O calvinismo e a cultura - H. Henry Meeter

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CAPÍTULO 7
O calvinismo e a cultura

Escrito por H. Henry Meeter



O dicionário define a palavra cultura como "o ato de cultivar, ou o resultado desta cultivação." A continuação explica o que se entende por esta cultivação: implica educação, qualquer disciplina ou desenvolvimento que se traduza num melhoramento – seja nas plantas, nos animais ou nos seres humanos -. Dai que se pode falar da "cultura das plantas, das flores, das abelhas", etc. Todavia, num sentido estrito o termo cultura se aplica à cultura humana, e em referência a "qualquer cultivo dentro da raça humana que resulte no melhoramento, esclarecimento e disciplina, e que se adquire pela educação moral e mental, pela civilização, por uma superação dos usos e costumes, etc."
A palavra é de uma significação muito ampla. Nós a usarmos, na maioria dos casos, em sua significação restrita e referida somente aos seres humanos. Mas, ainda aqui a palavra é susceptível de diferentes significações. Para alguns a palavra não vem a significar mais do que um mero refinamento. Assim quando alguém começa a trabalhar num escritório, pelo contato com a sociedade que o rodeia, adquire certo grau de refinamento, aprende algumas expressões seletas, desenvolve modos agradáveis e se veste segundo a última moda. Esta pessoa será catalogada como culta.
Estas definições resultam insuficientes, serem fragmentárias e se centrarem no melhoramento de tão somente um aspecto da vida humana. "A pessoa verdadeiramente culta é aquela que amadureceu completamente em todos os aspectos de sua vida, e deste modo, pode levar a termo o propósito pelo qual foi criada".A cultura humana, consequentemente, tem a ver não somente com o desenvolvimento de um determinado aspecto da vida, mas com todos.
É importante notar que a cultura implica sempre na ideia de melhoramento e não somente em desenvolver. Topsi no conhecido livro "A Cabana do Tio Thomás", nem sequer podia pronunciar corretamente a partícula afirmativa "sim", pois não era culta. O conteúdo verdadeiro da cultura, ou, melhor dizendo, os instrumentos da mesma, não são meramente mecânicos nem de natureza química, mas invadem a esfera da ciência, da arte, da técnica, da ética, da leia, e do estado, etc.; são sempre fruto da mente humana. No entanto, poderíamos dizer que a cultura é a atividade da mente humana aplicada as forças da natureza, e a elevação da criação, pelo uso destes poderes humanos, a uma meta mais alta e nobre. A cultura, resumindo, é o cumprimento daquele mandato dado ao homem, o rei da criação, por seu Criador no jardim do Édem: "enchei a terra, e sujeitai-a; dominai sobre ela" (Gn 1:28). O homem foi feito à imagem de Deus. Assim, como Deus é soberano sobre o universo e opera muitas e grandes maravilhas em sua criação, assim também, o homem – portador da sua imagem – recebeu o poder de exercer controle sobre a natureza: "dominai a criação, e desenvolvei as muitas possibilidades que há nela, e também se encontram em vossa natureza". A cultura é a realização deste mandato dado por Deus. Na tarefa cultural o homem tem que explorar e servir-se das matérias primas deste universo, e desenvolver a um plano mais nobre e elevado as possibilidades destes recursos. Uma vez conseguindo este desenvolvimento, o homem deve por a totalidade de sua produção cultural aos pés daquele que é o supremo Rei da criação e por quem todas as coisas foram feitas.

A CULTURA NUM MUNDO SEM PECADO
Se o homem tivesse continuado no Paraíso e evitado a queda, ainda assim teria diante de si o desenvolvimento de um mandato cultural. Para ele a cultura significaria a totalidade da tarefa a desenvolver naquele mundo colocado sob seu senhorio. Ele teria que conduzir a sua missão cultural em três direções: com respeito à natureza, consigo e com a humanidade. Com relação à natureza teria que exercer controle sobre ela, e extrair dela as suas possibilidades escondidas. Com relação a si, o homem teria que desenvolver a imagem divina de que era portador; e, como membro de uma sociedade humana teria que colaborar com a tarefa comum de melhorar as vastas possibilidades da humanidade, e que isoladamente o indivíduo não pode conseguir.
Consideremos a missão cultural do homem no Paraíso e pressupondo o que aconteceria se ele não houvesse caído no pecado, e deste modo chegaremos a ter um conceito mais exato da tarefa cultural do homem.
O trabalho seria, sem dúvidas, o primeiro mandato cultural, pois a ideia de desenvolvimento implícita no termo cultura. Desenvolver é levar a termo as possibilidades para o bem e fazer com que a criação – inclusive o homem – alcance o seu mais alto grau. E isto, naturalmente, não pode obter-se sem um esforço pessoal: sem o trabalho. Não é uma mera mudança de dedicar-se ao trabalho, mas um melhoramento - de outro modo não seria cultura -. Todo trabalho que melhora e desenvolve as possibilidades para o bem, contribui de alguma maneira para a grande missão da cultura.
Básico e primordial nesta tarefa cultural seria também o cultivo da terra e, que é conhecida como agricultura. Semeando e fomentando as suas possibilidades de colheita, é como o agricultor chega a dominar a terra. Juntamente com a agricultura temos de mencionar o comércio. O comércio abre caminho aos frutos da terra e faz com que eles cheguem aos demais homens, e deste modo todos possam desfrutar dos produtos da criação. Isto se obtém melhor e mais facilmente quando os homens trabalham segundo a sua vocação, e não separadamente. Em segundo lugar, vem a indústria, que através da máquina transforma estes produtos. Este tipo de trabalho também teria lugar no mundo sem pecado. Por meio da máquina o homem é capaz de desenvolver, de modo rápido e eficaz, as possibilidades latentes na natureza. Todos estes labores são essenciais para o cumprimento do mandato cultural, sendo o homem designado pelo Criador.
Há outras classes de trabalho em que a atividade da mente humana predomina, e nas que o labor físico é comparativamente menor. Geralmente, quando falamos de cultura nos referimos a certas esferas onde a maior atividade corresponde à mente. Isto é natural, pois a cultura é sempre triunfo da mente sobre a natureza, especialmente sobre as suas forças químicas e mecânicas. Ao falar da cultura nos referiremos, especialmente, às manifestações da ciência e da arte; sendo particularmente no plano científico e artístico onde podemos observar os maiores triunfos da mente humana sobre a natureza.

CIÊNCIA E CULTURA
Consideremos, em primeiro lugar, o mundo da ciência. Não nos referiremos a nenhuma ciência em particular, senão que aludiremos à ciência em geral – sendo as ciências naturais, humanidades, ou qualquer outra que possamos ter em mente -. Em todas elas vemos que mente humana se ocupa em examinar as obras da criação: ora o corpo, ou a alma, ora as coisas materiais ou as espirituais – destacando, em sua investigação, a natureza de cada objeto, sua ideia, sua relação com outros objetos, a classe a que pertence e de que maneira vem a ser parte de um mundo organizado -. A missão da ciência nos recorda o labor designado por Deus a Adão, quando fez que os animais passassem diante dele. A tarefa de Adão não era outra que a de descobrir a natureza de cada animal – sua ideia essencial – para si poder nomear segundo a sua natureza. A ciência tem o mesmo procedimento.
A ciência não cria seus próprios objetos, senão que tomando as coisas que Deus criou, descobre e examina as suas ideias fundamentais, assim como as suas relações, para em seguida classifica-las adequadamente. A ciência continua, pois, fazendo o que Adão fez no princípio da criação: estuda as coisas e, segundo a sua espécie, as categoriza. Somente a filosofia difere, em seu procedimento, do trabalho das outras ciências. Enquanto todas as demais ciências têm um campo específico em que ocorre a investigação, a filosofia, a chamada ciência dos universais, se esforça por determinar como as ciências particulares se agrupam num todo geral. A filosofia, se fosse correta em suas conclusões, chegaria a identificar-se com as afirmações da Bíblia sobre a natureza do universo.
Outro aspecto da tarefa da ciência é de caráter mais prático. Não somente a ciência trata de descobrir a ideia de um objeto, com também se esforça por mostrar o seu valor para esta vida; ou seja, procura fazer dela uma ideia prática. Uma vez que o cientista descobre a essência de algo, a sua meta imediata é a de controlar e fazer útil ao homem o seu descobrimento. De si mesmo o pensamento abstrato não reporta nenhum benefício; é necessário que, de algum modo, chegue a adquirir valor na vida. A ciência alcança a sua mais alta utilidade prática – ao lado de sua meta e culminação -, uma vez posto os seus achados e descobrimentos aos pés do grande Senhor do universo: Deus.

CULTURA E ARTE
Há outra esfera em que o domínio da mente sobre as forças da natureza se manifesta de um modo proeminente: o mundo da arte. Enquanto que a missão específica da ciência é a de descobrir as ideias das coisas, a arte pretende dar à ideia uma forma visível e sensorial. A arte a ver com os símbolos, a sua tarefa é a de manifestar de forma visível à ideia, ou imagem que o artista chegou a conceber da natureza, a fim de que possamos apreciá-la melhor. Mas a missão do artista não é somente mostrar a natureza na variedade de suas formas, senão que a sua missão específica é a de proporcionar-nos uma representação ideal de como deveria ser. Em sua obra de arte o artista nos oferece uma concepção elevada do que algo na natureza poderia chegar a ser uma vez que desenvolvidas as suas possibilidades. Consequentemente, a arte alcança a sua missão cultural ao mostrar em sua plenitude e maturidade as forças latentes da natureza.
Inicialmente começamos falando da arte possuindo tão somente o seu aspecto prático ou utilitário, ou seja, a sua manifestação nalgum trabalho técnico e obra de artesanato. Mas, com mais frequência ao falar da arte nos referimos às belas artes, ou seja: a arquitetura, escultura, pintura, música e poesia.
Reparemos em cada uma dessas manifestações artísticas e vejamos como através delas o artista capta alguma ideia formosa da natureza, e chega a dar-lhe uma forma visível ou simbólica. Primeiramente tomemos a arte da arquitetura. O artista concebe em sua mente uma forma estética bela à que da realidade material no edifício que levanta – uma catedral, por exemplo -. As catedrais da Europa são expressão das elevadas e formosas concepções que surgiram nas mentes de arquitetos de grande talento. Quanto àquelas estruturas que por serem de linhas vulgares e desenho basto não produzem em nós nenhum sentimento artístico elevado, não as classificamos de artísticas; pois, para sê-lo teriam que encarnar materialmente algum pensamento formoso. O escultor, em sua arte, faz o mesmo: sobre o bloco de mármore aplica o seu formão e consegue expressar o que está em sua mente: a forma de um homem ou qualquer outra imagem. O valor artístico da obra escultórica depende do grau em que esta chega à ideia que intenta expressar. Do mesmo modo que o pintor plasma sobre a paisagem que tem diante, a forma humana, ou qualquer ideia que extrai de sua mente e deseja exteriorizar. À medida que consiga, dependerá a avaliação artística de sua obra.
Na arte musical apreciamos idêntico processo estético. De modo sensorial e simbólico o músico trata de fazer chegar a outros a intuição estética captada por seu espírito. E também aqui, a medida que consiga – através da melodia musical – exteriorizar a sua intuição, poderemos avaliar artisticamente a sua produção. E quanto à poesia, e contrariamente ao que sucede com o escultor – que necessita do mármore -, o do pintor – que precisa de tela e de seus pincéis -, o poeta não necessita de meios materiais – a não ser que assim consideremos a linguagem de que se serve -. O poeta através da linguagem expõe a imagem de seu espírito; a sua arte, sem dúvida alguma, vem a ser mais conceitual, e mais espiritual.

OS EFEITOS DO PECADO SOBRE A CULTURA
Consideremos do mesmo modo como o pecado afetou o labor cultural do homem, e de que maneira a cultura se relaciona com o cristianismo. O pecado não tornou desnecessária ou supérflua a tarefa cultural do homem. O pecado não pode fazer com que as exigências de Deus se tornem supérfluas; tão pouco pode frustrar nenhum dos propósitos divinos. Sobre nós pesa a mesma obrigação de guardar as leis de Deus que pesava sobre Adão; e isso é assim, ainda que levando em conta que como resultado de nossa escravidão do pecado, não poderemos guarda-las.
O mandato divino de dominar a terra e cultivar as possibilidades, ou seja, o mandato cultural tem tanta vigência hoje como quando Deus o deu. De alguma maneira Deus fará que a meta cultural se realize completamente e as possibilidades de uma natureza cheguem ao seu cultivo; e para isto, ou bem se servirá do homem pecador, ou recorrerá a outros meios.
Mas o pecado tornou duplamente difícil a tarefa cultural. Antes do pecado não havia algo que impedisse esta tarefa; mas depois de sua aparição a terra em que o homem deveria exercer o seu domínio e alcançar a sua meta cultural, se encontra sob a maldição de Deus. Os espinhos e abrolhos, de que falam Gênesis, são símbolos de todo um conjunto de forças destrutoras que operam na natureza e que originalmente não existiam. Em vez de uma harmonia, em que todas as ordens da natureza e da submissão pacífica da terra ao homem, agora temos de enfrentar infindáveis dificuldades, pois a natureza está transtornada. Consequentemente, a tarefa cultural do homem resulta muitíssima mais difícil.
Entretanto, o homem também experimentou alguma mudança. Não mais possuí a imagem de Deus naquele grau de antes; perdeu o conhecimento necessário para desenvolver claramente de sua tarefa cultural. Em vez de obter o seu domínio a metas mais elevadas, com muita frequência o homem obra em seu próprio prejuízo; em vez de ser o rei que governa sobre a natureza, muitas vezes, se converte em seu escravo, e é incapaz de desenvolver aquele poder que uma vez teve para controlar as forças da natureza. Mas não somente o indivíduo carece dos recursos necessários para levar a termo com êxito a tarefa cultural, mas também a humanidade, que em sua totalidade, se vê incapaz de consegui-lo. A tarefa cultural em que a sociedade organizada deve ocupar-se por ação conjunta de seus componentes, se vê atrapalhada por infinitos conflitos entre os homens, e faz com que seja sumamente difícil a cooperação entre eles: o que um edifica, o outro abate. Desde a queda, a humanidade é um campo de interesses e propósitos conflitantes.
De tudo isto se pode inferir que onde o pecado se converteu no fator decisivo, o desenvolvimento cultural da criação nunca alcançará um grau harmônico e completo de maturidade. O pecado destrói e atua em detrimento do desenvolvimento cultural da criação de Deus.
Na ciência, na arte, na ordem moral da sociedade, e em qualquer outra esfera, a influência do pecado redundará num processo de divisão, num entenebrecer da mente e num falseamento geral dos ideais. Somente quando Cristo eliminar os efeitos do pecado poderá a cultura alcançar a sua plenitude. Com a sua vinda Cristo fará com que a terra se veja livre de sua maldição e retorne a ordem natural da criação; ele renovará a imagem de Deus no homem e estabelecerá de novo a harmonia entre os homens, entre estes e a natureza e, entre a criação e a vontade de Deus. Cristo não somente restaurará a criação, mas também, trará a luz todas às possibilidades e fará com que cheguem a desenvolver a um nível muito mais alto do que o que somos capazes de imaginar.
Se é certo, pois, que o pecado tende a eliminar e diminuir o processo cultural, temos de concluir que não há possibilidade de cultura naquelas terras pagãs onde não se reconhece a obra redentora de Cristo? De modo algum. Contudo, temos que dizer que, efetivamente, seria assim se o pecado fosse a única força em atividade. Mas aprendemos ao estudar a graça comum, inclusive em terras pagãs, Deus faz que se manifestem certas forças que, de alguma maneira cheguem a contrapor à força destrutora do pecado, e fazem com que o bem cultural se manifeste de muitas maneiras. Como prova disto, somente temos que observar o alto grau de civilização alcançado em muitas terras pagãs da antiguidade – especialmente na Grécia e Roma – onde vemos que o pecado não pode destruir o florescente desenvolvimento cultural destes povos. O que diremos das sublimes ideias que inicialmente afloraram em Platão, Aristóteles e nos escritos dos antigos trágicos? Que obras de arte mais maravilhosas, especialmente no campo arquitetônico e escultórico! E que tão grandes lógicos e matemáticos não descobrimos no antigo mundo clássico!
Mas por mais desenvolvida fosse o nível da cultura destes povos, ainda assim descobrimos, vez e outra, o seu fracasso, especialmente em dois sentidos. Ao examinar as culturas da Assíria, Babilônia, Grécia ou Roma, percebemos que estes povos foram incapazes de coroar o ideal da verdadeira cultura; e ainda, em suas culturas encontra a semente da decadência. Uma vez estudamos a atitude destes povos em relação a alguns fatos básicos com os que a cultura tem a ver, tais como o homem, a natureza e a sociedade, concluímos que não alcançaram o ideal da verdadeira cultura. Qual era o seu conceito do que é o homem? Nem mesmo os gregos chegaram a crer na igualdade de todos os seres humanos; para eles a mulher era inferior ao homem. Muito menos consideravam a todos os homens como ocupando um mesmo plano humano, já que a condição de escravos, segundo eles, era inferior; somente os cidadãos livres eram considerados como verdadeiramente humanos; mas mesmo aqui terminavam em divisões, pois nem mesmos os livres eram considerados como verdadeiros homens a não ser que fossem gregos: somente os gregos eram verdadeiros homens. Esta ideia tão pobre do homem é a que prevalece em todas as terras pagãs. Bem se disse que foi em Jerusalém que pela primeira vez se descobriu o valor do indivíduo. Ele sabia qual era o preço da alma humana. Mas, os gregos, além disso, faziam depender o valor dos cidadãos livres da relação que estes sustentavam com o estado. Que conceito eles tinham da humanidade e da relação e convivência entre os homens? Os gregos costumavam dizer: "somos gregos e os demais são bárbaros". E com isto não foram os únicos; também outros povos chegaram a mostrar o mesmo tom depreciativo com os demais, enquanto que no seio de sua sociedade alimentavam numerosas distinções de classes. Jamais chegaram a alcançar a ideia bíblica de que Deus, de um só sangue, fez toda a linhagem humana. Tão pouco a ciência, e por importantes que fizeram os seus descobrimentos no decorrer do tempo, conseguiram descobrir o propósito do homem para esta vida ou para a eternidade, nem o alvo que Deus destinou para a criação.
Além disso, a cultura pagã levava em si a semente de sua própria ruína. Inclusive nos tempos de mais fecundo florescimento encontramos na antiga cultura a amarga raiz do pecado. Juntamente com a colheita e armazenamento dos abundantes frutos de uma cultura esplêndida, tanto na ciência, a arte e a vida social, se ocorria o terrível câncer de uma imoralidade incontrolada – ainda nos círculos mais elevados – e que era agouro certo de sua iminente ruína e destruição. Não é de se estranhar, pois, que uma após outra, as diferentes culturas sucumbiram. Conta-se que em Santa Elena, Napoleão disse: "Alexandre, César, Carlos Magno e eu, também chegamos a fundar impérios, mas sobre o que descansa a essência da nossa criação? Sobre a força. Somente Jesus fundou o seu império sobre o amor e, todavia, hoje ainda milhões morreriam por Ele." E isto é assim não somente em relação aos impérios, mas também, com respeito à cultura geral. Somente aquela cultura que está fundamentada em Cristo subsistirá. Em nosso tempo parece como se a cultura da Europa estivesse a ponto de desmoronar-se, e está cada vez afastando-se do Evangelho e dos ideais, do poder, da graça e os mandamentos de Jesus Cristo. Todavia, acontece o que for, a Igreja, o reino de Deus e tudo o que está edificado sobre a Rocha Eterna, permanecerá para sempre.

O CRISTIANISMO E A CULTURA
O que dissemos acerca do fracasso da cultura pagã revela o quão necessário é o cristianismo para a civilização. Seria errôneo dizer que a cultura não pode existir aparte do cristianismo; sendo que, como temos visto, de fato existiram culturas, e às vezes, alcançaram a um alto nível, entre muitos dos povos antigos. Mas para que a cultura chegue a coroar a meta que lhe é própria e possa desenvolver os seus propósitos segundo a finalidade da criação, deve recorrer como guia aos princípios da revelação especial de Deus. Em segundo lugar, se a cultura deseja livrar-se da mesma ruína que assolou as antigas nações pagãs, ela terá que depender do poder moral do cristianismo.
O cristianismo se opõe à cultura? Há muitos que assim afirmam e, aparentemente, com razão. O estudo da história antiga, medieval e moderna, revela que no curso dos séculos são muitos os que desde o mundo da cultura mostraram animosidade contra o cristianismo. De fato, alguns foram de fato através de um criticismo polêmico e com teorias filosóficas diversas; outros mostraram a sua oposição no campo social, industrial e político; inclusive, outros mostraram a sua animosidade no campo de batalha e, lutaram com o propósito de esmagar religião cristã.
É interessante notar como nos círculos políticos e sociais – além de outros mais – os homens do mundo, inclusive os de posição elevada, dão amostras de profundos desacordos; mas, no momento em que o cristão faz asserções sobre a sua religião, estes homens, que entre si possuem tantas diferenças, do mesmo modo que Herodes e Pilatos, imediatamente dão as mãos e fazem causa comum contra os perigosos cristãos. A oposição que na Holanda, e também na Alemanha, se faz ao partido cristão constitui um exemplo eloquente disto. Recordemos que a oposição da Alemanha nazista ao cristianismo não se devia a uma falta de cultura, pois este país figurava como principal dos países cultos. Individualmente os alemães eram mais cultos que o que podemos ser atualmente. Então, não está a cultura em oposição ao cristianismo?
Alguns grupos cristãos chegaram a supor que sim. Não poucos fundamentalistas hoje em dia assumiram esta posição. Por isso, a consigna nalguns destes círculos como sendo: "Não busqueis as vantagens da cultura, nem os misturem na sociedade intelectual; esqueçam-se dos centros da ensino superior; nem estudeis para médicos, advogados ou químicos; não se envolvam com política, nem soliciteis empregos estatais: tudo isso se opõe a vossa fé cristã. Separai-vos do mundo e juntai-vos com a sociedade dos cristãos e salvai, assim a vossa alma para a eternidade; desentendei-vos das tarefas da cultura." Não é necessário dizer que estas pessoas na realidade propuseram uma separação radical entre o cristianismo e o mundo da cultura; para eles a cultura deve ser abandonada para os homens do mundo, aos não cristãos. Sobre este particular a posição da Igreja Romana é algo diferente; mantém que os frutos da cultura – num plano natural – são bons, desde que se submetam ao controle e direção da Igreja.
Nós, como calvinistas, temos que defender uma posição mais difícil, mas também, mais bíblica. Onde a cultura produz frutos positivos – seja na Grécia, na Roma antiga, ou entre os incrédulos de qualquer parte – precisamos reconhecer que estes frutos são resultado da influência divina manifesta entre estes povos, apesar da sua disposição pecaminosa. Sem esta influência divina, o pecado, longe de edificar, destruiria toda a criação. Então, onde descobrirmos estes frutos da graça comum de Deus, devemos nos apossar deles e, agradecidos, usá-los para o louvor e para a vinda de seu Reino. Além do mais, como cristãos pesa sobre nós a tarefa de participar na missão cultural do mundo; não podemos nos retrair, pois também a nós chega o mandamento de encher e dominar a terra.
Consideremos que nas sociedades desenvolvidas com frequência se utiliza os frutos da cultura para fins perversos contrários ao cristianismo, o fato é que, em si a cultura favorece o cristianismo. Pensemos de maneira a cultura contribuiu para a extensão do Evangelho nos tempos apostólicos. Dela se beneficiaram Paulo e seus cooperadores para falar aqueles a quem levavam o Evangelho; pensemos também na vantagem que significava para eles a malha de estradas romanas, a unidade linguística do império e os numerosos benefícios daquela administração política. Recordemos a ênfase de Calvino dava àqueles que estudavam para o ministério em Genebra, que adquirissem primeiramente uma ampla formação – tal como a que ele teve -. Se alguém possui pouco dos benefícios da cultura, o resultado será em detrimento da causa do Evangelho.
Mas não somente a cultura redunda em benefício para o cristianismo, bem como por sua vez, reporta aos mais altos benefícios da cultura. O cristianismo representa o único fator através do qual a cultura pode manter a viva esperança de conseguir a sua missão e alcançar o seu ideal genuíno. É certo, por outra parte, que muitos, em círculos culturais não cristãos, se mostram contrários ao cristianismo; mas isto se deve ao seu coração perverso e não à cultura; sendo que a cultura não é além de outro nome para designar a tarefa que pesa sobre a humanidade: a desenvolver os materiais brutos deste mundo – não somente na natureza, como também no homem – e colocar em descoberta as grandes possibilidades inerentes na criação e usar estas segundo o propósito que Deus estabeleceu. Um grande erro apreciável em muitas pessoas cultas não crentes, é o de que ainda que eles descubram as possibilidades, ou seja, os poderes que lhes brindou o desenvolvimento cultural do mundo, estas não chegam a descobrir o seu uso apropriado. Ocasionalmente fazem um mau uso destas descobertas e os dirigem para propósitos egoístas e perversos, e não para o serviço de Deus e ao próximo. Somente o cristianismo descobre os propósitos verdadeiros da cultura; e apenas no cristianismo onde se oferece ao pecador o poder regenerador do Espírito e pelo qual poderá canalizar esta sua missão cultural à meta genuína.
Chegará o dia quando a obra redentora de Cristo terá pleno cumprimento sobre esta terra; das cinzas deste mundo surgirá um novo universo em que as possibilidades para o bem se incrementarão num grau inusitado. Uma humanidade gloriosa com uma cultura perfeita – que o olho nunca viu, nem a mente jamais imaginou – encherá a terra. Ao contemplar este mundo futuro e o seu desenvolvimento perfeito, uma vez mais, percebemos o quão equivocados estão os que consideram a cultura e o cristianismo como inimigos. Na realidade, o triunfo da cultura somente virá através do cristianismo e de seu Cristo. Assim, rendamos a Cristo toda a glória, pois ele também é Rei da cultura. Portanto, pesa sobre nós a obrigação de esforçarmos com todo o nosso ser, e sobre um fundamento cristão, em prol dos ideais cristãos, a fim de que nas respectivas esferas de nossa vocação, Cristo seja reconhecido como Rei da cultura. Este é o alto ideal cultural que nos inspira como calvinistas.


Extraído de H. Henry Meeter, La Iglesia y el Estado (Grand Rapids, TELL, 1963), pp. 75-91. Este livro originalmente foi publicado sob o título de THE BASIC IDEAS OF CALVINISM.

Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
30 de Maio de 2015.




H. Henry Meeter, Doutor em Teologia, foi presidente durante 30 anos do Departamento Bíblico do Calvin College, Grand Rapids, MI. Nota do tradutor.
Herridge, Wm. T., Article on Culture, in The Presbyterian Review, vol. IX, p. 389.
John Calvin, Institutas, IV.2.15.
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