao invés de pensarmos em um transcurso, uma estrada, os pés bailarinos são intimados ao caminhar estático. A poética do Balletmanco solapa mesmo o transcurso mínimo dos três segundos ao se cristalizar em uma estátua. Ora, qual o tempo da estátua senão a iminência da eternidade? Ora, qual o tempo da estátua senão a atividade do espectador? O leitor precisa urdir os fragmentos do ballet para apreendê‐lo. Descalço, o leitor prossegue pelos cacos de vidro da antidança. O choque faz o texto fluir, daí a estátua volta a caminhar – ou melhor, dançar. O culto e o prosaico, o fluxo e o estático, a linha horizontal e o desenho espacial, a sugestão da imagem e a víscera exposta, o belo e o feio, a formação e a deformação: tese e antítese dançam de rosto colado. Não prosseguiriam pelo espaço cristalizado do tempo, não fosse o leitor constantemente tragado e preterido pela poética cinética do Balletmanco. Mas a estrutura tem voz – ainda que Donny Correia a submeta ao patíbulo das cordas vocais. Uma relação amorosa se desfaz. Tr3s segundos condensam uma vida juntos – disjuntos. Agora, a imagem pelo espaço do tempo remete‐nos a uma outra função trôpega: o devir caótico da memória. Cheiros, cores, dissabores: tudo remete à dissolução, o término dá o tom para o princípio da seleção poética. O Balletmanco caminha pelos escombros que não podem prosseguir.   “Lucidezafeto”.   No limite, a literatura é arremessada contra si mesma. A página deve ser lida, é bem verdade, mas o ballet, por ser errante, pretende ser visto – o auscultar com os olhos. Embaralhados e alucinados, o eu‐lírico e o foco narrativo – o foco lírico – plasmam‐se até a imagem da câmera, o enquadramento. A pena do Balletmanco mimetiza a montagem cinematográfica do Donny Correia cineasta. A metalinguagem desvela a confluência de planos para distintas linguagens artísticas. O cinema e a literatura. A cinética literária. A literatura cinematográfica. Ora, a convivência dos contrários já fora urdida desde o início: Balletmanco. No princípio era o Verbo? Não. A palavra imaginada, imagem in ação.

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*   Flávio Ricardo Vassoler é Mestre em Teoria Literária pela FFLCH / USP.  Subsolo das Memórias ‐www.subsolodasmemorias.blogspot.com.

* escreva para ZUNÁI: [email protected]

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