O Brasil e a UNIFIL: A participação de militares brasileiros junto ao contingente espanhol

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Revista Ipisis Libanis (Revista Eletrônica Acadêmica do ICBL)

O Brasil e a UNIFIL: A participação de militares brasileiros junto ao contingente espanhol Adriana Erthal Abdenur e Monique Sochaczewski12 Como parte do seu comprometimento para com a promoção da paz no plano internacional, o Brasil tem um longo histórico de participação em operações de paz, tendo participado em 50 delas, em cerca de 30 países e territórios, contribuindo com um total de mais de 48 mil militares e policiais (HAMANN, 2016, p. 48). Essa participação inclui missões de paz da ONU no Oriente Médio. De fato, o país enviou tropas para a Primeira Força Emergencial das Nações Unidas (I FENU), em Suez, de 1957 a 1967, contando com cerca de 6.000 homens ao longo de dez anos de participação. Era o batalhão expedicionário que passou a ser conhecido como Batalhão Suez após sua chegada ao Egito (MOTTA, 2010, p. 55). Com o fim da Guerra Fria e a consequente expansão das operações de paz, o Brasil voltou a ter participação nesse campo. É aí que se insere a atuação junto a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL em suas iniciais em inglês). O Líbano, que tem longa e importante relação histórica com o Brasil, inclusive pelos fluxo demográficos que remontam ao século IXX, corresponde a cerca de metade do território do estado de Sergipe, o menor estado brasileiro, mas insere-se em um complexo contexto pós-conflito (por conta de sua guerra civil de 1975 a 1990) e um conturbado cenário geopolítico. Dentre os principais elementos desse entorno geopolítico desafiador estão: as tensões recorrentes com Israel (especialmente devido à guerra de 2006); a presença e atuação do Hizballah; a instabilidade causada pelo conflito na Síria; e a atuação de grupos extremistas, tais como aquele ora conhecido como Estado Isâmico, nas proximidades da área de responsabilidade da UNIFIL. Atualmente, a missão conta com aproximadamente 10,511 tropas de 40 países, além de 848 civis (dos quais 591 são locais)3. Os países que mais contribuem com tropas e policiais são Indonésia, Itália, Gana, Nepal, Malásia e França. Em julho de 2016 o Brasil tinha 279 militares servindo junto à missão. Desde a sua implementação, após a invasão israelense do Líbano em 1978, a missão sofreu 312 fatalidades—em números absolutos, é a cifra mais alta entre todas as missões de paz da ONU—sendo que 93 dessas fatalidades foram causadas por "atos maliciosos" (quase todas as demais, resultaram de acidentes e doenças)4.

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Adriana Erthal Abdenur ([email protected]) é Fellow do Instituto Igarapé no Rio de Janeiro e pesquisadora colaboradora da Escola de Guerra Naval (EGN). A pesquisadora agradece o Programa de Bolsa em Produtividade em Pesquisa do CNPq pelo apoio ao projeto. Monique Sochaczewski ([email protected]) é Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). 2 As autoras agradecem a colaboração de integrantes da UNIFIL (Departamento de Assuntos Políticos e Estado-Maior) que foram entrevistados na base em Naqoura em julho de 2016. 3 ONU (2016) "Peacekeeping Factsheet": http://www.un.org/en/peacekeeping/resources/statistics/factsheet.shtml 4 UN (2016) "Fatalities by Incident and Mission Type" 31 July: http://www.un.org/en/peacekeeping/fatalities/documents/stats_4.pdf Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/ Ano 1 Número 1 2016

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*** A UNIFIL foi estabelecida em 1978, em função das tensões entre Líbano e Israel, ainda quando da Guerra Civil Libanesa (1975-1990). Seus objetivos imediatos eram confirmar a saída das forças israelenses que haviam invadido o Líbano naquele ano, alegando que ataques palestinos partiam daquele território; restaurar a paz internacional e a segurança; e apoiar o governo libanês para que efetivamente retomasse a autoridade sobre a área5. Em 2006, após conflito entre o Hizballah e as Forças de Defesa de Israel (IDF em suas iniciais em inglês), o mandato da missão foi alterado e foi incorporada à UNIFIL, por meio de resolução do Conselho de Segurança da ONU, a chamada Força-Tarefa Marítima (FTM), tornando a UNIFIL a “primeira e única Missão de Paz da Organização das Nações Unidas a contar com uma Força-Tarefa Marítima”6. Em 2010, a ONU e o governo do Líbano convidaram o Brasil a assumir a liderança da FTM (MONTENEGRO, 2014, p. 126). O pedido foi atendido pelo Congresso Nacional, que autorizou a Marinha do Brasil não só a enviar uma fragata, como também a comandar a força-tarefa. Em novembro de 2011, o primeiro navio de guerra brasileiro, a fragata “União”, foi incorporado a uma missão de paz da ONU como nau-capitânia, segundo termos do portal da Marinha7. O país lidera, portanto, a FTM, sucedendo a um grupo europeu composto por Portugal, Espanha, França e Itália—sendo o primeiro país não membro da OTAN a comandar a forçatarefa—e desempenhando importante papel na chamada 1a zona da missão, que corresponde ao mar territorial libanês. Nessa posição, o Brasil está encarregado de apoiar a marinha libanesa nas interdições marítimas, sobretudo de forma a evitar o contrabando de armas, e de contribuir para o adestramento dos quadros da Marinha de Guerra Libanesa. O Brasil comanda uma esquadra que é composta por sete navios: dois de Bangladesh; um da Grécia; um da Indonésia; um da Alemanha; um da Turquia; e a nau-capitânia brasileira, cuja substituição ocorre de seis em seis meses (ABDENUR, 2016). Vale destacar, porém, que o Brasil também contribuiu de outras maneiras para a missão, sobretudo no sul do Líbano, em área sob a responsabilidade da UNIFIL. Há cerca de meia dúzia de militares brasileiros servindo diretamente junto ao Estado-Maior da UNIFIL, por exemplo trabalhando na análise de dados e fazendo a ponte entre a FTM e o Estado-Maior. Além disso, desde 2014, oficiais do Exército Brasileiro participam das tarefas de uma das brigadas multinacionais, liderada por uma brigada sediada em Córdoba, na Espanha. O contingente está lotado no setor leste (Sector East, conhecido como SECEAST). O SECEAST é encarregado da parte do Líbano perto da tríplice fronteira com Israel e Síria. A região é altamente conturbada, visto que sofreu diversos combates dentro da área de responsabilidade do SECEAST, tais como as Colinas de Golã (onde ocorreram combates entre blindados entre a Síria e Israel durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973); as Fazendas de Chebaa (disputada pela 5

Disponível em: Acesso em: 31 Ago. 2016. 6 Disponível em: . Acesso em: 31. Ago. 2016 7 Desde então houve substituições, com a presença também das fragatas “Liberal” e “Constituição” alternando-se. Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/ Ano 1 Número 1 2016

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Síria, pelo Líbano e por Israel) e a cidade de El Khiam (um dos principais pontos de conflito entre o Hizballah e Israel na guerra de 2006). O ambiente é caracterizado como uma "paz tensa", com ataques, escaramuças e emboscadas entre o Hizballah e a IDF. Para manter a estabilidade nessa área, a UNIFIL conta com cerca de 3.400 militares em uma foça multinacional, com batalhões da Índia, Nepal, Espanha—sendo que a última inclui fuzileiros da Sérvia, de El Salvador, e da Indonésia—além de companhias independentes de militares e policiais. Os batalhões participam de patrulhamento da área, operação de postos de observação fixos e móveis, controle de movimento em eixos rodoviários e apoio às Forças Armadas Libanesas (LAF), e ações de integração civil militar em apoio 1a população local em áreas tais como saúde, educação, cooperação financeira e veterinária. A UNIFIL possui na região Projetos de Impacto Rápido (QUIK) voltados para ajudar a população libanesa e os refugiados assentados na área ao sul do Rio Litani. Em 2015 o Brasil enviou, pela terceira vez, sete militares que foram desdobrados junto à Brigada Espanhola durante seis meses ininterruptos8. Os brasileiros desempenham diversas funções, tais como inteligência, operações, logística, visitas e informação pública. Os militares brasileiros escalados para compor o contingente no Setor Leste são treinados no Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), onde são expostos não apenas a assuntos gerais da ONU, mas também questões mais específicas ao contexto operacional do Líbano e mais especificamente da UNIFIL. Após esse treinamento, os militares brasileiros seguem para Córdoba, onde é trabalhada a integração aos militares espanhóis, além de passarem por treinamento de idioma (espanhol e inglês), adaptação de material de emprego espanhol, instruções sobre gênero e outras dimensões relevantes ao trabalho na Zona9. *** Desde 2012, estuda-se a hipótese do Brasil contribuir também para a UNIFIL com um batalhão de infantaria. Em 2012, o Corpo de Fuzileiros Navais chegou a fazer seleção de pessoal para enviar para uma possível missão na UNIFIL como parte de um Batalhão brasileiro. Reuniões, estudos mais aprofundados e mesmo visitas técnicas à região já foram feitas nesse sentido. O profissionalismo, bom desempenho e credibilidade dos oficiais brasileiros tem feito destes profissionais qualificados e desejados para integrar missões de paz de uma maneira geral (atualmente, é estudado o envio de tropas para o Mali), e também junto à UNIFIL mais especificamente10. No caso específico da UNIFIL, o treinamento altamente especializado, a oportunidade de trabalhar com diversas nações com comprovada experiência militar, com troca de 8

Exército Brasileiro (2013) "Efetivo brasileiro que atuará em missão no Líbano encessar Fase de Adestramento Conjunto na Espanha" http://www.eb.mil.br/web/midia-impressa/noticiario-do-exercito//asset_publisher/IZ4bX6gegOtX/content/efetivo-brasileiro-que-atuara-em-missao-no-libano-encerra-fase-deadestramento-conjunto-na-espanha 9 Exército Brasileiro (2015) "Militares Brasileiros combatem no Líbano" 2 de julho: http://eblog.eb.mil.br/index.php/noticias/4156-militares-brasileiros-combatem-no-libano-2 10 Entrevista com membro do Departamento de Assuntos Políticos da UNIFIL, Naqoura, Líbano, agosto de 2016. Revista Ipsis Libanis http://www.icbl.com.br/ipsislibanis/ Ano 1 Número 1 2016

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conhecimentos e técnicas na rotina de trabalho, podem servir de atrativos. Ao que tudo indica, porém, a decisão ainda não foi tomada nesse caso específico, por conta de razões diversas, em que certamente o atual panorama político e econômico internos do Brasil tem peso importante; os laços históricos entre o Brasil e o Líbano também são relevantes, assim como alguns aspectos de risco para as tropas que compõem a missão, o que também influencia o processo decisório. A FTM, porém, acaba de ter ser contingente renovado, e há cooperação em termos de treinamento, com oficiais libaneses tradicionalmente participando de cursos oferecidos na Escola de Guerra Naval e na Escola Superior de Guerra. Pode-se dizer, portanto, que—ao longo dos últimos anos—as contribuições brasileiras para a paz no Líbano e no seu entorno vêm se diversificando no âmbito das operações de paz da ONU, apesar dos números de militares brasileiros fora da FTM ainda sejam relativamente pequenos.

Referências: ABDENUR, Adriana Erthal. "Rising Powers in Stormy Seas: Brazil and the UNIFIL Maritime Task Force" International Peacekeeping 23, 2016, p. 1-23. HAMANN, Eduarda Passarelli. A Força de uma Trajetória. O Brasil e as Operações de Paz da ONU (1947-2015). Military Review, Julho-Dezembro 2016, p. 47-62. MONTENEGRO, Caroline. Sobre jasmins, bombas e faraós. Reportagens de uma viagem pela Primavera Árabe. Rio de Janeiro: Record, 2014. MOTTA, Aricildes de Moraes (coord). História Oral das Operações de Paz: Missão em Suez. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2010.

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